Quando a ciência falhou: erros, fraudes e equívocos taxonómicos
1. A misteriosa águia de Washington (Haliaetus washingtoni)No seu famoso livro The Birds of America, o naturalista e ilustrador científico John James Audubon incluiu, no ano de 1826, uma misteriosa ilustração de um animal identificado como Falco washingtoni, mais tarde corrigido para Haliaetus washingtoni. Este animal pertenceria a uma espécie descrita pelo próprio Audubon, supostamente a partir de um espécime colectado que seria semelhante à Haliaeetus leucocephalus, a águia-calva que é considerada um símbolo dos Estados Unidos da América, mas facilmente distinguível pelo seu porte muito maior e diferenças na coloração e na morfologia.A descrição desta espécie revelar-se-ia importantíssima para Audubon, fazendo parte da sua estratégia de angariação de fundos (principalmente na Europa) para a edição do livro acima mencionado. O problema é que não só não há qualquer evidência de que esta ave tenha na realidade existido. Uma posição mais generosa aponta que poderia ser uma espécie rara e que se extinguiu entretanto, mas a falta de quaisquer evidências da sua presença que não esta tornam-na pouco provável. Foi também sugerido que poderia ter sido apenas um erro de identificação por parte de Audubon, confundido um juvenil de águia-calva ou uma águia-real com uma espécie nova. No entanto, também se podem ler críticas bem mais contundentes a este caso. O facto é que, tirando Audubon, nunca ninguém parece ter visto uma destas rapinas.2. Eoanthropus dawsoni, o Homem de PiltdownÉ uma das mais famosas fraudes científicas da História: a caveira alegadamente encontrada em 1912 por Charles Dawson. Depois de, segundo o próprio, ter encontrado fragmentos de um crânio que percebeu pertencer a um humano, perto da localidade de Piltdown, no este do Sussex, o arqueólogo amador contactou o curador da Geologia do Museu de História Natural britânico, Arthur Smith Woodward. Mais tarde, juntos, terão encontrado vários outros fragmentos de um putativo e até então desconhecido parente do homem moderno que, segundo as suas estimativas, teria vivido cerca de 500 mil anos antes. A nova espécie seria baptizada Eoanthropus dawsoni, em homenagem ao seu descobridor, e faria parte – ainda que com contestação – do canône científico até 1953, ano em que foi definitivamente provado que a nova espécie não passava, afinal, de um crânio de humano moderno a que tinha sido acoplada uma mandíbula modificada de outro grande símio, juntamente com alguns dentes pertencentes a um orangotango. O responsável pela fraude só seria identificado, no entanto, mais de meio século depois, num estudo de 2016, cem anos após a morte do charlatão.3. Archeoraptor, o elo perdido feito à medidaEste caso é particularmente próximo da National Geographic, uma vez que o suposto “elo perdido entre os dinossauros e as aves”que teria sido descoberto na China foi anunciado pela primeira vez nas nossas páginas em Outubro de 1999. No entanto, rapidamente as suspeitas se amontoaram e, em Dezembro do mesmo ano, um dos cientistas envolvidos na análise do mesmo, Xu Xing, declarou que o fóssil era “provavelmente um compósito”.Análises mais cuidadas, incluindo uma investigação da National Geographic, dar-lhe-iam razão: o suposto Archeoraptor era na verdade um verdadeiro monstro de Frankenstein do mundo fóssil, com partes de vários animais diferentes para maximizar o seu aspecto de intermediário entre dinossauros e aves. O grosso da parte anterior do animal pertencia a um fóssil da ave ancestral Yaniornis, enquanto que a cauda e parte posterior pertencia a um terópode na altura ainda por descrever, mas que seria mais tarde identificado como um Microraptor. O mais irónico de todo este processo é que o próprio Microraptor poderia perfeitamente ter sido apresentado como tal, sendo um animal fortemente aparentado com a linha das aves e que, sem dúvida, apresentava penas.4. Megarachne servinei, a maior aranha que nunca existiuEm 1980, Mario Hünicken, um paleontólogo argentino, descreveu o que identificou como os restos fósseis, com mais de 300 milhões de anos, da maior aranha alguma vez conhecida, ultrapassando, com os seus 50 cm de pernas que ultrapassariam largamente a maior aranha viva, a aranha-golias, que por vezes captura inclusive pequenos pássaros.Na perspectiva do seu descobridor, esta seria uma aranha migalomorfa, o grupo a que pertencem, por exemplo, as famosas tarântulas. Fruto da descrição pormenorizada e da excepcionalidade da espécie, muitos museus passaram a exibir reconstituições do impressionante animal. Só havia um problema: Megarachne, a maior aranha de sempre, não era afinal uma aranha. Vários taxonomistas já tinham apontado algumas características curiosas ao fóssil de Hünicken, mas a descoberta de um novo exemplar em 2005 revelou que esta era, na realidade, pertencente a um outro grupo de quelicerados – um europtídeo, grupo também conhecido como escorpiões-marinhos.5. Hesperopithecus haroldcookii, o homem do NebraskaDescrito a partir de um único dente recolhido por Harold Cook (o homem homenageado no nome científico do inexistente homínideo) em Upper Snake Creek, no estado norte-americano do Nebraska, o anúncio da descoberta do Hesperopithecus haroldcookii levantou desde cedo alguma suspeição entre a comunidade científica dos anos 20 do século XX. Estas suspeitas revela-se-iam correctíssimas, quando novas escavações no sítio onde o fóssil tinha sido encontrado desenterraram ossos adicionais do mesmo esqueleto, que não correspondia afinal a uma novíssima espécie aparentada com o Homo sapiens, mas a uma espécie fóssil de um suíno norte americano próximo dos pecaris modernos.6. Tasidyptes hunteri, um pinguim 3-em-1Escavações na ilha de Hunter, na Tasmânia, levaram à descrição em 1983 de uma até então desconhecida espécie de pinguim que se teria extinguido recentemente, uma vez que os restos subfósseis encontrados não pareciam, segundo os seus descobridores Van Tets e O’Connor, corresponder a nenhuma das espécies conhecidas, ao ponto de terem criado um novo género para incluir a sua descoberta. É possível, no entanto, que estes dois cientistas tenham sobrevalorizado a sua capacidade de discernimento neste campo: um estudo genético de 2017 realizado sobre as amostras recolhidas veio dar razão às muitas vozes que apontavam esta descrição como tendo bases pouco sólidas: os presumíveis restos de T. hunteri eram, afinal, uma mistura de ossos de três espécies de pinguins do género Eudyptes e Eudyptula, todas elas ainda existentes hoje em dia, embora não necessariamente na ilha de Hunter.