Reportagem: No interior do jardim mais venenoso do mundo
Os guardiões do jardim venenoso, nos terrenos adjacentes ao Castelo de Alnwick, em Northumberland (Inglaterra), preparam-se todos os anos para o pior cenário. O jardim, o maior do seu género no mundo, está fechado por trás de portões de ferro decorados com caveiras e exibe mais de cem variedades de plantas tão mortais que não é possível entrar sem supervisão. E há sempre desmaios!As visitas guiadas começam a cada 30 minutos, e os guias avisam os visitantes para não tocarem, lamberem ou colherem plantas enquanto ouvem falar dos envenenadores da história e vêem as poções que lhes serviam de arma. Há o Envenenador da Chávena de Chá [Teacup Poisoner] que iniciou a sua vil série de assassínios ao drogar a irmã com Atropa belladonna. E o Doutor Morte [Doctor Death], um médico condenado por assassinar 15 dos seus pacientes com uma droga extraída da papoila do ópio. De vez em quando, um visitante colapsa por desmaio. Os jardineiros crêem que os desmaios aumentaram desde que começaram a exibir a contagem num quadro negro. Também parece possível que a emanação de uma mistura do perfume inebriante do loendro, do teixo e da beladona forme uma combinação que faz desmaiar os mais susceptíveis. Inaugurado há 20 anos como atracção macabra, o Jardim Venenoso ganhou nova vida ao tornar-se um destino para investigadores de todos os tipos, desde cientistas curiosos sobre toxinas exóticas a escritores de romances policiais à procura de inspiração. Num dia de Verão, quando a contagem anual de desmaios estava em cerca de 70, Mickey Leach, o jardineiro-chefe de 38 anos, partiu ao meio uma folha brilhante de louro-cerejo que se projectava sobre um trilho. “Esta é uma das plantas mais comuns para sebes neste país”, disse. “Quando se parte uma folha ao meio, o que se obtém? Cianeto.”O Castelo Alnwick pertence à mesma família há mais de setecentos anos. Tradicionalmente, era a residência do aristocrata de mais alto escalão da região, e o castelo e os cinco hectares do jardim passaram por vários condes e duques até ao actual proprietário, Ralph Percy, o 12.º duque de Northumberland, que se mudou para ali em meados da década de 1990 com a mulher, Jane.Por serem as mais perigosas, as plantas fechadas atrás de grades despertam maior interesse.A duquesa começou a projectar melhoramentos na propriedade em ruínas, acrescentando-lhe fontes, labirintos e amplos relvados, e criando a organização de beneficência Alnwick Garden, que inclui o jardim de plantas venenosas.Embora algumas das plantas mais destrutivas sejam também fontes de curas medicinais e antídotos – como a vinca de Madagáscar, que pode causar toxicidade hepática quando ingerida, mas também é usada no tratamento da leucemia –, os benefícios não impressionaram a duquesa, que disse certa vez: “Na verdade, acho a história de como as plantas podem curar bastante enfadonha. É muito melhor saber como uma planta pode matar.”A omnipresença de venenos nos nossos próprios quintais motivou um grupo de químicos forenses a desenvolver uma experiência anual no jardim, quantificando as toxinas em 25 plantas diferentes acidentalmente ingeridas por crianças. A Atropa belladonnafoi considerada pelos cientistas como uma das mais perigosas para as crianças, sendo necessária maior sensibilização do público para evitar consequências fatais.De volta à sala de descanso dos jardineiros, num quadro branco, aponta-se a lista das tarefas do dia: cortar a relva ao longo de uma estrada de acesso e… cuidar de 20 mandrágoras letais. “A mandrágora está entrelaçada com a história da humanidade”, disse Mickey Leach, explicando que os faraós usavam a mandrágora como intoxicante e os romanos como anestésico no campo de batalha. Mais recentemente, a autora J.K. Rowling transformou as mandrágoras numa fonte de cor nos seus livros de Harry Potter, retratando-as como raízes mágicas que se assemelham a bebés humanos a chorar.Mickey confessou que só começou a estudar mandrágoras na última Primavera, depois de receber um e-mail de uma entusiasta de mandrágoras que pretendia doar a Alnwick a sua colecção, que incluía uma variedade rara autóctone da Ásia Central. As 20 mandrágoras herdadas vivem agora numa instalação fechada. “As raízes são venenosas”, diz Leach. “Vamos ter de as enjaular.”Os jardineiros crêem que os desmaios dos visitantes aumentaram desde que começaram a exibir a contagem num quadro negro.Por serem as mais perigosas, as plantas fechadas atrás de grades despertam maior interesse. Algumas Ricinus communis, produtoras da ricina venenosa, são mantidas em gaiolas. Já a planta verde e roxa de aparência inofensiva, por lei, tem de ser mantida atrás de grades. “Salvia divinorum”, diz Leach. “Quando se fuma, provoca uma sensação semelhante à do LSD durante 30 segundos.”É fácil perceber por que razão os escritores de romances policiais gostam de visitar Alnwick. Na sua primeira visita, a romancista britânica Jill Johnson explorou os caminhos cobertos de urtigas, com as mãos nervosamente enfiadas nos bolsos. Depois, teve uma ideia genial: uma botânica-detective que usa o seu jardim como ferramenta para resolver crimes, semelhante à adorada personagem de Agatha Christie: Miss Marple. Basta um minúsculo pedaço de raiz de mandrágora para matar alguém. O primeiro livro de Jill Johnson da série “Professor Eustacia Rose Mysteries”, Devil’s Breath, foi lançado em 2023 e, desde então, a romancista regressou a Alnwick à procura de inspiração. É “um saco de doces repleto de maravilhas venenosas”, diz. “Vai manter-me inspirada para ‘matar’ mais pessoas, usando plantas letais durante muito tempo”.De acordo com funcionários do Jardim Alnwick, já houve pelo menos um corpo de polícia a pedir uma visita para “discutir o uso de plantas e venenos a que devem estar atentos no futuro”. O corpo de polícia em questão recusou-se a comentar, mas registaram-se vários casos de envenenamento de grande repercussão no Reino Unido, entre os quais se destaca o assassínio, em 2009, de um homem cujo jantar de caril foi adulterado com acónito. Mickey Leach sublinhou que bastaria um minúsculo pedaço de raiz de mandrágora para matar alguém. É útil, portanto, que todos os detectives saibam distinguir o malmequer-dos-brejos do visco-branco.O jardim continua a incorporar constantemente novas plantas, mas até recentemente estava em falta uma das espécies mais “dolorosas”. A Dendrocnide moroides, ou “gympie-gympie”, é uma urtiga australiana incrivelmente perigosa. O contacto mais ligeiro pode fazer vomitar. Depois de ver vídeos no YouTube sobre as vítimas da planta, o responsável pelos guias do jardim, John Knox, tentou cultivar uma a partir de uma semente que comprou na Internet. Quando não conseguiu, entrou em contacto com um indivíduo que mantinha uma planta do tamanho de um gnomo de jardim dentro de uma gaiola na sua sala de estar.Knox transportou-a para Alnwick numa caixa de transporte para cães coberta com sacos de lixo para evitar o contacto com os espinhos, que podem causar um efeito que ele descreveu como “ser incendiado, electrocutado e ter ácido quente despejado sobre nós, em simultâneo”. A “gympie-gympie”, agora bastante maior, vive como Hannibal Lecter numa caixa transparente trancada na ponta do jardim. “Não abrimos a caixa sem um fato de protecção”, explicou Mickey Leach. “Imagine se uma rajada de vento soprasse lá para dentro!” Tal como Knox, Leach fez pesquisa sobre os efeitos. “Três ou quatro semanas de dores intensas e episódios agudos nos anos seguintes”, relatou. “É um pesadelo. E como se gere uma colecção que contém pesadelos destes?”. Mickey Leach começou a dedicar-se à jardinagem em criança, atraído pela ciência, segundo ele, porque era a profissão menos assustadora que conseguia imaginar-se a fazer. Acabou onde acabou! Artigo publicado originalmente na edição de Novembro de 2025 da revista National Geographic.