As sentenças, que anularam cessões de crédito do Santander e do BPI, colocam em evidência a desproteção dos consumidores e questionam as práticas dos bancos para limpar os seus balanços de crédito malparado. Em dois acórdãos, de outubro de 2024 e maio de 2025, o STJ concluiu que a alienação de empréstimos à habitação a empresas não financeiras, muitas sediadas no Luxemburgo, é irregular por violar a legislação que protege os clientes bancários. O tribunal argumenta que, ao sair da esfera de uma instituição de crédito, o contrato "passa a estar excluído" da proteção do Decreto-Lei n.º 74-A/2017.

Consequentemente, os devedores perdem o acesso a "normas imperativas" como o "direito de retoma", que lhes permite saldar os valores em atraso e retomar o pagamento das prestações. O STJ considera que a venda a uma entidade que não pode conceder crédito funciona, na prática, "como modo de 'fugir' ou tornar mais difícil (impossível) o direito que a lei atribui ao devedor". A jurista da Deco, Natália Nunes, afirma que o problema se acentuou a partir de 2017, com vagas de clientes a procurar apoio. O Banco de Portugal admitiu não dispor de dados sobre o montante total de crédito à habitação vendido desde essa data e confirmou que, após a cessão, deixa de ter informação sobre a evolução do crédito. A situação expõe uma lacuna regulatória que uma diretiva europeia, transposta com atraso por Portugal, visa colmatar, garantindo que os devedores não fiquem numa situação jurídica pior após a venda do seu crédito.