O Alerta de Lídia Jorge: A Inação da Europa e a Resistência pela Palavra



A escritora Lídia Jorge alertou que a Europa se encontra "imóvel" perante a repetição de uma "ideologia de opressão" à escala mundial. Durante a cerimónia em que recebeu o título de doutora 'honoris causa' em Literatura pela Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, a autora afirmou que o continente, embora consciente da violência das guerras, assiste passivamente ao ressurgimento de discursos opressivos.
Jorge instou os jovens a não se deixarem dominar pelo discurso bélico que voltou a ganhar força, uma tarefa dificultada pelo domínio da cultura digital. No seu discurso, a escritora destacou os perigos da era digital, onde se tornou possível "desvincular a realidade do discurso que a traduz", introduzindo a mentira como válida.
Exemplificou com a facilidade com que se pode difundir a notícia falsa do naufrágio de um barco que, na verdade, navega sem problemas. Lídia Jorge abordou também a ameaça da inteligência artificial, que promove a "substituição do ensaio de autoria própria pelo discurso mecânico", e alertou para o risco de cruzar as novas tecnologias com ideologias do passado, como a do nazi Himmler, que proclamava a superioridade de uns sobre os outros. Como antídoto, defendeu que a literatura e a filosofia continuam a ser "pilares do conhecimento e da busca da verdade essencial".
Segundo a escritora, a memória histórica, o pensamento filosófico e o domínio sofisticado da linguagem, que a poética permite, são fundamentais para promover o "pensamento crítico e a imaginação libertadora".
Fez um paralelo entre o discurso de alguns líderes públicos atuais e as táticas do ditador italiano Benito Mussolini, que pretendia reduzir a linguagem a "palavras slogan" e "gestos brutais", transformando cada frase num grito de guerra. Apesar do cenário sombrio, Lídia Jorge manifestou esperança de que os jovens adotem uma nova ideologia "que combata a brutalidade das palavras e das ações primitivas".
Na cerimónia, a reitora da Universidade dos Açores, Susana Mira Leal, descreveu a distinção da escritora não apenas como um ato de justiça, mas como um "gesto de resistência cultural" e um compromisso com a "dignidade da palavra e da pessoa".










