A carga fiscal em Portugal atingiu 35,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, o segundo valor mais elevado do século, apesar de o peso do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ter recuado para o nível mais baixo da última década. Esta aparente contradição revela uma alteração estrutural na composição da receita fiscal do Estado, com implicações significativas para a economia e para os contribuintes. A análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) demonstra que, embora as medidas de alívio no IRS tenham reduzido o seu contributo para 6,2% do PIB em 2024 — com uma previsão de descida para 5,7% em 2025 —, este efeito foi mais do que compensado pelo aumento da receita de outras componentes. O agravamento da carga fiscal foi impulsionado pelo crescimento da receita do IRC, que aumentou o seu peso em 0,4 pontos percentuais (p.p.) para 3,9% do PIB, pelo IVA (+0,2 p.p.)
e pelas contribuições sociais (+0,3 p.p.).
O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Carlos Lobo, alerta para os riscos desta trajetória, afirmando que ela “reduz a elasticidade da receita ao ciclo económico, fragiliza o papel redistributivo do imposto pessoal e, sobretudo, intensifica a dependência do sistema fiscal em relação ao IVA e ao IRC”.
Segundo o antigo governante, esta evolução não resulta de uma estratégia planeada, mas de fatores conjunturais, e acontece porque não foi realizado “o trabalho essencial: a Reforma do Estado e a moderação da despesa pública”. O fiscalista João Espanha corrobora esta visão, sublinhando que o aumento da despesa pública torna difícil uma redução ambiciosa da carga fiscal, e critica o facto de “5% dos cidadãos” pagarem “quase toda a receita do IRS”.
Em resumoApesar do desagravamento do IRS, a carga fiscal global em Portugal subiu, impulsionada pelo IRC, IVA e contribuições sociais. Peritos alertam que esta mudança aumenta a dependência do Estado de impostos menos progressivos e enfraquece o sistema fiscal, evidenciando a necessidade de uma reforma do Estado e controlo da despesa pública.