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Terça-feira, Setembro 23

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Bem-vindo, Outono

As faias, carvalhos e castanheiros da floresta tingem as suas folhas de tons dourados, avermelhados e ocres, reflectindo essa explosão de cor nas águas tranquilas da albufeira de Santa Fe. O resultado parece saído de um conto de fadas: um espelho natural que multiplica a beleza deste recanto mágico situado a apenas uma hora de Barcelona.O Montseny é uma das jóias naturais da Catalunha: a sua biodiversidade é extraordinária e, em poucos quilómetros, pode-se passar de uma floresta temperada a uma paisagem de montanha média. Isto deve-se à sua orografia variada, que cria micro-climas e acolhe espécies muito diferentes num único maciço. No Outono, além disso, tudo adquire um ar de calma melancólica. É uma estação breve, mas intensa: o momento perfeito para se perder pelos seus trilhos, respirar fundo e deixar-se abraçar pela floresta.

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O fim explosivo de Orlando Letelier

“Embassy Row” é uma zona que fica no noroeste de Washington D.C., a capital dos Estados Unidos da América. O nome é apenas uma alcunha usada de maneira informal que engloba um alinhamento de várias ruas onde se localiza um grande número de embaixadas e delegações diplomáticas. Pela sua sensibilidade política, é um dos locais mais vigiados do país. No dia 21 de Setembro de 1976, Orlando Letelier, um economista e diplomata chileno, dirigia-se para o seu emprego no Transnational Institute, uma organização dedicada a fazer progredir ideias progressistas de democracia e cooperação. Nesse dia, aproveitara para dar boleia a um casal, Michael e Ronni Moffitt, seus colegas de trabalho. Ao contornar o parque de Sheridan Circle, uma violenta explosão irrompeu na parte de baixo do carro. O veículo, elevando-se no ar, continuou a mover-se até chocar contra outro. Na comoção, Michael Moffitt conseguiu escapar do carro praticamente ileso e, vendo a sua mulher movendo-se e respirando, concentrou a atenção em Letelier. Da cintura para baixo, este encontrava-se estraçalhado, pernas completamente destruídas, as vísceras de fora. Uma ambulância chegou rapidamente ao local e levou Orlando e Ronni para o hospital. Ambos acabaram por morrer em decorrência dos ferimentos na explosão. No caso de Moffitt, um corte na carótida provocado por um estilhaço.Inesperado e ilegalUm evento destes na Embassy Row era inédito. O arrojo dos perpetradores desafiava o espanto convencional e o FBI foi chamado a investigar, tal era a gravidade da situação. Descobriu-se rapidamente que não se tratava de um acidente: um engenho explosivo fora colocado do lado do passageiro.Portanto, Orlando Letelier era a vítima desejada; e passada a surpresa pelo descaramento do ataque, um certo ar de inevitabilidade rodeou o atentado. É que Letelier era chileno. Um exilado. Fora apontado por Salvador Allende como embaixador nos EUA em 1971. Depois de viver dez anos em Washington, formando-se como economista, foi chamado ao seu país natal para desempenhar funções em vários postos de governo, incluindo ministro dos Negócios Estrangeiros. Nesse papel, tentou advogar nos EUA pelos benefícios da nacionalização das indústrias do cobre chilenas, um dos grandes cavalos de batalha do governo Allende. A missão era complicada, visto que boa parte delas, de forma directa ou indirecta, estava nas mãos de empresas de cidadãos estadunidenses. Quando Augusto Pinochet tomou o poder num golpe de estado em 1973, Letelier foi preso e torturado durante doze meses em vários campos de concentração. Por pressão internacional, o ditador aceita a sua libertação em 1974, desde que Letelier abandone o país no imediato; e assim, o antigo ministro vai para Washington.No entanto, mesmo fora do país, Orlando Letelier não deixou de ser um crítico muito vocal quer do novo regime, quer da própria intervenção norte-americana que levou ao sucesso do mesmo. Pior: o seu papel no Transnational Institute era o de influenciar quem queria investir no Chile. Dias antes da sua morte, convencera um grupo de investidores holandeses a repensar a ética de colocar dinheiro nos bolsos de um facínora que liderava uma das mais brutais ditaduras do cone sul da América. O FBI estava ao corrente do potencial destino nefasto de um exilado político que fosse corajoso o suficiente para falar contra Pinochet. Dois anos antes, Carlos Prats, um general exilado em Buenos Aires por estar contra a ditadura, foi assassinado por uma bomba colocada num carro e detonada via controlo remoto; e em Roma, um ano depois, Bernardo Leighton, um político democrata-cristão que fora contra a política de Salvador Allende, sofreu um ataque por vários homens que dispararam sobre si e a sua esposa. Nenhum deles morreu, mas a senhora Leighton acabou por ficar com danos permanentes até ao final dos seus dias.Um terceiro incidente deste género, com um terceiro crítico de Pinochet, era uma coincidência grande demais para encaixar com estoicismo. Era óbvio que, de alguma forma, o governo chileno tivera mão não só na morte de Letelier, mas na do outro par de críticos. No entanto, uma pergunta colocava a investigação num impasse, por questões diplomáticas: até que ponto conseguiriam os chilenos organizar, preparar e cumprir sozinhos um ataque tão violento numa zona considerada sagrada dentro da geopolítica internacional nos EUA. Seria possível... que tivesse havido uma ajuda interna?A ligação chilenaEstá na altura de conhecermos a DINA, a polícia secreta da ditadura de Pinochet. A Direcção de Inteligência Nacional foi criada imediatamente a seguir ao golpe, o seu papel era simples: vigiar, prender ou despachar os que discordam ou falam ou agem contra uma ditadura. Mesmo no subgénero dos braços armados dos governos fascistas que dominaram a América do Sul até meados dos anos 1980 (e no caso do Chile, mais além), a DINA tem uma reputação particularmente funesta. A Operação Condor, a rede de colaboração entre as polícias secretas das várias ditaduras sul-americanas, sublinha esta fama. A suspeita de a polícia secreta chilena estar envolvida no assassinato de Letelier foi confirmada uma semana depois, quando um representante legal do FBI em Buenos Aires enviou um memorando informando, à boca pequena, toda a gente da autoria material dos serviços secretos chilenos e que estava em marcha um projecto, há uns anos, de formar equipas de agentes cuja tarefa principal seria levar a cabo as missões da DINA no estrangeiro.Esta pista levou a que, eventualmente, um cidadão dos EUA chamado Michael Townley fosse preso pela sua participação no atentado. A carreira de Townley lê-se como um empolgante romance de espionagem: por sua admissão, trabalhou quatro anos para a DINA, sob as ordens do seu director Manuel Contreras. Townley confessou o seu envolvimento nas mortes de Prats e Letelier e a sua participação no atentado contra Leighton.O que sabiam os EUA?Townley confessou o crime e implicou uma equipa de cubanos na preparação. O americano planeou, os cubanos fabricaram a bomba e executaram. Embora não fosse implicado na altura, o ditador Augusto Pinochet foi referido por Manuel Contreras em 1993, quando o homem forte da DINA foi julgado em Santiago nos primeiros anos da democracia chilena, que o ditador pessoalmente ordenou a morte de Letelier. Pedira, aliás, a Alfredo Stroessner, o seu correspondente no Paraguai, que arranjasse passaportes falsos para Townley e um cúmplice.A investigação não terminou em 1978, no entanto. O jornalista John Dinges passou grande parte da sua carreira a desenrolar o novelo da Condor e encontrou, perdidos nos arquivos da CIA, vários memorandos que provam que, no mínimo, elementos desta sabiam que Pinochet fora o autor dos atentados. No máximo, alguns destes documentos mostram que dois meses antes do atentado contra Letelier, havia conhecimento do mesmo e que o governo dos EUA fora informado e simplesmente deixara as coisas a acontecer.Até Henry Kissinger fora informado de uma possível tentativa de assassinato por parte da DINA em território americano, embora sem vítima especificada. A reacção fora a de alertar os regimes ditatoriais da região, com os quais os EUA tinham excelentes relações, a nem sequer pensarem em algo do género. A embaixada americana optou por não passar a mensagem de Kissinger para não chatear Pinochet.

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O mistério das náuseas causadas pela erva

Sierra Callaham tinha 23 anos quando sofreu a sua primeira crise de um mês com dores abdominais, náuseas e vómitos cíclicos diários. Ficou perplexa, mas atribuiu tudo ao stress – o trabalho estava complicado e ela andava desavinda com a família. Os medicamentos para as náuseas e a ansiedade ajudavam na maioria dos dias. À noite, quando não estava activamente a vomitar, mantinha a sua rotina habitual de consumir um pouco de erva. Queria tanto “relaxar e não estar presente no meu corpo”, disse.Sierra vive no estado de Washington, onde o consumo recreativo de canábis é legal desde 2012 e era há muito consumidora diária, embora moderada: fumava um pouco todas as noites para dormir melhor. Antes do seu primeiro episódio gastrointestinal, no final de 2020, vaporizava óleo de canábis concentrado com uma caneta a pilhas. Depois de os sintomas parecerem superados, passou a fumar charros previamente enrolados durante alguns anos, antes de regressar ao vapor.No início de 2024, sofreu outra crise que durou semanas – cãibras debilitantes na barriga e vómitos diários e incontroláveis – que a levaram duas vezes às urgências hospitalares. Numa dessas visitas, um médico das urgências perguntou-lhe se consumia canábis. Todas as noites, respondeu Sierra. Ficou chocada quando o médico lhe deu um diagnóstico provisório: síndrome de hiperémese por canabinóides (SHC), por vezes conhecida simplesmente como enjoo de erva.Episódios recorrentes de náuseas, vómitos e dores abdominais são os sintomas clássicos desta condição gastrointestinal intrigante, associada ao consumo frequente e a longo prazo de marijuana, sobretudo de produtos de alta potência. Os médicos australianos descreveram pela primeira vez a síndrome de hiperémese por canabinóides em 2004 (os canabinóides são compostos, como o THC ou o CBD, presentes na marijuana; “émese” é o termo clínico para vomitar). Não se sabe quantas pessoas padecem de SHC, mas um estudo realizado em 2018, extrapolando os dados de um levantamento realizado junto de pacientes de urgências hospitalares, apresenta um número tão elevado como 2,75 milhões de pessoas por ano nos Estados Unidos. Um resumo da investigação mais recente publicado pelo Journal of the American Medical Association sugere que está a ser cada vez mais diagnosticado: as visitas às urgências hospitalares devido a SHC duplicaram nos EUA e no Canadá entre 2017 e 2021.O que está por trás desse aumento? Segundo Deepak Cyril D’Souza, professor de psiquiatria e director do Centro para a Ciência da Canábis e dos Canabinóides de Yale, um dos factores é a crescente potência dos produtos à base de canábis. Há trinta anos, amostras apreendidas pelas autoridades continham, em média 4% de THC. Desde 2022, a média é cerca de 16%. O óleo dos cartuchos de vaporização como os que Callaham consumia pode conter uma percentagem tão alta como 85%.Os estudos também apontam para a crescente legalização da erva para consumo recreativo. Num estudo descritivo publicado em 2022 no American Journal of Gastroenterology, os investigadores compararam o número de pacientes que deram entrada num grande hospital de Massachusetts devido a SHC entre 2012 e 2020, constatando um aumento significativo após a legalização de canábis no estado, em finais de 2016.A SHC é uma maleita frustrantemente inconstante. “É mesmo um mistério algumas pessoas parecerem ser vulneráveis e outras não”, diz Deepak. “A maioria das pessoas que fumam canábis diariamente não sofrem disto”, reconhece Christopher N. Andrews, gastroenterologista e professor clínico na Universidade de Calgary. E entre as que sofrem, os sintomas não são constantes. “Vai e vem, acontece em ciclos”, explica Deepak. Christopher Andrews acrescenta que se os sintomas de SHC fossem mais constantes, a síndrome poderia motivar mais pacientes a interromperem o consumo de canábis.Uma das teorias sobre a causa da SHC envolve o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), que regula as respostas do organismo ao stress, ajustando os equilíbrios hormonais. O consumo crónico de canábis “faz esse pêndulo ir mais longe num dos sentidos do que no outro”, diz o médico. É possível que desencadeie sintomas ao estimular o eixo HPA de forma anormal.Poderá também haver alguma susceptibilidade genética em jogo e a depressão e ansiedade são comuns nas pessoas afectadas pela síndrome. “O paradoxo é que não percebemos o que desencadeia a síndrome num momento específico”, diz David Levinthal, director do Centro de Neurogastroenterologia e Motilidade no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh. Alguns dos principais suspeitos são falta de sono e stress intenso.Outra faceta estranha da SHC: as pessoas tendem a demorar-se longamente no duche. “As pessoas com SHC relatam com frequência sentir alívio dos sintomas tomando banho com água quente, algo que pode levar a banhos compulsivos”, diz Maria Isabel Angulo, professora assistente de Medicina Interna e Pediatria na Universidade de Illinois. Isto sugere que a área do cérebro que ajuda a regular a temperatura corporal (o hipotálamo) poderá estar envolvida na síndrome.Sejam quais forem as causas, as consequências a longo prazo da SHC podem ultrapassar os longos períodos de desconforto intenso. As complicações podem incluirdesidratação grave e desequilíbrios de electrólitos, potencialmente causadores de lesões renais, anomalias do ritmo cardíaco e convulsões. Em casos raros, estas complicações revelaram-se fatais.Por complicado que seja ignorar os seus sintomas, pode ser difícil diagnosticar correctamente a SHC, dizem os médicos, em parte porque estes sintomas são idênticos aos de outras condições gastrointestinais e porque os pacientes nem sempre são sinceros sobre os seus hábitos. “A forma de chegar ao diagnóstico é [fazer o paciente] parar de consumir de canábis, provando retroactivamente que era a canábis” que causava os sintomas, recomenda Christopher Andrews.A interrupção também é a única solução duradoura conhecida para a SHC. E embora o mito de a canábis não ser viciante persista, o abandono súbito de um consumo regular pode causar sintomas como ansiedade, irritabilidade, perturbações do sono e perda de apetite e o alívio pode demorar semanas ou meses a chegar. “Como se demora tanto tempo a melhorar depois de deixar a canábis, as pessoas podem pensar que a canábis não tinha nada que ver com os seus sintomas”, resume o médico. Até a ideia da abstinência pode levar alguns consumidores crónicos a sentirem relutância em aceitar a condição.Com Sierra Callaham, isso não aconteceu. Quando o seu médico das urgências lhe deu pela primeira vez informação sobre a SHC, ela mostrou-se céptica. “Pensei que não poderia ser, dada a forma deliberada como consumia”, diz. “Porém, assim que li os documentos, percebi. E foi nesse dia que parei.”Já não consome desde então. Não foi fácil e teve de lutar contra desejos e de reaprender a sentir-se descontraída sem estar sob o efeito da canábis. Mas torna-se mais fácil quando se lembra da gravidade da hiperémese. “Sentia-me tão desesperada por melhorar”, reconhece.Que mais se aprende sobre os potenciais efeitos da erva de alta potência, sobretudo entre os adolescentes?O consumo de marijuana comporta riscos, mas os investigadores têm preocupações específicas sobre a forma como os produtos de canábis com alto teor de THC podem afectar a saúde mental. Nos adultos, as evidências sugerem que os consumidores de canábis de alta potência, sobretudo os consumidores frequentes, correm maior risco de desenvolver psicose e perturbação do consumo de canábis, uma incapacidade de deixar a droga, mesmo quando causa problemas de saúde ou sociais. Alguns estudos associaram a canábis de alta potência a depressão e ansiedade, embora seja difícil encontrar evidências de risco acrescido.Os profissionais de saúde asseguram que a situação é mais alarmante quando se trata de adolescentes. Os consumidores precoces de produtos de canábis de alta potência, como os que são consumidos através de vaporização e dabbing, correm riscos de ansiedade, depressão e pensamentos suicidas, juntamente com impactes na memória, função cognitiva e motivação. Os adolescentes que consomem concentrados de canábis correm mais riscos do que aqueles que consomem formas não concentradas de canábis. E como o cérebro dos adolescentes ainda está em desenvolvimento, existe um risco concreto de lesões permanentes.Sendo um fenómeno relativamente novo, os concentrados apanharam desprevenidos alguns pais, cuidadores e professores. Uma vez que a vaporização produz um cheiro mais ténue e é tão simples como carregar num botão, os adolescentes têm facilidade em escondê-la. O número de adolescentes que consome através de dabbing ainda não será significativo, mas um relatório recente assegura que quase um quinto dos jovens norte-americanos com 12 a 17 anos que consumiam canábis tinham consumido concentrados dessa forma no último ano.Talvez de um modo contra-intuitivo, as preocupações com a erva de alta potência desencadearam pedidos ao governo federal para que retirasse a canábis da sua categoria mais restrita de drogas ilícitas. Os limites legais do teor de THC variam consoante os estados e algumas restrições à canábis permitiriam regular a sua potência a nível federal. Esta reclassificação foi iniciada em 2024, na administração presidencial anterior, mas agora encontra-se num limbo. A proibição da canábis ainda não foi revogada.Artigo publicado originalmente na edição de Setembro de 2025 da revista National Geographic.

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Vacas com coroas de flores: a curiosa tradição suíça de boas-vindas ao gado

A transumância é uma parte importante da vida, da tradição, da gastronomia e da identidade suíça. As vacas que se dirigem para os cumes no Verão, no alpage, para se deleitarem com a erva fresca, regressam agora aos vales e às zonas mais planas para fugirem do frio e continuarem a produzir leite de alta qualidade. Esta tradição dá lugar a uma festa popular conhecida como désalpe, na qual residentes e criadores de gado demonstram a riqueza de um país que honra desta forma a sua natureza.Depois de passarem alguns meses entre os 2.000 e os 2.800 metros de altitude, as vacas empreendem o caminho de volta. Em algumas zonas, como o Tirol ou Valais, algumas manadas fazem paragens nas maiensässe, construções a meio caminho entre os parques alpinos e as aldeias. Adornadas com faixas coloridas e bonitos ramos de flores e acompanhadas pela sua música, as vacas fazem o seu rindyà – que significa “passeio do gado alpino” no dialecto regional – ao longo das aldeias existentes no seu caminho.UMA TEMPORADA PATRIMÓNIO DA HUMANIDADEA temporada dos pastos alpinos, ou alpage, foi reconhecida como Património da Humanidade pela UNESCO. Quando esta prática transumante, realizada desde a Idade Média, chega ao fim, as vacas regressam aos vales, numa descida que se conhece com palavras como désalpe, rindyà ou s-chargiada, dependendo da região. Esta festa anual consiste no desfile das vacas – ou ovelhas – que descem dos montes altos onde passaram o Verão para as suas quintas acolhedoras ou estábulos de Inverno.Nesta descida, os pastores envergam os trajes tradicionais locais eo gado é adornado com coroas dedálias, rododendros e crisântemos, denominadas tschâppl, fuikln ou gstäng. Estas variam de aldeia para aldeia: a cor das faixas muda consoante as bandeiras, há diferentes tipos de flores e plantas e até podem, ou não, ser acrescentados ao desfile elementos como cruzes, imagens religiosas e espelhos para afugentar espíritos malignos.As cores das faixas e o som dos chocalhos começam a ser visíveis e audíveis à distância, antes de o gado entrar na aldeia. A chegada do gado ao vale é sempre acompanhada por uma festa, na qual não faltam ovações, aplausos e, como não poderia deixar de ser, uma celebração repleta de folclore e sabor.TRADIÇÃO DE ORGULHOO trabalho árduo de preparação dos belíssimos queijos de alpage suíços chega ao fim e é hora de desfrutar. A tradição mantida com tanto zelo nos Alpes, não só da Suíça, mas também da Alemanha, é perpetuada com orgulho por muitas aldeias que procuram, entre outras coisas, dar a conhecer este bonito costume, o sabor dos seus queijos, os seus belos produtos locais e a mão hábil dos seus artesãos.Uma das mais famosas é a festa de Charmey. O Festival de Alpabzug (palavra de dialecto que significa désalpe) é um dos mais emblemáticos, um dia festivo protagonizado pelas vacas e também pelo mercado Goût et Terroir, com as suas peças de artesanato e queijos saborosos, exposições agrícolas, música folclórica e numerosas bancas de comidas e bebidas regionais.Nas localidades de Saint Cergue e Etivaz, as trompetes soam e são atiradas bandeiras ao ar, ao som de orquestras campestres e bandas de música. Junto a Charmey, o désalpe é celebrado no sábado, dia 27 de Setembro. Em Saint Cergue, como nas restantes aldeias, há mercados de artesanato e actividades típicas para residentes e visitantes. Em Etivaz, famoso pelo seu queijo, o destaque vai para as degustações do famoso queijo Etivaz DOP.OUTRAS CURIOSIDADESNo Val d’Hérens, um dos locais que mantêm a tradição das maiensässen, é realizada uma rota de désalpe que parte da pradaria de Chemeuille. A sua fama é tanta que existe uma rota didáctica dedicada a este costume outonal na aldeia de Evolène, a qual, para além de abordar a razão de ser desta rota, explica alguns pormenores da raça bovina de Hérens, a vida nos pastos, as peculiares cabanas alpinas e o modo de fabrico do queijo.Em Valais, existe outra prática representativa que tem muito a ver com as vacas e o regresso da manada ao vale: o combate das rainhas, uma alusão ao carácter forte da vaca autóctone, que costuma lutar com as outras para eleger a líder da manada. Os pastores, que conhecem bem este temperamento, decidiram organizar lutas, que garantem não representar quaisquer maus-tratos, mas sim uma resposta aos instintos de combate das vacas. Este “desporto” é tão popular no cantão que é transmitido pela televisão e comentado para milhões de espectadores. A vaca vencedora costuma conduzir o désalpe.No entanto, o que não falta são variantes, pois existem tantos désalpes como pastores, manadas, rebanhos e aldeias. Em alguns, como em Jaun, o desfile é protagonizado por ovelhas e não vacas e termina com um baile tradicional nos restaurantes da aldeia. Em Caux, perto de Montreux, há um désalpe misto – ovelhas e vacas – celebrado com canto tirolês e demonstrações com animais. E em Entlebuch, uma aldeia situada numa Reserva da Biosfera da UNESCO, como em algumas outras localidades, o festival é realizado mais cedo, em meados de Setembro.

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Nos bastidores da vida louca de Harry Houdini, o rei do ilusionismo

É o ilusionista mais famoso que alguma vez viveu, mas poucos sabem que Harry Houdini (1874–1926) começou a sua vida como Ehrich Weiss, filho de um rabi de Budapeste. Depois de se mudar para a América em criança, começou a actuar no circo do seu bairro como “Ehrich, o Príncipe do Ar”.Pouco depois, fazia tournées com circos e circuitos de vaudeville nos EUA como Houdini, um nome inspirado pelo pai francês do ilusionismo contemporâneo, Jean-Eugène Robert-Houdin.Após anos de um sucesso mínimo, Houdini e a sua mulher, Bess, começaram a experimentar uma rotina de fuga que envolvia algemas e baús trancados. Em 1899, um produtor de vaudeville reparou neles e Houdini foi catapultado para os maiores palcos da época. No ano seguinte, partiu para Inglaterra e para a Europa continental, onde publicitava os seus espectáculos visitando esquadras de polícia locais e escapando das suas celas e algemas.Em breve, Houdini tornou-se conhecido em todo o mundo como o “rei das algemas”. Confinado por shackles, cordas e grilhões, era trancado dentro de uma caixa e colocado em alguma situação extrema – debaixo de água, de pernas para o ar, debaixo de terra, pendurado a alturas impossíveis –, escapando rapidamente. Ao longo do tempo, ele libertou-se das algemas mais seguras do mundo, de uma famosa prisão em Washington, D.C. e de um caixão de bronze hermético.O talento de Houdini para a fuga só era equiparado pela sua capacidade de auto-promoção. As pessoas daquela época adoravam um aventureiro e Houdini era a derradeira história de sucesso americana. Foi um dos primeiros a adoptar os patrocínios corporativos: convidando, por exemplo, cervejeiras para fabricar os barris dos quais escapava, promovendo desta forma parcerias, e utilizando a imprensa para divulgar histórias, boas e más, sobre os seus espectáculos. As actuações de Houdini atraíam frequentemente o escárnio de pessoas que queriam desafiá-lo, mas pensa-se actualmente que tenha sido ele próprio a fabricar muitos desses desafios, a fim de chamar a atenção.À medida que a fama de Houdini aumentava, o mesmo aconteceu às suas peripécias públicas. Em 1908, ele ofereceu uma recompensa de 1.000 dólares a quem conseguisse construir um dispositivo capaz de restringi-lo com sucesso. (Aparentemente, ninguém reclamou o prémio.) Uma década mais tarde, Houdini fez um elefante desaparecer enquanto rodava, lentamente, a enorme caixa dentro da qual o animal se encontrava em cima do palco, no Hippodrome Theater, em Nova Iorque. Após a chegada do cinema, Houdini participou em filmes, figurando em várias películas repletas de truques. No entanto, nunca se tornou uma estrela do grande ecrã.A fama de Houdini amplificou a sua cruzada contra os médiuns espíritas, que eram populares no final do século XIX e início do século XX. Os seus esforços inspiraram gerações de ilusionistas a denunciarem fraudes e vigaristas, incluindo figuras religiosas que afirmavam servir de canal para a comunicação de espíritos ou possuir a capacidade de ler mentes.As suas proezas não eram desprovidas de riscos e Houdini feria-se frequentemente durante os seus espectáculos – numa ocasião, chegou a sofrer uma lesão renal quando um estivador o atou com demasiada força. No entanto, nada parecia capaz de destruir a sua imagem de impermeabilidade. Embora Houdini nunca tenha sido considerado tão habilidoso na arte do ilusionismo técnico como alguns dos seus contemporâneos, o seu empenho em realizar proezas ousadas e arriscadas faz com que muitos o recordem como o maior ilusionista do mundo.A morte de Houdini na véspera de Todos os Santos de 1926 foi tão misteriosa como a sua vida feita de truques. A sua morte é atribuída a complicações causadas por uma apendicite, que remontam, provavelmente, a uma palestra proferida semanas antes na McGill University, na qual um estudante contestou a afirmação de Houdini, que disse ser capaz de suportar murros, e o atingiu com muita força na barriga. Contudo, não foi realizada qualquer autópsia e os boatos sobre a causa da sua morte ainda persistem. Existe até quem especule que o seu assassinato tenha sido planeado por inimigos dele pertencentes ao movimento espírita.Embora nunca tenha acreditado nas afirmações dos espíritas, Houdini prometeu à sua mulher, Bess, que comunicaria com ela através de um código secreto a partir do Além, se conseguisse. Durante décadas, Bess frequentou sessões espíritas na esperança de receber algum sinal dele, mas a sua voz foi silenciada pelo túmulo.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Adeus ao Verão: qual o momento exacto do equinócio de Outono

Duas vezes por ano, desde que o universo é como o conhecemos agora, é possível observar o equinócio a partir da Terra. Este é o momento exacto em que o Sol passa pelo equador do nosso planeta. A consequência é que o dia e a noite têm praticamente a mesma duração.No hemisfério Norte, isso significa o início do Outono e, no hemisfério Sul, o início da Primavera. Em 20 de Março, aconteceu o inverso. Devido a diferentes factores astronómicos, há uma variabilidade de alguns dias sobre o momento exacto em que isso acontece.O minuto exacto do equinócio de Outono de 2025 O equinócio de Outono de 2025 ocorrerá precisamente a 22 de Setembro às 19h19 (hora de Portugal continental e Madeira). A estação terá uma duração de 89 dias e 21 horas até que, em 21 de Dezembro às 15h02, chegue o momento do solstício de Inverno. Há um consolo para os amantes do Verão: o Outono-Inverno será mais curto que a Primavera-Verão, com uma duração de 178,84 dias em comparação com 186,4 dias. Os equinócios têm um valor simbólico desde as civilizações antigas. Embora à época estas não dispusessem de elementos para medi-los com a mesma precisão que temos hoje, esses dias marcaram a orientação de construções emblemáticas. Por exemplo, durante esses dias, numa das pirâmides de Chichén Itzá, no México, o reflexo solar gera uma espécie de serpente ondulante nas escadarias. Antigamente, praticava-se um ritual associado aos deuses.Curiosidades do equinócioOs egípcios usavam a orientação de templos como Abu Simbel, também alinhados com o equinócio, projectados com o objectivo de organizar os períodos de plantio e colheita. Alguns desses locais são actualmente os preferidos por muitas pessoas para observar o fenómeno astronómico. Um deles é o templo hindu Angkor Wat, no Camboja.As portas do Parque Arqueológico abrem às 5 da manhã. Antes, milhares de hindus chegavam em procissão e agora curiosos para admirar esta imponente construção do século XII. Durante o amanhecer dos equinócios, o Sol nasce exactamente sobre o centro da torre, permitindo admirar os extraordinários conhecimentos anatómicos do império Khmer. A alinhamento perfeito foi conseguido ao girar ligeiramente o eixo do edifício após a construção.A partir do equinócio, começa a estação do ano em que os dias encurtam mais rapidamente. Na Península Ibérica, o Sol nasce mais de um minuto depois e põe-se mais de um minuto antes do que no dia anterior. A nossa exposição solar também será alterada a 26 de Outubro com a mudança de horário, quando os relógios devem ser atrasados uma hora.

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Canibalismo sexual

Esta fotografia mostra um macho de louva-a-deus (Hierodula transcaucasica) a aproximar-se cautelosamente de uma fêmea muito grande (adivinhar qual é qual não é difícil!).O comportamento em questão, comum na espécie, é um processo delicado que pode durar horas devido à tendência das fêmeas para atacar e, em alguns casos, devorar o macho após ou mesmo durante o acasalamento, num fenómeno conhecido como canibalismo sexual. Assim fica assegurado que a fêmea recebe os nutrientes necessários para produzir ovos viáveis, garantindo a sobrevivência das gerações futuras.

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Arte abstracta

A questão do que podemos considerar ou não arte é a força motriz de muitos debates. Mas hoje a pergunta é outra: quem ou o quê pode fazer arte? Poderá a natureza ser um artista? Ou sê-lo-á quem souber vê-la e captá-la?Esta fotografia, que parece ser uma obra de arte abstracta, é na realidade uma paisagem natural de uma zona glaciar na Islândia. O seu autor, Miki Spritzer, intitulou-a Earth's treasure (Tesouro da Terra). Com esta imagem tornou-se o vencedor da categoria "Arte Natural" dos World Nature Photography Awards 2024.

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O Outono começa duas vezes – saiba porquê.

As estações são definidas de duas formas: estações astronómicas, baseadas na posição da Terra à medida que gira em torno do Sol, e estações meteorológicas, baseadas nos ciclos de temperatura anuais. Ambas dividem o ano em Primavera, Verão, Outono e Inverno – mas com datas de início e fim ligeiramente diferentes. Saiba o que significam e como as distinguir.O que são estações astronómicas?As pessoas sempre olharam para os céus para determinar a estação. A Roma Antiga foi a primeira a marcar oficialmente as estações, com a introdução do calendário juliano. Na altura, as estações começavam em dias diferentes dos de hoje devido a discrepâncias com o calendário gregoriano, que é o mais utilizado nos nossos dias. Agora, o início de cada estação astronómica é marcado por um equinócio ou um solstício.Quando o hemisfério Norte está inclinado em direcção ao sol, os dias são mais luminosos e parece Verão – enquanto isso, o hemisfério Sul está inclinado para longe do Sol, mergulhado num Inverno escuro.Os equinócios são os momentos em que o dia terrestre é dividido praticamente ao meio. Ocorrem a cada seis meses, na Primavera e no Outono, quando a combinação da órbita terrestre e da inclinação axial fazem com que o Sol se encontre directamente sobre o Equador. No equinócio, cerca de metade do planeta está iluminado enquanto a outra metade está às escuras. À medida que a nova estação avança, a posição do Sol continua a mudar – e, dependendo do hemisfério onde o observador viva, os dias tornar-se-ão ligeiramente mais longos ou mais curtos até à chegada do solstício.Os solstícios assinalam o dia mais longo e o dia mais curto do ano. Também são causados pela inclinação do planeta e marcam o início astronómico do Verão e do Inverno. Quando o hemisfério Norte está inclinado em direcção ao sol, os dias são mais luminosos e parece Verão – enquanto isso, o hemisfério Sul está inclinado para longe do Sol, mergulhado num Inverno escuro.No entanto, este método de medir as estações apresenta os seus desafios. Um ano solar dura aproximadamente 365,2422 dias terrestres, fazendo com que seja impossível sincronizar qualquer calendário com a rotação da Terra à volta do Sol. Como tal, as estações astronómicas começam em dias e horas ligeiramente diferentes todos os anos – fazendo com que seja difícil acompanhar as estatísticas climáticas utilizadas pela agricultura e pelo comércio, entre outras actividades. Foi por isso que os meteorologistas e os climatólogos aderiram às estações meteorológicas.A coerência das estações meteorológicas permite aos meteorologistas realizar os cálculos estatísticos complexos necessários para fazer previsões e comparar as estações umas com as outras.O que são estações meteorológicas?Desde pelo menos o século XVII que os cientistas procuram métodos melhores para prever o avanço das estações e outros fenómenos meteorológicos. Ao longo do tempo, estes foram dando origem ao conceito de estações meteorológicas, que estão mais alinhadas com as temperaturas anuais e com o calendário civil.As estações meteorológicas são muito mais simples do que as astronómicas. Dividem o ano de calendário em quatro estações, cada qual com três meses exactos, e baseiam-se nos ciclos de temperatura anuais. O Inverno ocorre durante os três meses mais frios do ano, o Verão nos três meses mais quentes, e a Primavera e o Outono são os restantes meses de transição.No hemisfério Norte, isso significa que o início de cada estação é 1 de Março (Primavera), 1 de Junho (Verão), 1 de Setembro (Outono) e 1 de Dezembro (Inverno). No hemisfério Sul, as estações são ao contrário: a Primavera começa em Setembro, o Verão em Dezembro, o Outono em Março e o Inverno em Junho.A coerência das estações meteorológicas permite aos meteorologistas realizar os cálculos estatísticos complexos necessários para fazer previsões e comparar as estações umas com as outras. “Trabalhar com volumes de dados equivalentes a meses inteiros, em vez de fracções de meses, era muito mais económico e fazia mais sentido”, disse o climatólogo Derek Arndt ao Washington Post em 2014. “Organizamos as nossas vidas mais em função dos meses do que das estações astronómicas, por isso a nossa informação segue o mesmo registo.”Qual é, então, o primeiro dia de cada estação? Não é nem o primeiro dia do mês, nem a posição do Sol – mas ambos.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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As duplas mais icónicas do reino animal: 12 fotografias de encontros surpreendentes

Na natureza, as relações nem sempre seguem as regras que imaginamos. Alguns animais forjam vínculos para toda a vida, enquanto outros se juntam por necessidade – e há simplesmente quem se encontre no momento perfeito para protagonizar cenas tão inesperadas como fascinantes.Nesta galeria, encontrará exemplos desde o enternecedor ao insólito: um esquilo surpreendido em plena fuga por uma garça que o persegue com o bico aberto, dois pinguins escondendo a cabeça num comportamento singular ou uma pequena rã que transformou um caracol vivo no seu novo acessório.Cada uma destas imagens é um convite para ver com outros olhos as interacções entre espécies: algumas reflectem instintos de sobrevivência, outras comportamentos sociais e muitas limitam-se a recordar-nos que a vida selvagem está cheia de momentos espontâneos.

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As propriedades do ferro (Fe)

Propriedades do ferro (fe)O que é o ferro?Propriedades químicas do ferroEfeitos do ferro na saúdeEfeitos do ferro no ambientePROPRIEDADES DO ferro (fe)NomeFerro (Fe)Valência2, 3Número atómico26Estado de oxidação+2, +3Massa atómica55,847 g/molDensidade7,76 g/mlPonto de ebulição3.000º CPonto de fusão1.536º CDescobridorConhecido desde a AntiguidadeO que é o ferro?O ferro é um elemento químico com o número atómico 26, o que significa que cada átomo de ferro conta com 26 protões no seu núcleo atómico. É representado pelo símbolo Fe e encontra-se no grupo 8 e no período 4 da tabela periódica, pertencendo ao grupo dos metais de transição. Na Terra, a temperatura e pressão padrão encontra-se no estado sólido, fazendo parte de diversos minerais, mas encontrando-se muito raramente em estado puro.O ferro é o segundo metal mais abundante da crosta terrestre, precedido apenas pelo alumínio, e o quarto elemento mais abundante nesta, depois do oxigénio, do silício e do alumínio.A nível planetário, trata-se do elemento mais abundante – até 70% do núcleo da Terra é composto por ferro fundido.Além disso, o ferro éo elemento mais pesado que pode ser gerado no núcleo das estrelas mais maciças através da fusão.Todos os elementos da tabela periódica mais pesados do que o ferro só podem formar-se nas explosões de supernova.Não se sabe, ao certo, quem descobriu o ferro, pois os primeiros indícios da sua utilização datam de há cerca de 3.500 anos a.C. pelos sumérios e os egípcios. Com efeito, crê-se que o primeiro ferro utilizado pelo ser humano não foi extraído do nosso planeta, mas de meteoritos. Quando começou a ser utilizado pelo ser humano, o ferro foi considerado um elemento relativamente estranho, quase tanto como o ouro. O ferro só ganhou relevância na história da humanidade aproximadamente no ano 1.000 a.C., na época conhecida como Idade do Ferro, na qual substituiu gradualmente o bronze no fabrico de armas e outros utensílios.Propriedades químicas do ferroO átomo de ferro tem uma configuração electrónica 1s2, 2s2, 2p6, 3s2, 3p6, 3d6.O ferro não se encontra em estado puro na natureza, mas faz parte de diversos minerais, geralmente sob a forma de óxido.O ponto de ebulição do ferro é 3.000º C e o ponto de fusão é 1.536º C.O ferro é um metal extremamente duro e denso, maleável, com um tom cinzento prateado e possui propriedades magnéticas.Os estados de oxidação mais comuns do ferro são +2 e +3.Na natureza, o ferro tem 4 isótopos estáveis: 56Fe, 54Fe, 57Fe e 58Fe, cuja abundância relativa é, respectivamente, 91,66 %, 5,82%, 2,19% e 0,33%.Para obter ferro em estado puro, é necessário reduzir os óxidos dos minerais e submeter o produto a um processo de refinação para eliminar as impurezas.Os minerais de ferro mais importantes são: a hematita (Fe2O3), a limonita (Fe2O3), a magnetita (Fe3O4) e a siderita (FeCO3).Efeitos do ferro na saúdeO ferro é um elemento essencial para o funcionamento do organismo dos seres vivos. Cerca de 0,004% do peso de uma pessoa corresponde ao ferro, ou seja, os seres humanos possuem em média 4,5 gramas de ferro no seu organismo. A maior parte deste ferro, aproximadamente 65%, encontra-se na hemoglobina: a proteína dos glóbulos vermelhos encarregada de transportar o oxigénio desde os pulmões a todo o corpo através do sistema circulatório. O ferro também é indispensável na mioglobina, a proteína que fornece energia aos músculos. Uma pequena percentagem do ferro existente no corpo humano, 1%, encontra-se em diversas enzimas e o resto acumula-se em órgãos como o baço, o fígado ou a medula óssea, como potencial reserva para a produção de hemoglobina.O ferro é, por conseguinte, um elemento essencial para o bom funcionamento do organismo e a sua deficiência pode provocar problemas de saúde. Alguns dos problemas mais graves causados pela falta de ferro encontra-se a anemia ferropénica, cujos sintomas incluem cansaço e falta de energia, problemas de memória e concentração ou deficiências do sistema imunitário. Durante a gravidez, a falta de ferro pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro do feto e, nas crianças, pode causar atrasos no desenvolvimento psicológico ou défices de atenção.No entanto, tal como o défice, o excesso de ferro também pode ser prejudicial. Níveis anormalmente elevados de ferro podem provocar mal-estar, dores de estômago e intestinais, obstipação, náuseas, diarreia e vómitos, inflamação das paredes estomacais e úlceras. Existe também uma doença hereditária chamada hematomacrose, que pode fazer com que algumas pessoas acumulem níveis excessivos de ferro, que podem tornar-se tóxicos. Se não for devidamente tratada, a doença pode provocar problemas graves como doença cardíaca, cirrose hepática ou cancro do fígado.Efeitos do ferro no ambienteO ferro também desempenha um papel muito importante na natureza. Por exemplo, é fundamental para a fotossíntese das plantas e o crescimento do fitoplâncton no mar. Com efeito, o ferro actua como um factor limitante para o crescimento do fitoplâncton. Após anos de investigação, os cientistas descobriram que era possível aumentar a produção primária nos oceanos fertilizando-o com compostos de ferro.Por outro lado, estudos científicos demonstraram que o ferro pode ser um aliado importante na luta contra a poluição e as alterações climáticas. Por exemplo, em climas quentes e com uma elevada incidência de radiação ultravioleta, a hematita ou o óxido de ferro poderão ajudar a neutralizar os óxidos de nitrogénio que poluem a atmosfera. As partículas de ferro geradas pelas cidades e pela indústria também podem interagir, dissolvendo-se com os poluentes da atmosfera e fertilizar os oceanos, num processo semelhante ao explicado anteriormente, aumentando deste modo a produção primária e fixando carbono nas águas do mar.

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Dom Afonso Henriques: o pai da nação

Em Março de 2025, uma empresa de sondagens realizou um inquérito para apurar quem consideravam os portugueses “o português mais importante”.Quando a pergunta foi feita sem que os inquiridos recebessem qualquer sugestão, só uma figura ultrapassou dez por cento de nomeações: Dom Afonso Henriques recolheu 15,3% dos votos, contra 9,8% de Luís Vaz de Camões, 9,7% de António Ramalho Eanes e 9,4% de Cristiano Ronaldo. Este conjunto dos quatro mais votados mostra bem a heterogeneidade dos critérios seguidos pelos votantes, mas impressiona a forma como um indivíduo falecido há 840 anos se destacou do poeta e de duas figuras da actualidade. Quando os inquiridos tiveram de escolher um nome de uma lista de onze, Dom Afonso Henriques voltou a ser o mais votado, e de um modo ainda mais expressivo, com 24,7% dos votos. Os resultados foram apresentados pela revista Sábado, na edição de 7 de Maio de 2025.Poderíamos pensar que a amostra de 607 indivíduos contactados pela empresa de sondagens, por alguma infelicidade, teria produzido uma visão distorcida do pensamento predominante na sociedade portuguesa, mas a popularidade extraordinária do primeiro rei já fora demonstrada em 2007, quando a RTP organizou um programa intitulado “Os Grandes Portugueses”. Nesse concurso, todos os que o desejaram puderam dar a sua opinião. Houve uma votação prévia que escolheu os dez preferidos dos milhares de votantes, e Dom Afonso Henriques foi incluído nessa pequena lista.Depois, na final, o programa foi subvertido por uma polémica na opinião pública, que colocou António de Oliveira Salazar e Álvaro Cunhal nos dois primeiros lugares, seguidos por Aristides de Sousa Mendes – foi um voto ideológico, atraído pela discussão pública e por um desejo de afirmação política da polarização do espectro partidário e de um sector moderado e humanista. O concurso, felizmente, não se resumiu a essa polémica e muitos outros milhares de portugueses votaram com o mesmo espírito dos 607 inquiridos deste ano e Dom Afonso Henriques ficou em quarto lugar.É inequívoco, pois, que Dom Afonso Henriques continua vivo na memória dos portugueses como o pai da nação – o herói que se distinguiu como guerreiro, o que lhe valeu o cognome de o Conquistador, pois foi um batalhador afamado que acrescentou muitas terras aos seus domínios originais. É uma figura do passado conhecida pela esmagadora maioria dos cidadãos no presente e vista por todos como fundador de Portugal. Importa notar que poucos países têm um fundador indiscutível e que esta popularidade não é recente, nem é o resultado de uma campanha orquestrada pelo Estado contemporâneo.Respeitado pelos seus contemporâneos, mesmo quando perdeu a capacidade de cavalgar e de empunhar a espada, aquando da sua morte logo ficou incrustado na memória colectiva de todas as gerações de portugueses que se lhe seguiram.O culto manuelinoCedo viu a sua fama ganhar contornos lendários, de que sobressai o milagre de Ourique, cujo mito da visão de Cristo antes da batalha e da promessa divina de que não só venceria o combate, mas também seria o monarca de um reino imorredoiro, já estava cristalizado no início do século XV. Dom Manuel I avivou a sua memória, promovendo a redacção da Crónica de Dom Afonso Henriques, de Duarte Galvão, como forma de auto-glorificação ao fazer do fundador o alfa e dele próprio o ómega do Portugal que se tornava então imperial e intercontinental. A 25 de Outubro de 1520, no preciso dia do aniversário da conquista de Lisboa e do 25.º aniversário da sua entronização, o Venturoso promoveu uma grandiosa cerimónia em Coimbra, ao trasladar Dom Afonso Henriques para o seu túmulo actual, tendo o cadáver incorrupto sido homenageado por todos os membros da corte de então, com Dom Manuel a seu lado, vestido de burel e empunhando um círio.Em Os Lusíadas, impressos pela primeira vez em 1572, Camões coloca-o a par de Carlos Magno e de Júlio César: “Pois se a troco de Carlos, rei de França / Ou de César quereis igual memória, / Vede o primeiro Afonso, cuja lança / Escura faz qualquer estranha glória” (I, 13), e poucos anos depois, Dom Sebastião abriu o túmulo para contemplar o fundador do reino antes de partir para Alcácer-Quibir. Figura incontornável dos livros de história e ligado directamente à memória de tantas vilas e cidades, por onde passou, que conquistou ou que deu carta de foral, ou de mosteiros que fundou, como o de Santa Cruz de Coimbra e o de Alcobaça, o seu nome passou de boca em boca, com admiração, até aos nossos dias. O rei políticoHá precisamente 900 anos, em 1125, Dom Afonso Henriques deu o primeiro sinal de afirmação política ao armar-se cavaleiro na Catedral de Zamora, no domingo de Pentecostes, quando tinha 15 anos.A partir de então, foi ganhando a confiança dos magnates beirões e durienses, a quem desgostava a ambição de Dona Teresa de assumir a coroa de toda a Galiza, o que também desagradava aos arcebispos de Braga, por causa da força adquirida pelos metropolitas de Compostela. Ao jovem Afonso Henriques, a ligação fecunda da mãe com Fernão Peres de Trava seria vista, inevitavelmente, como uma ameaça. Por tudo isto, a 24 de Junho de 1128, as forças leais a Dom Afonso Henriques derrotaram os rivais em São Mamede, e Portugal nunca mais perdeu a autonomia.Recordado sobretudo pela capacidade militar, o fundador do reino foi também um político hábil: em 1130, acrescentou ao condado as terras que compõem, grosso modo, o actual distrito de Bragança, ao atrair para a sua autoridade Fernão Mendes, o Braganção, tornando-o seu cunhado, pelo casamento com a sua irmã Dona Sancha; no ano seguinte, promoveu a fundação do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, e fixou a sede do seu poder definitivamente na cidade do Mondego. Colocava as montanhas das Beiras entre si e Afonso VII, criava um centro estratégico virado para o Sul, e ganhava uma máquina de propaganda para o seu projecto independentista.Nesta década de 1130, o político parece sobrepor-se ao batalhador, pois as movimentações militares foram poucas, destacando-se a vitória na batalha de Cerneja, contra os leoneses em 1137.A fase militarNo final do decénio, porém, o guerreiro atingiu a fama que o levou à realeza, ao derrotar um exército muçulmano numeroso, a 25 de Julho de 1139, na célebre batalha de Ourique. Pouco se sabe sobre o combate, mas há registo do regresso triunfal dos vencedores a Coimbra e desde então Dom Afonso Henriques passou a assinar os documentos com o título de rex. Note-se que antes nunca usara o título de conde, preferindo o de prínceps ou de imperante, mais próprios de um neto do grande Afonso VI.Esta mudança mostra que, independentemente do local e do número de soldados enfrentados, a vitória contra os islamitas foi retumbante aos olhos dos portucalenses e deu força política ao conde para passar a nomear-se rei.Afonso VII, entretanto, proclamara-se imperador em 1135, pelo que Dom Afonso Henriques foi suficientemente hábil para convencer o  primo da sua realeza, pois a independência do reino luso agora não apoucava o soberano de Leão e Castela, mas reforçava até a sua aura imperial. A conferência de Zamora, a 5 de Outubro de 1143 confirmou, assim, a autonomia de que Portugal gozava, de facto, desde 1128.As campanhas militares afonsinas caracterizaram-se pela construção de castelos como forma de acrescentar território, como sucedeu no caso de Leiria, em correrias e combates breves, e na tomada de vilas e cidades preferencialmente através de um ardil, evitando em regra os cercos prolongados. Em 1147, depois de conquistar Santarém numa noite, o rei avançou para Lisboa, e cercou a cidade por quatro longos meses. Fê-lo com o apoio de cruzados vindos por mar, o que foi uma novidade. Há muito que cruzados vinham ajudar as monarquias hispânicas na luta contra os muçulmanos, mas todos haviam atravessado os Pirenéus, incluindo o conde Dom Henrique, pai do monarca. Em 1147, porém, os contingentes ingleses, flamengos e alemães chegaram por mar, e uma parte foi recrutada especialmente para esta operação. De uma assentada, ao conquistar a cidade mais relevante da costa ocidental peninsular, o Portugal recém-nascido mostrava ser umapotência europeia de vocação marítima.O episódio de BadajozDepois da tomada de Lisboa, em Outubro de 1147, o rei consolidou a dominação do território a norte do Tejo, confiando o seu desenvolvimento económico e a sua defesa sobretudo a ordens religiosas, sobressaindo a doação da região de Alcobaça aos monges de Cister, em 1152, e a atribuição de Tomar e do seu entorno à Ordem do Templo, em 1160.Ao mesmo tempo, continuava a combater leoneses a norte e muçulmanos a leste e a sul; se os avanços contra os leoneses nunca foram significativos, as conquistas para lá do Tejo aceleraram, e tiveram Beja como o limite meridional, e Trujillo como o oriental. Na mente do monarca, estava, decerto, o velho mapa da administração romana, que perdurara sob os visigodos, pois as suas conquistas seguiam os limites das antigas províncias da Galécia e da Lusitânia, ou seja, as terras montanhosas do Ocidente peninsular.No auge do seu prestígio, quando parecia invencível, terá sonhado com um território ainda mais vasto, pois o ataque a Badajoz, em 1169, tinha como objectivo impedir o progresso dos leoneses para sul, e ganhar acesso às terras andaluzas da margem esquerda do Guadiana, em direcção a Sevilha.Percebendo a ameaça, Fernando II de Leão acorreu em auxílio da cidade muçulmana; surpreendeu Dom Afonso Henriques e obrigou-o a retirar-se precipitadamente. Foi então que o rei sofreu um grave acidente ao chocar com um ferrolho da porta do castelo, o que lhe provocou uma fractura exposta da perna e o fez cair nas mãos dos rivais leoneses. O sonho de agregar o Grande Ocidente peninsular sob o domínio português foi, assim, bruscamente interrompido, mas contribuiu, provavelmente, para a consolidação da obra fundadora do rei, sob a liderança do seu herdeiro, o infante Dom Sancho.Dom Afonso Henriques esteve cativo entre Julho e Agosto de 1169 e regressou, inválido, a Portugal, depois de devolver a Leão os castelos que detinha na Galiza. Incapaz de voltar a montar um cavalo, deixou de poder encabeçar a hoste, e o envelhecimento acentuou-se com o  passar dos anos. O rei governava há 41 anos e era visto como rei pelos seus há 30, e pelos rivais há 26. Muita gente, nessa época, vivia menos tempo, pelo que, do ponto de vista pessoal, era um governo longo, mas do ponto de vista institucional, Portugal ainda era, então, uma entidade recém-nascida e de raízes frágeis, embora suficientemente fortes para suportar as tormentas. Um desses momentos decisivos foi a crise política de 1169, que suscitou até uma remodelação política, com o afastamento de Pêro Pais da Maia, alferes-mor desde 1147. Mas nem esse terramoto político fez desmoronar a estrutura criada em torno de Dom Afonso Henriques, e Dom Sancho, apenas com 15 anos de idade, logrou manter o reino unido sob a sua regência, com o apoio da irmã Dona Teresa.Dom Afonso Henriques viveu mais dezasseis anos, dando tempo a que o seu prestígio pessoal se transferisse para o filho, que governava na presença do pai e que se mostrou um chefe militar distinto, especialmente quando encabeçou um fossado até aos arrabaldes de Sevilha, em 1178. Dom Sancho I viria a ser lembrado como o Povoador, numa complementaridade ao trabalho do pai, o que se justificou não só pela necessidade, de facto, de dar densidade humana aos territórios conquistados, mas também pelo facto de o islão peninsular se ter então reunificado sob os almóadas, o que obrigou os reinos cristãos a passarem para uma posição predominantemente defensiva no final do século XII e no início do XIII.Quando fechou os olhos, Dom Afonso Henriques já era reconhecido como o fundador do reino e a documentação coeva do século seguinte mostra que a sua memória cedo foi venerada e heroicizada. Apesar da sua frágil pequenez, Portugal logrou sobreviver a todas as ameaças que enfrentou nos mais de oito séculos seguintes e, como vimos, continua a venerar o rei fundador como um dos maiores portugueses de sempre. Artigo publicado originalmente na edição nº 24 da revista National Geographic História.

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Flores bálticas

A "proliferação de algas" é o termo utilizado para descrever a rápida multiplicação do fitoplâncton, plantas marinhas microscópicas que flutuam à superfície ou perto da superfície do mar. A clorofila utilizada pelo fitoplâncton para a fotossíntese mancha colectivamente as águas oceânicas circundantes, proporcionando uma forma de detectar estes minúsculos organismos a partir do espaço.Na maior parte do Mar Báltico, há dois florescimentos anuais: o florescimento da Primavera e o florescimento de cianobactérias (também chamadas algas azuis-verdes) no final do Verão. O Mar Báltico enfrenta muitos desafios graves, incluindo poluentes tóxicos, deficiências de oxigénio em águas profundas e florescências de cianobactérias tóxicas que afectam o ecossistema, a aquicultura e o turismo.As cianobactérias têm características semelhantes às das algas e alimentam-se do fósforo presente na água. As temperaturas elevadas da água e o tempo ensolarado e calmo conduzem frequentemente a florescências particularmente grandes que colocam problemas ao ecossistema.Nesta imagem captada em 20 de Julho de 2019 pelo satélite Sentinel-2 do programa Copernicus da ESA, são claramente visíveis as riscas e redemoinhos da flutuação do final do Verão, misturados pelos ventos e correntes oceânicas. Sem medições in situ, é difícil distinguir o tipo de algas que cobrem o mar, uma vez que muitos tipos diferentes crescem nestas águas.As concentrações mais elevadas de proliferação de algas ocorrem no Báltico Central e em redor da ilha de Gotland (Suécia), visível à esquerda na imagem.Embora as florescências de algas sejam uma parte natural e essencial da vida no mar, a actividade humana também aumenta o número de florescências anuais. O escoamento agrícola e industrial descarrega fertilizantes no mar, fornecendo os nutrientes adicionais de que as algas necessitam para formar grandes florescências.No entanto, as bactérias que consomem as plantas em decomposição absorvem o oxigénio da água, criando zonas mortas onde os peixes não conseguem sobreviver. Do mesmo modo, as grandes proliferações estivais podem conter algas tóxicas que são perigosas para os seres humanos e outros animais.

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P&R com Renaud de Stephanis, o investigador que nomeou "Toñi", uma das orcas que afundou um veleiro em Portugal

Não é a primeira vez que as orcas ibéricas são protagonistas de ataques contra veleiros ao largo de Portugal continental. Nos últimos anos, os casos têm-se repetido durante o Verão. Em 2025, o caso mais badalado aconteceu neste sábado, quando os tripulantes de um iate do clube de vela Nautic Squad  navegavam tranquilamente ao largo da Costa da Caparica.De súbito, os passageiros do veleiro sentiram um impacto no casco e não conseguiram avançar, porque o leme já estava danificado. Um grupo de orcas tinha cercado a embarcação. Aos poucos, o veleiro começou a afundar até submergir completamente. Felizmente, as vítimas não sofreram mais do que um grande susto e perdas materiais.Não é, porém, um caso isolado. Nesta semana, a Autoridade Marítima Nacional esteve especialmente activa a salvar tripulantes de embarcações "atacadas". Uma, há cinco dias, navegava ao largo da baía de Cascais e outra, surpreendida nesta quinta-feira, encontrava-se a cerca de seis quilómetros do porto de Peniche.Para os biólogos, estes episódios já não são surpreendentes. No entanto, o que vai gerando controvérsia entre os especialistas é a razão pela qual as orcas parecem deleitar-se com os veleiros. Do ponto de vista animal, trata-se de uma simples interacção, mas muitos seres humanos ainda têm dificuldade em interpretá-la dessa forma.Consultámos Renaud de Stephanis, investigador de cetáceos há 30 anos e presidente do CIRCE (Centro de Conservação, Informação e Estudo de Cetáceos) no país vizinho, cujas águas também têm sido alvo de ataques. Além de décadas de investigação, o cientista também deu o nome à orca matriarca do grupo que interagiu com a embarcação do clube de vela mencionado no início deste texto. Fã de futebol, de Stephanis chamou-lhe Toni, numa referência ao guarda-redes Toni Jiménez, mas descobrindo que era fêmea, mudou-lhe o nome para Toñi.National Geographic (NG): Há quanto tempo conhece a Toñi?Renaud de Stephanis: Desde 1996. É a orca mais velha que conhecemos. Tem cerca de 56 anos e teve muitos filhotes, que fazem parte do seu grupo, que agora está entre Lisboa e Porto. As orcas movem-se em grupos matrilineares e na Península Ibérica há três, num total de 46 a 50 orcas. Há também o grupo de Atlas, por exemplo, que agora está no estreito de Gibraltar.NG: Existem várias teorias sobre estas interacções. A que acha que se devem?RdS: É um simples jogo. Não há mais nada. Podemos especular mil teorias, mas trabalho há trinta anos com orcas e a conclusão é que é simplesmente um jogo."As orcas movem-se em grupos matrilineares e na Península Ibérica há três, num total de 46 a 50 orcas."NG: Há estudos que dizem que, dentro do que é o jogo, poderia ser uma moda entre as orcas. RdS: Sim, pode ser. Se procurarmos comportamentos animais vistos como comportamentos humanos, podemos chamar-lhe de moda. Há orcas que colocam um salmão na cabeça. Temos golfinhos que gostam de brincar com plásticos, passando-os uns para os outros. Chamamos-lhe futebol plástico. O mar é muito entediante para os animais. Um lobo ou um urso tem mais com que brincar. Se observar um filhote de lobo ou de lince, eles brincam com qualquer coisa.NG: Como é que estas orcas aprenderam este jogo?RdS: Neste caso, uma orca que já morreu começou a atacar veleiros e agora digamos que isso faz parte da cultura do grupo. Isso foi sendo transmitido e, na verdade, o grupo de Toñi que destruiu o veleiro [do clube de vela Nautic Squad], muitas pessoas diziam que não interagia. Nós sabíamos que eles interagiam, pois aprenderam...NG: As orcas ibéricas têm alguma particularidade?RdS: Orcas ibéricas é um termo que inventámos. Vivem em torno da Península, a norte de Marrocos e, por vezes, um pouco a sul de França. Elas só comem atum vermelho. A estrutura matrilinear tem uma transmissão dessas estratégias de caça ao atum vermelho. Elas não saberiam pescar mamíferos, anchovas ou lobos marinhos."Neste caso, uma orca que já morreu começou a atacar veleiros e agora digamos que isso faz parte da cultura do grupo. Isso foi sendo transmitido."NG: Outro estudo sugere que, devido à semelhança do tamanho dos veleiros, os naufrágios poderiam ser uma técnica de treino.RdS: Não, de forma alguma. Acha mesmo que as outras mães dizem: "Vamos lá, meninos, hoje vamos aprender a comer atum"? Qualquer jogo vai orientar toda a coordenação motora e a adrenalina, e apenas isso.NG: Como os veleiros devem agir nesses casos?RdS: Não parar. Se pararem, amplia o problema. Desde que as medidas recomendadas foram aplicadas no estreito de Gibraltar, que é a maior área de estudo que temos, houve uma redução de 80% nas interacções desde 2023.

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O que é, ao certo, um “Yankee”?

Foi há uns incríveis 121 anos que, nos Estados Unidos da América, a National League e a American League se juntaram para formar a Major League Baseball (MLB) – uma das mais antigas ligas de desporto profissional do mundo na actualidade – e os New York Yankees fazem parte dela desde o início.Ao longo desse tempo, muitas equipas foram obrigadas a repensar os seus nomes antiquados, como os MLB’s Cleveland Indians (actualmente Guardians) e os NBA’s Washington Bullets (actualmente Wizards). Nem todas as atenções dispensadas a Taylor Swift e Travis Kelce na Super Bowl obscurecem o facto de os Kansas City Chiefs poderem ser os próximos dessa lista. Contudo, os Yankees parecem ter escapado a este escrutínio.E isso poderá ser porque… bem, porque ninguém sabe ao certo o que é um “Yankee”. Examinaremos, neste artigo, a possível origem deste termo e se é ou não um insulto, um erro de pronúncia nascido da miscigenação de culturas ou apenas uma gíria inofensiva.A teoria holandesa Uma das teorias mais prevalecentes é que “Yankee” começou por ser uma alcunha para alguém de… New England.Como o jornalista escritor Bill Bryson refere no seu livro Made in America: An Informal History of the English Language in the United States, os primeiros colonos holandeses tiveram um impacto profundo na língua inglesa. Palavras como “cookie” (bolacha), “waffle”, “bedspread” (colcha), “boss” (chefe) e “coleslaw” (salada de couve) tiveram origem no holandês. “Nitwit” (imbecil) tornou-se um insulto baseado na frase holandesa Ik niet wiet, que significa “não sei”. O mesmo aconteceu, como descreve Bryson, “à típica interrogação americana ‘how come?’(como assim?)” — que é uma tradução literal do holandês hoekom.Bryson propõe que “Yankee” derive de Janke, uma alcunha para Jonathon, como “Jonny”, ou de Jan Kees, que significa “John Cheese”, uma expressão que seria insultuosa. A primeira explicação faz sentido quando temos em conta que existem referências a piratas holandeses com a alcunha “Captain Yanky” desde tempos tão recuados como 1683.A colónia holandesa na América que se chamava originalmente New Netherlands acabou por se tornar naquilo que conhecemos hoje como New England. Por isso, os habitantes de zonas mais a sul podem ter adoptado o termo “Janke” para se referirem aos holandeses do nordeste – e nem sempre de forma amigável.Com efeito, o romance de Sara Jeannette Duncan, An American Girl in London, de 1891, diz explicitamente: “Os Yankees são as pessoas de New England… no passado, o nome seria considerado um insulto”. Segundo Henry Hitchings, autor de The Secret Life of Words: How English Became English, “os holandeses eram coloquialmente conhecidos como ‘butterbox’ (manteigueiras) — pelo menos desde 1600 — porque tendiam a espalhar-se por todo o lado”. Aparentemente, no início dos séculos XVII e XVIII, a língua e o povo holandês eram omnipresentes que faz sentido terem uma pegada linguística tão significativa.Barreiras de linguagem Embora a influência holandesa seja evidente, a história das origens de “Yankee” pode não ser assim tão simples. O influxo de culturas e linguagens no Novo Mundo – bem como aqueles que já lá estavam muito antes de os colonos chegarem – introduz novas teorias sobre a formação e disseminação da palavra.Em 1789, um oficial britânico chamado Thomas Anburey, que prestou serviço durante a Revolução, escreveu que achava que a palavra “Yankee” era um abastardamento da palavra Cherokeeeankke, que significa “cobarde” ou “escravo”. Anburey disse que a palavra foi adoptada pelos habitantes da Virgínia para insultarem as pessoas de New England quando estas se recusaram a ajudá-los nas suas batalhas com as tribos nativas.No seu esforço para descobrir o poderoso impacto linguístico que os dialectos africanos tiveram nos primórdios do vernáculo na língua inglesa, J.L. Dillard, no seu livro All-American English, afirma que “Yankee” teve origem nas dificuldades dos nativos americanos em pronunciar a palavra “English” (“Yangleese”) e até na chegada dos imigrantes chineses e da sua aproximação a esta: “Ink-eli”.Embora possamos questionar a cronologia de Dillard — como vimos, as referências a “Yankees” remontam ao século XVII e os primeiros imigrantes chineses documentados começam a chegar em finais da década de 1840 — a sua teoria acrescenta uma nuance interessante.Pensa-se que a canção clássica “Yankee Doodle Dandy” tenha sido cantada por soldados britânicos durante a revolução para provocar os Yankees (neste caso, os colonos) devido às penas que usavam nos capacetes para se distinguirem no campo de batalha – apelidando o estilo de “macaroni”, um termo semelhante a “janota”.Contudo, Bryson encontrou provas que sugerem que a canção teve origem numa outra, frequentemente cantada por escravos vindos da África Ocidental, que tinha palavras e cadência semelhantes: “Mama Nanni go to town / Buy a little pony / Stick a feather in a ring / Calling Masra Ranni.” Embora os holandeses sejam os grandes responsáveis pela criação inicial do termo, parece claro que o influxo e influência de outras culturas desempenharam certamente um enorme papel na sua popularização e disseminação.Sendo um termo omnipresente, é surpreendente ver que a verdadeira origem de “Yankee” continua envolta em mistério. As suas raízes são um cadinho de culturas, idiomas e história – tornando a palavra perfeitamente americana.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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O oceano Índico em factos e números

Uma das questões que se coloca, gerando alguma controvérsia, quando se fala do oceano Índico relaciona-se com as suas fronteiras. Se é ponto assente que a norte é limitado pelas costas da Ásia, incluindo o sub-continente indiano que lhe dá o nome, e que o seu limite a oeste é definido pela costa africana e e pelo cabo das Agulhas, na África do Sul, as suas fronteiras sul e este são menos claras.A sul, o seu limite é mais comummente definido como coincidente com o paralelo 60ºS, mas algumas autoridades, que não reconhecem o oceano Antártico como uma entidade distinta, consideram que o Índico se estende até ao próprio continente Antártico. Finalmente, a este, é geralmente aceite que a sua fronteira mais a sul neste eixo com o oceano Pacífico é marcado pelo cabo sudeste da Tasmânia. Porém, é menos claro se o estreito de Bass (entre a Austrália e a Tasmânia) faz parte deste oceano ou do Pacífico.Já a fronteira nordeste do Índico encontra-se geralmente mal definida, mas uma hipótese com algum apoio internacional coloca-a numa linha imaginária que liga o cabo Londonderry, na Austrália, a Singapura, passando pelas costas sul de Sumatra e Java, grosso modo ao longo do meridiano 147.Embora o título de oceano mais profundo do mundo caiba ao Pacífico (mais precisamente na fossa das Marianas), o Índico – embora comparativamente pouco profundo – apresenta também áreas de profundidade abissal, com particular destaque para a fossa de Sunda, com mais de sete quilómetros de profundidade.Um Oceano de Correntes Únicas...O Índico distingue-se dos restantes oceanos pelas suas correntes de superfície assimétricas e de reversão semi-anual, causadas principalmente pelas monções, sistemas de pressões e consequentes ventos que invertem a sua direcção predominante a cada seis meses, com consequências muito relevantes ao nível da precipitação, uma vez que associadas a estas reversões estão grandes quantidades de pluviosidade. Existem dois sistemas principais no Índico, um em cada hemisfério (ao largo da Ásia e da Austrália, respectivamente), já que as alterações de pressão nesta zona são potenciadas essencialmente pela temperatura do ar. Assim, a direcção dos ventos altera-se com as estações do ano num e noutro hemisfério. Mais a sul em relação à monção asiática, encontra-se a região dos ventos alísios (trade winds), caracterizada por ventos persistentes em direcção a oeste – muito relevantes, no passado, na navegação para fins de trocas comerciais. E, ao contrário dos outros grandes oceanos, não existe nenhuma corrente de larga dependente de fenómenos de upwelling no Índico, o que, aliado à sua temperatura relativamente alta e baixa oxigenação, o torna menos rico em vida que o Atlântico ou o Pacífico. Isto acontece porque extensas áreas deste oceano não apresentam condições para suportar grandes quantidades de fitoplâncton, uma das principais bases das cadeias alimentares oceânicas típicas....e também espécies únicasNo entanto, e paradoxalmente, o Índico apresenta também um dos maiores blooms anuais de fitoplâncton do mundo, causado pelas monções no Verão. Isto faz com que as suas costas consigam alimentar grandes quantidades de peixe e os seus predadores, incluindo o homem, já que, por exemplo, a segunda maior zona de pesca de atum se encontra aqui. Também a contribuir para a sua riqueza natural, as fozes do rio Indo e do Ganges transportam sedimentos suficientes para formar algumas das maiores planícies abissais.Mas os verdadeiros tesouros em termos de biodiversidade que o Índico apresenta encontram-se nas suas ilhas, muitas delas com origem em atóis de coral, sendo que mais de 30% dos recifes de coral no planeta se encontram nestas águas. Embora o oceano Índico apresente relativamente poucas ilhas em comparação com o Pacífico, o seu relativo isolamento levou ao surgimento de milhares de espécies endémicas.Além das grandes ilhas banhadas por este oceano – como a Austrália, com a sua fauna única, e Madagáscar, que tem uma taxa de endemismos que ronda uns incríveis 80% das mais de 250 mil espécies que aí ocorrem –, existem também vários arquipélagos de pequenas ilhas que desenvolveram faunas e floras muito próprias. É o caso das Comores ou das Seychelles, bem como das Maurícias, que embora tenham perdido devido à acção humana o seu mais emblemático habitante, o curioso dodô, mantêm um número assinalável de endemismos (principalmente a nível florístico).É também no Índico que se encontra uma das espécies cuja descoberta foi mais inesperada e interessante: o celacanto (Latimeria chalumnae), que se julgava extinto há cerca de 400 milhões de anos. Reconhecida por cientistas quando o encontraram à venda num mercado sul-africano em 1938, sabe-se que esta espécie é descendente directa de um grupo de peixes, mais próximos evolucionariamente dos peixes pulmonados e vertebrados terrestres do que dos restantes existentes. Apesar da sua relativamente baixa produtividade, o Índico alberga também populações importantes de mamíferos marinhos, com especial destaque para as baleias-de-bossa (Megaptera novaeangliae), que efectuam uma migração de mais de cinco mil quilómetros desde as águas frias do oceano Antártico, onde se alimentam, até às águas quentes nas imediações dos arquipélagos de Madagáscar e Reunião, que usam como zona de reprodução e criação.Ameaças Desde cedo palco de uma intensa actividade comercial – na qual Portugal foi a partir de 1492 parte relevante –, o oceano Índico vê-se hoje em dia confrontado com vários problemas, alguns deles directamente relacionados com a actividade humana. Primeiro, o complexo sistema de altas e baixas pressões que rege as monções é afectado pela subida das temperaturas médias a nível global causadas pelas emissões de gases com efeito de estufa, levando a uma instabilidade no clima e a uma maior incerteza junto dos habitantes locais. Segundo, o facto de vários dos países mais povoados do mundo, com especial destaque para a Índia e Indonésia, serem banhados pelo Índico é um factor extra de pressão sobre esta massa de água. Uma das vertentes em que esta pressão é mais visível é na sobrepesca, que afecta as populações de peixes que habitam este oceano e que os países foram, até agora, incapazes de regular convenientemente. Outro problema, muito relevante, é a poluição. O Índico é o segundo oceano mais poluído no mundo, com cerca de 11 milhões de toneladas de plástico a nele serem despejadas anualmente. A propósito, convém não esquecer que banha 5 dos 10 países mais poluentes do mundo no que toca aos oceanos, nomeadamente a Indonésia, Sri Lanka, Bangladesh, Tailândia e Malásia. Não é por acaso que as suas correntes acabaram por dar origem, tal como ocorre noutros oceanos, a uma “ilha” de lixo em pleno oceano. Finalmente, também as costas do Índico estão sobre pressão turística, levando a que ecossistemas preciosos sejam destruídos para dar lugar a hotéis e estruturas de apoio.

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Este sapo está na moda – e os traficantes de animais sabem disso

Uma das espécies mais emblemáticas da América do Norte, o sapo do deserto de Sonora (Incilius alvarius), que aparece quando as primeiras chuvas da monção possibilitam o surgimento de nova vida, está no centro da caça furtiva devido às substâncias psicadélicas que é capaz de secretar.O SEGREDO DO Incilius alvariusO sapo, com aparência rechonchuda e tranquila, guarda um segredo químico: as suas glândulas parótidas, localizadas atrás dos olhos, secretam um veneno branco leitoso destinado a dissuadir os predadores, que contém 5-MeO-DMT, uma das substâncias mais potentes do mundo. Se o veneno for inalado, o seu efeito intenso prolonga-se entre 15 e 60 minutos. Não é à toa que é entre 4 e 6 vezes mais forte que o DMT (dimetiltriptamina) tradicional, associado principalmente à ayahuasca, uma bebida psicoactiva usada no xamanismo das culturas indígenas da Amazónia e do Orinoco.Este efeito tão potente do 5-MeO-DMT, que não só conduz a emoções extremas, mas também pode provocar convulsões ou vómitos, fez com que, com o passar do tempo, essa criatura se tenha tornado alvo de supostos xamãs urbanos, personagens famosos e, portanto, também daqueles que se dedicam à caça furtiva com o objectivo de obter o tesouro químico desse sapo que pode crescer até cerca de 19 centímetros de comprimento.O AUGE DO SAPO COMO DROGA "ESPIRITUAL"O uso cerimonial do veneno leitoso do Incilius alvarius não é novo. Comunidades indígenas do norte do México e do sudoeste dos EUA têm usado as suas secreções em rituais há décadas, mas o fenómeno explodiu globalmente a partir de 2017, com documentários, retiros de luxo em Tulum e personagens um tanto exóticas que promoviam e promovem o consumo desta substância como remédio para a depressão, a ansiedade ou mesmo o trauma.O problema dessa difusão tão massiva das substâncias tóxicas do sapo é que ela trouxe consigo a mercantilização do anfíbio, onde se paga de 200 a 500 dólares por pessoa, e os "facilitadores" deste potente psicoactivo utilizam sapos capturados na natureza, pelo que vários especialistas alertam que a exploração humana desta espécie está a acelerar o declínio da sua população, o que, somado às ameaças já existentes, como as alterações climáticas, a urbanização ou a poluição, a coloca numa situação delicada.Hoje em dia, o sapo não está classificado como espécie em perigo de extinção, mas os especialistas concordam que o aumento da sua captura para uso psicadélico pode levar a espécie à extinção em menos de duas gerações. Isso resultaria num colapso do seu ecossistema, uma vez que estes anfíbios ajudam a controlar as populações de insectos e, por sua vez, servem de alimento para aves e répteis.COMO OS CAÇADORES OBTÊM ESTE DMT POTENCIADO?É muito stressante para os infelizes sapos. Os caçadores furtivos capturam-nos e espremem as suas glândulas com os dedos, num processo conhecido como "ordenha" que, embora não mate o animal, causa-lhe stress extremo, desorientação e, em muitos casos, morte indirecta. Isto pode acontecer ao verem-se incapazes de regressar ao seu habitat natural ou acabarem por ser devorados por algum predador, uma vez que não se conseguem defender como fariam normalmente, uma vez que as suas reservas estão totalmente esgotadas. O seu veneno não é infinito. Também foram citados casos em que algumas pessoas tentaram passar a língua directamente pelo sapo para obter o seu efeito, razão pela qual até as autoridades americanas emitiram comunicados a solicitar o fim dessa prática.DMT SINTÉTICO?Existe uma alternativa medicamente viável e ecologicamente sustentável: o 5-MeO-DMT sintético. Cientistas como Andrew Weil, do Centro de Medicina Integrativa da Universidade do Arizona, afirmam que há muito pouca diferença entre a versão natural e a de laboratório, e parece que, em ambientes controlados por profissionais, pode ter efeitos positivos em pacientes com depressão resistente ou transtornos de ansiedade.

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Cientistas apresentam o “ChatGPT da saúde”, um modelo de IA para prever o risco de doenças

Imagine que está diante de um modelo de inteligência artificial conversacional e pode perguntar-lhe sobre as doenças que poderá contrair no futuro. Para responder, a IA teria de conhecer o seu historial médico, o seu estilo de vida e outros aspectos únicos da sua vida.É isso que um grupo de cientistas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL) e do Centro Alemão de Investigação Oncológica (DKFZ) se propôs a fazer. O objectivo era projectar um modelo de IA capaz de prever mais de mil doenças ao mesmo tempo. Baptizado com o nome de Delphi-2M, o assistente virtual identifica padrões de saúde e faz previsões significativas.Como funciona o “ChatGPT da saúde”Surgem inevitáveis dúvidas sobre a sua eficácia. Por enquanto, os profissionais pertencem a instituições reconhecidas a nível mundial e o estudo foi publicado na revista científica Nature.Não é a primeira vez que a ciência da saúde se propõe a facilitar ou prever diagnósticos através da tecnologia. As propostas têm sido muito variadas, mas o caso mais emblemático que obriga a manter a prudência diante de novas soluções é o de Elizabeth Holmes, com a Theranos, a grande fraude de Silicon Valley.Para este novo modelo de IA, os investigadores treinaram 400.000 dados de pacientes anonimizados do UK Biobank e realizaram estudos longitudinais entre 2020 e 2022 com outros 100.000 participantes. Em seguida, foram validados com registos de quase dois milhões de pacientes da Dinamarca entre 1978 e 2018.O estudo combina bases de dados de diferentes países para reduzir o viés geográfico. Além disso, os pacientes tinham entre 40 e 60 anos. Isto significa que ainda não se pode garantir que este modelo funcione também em adolescentes ou crianças.Probabilidades sim, certezas nãoO Laboratório Europeu de Biologia Molecular comparou o seu funcionamento com a previsão meteorológica. “Este novo modelo fornece probabilidades, não certezas. Não prevê exactamente o que acontecerá a uma pessoa, mas oferece estimativas bem calibradas de certas condições num determinado período. Por exemplo, poderia prever a probabilidade de desenvolver uma doença cardíaca durante o próximo ano”, explicaram num comunicado.Tal como acontece com o clima, as previsões a curto prazo são mais precisas do que as previsões para um futuro distante. O estudo também permite modelar a evolução das doenças para compreender quando e como surgiram certos riscos. Em seguida, com a aprendizagem automática, o modelo prevê o que poderá acontecer no futuro para que os cuidados de saúde ajam de forma preventiva.“O nosso modelo de IA é uma prova de conceito, que demonstra que é possível para a IA aprender muitos dos nossos padrões de saúde a longo prazo e usá-los para gerar previsões relevantes”, explicou Ewan Birney, da EMBL.O modelo funciona especialmente bem em doenças que seguem padrões claros de progressão, como certos tipos de cancro, ataques cardíacos ou septicemia. O oposto ocorre com doenças mentais, distúrbios alimentares ou complicações relacionadas à gravidez, pois dependem de eventos imprevisíveis da vida.O Delphi-2M ainda não está a ser usado clinicamente, mas os cientistas acreditam que ele venha a ser o ponto de partida para novos estudos para, por exemplo, compreender como as doenças progredirão ao longo do tempo; explorar como o estilo de vida afecta; ou simular resultados de saúde.O impacto do novo modelo de IA“Este é o início de uma nova maneira de entender a saúde humana e a progressão das doenças”, disse Moritz Gerstung, do Centro Alemão de Investigação Oncológica (DKFZ). Até este modelo de IA, os estudos sobre previsões de doenças eram abordados de uma forma muito específica. Por exemplo, um estudo já tinha antecipado que os diagnósticos de cancro aumentariam 77% em 2050 em todo o mundo e outro que as pessoas em idade activa no Reino Unido com doenças passariam de 3 milhões para 3,7 milhões, incluindo depressão, asma e diabetes.Os investigadores acreditam que o Delphi-2M poderá mudar os serviços de saúde nos países que o aplicarem. «Modelar a carga esperada da doença é fundamental para o planeamento económico e dos cuidados de saúde e, além disso, o acompanhamento contínuo do aparecimento de doenças, juntamente com a sua provável prevalência futura dentro dos grupos populacionais, promove um sistema de cuidados de saúde mais bem informado».No Science Media Centre, Gustavo Sudre, investigador de neuroimagem genómica e IA e professor do King’s College de Londres, analisou: “Esta investigação parece ser um passo significativo em direção a uma forma de modelagem preditiva em medicina que seja escalável, interpretável e, mais importante, eticamente responsável. A demonstração clara de como a IA explicável pode ser usada para modelar previsões é crucial se quisermos usar essa tecnologia na prática clínica e sugere que pode ser possível identificar pessoas de alto risco que precisam de intervenção”.

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Uma fotografia, duas mensagens

No jardim zoológico de Colchester, o fotógrafo Paul Meek assistiu à transformação num parque infantil de uma mãe, Esra, pelos filhos Anya e Akovi. Ela aguenta estoicamente, como se estivesse acostumada a ser um móvel. Além da ternura e do humor da situação, há uma mensagem mais importante a passar: este tipo de nascimentos em cativeiro são pequenas vitórias para a conservação. Em liberdade, os leopardos de Amur somam apenas uma centena de indivíduos, todos eles na região russa que lhes dá nome. Akovi e Anya fazem parte de um programa oficial de reprodução para uma das espécies mais raras e ameaçadas do planeta. Por isso, Esra não tem outra escolha a não ser armar-se de paciência.

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Guerreiras da época viking

Foi numa manhã de domingo, na estação central de comboios de Estocolmo, que senti, de novo, uma emoção familiar – o sobressalto de ser arrancada ao momento e transportada para outro mundo, mais antigo. Encontrava-me na Escandinávia investigando uma história e preparava-me para tomar café com uma arqueóloga da Universidade de Uppsala, Charlotte Hedenstierna-Jonson. Ela oferecera-se para me mostrar Birka, o local de um antigo assentamento viking numa ilha a oeste de Estocolmo.Enquanto passávamos o tempo antes de o nosso ferry partir de um cais próximo com destino à ilha, Charlotte meteu a mão na mochila e tirou uma cópia de grande dimensão de uma gravura publicada num jornal sueco do século XIX. Desdobrou-a com cuidado, colocou-a sobre a mesa e alisou os vincos. Quando olhei para o papel, senti que as paredes sólidas da estação de comboios se afastavam e que a era viking me arrebatava. A gravura, com pormenor quase fotográfico, mostrava uma grande câmara funerária viking subterrânea com restos de esqueletos e um arsenal de armas. Em 1877, explicou Charlotte, um arqueólogo sueco chamado Hjalmar Stolpe descobriu a sepultura, hoje conhecida como Bj 581, perto de uma guarnição militar viking em Birka. Na extremidade da câmara, numa saliência, Hjalmar e a equipa encontraram não apenas um, mas dois esqueletos de cavalo deitados lado a lado. Ao centro, um esqueleto humano repousava de lado, dobrado para a frente pelas ancas, como se o corpo tivesse estado apoiado em algo.Nas imediações, encontravam-se dois estribos de ferro, bem como pedaços de roupa de luxo e um jogo de tabuleiro antigo. Em redor do esqueleto, Hjalmar encontrou um arsenal: fragmentos de uma espada com bainha, um machado de guerra, uma faca para combate corpo a corpo, duas lanças, dois escudos e mais de duas dúzias de flechas. Não se encontraram as jóias que os investigadores há muito associam às mulheres viking, incluindo broches.Com base no conteúdo desta sepultura espectacular, Hjalmar Stolpe concluiu que o túmulo fora reservado para um importante guerreiro do sexo masculino.Esta conclusão foi amplamente aceite por outros investigadores escandinavos e, à medida que a notícia da descoberta de Stolpe se espalhou, o jornal sueco Ny Illustrerad Tidning (New Illustrated Magazine) publicou uma gravura notável da sepultura do guerreiro de Birka, inspirada no desenho técnico do arqueólogo.A ilustração era tão pormenorizada e convincente que foi publicada e republicada durante décadas em livros sobre vikings. A sepultura “era invulgarmente rica em bens funerários, mesmo para os padrões actuais e chamou muito a atenção”, diz Charlotte. Durante quase 140 anos, a interpretação da sepultura manteve-se inquestionável para os arqueólogos. Gerações de investigadores escandinavos aceitaram a ideia de que a guerra era uma actividade exclusiva dos homens durante a época viking, um período que começou em meados do século VIII d.C. e que se extinguiu gradualmente em meados do século XI.Os poetas escandinavos medievais evocaram com vivacidade os horrores surreais dos combates viking. Nos seus versos, uma espada era “o fogo de matança” ou “o brilho de um cadáver”. As lanças eram “as serpentes de sangue” ou “os fogos de Odin”. A batalha em si era “o trovão de armas”, “a tempestade de lanças” e “o sangramento do exército”. Em conjunto, os primeiros poetas escandinavos cunharam cerca de 3.500 figuras de estilo para descrever a guerra e o armamento: uma riqueza de linguagem aterradora. Os estudiosos concordaram que o domínio brutal do combate viking não era lugar para uma mulher. E a identidade masculina do guerreiro de Birka manteve-se.Durante quase 140 anos, a interpretação da sepultura manteve-se inquestionável para os arqueólogos.Birka e todo o mundo viking estão hoje a receber ainda mais atenção. Com uma série de novas escavações no Norte e o advento de técnicas avançadas de investigação, como a sequenciação de ADN antigo e a análise isotópica, os arqueólogos têm vindo a produzir uma imagem cada vez mais complexa da vida viking.Os indícios mostram agora, por exemplo, que a era viking começou décadas antes do que se suspeitava, quando guerreiros fortemente armados navegaram para o que é hoje a Estónia, cerca do ano 750, e sofreram mortes violentas às mãos dos seus inimigos. Nos três séculos seguintes, as expedições dos vikings atravessaram pelo menos oito mares, viajaram para cerca de três dúzias de países e encontraram mais de cinquenta culturas diferentes. Nenhuns outros europeus da época foram tão ousados e tão movidos pela curiosidade e pelo desejo de viajar.Na Europa de Leste, as expedições comerciais dos vikingsdesenrolaram-se ao longo dos perigosos rios das actuais Rússia, Bielorrússia e Ucrânia, enfrentando a resistência dos ataques de guerreiros a cavalo nas estepes eurasiáticas para chegar a duas das cidades mais ricas do mundo na época: Constantinopla (a actual Istambul) e Bagdade. E, pelo menos no início do século XI, grupos destes intrépidos marinheiros escandinavos podem ter desembarcado na costa da América do Norte. Na ponta mais a norte da Terra Nova, os investigadores descobriram vestígios de um possível acampamento habitado em 1021, exactamente 471 anos antes de Cristóvão Colombo ter avistado as Américas.É evidente que os vikings tinham um talento notável para a aventura, mas durante décadas muitos estudiosos concentraram-se apenas nos homens do Norte, partindo do princípio de que apenas eles teriam sido marinheiros, saqueadores e comerciantes. Mas e as mulheres do Norte? O que faziam durante esse tempo? Raramente mereceram atenção, pois partia-se do princípio de que as mulheres viking se encarregavam sobretudo da casa. “Quando entramos num museu, é provável que encontremos as mulheres a fazer uma de duas actividades: a segurar bebés ou a cozinhar”, resume Marianne Moen, arqueóloga da Universidade de Oslo.Será que foi assim tão simples e linear? Até há pouco tempo, havia poucas respostas claras. No entanto, à medida que mais mulheres escandinavas se aproximaram da arqueologia no final do século XX, algumas começaram a examinar a vida das mulheres do Norte sob novas perspectivas. Actualmente, as suas análises de novas escavações e de antigas colecções de museus estão a revelar maior presença feminina. Algumas mulheres viking tinham grande influência no Norte enquanto poderosas rainhas, regentes, videntes, feiticeiras, proprietárias de terras, líderes de cultos sagrados, construtoras de alianças, comerciantes e viajantes.Em 1903, sob uma enorme mamoa de Oseberg, na Noruega, os investigadores descobriram um elegante navio viking decorado com elaborados entalhes. Trata-se da mais luxuosa sepultura viking conhecida. O navio estava repleto de tapeçarias e outras obras de arte e continha os restos mortais de duas mulheres de elevado estatuto, uma das quais era provavelmente uma ritualista respeitada e uma poderosa feiticeira, a julgar pelo seu enxoval funerário. No mundo viking, acreditava-se que as feiticeiras possuíam poderes mágicos, desde a previsão do tempo e controlo do clima até à realização de “magia de batalha”, rituais obscuros para inverter a maré da guerra. Na guerra viking, diz Neil Price, arqueólogo da Universidade de Uppsala, “a magia era tão importante para lutar como afiar a espada”. A maior parte desta “magia” era realizada por mulheres.Outras mulheres eram artesãs habilidosas que desempenharam um papel fundamental na equipagem das famosas frotas de guerra e de incursão dos vikings. Produziam um tecido de lã de alta qualidade para as velas dos navios. Tratava-se de uma tarefa gigantesca. A arqueologia experimental realizada no Museu do Navio Viking em Roskilde, na Dinamarca, por exemplo, revelou que a produção de apenas uma vela para um grande navio de guerra teria exigido pelo menos 10.269 horas de trabalho (o equivalente a cerca de três anos e meio, utilizando como padrão dias de trabalho de oito horas, sem fins-de-semana livres).Além disso, as mulheres confeccionavam também todo o vestuário de lã de alta qualidade usado pela tripulação, e a especialista dinamarquesa em têxteis Lise Bender Jørgensen calculou que seriam necessários 17,5 anos de trabalho de uma equipa de mulheres para vestir uma tripulação de setenta pessoas. É evidente que as artesãs qualificadas eram essenciais para o êxito das campanhas dos vikings no estrangeiro. Mas o envolvimento das mulheres nas guerras não terminava aqui.As mulheres confeccionavam todo o vestuário de lã de alta qualidade usado pela tripulação, mas não só. Vestígios importantes sugerem agora que pelo menos algumas das mulheres do Norte foram treinadas em combate como guerreiras. As revelações começaram há pouco mais de uma década, em 2014, quando Anna Kjellström, da Universidade de Estocolmo, começou a examinar os restos mortais do famoso guerreiro de Birka como parte de um estudo em curso sobre a saúde dos vikings.Durante a sua avaliação científica do indivíduo em Bj 581, Anna determinou que o guerreiro teria cerca de 1,80 metros de altura e seria ligeiramente mais baixo do que a média dos homens viking. Teria morrido provavelmente com 30 a 40 anos de idade. Quando a antropóloga começou a avaliar o género do esqueleto, descobriu algo intrigante: vários indicadores anatómicos não se enquadravam no perfil de um homem.A largura da incisura ciática maior na pélvis do guerreiro, por exemplo, era consideravelmente maior do que o valor médio para os homens – assemelhava-se à das mulheres. Além disso, a pélvis do guerreiro possuía um sulco largo conhecido como sulco pré-auricular, por norma uma característica feminina. E o queixo do guerreiro era pontiagudo, outra característica feminina. De facto, “várias características do esqueleto eram femininas”, explicou-me Anna mais tarde por e-mail. Intrigada, pediu a dois outros antropólogos que avaliassem o género do esqueleto de forma independente. Ambos chegaram à mesma conclusão. O famoso guerreiro viking de Birka parecia ser uma mulher.As antigas sagas nórdicas continham histórias intrigantes de mulheres guerreiras. O historiador dinamarquês Saxo Grammaticus incluiu várias destas figuras femininas lendárias no seu livro Gesta Danorum [a História dos Dinamarqueses], concluído no início do século XIII. Uma das mais famosas foi Ladgerda, que casou com um senhor da guerra viking. De acordo com Saxo Grammaticus, Ladgerda era uma guerreira exímia que recusava vestir-se como um homem em combate. De facto, lutava com o cabelo solto a cair-lhe pelas costas. Mas a maioria dos arqueólogos do século XX rejeitou a narrativa como uma invenção dos contadores de histórias medievais.Vestígios arqueológicos notáveis sugerem que pelo menos algumas mulheres nórdicas eram treinadas em combate.Charlotte Hedenstierna-Jonson não tinha tanta certeza. Conduzira uma longa pesquisa em Birka e sabia que o salão da guarnição estivera outrora repleto de armas de ferro e que fora construído sobre um tesouro de oferendas de pontas de lança. A decisão de enterrar um indivíduo tão perto da guarnição viking e do seu solo sagrado era, por si, um sinal de alta estima, provavelmente concedida a uma figura militar distinta. Poderia uma mulher guerreira ter sido enterrada nessa prestigiada sepultura?Por sorte, Charlotte e Anna Kjellström tinham recebido um generoso financiamento para levar a cabo um vasto estudo de ADN de vestígios humanos na Suécia. O esqueleto bem preservado do guerreiro de Birka era um excelente candidato para o projecto. Assim, em 2015, cientistas da Universidade de Estocolmo procederam à recolha de duas pequenas amostras (uma do dente canino do indivíduo, a outra de um osso do braço) e extraíram com sucesso ADN antigo de ambas. Com isto, os geneticistas geraram dados genómicos que permitiram identificar o sexo e a ascendência do guerreiro a nível molecular.Charlotte recebera o resultado dos testes pouco antes de nos encontrarmos na estação de comboios em Estocolmo. O indivíduo da famosa sepultura do guerreiro tinha afinidades genéticas com os habitantes modernos do Sul da Suécia, mas o resultado mais fascinante proveio da análise do ADN do sexo biológico do guerreiro: o indivíduo do Bj 581 “é uma mulher”, disse.Esta linha de investigação científica complicou-se rapidamente. Em 2017, Charlotte Hedenstierna-Jonson e nove colegas publicaram o seu estudo de ADN sobre a mulher de Birka no American Journal of Physical Anthropology. Para sua surpresa, o relatório de oito páginas, que estava salpicado de frases como “união epifisária” e “posições nucleotídicas”, desencadeou uma tempestade.Alguns especialistas ficaram impressionados com a pesquisa, mas outros contestaram-na e alguns críticos sugeriram que a sepultura de Birka poderia ter contido originalmente um guerreiro e uma companheira e que o esqueleto do homem teria sido removido em algum momento. Mas não existiam evidências que sugerissem que teria sido ali enterrado um segundo corpo. Outros investigadores suscitaram objecções mais teóricas. Os mortos não se enterram a si próprios. Os enlutados poderiam ter colocado na sepultura um tesouro de armas caras pertencentes ao pai ou ao marido da mulher morta, como símbolos do elevado estatuto da mulher. Mas outras evidências indicam claramente que as armas eram dela. Alguns poemas escandinavos antigos, por exemplo, descreviam explicitamente a prática de os enlutados enterrarem os guerreiros mortos com as suas armas. Além disso, ninguém sugerira que todas as armas na sepultura de Birka eram apenas herança de família quando se pensava que o esqueleto era do sexo masculino. Porque se levantava agora essa ideia?Espantados com a reacção, Charlotte e vários investigadores decidiram alargar a sua investigação sobre a famosa sepultura. Alguns membros da equipa debruçaram-se sobre registos históricos à procura de menções a mulheres guerreiras viking. Talvez a referência mais intrigante tenha vindo do texto do século XII Cogadh Gaedhel re Gallaibh [A Guerra dos Irlandeses contra os Estrangeiros]. Nele, um escritor irlandês registou os nomes de 16 comandantes viking que lideraram ataques à região de Munster. Entre estes líderes militares estava uma mulher viking, Inghen Ruiadh, cujo nome significa “Rapariga Vermelha” ou “Filha Vermelha”. (O nome pode ter vindo da cor do seu cabelo.) Ela era claramente uma figura importante. “É uma viking, é comandante de um navio e de uma frota”, disse-me o arqueólogo  da Universidade de Uppsala, Neil Price, membro da equipa.Os cientistas retiraram amostras do dente do indivíduo e de um osso do braço e extraíram ADN antigo.Charlotte e os colegas examinaram mais de perto os objectos da famosa sepultura de Birka. O carácter equestre da sepultura chamou-lhes particularmente a atenção. Embora os vikings sejam mais conhecidos pelas suas capacidades marítimas, as famílias prósperas do Norte criavam cavalos para montar e para trabalhar nas suas quintas. A mulher de Birka provinha provavelmente desse meio tão privilegiado, e vários indícios apontavam para as suas capacidades equestres. A posição dobrada do esqueleto sugeria que tinha sido enterrada numa posição sentada – possivelmente numa sela, cuja madeira e estofo tinham apodrecido, deixando apenas os estribos de ferro descobertos junto dos seus pés. Além disso, um dos esqueletos de cavalo que se encontrava no parapeito estava com freio, como se estivesse pronto a ser montado e a sepultura continha outros objectos de equitação, incluindo o que seria provavelmente uma escova para cavalos.O equipamento de combate em redor do esqueleto também contou uma história. As flechas, por exemplo, foram especialmente concebidas para perfurar a armadura do inimigo, não se destinando apenas a exibição. O restante armamento da sepultura (escudos, lanças, espada de dois gumes, machado e faca de guerra) sugeria que a mulher guerreira estava também treinada em várias formas de ataque, incluindo o combate corpo a corpo.Outras pistas, incluindo parte de uma moeda de prata cunhada pelo califado abássida, um extenso império muçulmano cuja capital se situava no que é hoje Bagdade, ligaram a mulher ao lucrativo comércio viking no Oriente. E uma análise dos fragmentos de vestuário descobertos na sepultura revelou um estilo de vestuário distintamente oriental. Foi sepultada com um espectacular casaco de montar ao estilo da estepe euro-asiática, debruado a seda e possivelmente ornamentado com pequenos pedaços de vidro espelhado para captar a luz. Usava também um capuz de seda muito caro, decorado com uma borla de prata e quatro pequenas bolas de prata. Tanto o estilo como os materiais permitiram inferir que o vestuário terá sido fabricado na povoação viking de Kiev, que se situava junto de uma importante rota fluvial que conduzia a Constantinopla.Em conjunto, as roupas indicavam um indivíduo muito importante com fortes ligações ao Oriente. A investigação comparativa da arqueóloga escandinava e especialista em têxteis Inga Hägg sugeriu que indivíduos enterrados com chapéus tão característicos eram provavelmente comandantes de cavalaria que reportavam directamente a um rei ou príncipe, uma teoria que a investigadora propôs antes de o ocupante da famosa sepultura ter sido identificado como uma mulher.A mulher guerreira de Birka pode ter sido hábil num tipo específico de combate a cavalo. Durante as extensas escavações realizadas na guarnição de Birka entre o final da década de 1990 e o início da década de 2000, os arqueólogos encontraram vestígios de equipamento de tiro com arco oriental, incluindo pontas de setas utilizadas com arcos orientais compostos. As descobertas indicaram fortemente que alguns guerreiros estacionados em Birka foram treinados num tipo de tiro com arco a cavalo dominado por tribos nómadas das estepes euro-asiáticas. Actualmente, Charlotte Hedenstierna-Jonson pensa que a mulher de Birka também pode ter sido treinada como arqueira a cavalo. É “mais uma sugestão do que um facto”, explicou por e-mail, acrescentando que “se baseia na variedade de armas em combinação com os cavalos e a sensação geral do túmulo e do vestuário”.A ideia de que a mulher enterrada no famoso túmulo de guerreiro poderia ter lutado como arqueira a cavalo era profundamente intrigante. E dei por mim a pensar se essa antiga técnica marcial poderia ter nivelado o campo de acção para algumas mulheres guerreiras na era viking. Para saber mais, decidi contactar uma cientista alemã que treinou durante anos para se tornar arqueira a cavalo. Angela Graefen é uma especialista em ADN antigo na Alemanha que estudou e publicou artigos sobre o genoma deÖtzi, o conhecido Homem do Gelodescoberto num glaciar em 1991. Não ficou surpreendida com a sugestão de que a mulher de Birka teria treinado para arqueira montada. De facto, a ideia pareceu-lhe plausível. “As disciplinas equestres são o único campo olímpico onde homens e mulheres competem em igualdade de condições”, disse-me por e-mail. “Embora não seja um desporto olímpico, o mesmo se aplica ao tiro com arco a cavalo, com várias mulheres entre os melhores do mundo.”O armamento sugeria que a mulher guerreira estava bem treinada em várias formas de combate corpo a corpo.Angela referiu também evidências arqueológicas publicadas que apontam para uma longa tradição de mulheres arqueiras a cavalo nas estepes euro-asiáticas, uma região bem conhecida dos comerciantes e guerreiros viking. Escavações efectuadas em regiões tão ocidentais como a Ucrânia e tão orientais como a Ásia Central revelaram os restos mortais de cerca de trezentas mulheres armadas, algumas com cavalos e equipamento equestre, em túmulos datados do século VIII a.C. ao século IV d.C. Num campo de sepulturas notável, conhecido como Mamaj Gora, na Ucrânia, a arqueóloga Elena Fialko, da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia, descobriu os enterramentos de cerca de uma dúzia de mulheres que “formavam uma cavalaria de armas ligeiras”.O equipamento enterrado com estas mulheres orientais armadas variava muito, desde espadas e lanças a armaduras e capacetes, mas o arco e a flecha pareciam ser as armas de eleição. De facto, um antigo enterramento de uma mulher das estepes junto do rio Dniepre incluía uma aljava com 92 flechas. Na opinião de Adrienne Mayor, historiadora da Universidade de Stanford e especialista em vestígios arqueológicos de mulheres guerreiras na Antiguidade, a combinação de um estilo de vida equestre com o tiro com arco criou algo poderoso para as mulheres. “O cavalo e o arco eram os equalizadores. As mulheres podiam ser tão duras, rápidas e mortais como os homens”, escreveu Adrienne na revista Foreign Affairs.Em 2019, a equipa sueca publicou um segundo artigo sobre a mulher de Birka na revista Antiquity. Apresentou evidências arqueológicas e históricas pormenorizadas para apoiar a afirmação de que aquela mulher na sepultura repleta de armas era de facto uma guerreira e, muito possivelmente, uma comandante militar. Teve o cuidado de apontar que era um exemplo único, mas que marcava o caminho para o exame de outros contextos funerários.Para muitos especialistas da era viking, incluindo Marianne Moen, directora do Departamento de Arqueologia do Museu de História Cultural de Oslo, esta segunda publicação era “muito convincente”.“O cavalo e o arco eram os equalizadores. As mulheres podiam ser tão duras, rápidas e mortais como os homens”, escreveu Adrienne Mayor na revista Foreign Affairs.Quando Charlotte e eu chegámos a Birka, já passava do meio-dia. Subimos a encosta até ao forte e à sala da guarnição, onde em tempos se banqueteavam e bebiam os guerreiros de Birka nas longas e escuras noites de Inverno. Charlotte virou-se então e dirigiu-se para o cemitério que outrora acolhera a famosa mulher guerreira.Numa zona plana alta, a investigadora apontou para o local onde os vikings tinham descido o corpo para uma magnífica sepultura cheia de armas. Eu esperava ver algum tipo de marco ou sinal de diferenciação, mas não havia nada, nenhum monte ou memorial, nem mesmo o contorno da sepultura escavada. Um denso matagal de arbustos verdes já se enraizara no local, cobrindo o túmulo com ramos e folhas. Enquanto ficámos ali durante alguns minutos, a gravura da câmara funerária que eu vira no início do dia veio-me à memória: o esqueleto humano pousado no chão, as armas de um guerreiro profissional cuidadosamente dispostas à volta dos ossos. Durante quase 140 anos, essa imagem cativou arqueólogos, suscitando uma miríade de questões sobre o túmulo e a identidade do seu ocupante.Agora, graças ao trabalho de uma equipa interdisciplinar de cientistas modernos, dispomos de uma imagem mais completa com evidências que demonstram que aquele indivíduo terá sido uma guerreira cuja vida ilustre terminou no túmulo de uma importante figura militar. Aparentemente, ela não só suportou as tempestades de lanças e os trovões das armas dos campos de batalha, mas também se destacou, inspirando a lealdade daqueles que combateram com ela. E quando penso no que aprendemos agora, sinto-me invadida pelo respeito por ela.Hoje, a natureza reclamou o seu túmulo, mas a mulher guerreira de Birka já não definha na obscuridade. Faz de novo parte da memória humana, ocupando o seu merecido lugar no grande drama da era viking.Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2025 da revista National Geographic.

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A acidificação dos oceanos: o inimigo invisível dos tubarões

Qualquer pessoa que já tenha visto de perto a dentadura de um tubarão, apercebeu-se de quanto os seus dentes são uma maravilha de natureza. Alguns possuem arestas serrilhadas, enquanto outros têm forma de gancho, ideais para desfazer presas… Os tubarões dependem inteiramente da sua dentadura para sobreviver e nunca ficam sem ela, pois a dentição nunca pára: quando um espécime perde algum dente, este é imediatamente substituído por outro ao longo de todo o seu ciclo de vida.Isto faz com que tenham sempre dentes disponíveis… Sempre? É possível que não. Segundo um estudo recente, um inimigo invisível poderá dizimar a arma mais valiosa dos esqualos: a acidificação dos oceanos.Ao longo de cerca de 400 milhões de anos, a evolução moldou os dentes dos tubarões, até os transformar numa obra de engenharia biológica. Cada dente cumpre determinada função e foi modelado especificamente para ela. Por exemplo, a parte externa é composta por um esmalte duro e rico em minerais, um dos tecidos mais duros elaborados por animais.Os dentes dos mamíferos e dos répteis possuem a mesma camada externa. Tal como os dentes humanos, contam com um núcleo composto por dentina, o segundo tecido mais duro do organismo, tanto destes animais como do nosso. Em alguns casos, é composto por um tecido compacto semelhante à dentina humana, denominado ortodentina. Noutros, trata-se de um tecido esponjoso, semelhante ao que se encontra no interior dos nossos ossos.Independentemente do caso e das diferenças da composição e estrutura dos dentes, os tubarões nunca os perdem. Pelo menos, não definitivamente – ao contrário do que nos acontece a nós, seres humanos, quando nos cai um dente que não seja de leite. E se há algo que caracteriza os esqualos é a capacidade de renovarem a dentadura durante toda a sua vida. Por exemplo, calcula-se que o tubarão-limão (Negaprion brevirostris) possa perder mais de 30.000 dentes ao longo da vida.Consegue imaginar perder um dente por semana e não ter medo de ficar sem dentadura? Isso não é um problema para os tubarões, pois eles contam com um mecanismo natural que gera novos dentes quase imediatamente, como se fosse uma correia transportadora. O segredo? Ao contrário da dentadura humana, a dos esqualos não tem os dentes fixados nas gengivas.Os tubarões têm várias filas de dentes unidas às mandíbulas por tecido conectivo, embora normalmente só utilizem as duas primeiras: as restantes estão dobradas para trás, formando uma espécie de reserva de dentes dispostos de modo a ocupar as primeiras posições. Como tal, os dentes perdidos podem ser substituídos em pouco mais de 24 horas.Os tubarões não têm os dentes fixados nas gengivasCom um sistema de produção dentária destes, seria de imaginar que os dentes dos tubarões fossem infalíveis. E são, mas apenas a curto prazo.Segundo um novo estudo publicado recentemente na revista Frontiers in Marine Science, a acidificação oceânica poderá ser o calcanhar de Aquiles dos esqualos, pois este processo imparável, agravado pelas alterações climáticas, poderá alterar a estrutura dos dentes a longo prazo.Atrás da pista do pHOs cientistas chegaram a esta conclusão depois de realizarem uma experiência com tubarões-de-pontas-negras-de-recife (Carcharhinus melanopterus) em cativeiro que tinham perdido um dente de forma natural. Os dentes em incubação foram expostos a um tanque cuja água com um pH de 7,3, um valor vaticinado por alguns cientistas para 2300.(Para ter uma ideia, o nível de pH da água oscila entre 0 e 14, sendo 7 considerado um valor neutro. No caso da água potável, os níveis de pH costumam situar-se entre 6,5 e 9,5).A mudança dos níveis de pH provocou variações significativas na estrutura interna dos dentes dos esqualos. Por exemplo, comprovou-se que aumentava a corrosão das raízes, causando o aparecimento de fissuras nos dentes e debilitação das coroas. Por outras palavras, a variação do pH da água enfraquecia a dentadura: tornava-a mais frágil e, por conseguinte, mais susceptível a fracturas.É como beber um refresco de colaE isso é um risco demasiado alto para uma criatura que precisa de ter os dentes num estado perfeito. Maximilian Baum, da Universidade de Düsseldorf, autor principal da investigação, compara os danos com os efeitos de beber um refresco de cola, com as devidas diferenças, pois a bebida tem um pH de 3. Embora seja muito mais ácida do que as previsões para o futuro dos oceanos, dá-nos uma ideia do seu efeito a longo prazo nestes animais.Dentes sempre expostos“A comparação é meramente ilustrativa”, explica Baum à National Geographic num email. “Tanto os dentes de tubarão como os dentes humanos são compostos por material altamente mineralizado e ambos são vulneráveis a ambientes ácidos. Tal como as bebidas ácidas, nomeadamente os refrescos de cola, podem corroer o esmalte dos dentes humanos, a água do mar acidificada pode corroer os dentes dos tubarões, dissolvendo o seu cálcio e fosfato. Um refresco de cola tem um pH muito mais baixo do que o oceano, incluindo nos piores cenários futuros, mas os nossos dentes não estão expostos a uma limonada 24 horas por dia, sete dias por semana, como os dentes do tubarão estão à água do mar”, afirma o autor.A razão para esta fragilidade encontra-se na própria natureza dos dentes dos esqualos. Ao contrário dos mamíferos, as suas raízes não estão protegidas, encontrando-se directamente expostas à água. Essa exposição torna-os particularmente susceptíveis, sobretudo nas regiões com níveis mais elevados de acidificação. Os resultados da investigação revelaram alterações morfológicas, afectando tanto a coroa como a estrutura radicular dos dentes.“As nossas descobertas representam os efeitos puramente químicos da acidificação oceânica sobre o tecido mineralizado não-vivo, excluindo processos fisiológicos como a remineralização ou o amortecimento interno”, diz o estudo, que também afirma que, embora a investigação se tenha realizado com animais fora do seu ambiente natural, aponta para uma tendência capaz de extrapolar as alterações significativas que podem acontecer nos piores cenários possíveis.“Nem os componentes tipicamente mais cristalinos dos dentes dos tubarões são imunes à acidificação”,diz o estudo. Por exemplo, a acidificação da coroa corrobora que pode comprometer as propriedades mecânicas dos dentes, enquanto o aumento da superfície serrilhada, embora benéfico para a eficiência do corte, também pode conduzir à debilidade estrutural e uma maior possibilidade de quebra.“Descobrimos que estes dentes não eram uma melhoria, mas um resultado da degradação da superfície do dente”, afirma o investigador. Por outras palavras, as alterações na morfologia e na estrutura interna dos dentes dos esqualos podem não parecer importantes à primeira vista, mas, na verdade escondem um prejuízo irreversível que poderá manifestar-se a longo prazo.“Embora tenhamos realizado a experiência num cenário extremo (pH de 7,3 previsto para 2300), o processo de acidificação oceânica já está em curso. Até as diminuições moderadas do PH previstas para este século poderão provocar danos dentários quantificáveis, sobretudo em espécies constantemente expostas, como aquelas que têm um ritmo lento de substituição dentária.Isto significa que os impactos ecológicos poderão começar muito antes de 2300, especialmente se os tubarões enfrentarem factores de stress adicionais, como a poluição, a sobrepesca ou a redução da disponibilidade de alimentos”. São más notícias para estas majestosas criaturas indispensáveis para a saúde dos ecossistemas marinhos.

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O charme de Gdansk, na Polónia, também se come

Nesta cidade costeira, marcada pela fusão cultural e pela resistência, os eventos são uma parte essencial da sua identidade. Todos os verões, há 765 anos, as ruas da cidade velha enchem-se de concertos, tendas de artesanato e gastronomia regional com o Mercado de Santo Domingo, um marco nos verões da costa do Báltico.Com o frio chega o seu mercado de Natal, que apesar de não ter tanta tradição já se destaca entre os melhores mercados de Natal do continente. Talvez seja dessa paixão pelas celebrações que venha a sua habilidade na cozinha, pela qual conquistou o título de Capital Europeia da Cultura Gastronómica em 2025.A Cidade Livre de Gdansk foi uma entidade administrativa que existiu durante as guerras mundiais. Era uma cidade autónoma, sem bandeira, entre a Polónia e a Alemanha, onde se falavam várias línguas e se professavam várias religiões. Esses foram alguns dos seus melhores anos, onde mais pôde brilhar como o que era, uma cidade-fusão. No entanto, devido à sua condição, rapidamente se tornou objecto de desejo dos nazis, e foi no seu porto que a Segunda Guerra Mundial eclodiu oficialmente. Arrasada pelos bombardeamentos, a sua fascinante recuperação patrimonial dura até aos dias de hoje.O porto de Gdansk tinha sido a principal ligação marítima do Reino da Polónia desde o final da Idade Média, mas a cidade mantinha os seus traços alemães da Liga Hanseática, os seus traços holandeses e até os seus toques escandinavos. Agora, quase só se ouve polaco nas suas ruas, mas mantém a sua mentalidade aberta, típica das cidades portuárias, e para muitos ostenta o carácter mais genuíno entre as cidades do país. Não é por acaso que foi nos seus prestigiados estaleiros navais que, pouco a pouco, se forjou a derrubada do bloco comunista e até a queda do Muro de Berlim. MERCADOS DE ÂMBAR ENTRE FACHADAS GÓTICAS E MANIERISTASA rua Mariacka é uma das imagens mais vendidas da Polónia. Esta charmosa rua de paralelepípedos é ladeada por casinhas góticas com escadarias, nas quais são instaladas bancas de mercado com jóias feitas com âmbar do Báltico. Mas não é o único recanto que parece ter saído de uma casa de bonecas. Pela cidade velha e suas ilhas fluviais encontramos muitos celeiros góticos encantadores, com telhados de duas águas, que foram convertidos em hotéis ou museus e em frente aos quais encontramos embarcações históricas atracadas.A Rota Real é a auto-estrada dos grandes marcos monumentais de Gdansk, que liga a praça do Mercado do Carvão à margem do Motlawa. Começa atravessando a Porta Dourada, que dá acesso à rua Longa e à praça do Mercado Longo, onde encontramos a sua emblemática fonte de Neptuno junto a uma Câmara Municipal pontiaguda, onde se conta a fascinante história local. Vale a pena fazer um desvio para entrar na monumental Basílica de Santa Maria, um dos maiores templos medievais do mundo, com um volume de 190 mil metros cúbicos, e cujo campanário oferece vistas incríveis após uma subida vertiginosa.Uma escapadela a Gdansk pede um fim de semana prolongado, pois vale a pena reservar tempo para conhecer a cidade além do centro histórico. Esta pérola do Báltico conta com um gigantesco Museu da Segunda Guerra Mundial que aborda o conflito de um ponto de vista global, com um espaço dedicado à ascensão do fascismo, do comunismo e do anti-semitismo em todo o planeta (incluindo menções à Guerra Civil Espanhola) e secções sobre todas as frentes de batalha, sempre com uma encenação de encher o olho. Na mesma linha, embora um pouco mais modesto, também merece uma visita o Centro Europeu de Solidariedade, onde encontramos uma espécie de museu da transição da Polónia para a democracia.UMA COZINHA COM VISTA PARA O MARISCOUma antiga grua gótica de madeira domina a fachada portuária. É o ícone deste porto fundamental do Báltico, que, embora seja considerado a saída tradicional da Polónia para o mar, tecnicamente fica um pouco longe da costa, ainda naquele terreno onde as águas doces e salgadas se fundem. Por isso, na sua comida mais tradicional e genuína, encontramos receitas de arenques marinados com molhos, mas também patos e gansos assados. É que a costa polaca, além de um litoral muito extenso e tranquilo, onde as dunas de areia branca se encontram com as florestas, conta com numerosos lagos, pântanos e enseadas onde habitam uma grande variedade de aves, cujo consumo foi aperfeiçoado ao longo dos séculos.Embora Cracóvia já tivesse ostentado o título de Capital Europeia da Cultura Gastronómica na sua primeira edição de 2019, o Guia Michelin não atribuiu uma estrela a um restaurante polaco até ao ano de 2023. Parece que a partir daí começou a prestar mais atenção a este país e, no ano seguinte, incluiu entre as suas recomendações 19 novos estabelecimentos da região da Pomerânia, cuja capital é Gdansk. Depois de uma estrela Michelin e várias recomendações padrão, surgiram nove estabelecimentos Bib Gourmand, o que destaca que na Polónia é possível provar alta cozinha a preços muito competitivos. Também vale a pena destacar que Gdansk conquistou a primeira Estrela Verde da Polónia, concedida a restaurantes que implementam práticas sustentáveis.

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Porque o consumo de electricidade nos Estados Unidos está a estabilizar

Com cerca de 340 milhões de habitantes e uma superfície total de quase 9,9 mil milhões de km² (incluindo lagos, Alasca e Hawai), os Estados Unidos são um dos países mais extensos do mundo em termos de população e extensão territorial.Embora alguns estados sejam bastante desabitados (como Wyoming e Alasca), além de existirem muitas cidades-fantasma ou à beira da extinção, em geral o país tem uma procura energética muito elevada, que se estima que se multiplique nos próximos anos devido à inteligência artificial.No país de Donald Trump, a electricidade provém de diversas fontes, sendo o gás natural a principal (aproximadamente 43%; existem muitas centrais de ciclo combinado que o convertem em electricidade de forma muito eficiente). Também se aproveita o carvão, que antigamente era a principal fonte (mais de 50% da electricidade era gerada com carvão nos anos 2000), a energia nuclear e as renováveis. Destas últimas, a eólica é a que tem maior presença, embora a solar tenha experimentado um crescimento incrível em estados onde os dias ensolarados são habituais, como a Califórnia, o Texas e a Flórida.Embora a administração Trump não queira abandonar os combustíveis fósseis como fonte de electricidade, as tendências falam por si: o gás natural e as energias renováveis estão a relegar o carvão para segundo plano. Por seu lado, a energia nuclear mantém-se estável, existindo projectos de expansão graças ao reactores modulares pequenos (SMR). Após um ano em que a procura de electricidade aumentou consideravelmente, parece que esta está finalmente a estabilizar.A segunda fonte de electricidade, atrás do gásHá alguns dias, a Administração de Informação Energética dos Estados Unidos publicou os seus últimos dados sobre a geração de electricidade nos Estados Unidos durante o primeiro semestre de 2025. Tudo parece indicar que o consumo de energia está a estabilizar, após um início de ano um pouco turbulento. Curiosamente, a situação está a mudar ao mesmo tempo que diminui o crescimento do consumo de carvão. O motivo estaria no auge da energia solar, para "desgraça" de Donald Trump.Se a tendência continuar assim, nos próximos meses a energia solar poderá ultrapassar a hidroeléctrica pouco antes do final do ano. Trata-se de uma informação importante, pois, como mencionámos no início do artigo, a procura estava a aumentar ano após ano devido à popularização das ferramentas baseadas em inteligência artificial, uma vez que os centros de processamento de dados requerem muita energia para funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana.No início do ano, a procura por carvão aumentou cerca de 20% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Agora, aumentou apenas um pouco menos de 17%. Embora ainda seja bastante, considerando que a energia gerada a partir da queima de carvão tem um impacto negativo terrível para o meio ambiente e a saúde das pessoas, é um sinal de que as coisas estão a mudar.A energia solar, no entanto, teve um forte crescimento, com um aumento de quase 40%. A previsão é que ela represente a maior parte da nova capacidade de geração que será instalada este ano. Graças ao aumento da energia solar (cerca de 40 Tw-h), o aumento da geração a carvão (50 Tw-h) foi quase compensado em termos de terawatts-hora reais produzidos. Por sua vez, o gás natural diminuiu 32 Tw-h em comparação com o mesmo período do ano passado. No entanto, como continua a ser a principal fonte de energia dos Estados Unidos, a diferença não é tão significativa.É muito provável que, com as novas centrais solares, a energia solar à escala da rede produza, pela primeira vez na história dos EUA, mais electricidade do que as centrais hidroeléctricas. Em conjunto, as três energias renováveis forneceram 25 % da eletricidade total dos Estados Unidos durante o primeiro semestre do ano, o que não é insignificante: agora ocupam o segundo lugar, apenas superadas pelo gás natural.Embora pareça que o futuro da electricidade nos Estados Unidos passa pelas energias renováveis, como em muitas outras partes do mundo, ainda há incertezas. Acima de tudo, porque a última palavra cabe à administração Trump. O governo planeia bloquear qualquer projecto de energias renováveis em terrenos públicos. O magnata convertido em político que ocupa o Salão Oval da Casa Branca fez declarações falsas sobre a energia solar e eólica, para incentivar o uso de combustíveis fósseis.

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Este fim-de-semana chega o último eclipse solar do ano

Ocorre poucas vezes ao ano, mas sempre que se aproxima um eclipse aumenta a expectativa por testemunhar o espectáculo celestial. Enquanto o calendário de eclipses oferecerá em Portugal a partir de 2026 um trio sem precedentes na história moderna, neste domingo, 21 de Setembro, chegará o último de 2025. “Vamos ter a Lua cheia, e o que acontece é que a Terra vai ficar à frente da Lua, vai ficar entre o Sol e a Lua e vai bloquear a luz que naturalmente chegava à Lua”, contou à agência de notícias nacional o coordenador da comunicação e investigador do IA. O eclipse começará no oceano Pacífico às 18h29 (hora de Lisboa) e terminará às 00h53 do dia seguinte na Antártida. Ou seja, terá uma duração de 264 minutos, mas o tempo durante o qual poderá ser observado em cada lugar do mundo será muito menor.Porque os eclipses não ocorrem com mais frequênciaO eclipse solar será parcial. Durante este fenómeno, como já foi referido, a Lua passa entre a Terra e o astro rei, projectando a sua sombra sobre a superfície terrestre. A volta do satélite dura 29,5 dias. No entanto, como o plano em que orbita está inclinado 5º em relação ao planeta, o alinhamento não ocorre todos os meses.Por isso, os eclipses tornaram-se um dos eventos mais importantes do calendário astronómico. O espectáculo de domingo será o quarto de 2025. O primeiro eclipse do ano foi solar e parcial, ocorrido a 29 de Março. Também houve dois eclipses lunares totais durante as noites de 14 de Março e 7 de Setembro.Ao contrário de um eclipse total, neste domingo o disco solar não será coberto completamente, portanto, a Terra não ficará escura. A cobertura máxima será de 86% no meio do Pacífico, mas os melhores locais para observá-lo serão Invercargill, na Nova Zelândia, onde a Lua cobrirá 72% do Sol, e a estação italiana na Antártida, Mario Zucchelli (72%), de acordo com o site Space.com.Além da Nova Zelândia, os outros países de onde será possível observar o eclipse parcial serão as ilhas do Pacífico: Tonga, Fiji, Ilhas Cook e Samoa. Como era de se esperar, o eclipse não será particularmente visível na Europa. Como a sombra da Lua é menor que a superfície da Terra, a sombra projectada cobre apenas certas áreas. Porque este eclipse será muito especialO eclipse não será fácil de observar, mas terá algo muito especial: acontecerá um dia antes do equinócio, quando começa o Outono no hemisfério Norte. Durante este dia – que acontece duas vezes por ano – a duração do dia e da noite é quase a mesma em todo o mundo porque o Sol está na linha do Equador.Onde ver o eclipse solar total em PortugalA quase coincidência de dois fenómenos que consistem no alinhamento preciso dos três astros não teria passado despercebida há alguns anos: tanto o eclipse como o equinócio tinham um forte significado simbólico nas civilizações que, em muitos casos, os consideravam um sinal de mudança ou um objecto de culto.Com o conhecimento científico que incorporámos ao longo da história e a possibilidade de anteciparmos esses eventos, os espectáculos transformaram-se em excelentes ocasiões para admirar a imensidão do universo. Neste domingo, “por volta das oito da noite”, com a Lua a “nascer já relativamente ocultada”, é hora de olhar para o céu, convida Filipe Pires, do IA. Quem estiver no Algarve ou em zonas altas do interior de Portugal com “uma visão completamente desimpedida” do horizonte terá mais sorte do que os que se encontrarem noutros pontos do país.Após o eclipse solar de 21 de Setembro, o próximo ocorrerá em 17 de Fevereiro de 2026. Mais tarde, em 2 de Março, haverá um eclipse lunar parcial, mas nenhum dos dois será visível de Portugal. O próximo grande eclipse que poderá ser observado em grande parte da Península Ibérica será em 12 de Agosto.

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Lutando desde o primeiro minuto

Desde o momento em que os ovos eclodem, estes animais têm de lutar pela sobrevivência: o seu objectivo é deixar a praia o mais rápido possível, pois as aves e outros predadores aguardam este momento para se banquetear. De cada cem crias, apenas algumas dezenas conseguem chegar à água, mas isso também não é a salvação definitiva.Um pormenor crucial é que a sua carapaça ainda não está totalmente endurecida: ao nascer, ela é macia e flexível, o que facilita a eclosão, mas também as torna um alvo fácil. Precisam de pelo menos um ano de crescimento para que comece a endurecer o suficiente para oferecer protecção real. Por isso, durante os primeiros meses de vida, as crias escondem-se em florestas de algas e recifes, alimentando-se de algas, pequenos invertebrados e plâncton, e tentando passar despercebidas até poderem sair para o mar aberto.

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O dia em que Campo Maior explodiu

O período artístico conhecido como Barroco foi marcado pela exaltação do exagero e dos sentimentos na sua plenitude. Como meta final da nossa vida, a morte é um tema que criou bastantes tradições artísticas nos séculos barrocos, os de XVII e XVIII, incluindo as famigeradas Capelas dos Ossos. A mais conhecida encontra-se em Évora, mas existem outras, sem tanta publicidade, quase todas a Sul. O seu papel é o chamado memento mori, uma tradição já vinda dos romanos de recordar ao ser humano a sua transiente condição de mortal. A visão dos ossos é um sinal de que também o visitante, um dia, deixará o mundo dos vivos. As vítimas de Campo MaiorSabia que um destes templos se encontra na vila alentejana de Campo Maior? Se der a um salto até esta zona raiana, passe pela capela e entre. Ao contrário do que acontece com outras capelas similares, as ossadas que constituem as suas paredes e tecto provêm das vítimas de um só evento; e não estamos a falar de um espaço pequeno.Situada na igreja matriz local, é a segunda maior do género em Portugal. O que impressionará o leitor. Em primeiro, pelo número. Em segundo, pela pergunta imediata: mas porque é que nunca ouvi falar deste desastre que pôs fim à vida de tantas pessoas, suficientes para forrar uma capela com os seus ossos?Os relatos da altura falam de uma enorme explosão num paiol de pólvora guardado no castelo de Campo Maior. Ora, esta terra de fronteira era há séculos uma importante praça militar virada para Espanha. A 16 de Setembro de 1732, tremia pelos céus mais uma daquelas tempestades de final de Verão  abundantes no Alentejo. Sem chover, relâmpagos iluminavam o breu total de uma zona onde as cidades e as vilas são espaçadas por quilómetros de planície. Num daqueles acasos nos quais o ser humano tem pouca mão, um desses relâmpagos vira-se ao solo e vai cair, de todos os locais possíveis, no referido paiol. Um testemunho da época, pela pena do frade eremita Augustiniano, descreve poeticamente uma luta celeste entre vários raios. Mas a informação prática é a de que por volta das 4 da manhã, uma dessas varas eléctricas faz espoletar o generoso armazenamento militar que o castelo guardava: cerca de 84 quilogramas de pólvora, 8.300 granadas e 711 bombas. A detonação foi medonha e poderosa, de tal forma que Augustiniano descreve como as torres do castelo, quer a de menagem quer as restantes, mais pequenas, foram completamente arrancadas pelos alicerces. O castelo de Campo Maior, como referido, era de grande dimensão. Assim, todo o material que o compunha, bem como o seu recinto muralhado,  obedeceu à ocasionalmente trágica lei da gravidade: o que sobe é invariável que seja obrigado a descer. Assim, o núcleo de casario que se encontrava perto da fortaleza, e que compunha a maioria da vila, foi arrancado do chão, varrido pela onda da explosão. As habitações mais distantes sofreram o pesadelo de uma chuva de enormes pedregulhos, acordando os seus ocupantes com alarido. Estes, confusos, saíram à rua na crença de que algo de errado se passava. Demoraram alguns minutos a entender que a localidade a que disseram boa noite umas horas antes deixara de existir.Graves consequênciasO na altura governador militar desta praça alentejana, Estêvão Moura, foi o responsável pelas operações de salvamento e deixou-nos o relato possível das consequências. Refere que vinte anos antes, a praça foi atacada pelas forças espanholas e mostrou uma grande resistência, incluindo a ataques com bombas e tiros de canhão, mantendo-se incólume.O governador tenta obviamente justificar a escolha do edifício para guardar uma carga tão perigosa. A infeliz trovoada já antes aterrorizara os habitantes de Campo Maior, até porque durava há alguns dias. Estêvão descreve como os campomaiorenses haviam suplicado aos céus por protecção do estrondoso espectáculo natural, implorando por ajuda e pelo fim da provação. O tom do texto é uma mistura entre o registo meticuloso dos factos e supersticioso de elevada religiosidade – na relação do património religioso danificado ou destruído, o governador faz questão de salientar uma imagem religiosa de São João Baptista, guardada na sua ermida pessoal, que não teve qualquer dano, apesar de o edifício ter sido atingido.Terão morrido 256 pessoas e mais de duas mil ficaram feridas. Das 1076 casas que constavam do registo municipal de Campo Maior, 836 foram pulverizadas pela explosão e pelos seus efeitos. Tente imaginar uma vila de tamanho médio. Agora, acrescente um desastre tão brutal em que dois terços dessa vila desaparecem. É um trauma que não desaparece num local tão pequeno. O desastre ainda hoje é recordado como um evento fulcral na História deste canto do Alentejo.O relatório descreve também o que foi feito no auxílio às vítimas. O rei Dom João V enviou o seu cirurgião pessoal, José Ricolth, com provisões medicinais e o seu conhecimento para ajudar na cura dos feridos. Outros senhores nobres da região, como o Conde de Alva, já haviam tomado semelhantes iniciativas.O rei, que afinal ficou conhecido na História como “O magnânimo”, enviou 20 mil cruzados de ouro para os pobres e limpezas das ruínas, as quais foram feitas por 150 soldados chegados de Elvas e Olivença. De Elvas, bispado na altura, chegou ainda dinheiro que serviu para a construção de um hospital que servisse de abrigo aos feridos, necessitados e gente que ficara sem tecto. A vila foi reconstruída nos anos seguintes graças ao alívio de impostos reais durante dez anos, de forma a que Campo Maior conseguisse, com a maior celeridade possível, reerguer-se.

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“O Cativo”: o que (não) é verdade no novo filme sobre Miguel de Cervantes

Em vários pontos do mundo, o filme O Cativo, de Alejandro Amenábar, está a gerar debate desde a sua estreia. Os críticos questionam quais elementos biográficos de Miguel de Cervantes estão documentados e o que é liberdade criativa na interpretação deste capítulo da vida do autor de Dom Quixote, que passou cinco anos em cativeiro após ser capturado em 1575 por piratas berberiscos enquanto viajava de Nápoles para Espanha.Toda a boa ficção começa com uma pergunta (ou várias). Cervantes realmente teve um relacionamento com seu captor? É verdade que a sua experiência em Argel inspirou directamente o que é considerado o auge da literatura espanhola e universal?Partimos do princípio de que O Cativo não é um documentário sobre a vida e as aventuras de Miguel de Cervantes. O seu realizador, Alejandro Amenábar, deixou isso claro: trata-se de uma ficção histórica que, embora baseada em factos reais, explora livremente as zonas cinzentas da biografia de Cervantes. E o filme centra-se na fase mais sombria do autor: o momento em que foi capturado por corsários berberiscos perto da costa catalã e vendido como escravo em Argel. Após várias tentativas de fuga, Cervantes e mais de cem companheiros foram finalmente libertados em 1580 por frades da ordem trinitária.INVENÇÕES E EXAGEROSNo filme, a personagem de Hasán Bajá, governante da cosmopolita cidade de Argel, estabelece uma relação ambígua com Miguel de Cervantes. Há tensão, afinidade intelectual e até mesmo indícios de uma possível atracção. Amenábar reconheceu que essa possível relação com seu captor está na categoria do provável, embora esclareça que, em versões anteriores do guião, a conexão era muito mais carnal e só depois  se transformou em algo mais emocional e intelectual.CERVANTES TEVE UMA RELAÇÃO COM HASáN BAJá?Historicamente, não há nenhuma evidência de que Cervantes tenha mantido uma relação amorosa com Hasan. Embora ao longo das décadas se tenha especulado sobre esta teoria com base no facto de o governador de Argel o ter tratado com certa indulgência, tal como recorda o maior especialista em Cervantes da actualidade e consultor de Amenábar no filme, José Manuel Lucía Megías, Cervantes era um prisioneiro de resgate, avaliado em 500 ducados, e, portanto, um activo demasiado valioso para ser executado ou punido com rudeza.CERVANTES ERA HOMOSSEXUAL?Outro dos detalhes, talvez o mais controverso do filme, é que, sem o afirmar abertamente, o filme mostra Cervantes em cenas que deixam um espaço considerável para esta interpretação, mas o que diz a história? De acordo com a Biblioteca Virtual de Miguel de Cervantes, a resposta é clara e contundente: ele não era homossexual. Não existem provas sólidas nem testemunhos fiáveis que possam esclarecer esta questão, mas certamente marcar a orientação sexual como heterossexual, bissexual ou homossexual também não é fácil, dado a dissociação dos termos em relação à época em que viveu este grande romancista.O SEU Cativeiro inspirou O Quixote?Outra das ideias que o filme transmite é que Cervantes começa a imaginar a sua grande obra Dom Quixote enquanto está prisioneiro em Argel, como uma espécie de fuga mental face ao confinamento. Será verdade? Também não existem provas directas desta hipótese, embora seja razoável pensar que esta experiência o teria marcado profundamente, orientando a sua visão literária para os marginalizados e os sonhadores. Mas afirmar que “começou a escrever Dom Quixote em Argel” é uma licença poética absoluta própria da ficção (histórica).Na sua essência, o filme surge como uma forma de revelar um Miguel de Cervantes de um ponto de vista muito mais humano – resistente, mas também vulnerável.

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Friedrich Götz, investigador da UBC: "Nenhum de nós é imune à desinformação."

O nosso cérebro está a sofrer um bombardeamento constante de informação. Manchetes, afirmações e dados que não podemos verificar, um a um, e entre os quais se infiltram falsidades e meias-verdades.Esta voragem, acompanhada pelos preconceitos próprios recebidos durante a educação, leva as pessoas a acreditarem naquilo que parece plausível de acordo com a sua própria forma de ver o mundo, mesmo que a notícia não seja verdadeira.Assim, a mentira infiltra-se no cérebro, onde se instala e começa a fazer parte da pessoa. Uma vez lá dentro, mesmo que sejam apresentadas provas que a contradigam, é muito difícil deixar de acreditar nela, pois implica uma mudança na própria realidade da pessoa. Além disso, os estudos de neuroimagem mais recentes mostram que o nosso cérebro parece programado para acreditar em mentiras, especialmente se elas representam um ganho.UM CÉREBRO PROGRAMADO PARA ACREDITAR NA MENTIRAUm estudo recente realizado por Yingjie Liu, da Universidade de Ciência e Tecnologia do Norte da China, entra no próprio cérebro das pessoas para explorar como elas analisam as informações provenientes de um amigo ou de um estranho.Utilizando técnicas de neuroimagem, o investigador observou como a informação percorria as áreas neuronais de 66 voluntários enquanto comunicavam através de um ecrã de computador. Dividiu a informação em dois tipos: uma considerada "ganho" quando implicava uma consequência positiva para o par e outra considerada "perda" quando a informação podia implicar uma punição.O resultado da experiência revelou que os participantes tendiam a acreditar mais frequentemente na informação que representava um ganho. Neste caso, eram activadas as regiões relacionadas com a avaliação do risco, a recompensa e a análise das intenções. O mais interessante é que, quando a pessoa que contava a mentira era considerada amiga, ambos os cérebros entravam numa espécie de sincronia. No contexto de ganho, ambos activavam mais fortemente a região do ganho, enquanto que, no contexto de perda, era a região de avaliação de risco. Os investigadores notaram que podiam usar essa informação sobre a actividade cerebral para prever se a pessoa iria cair no engano ou não.QUEM É MAIS PROPENSO A ACREDITAR EM MENTIRAS?Este estudo mostra uma realidade biológica muito interessante, mas, às vezes, escalar o factor biológico para os efeitos sociais é um pouco complexo. No entanto, outros estudos em sociologia tentaram observar que grupos de pessoas são mais propensos a acreditar em mentiras. Especificamente, um estudo da Universidade da Colúmbia Britânica que envolveu 66.000 pessoas chegou a resultados um tanto surpreendentes sobre quais grupos costumam ser vítimas de mais enganos.Durante o estudo, os participantes tentaram avaliar manchetes de diferentes meios de comunicação (alteradas e não alteradas) para tentar discernir se eram verdadeiras ou falsas. Após analisar as diferentes variáveis dos participantes, notaram que os grupos que mais acreditavam nas notícias falsas eram da Geração Z(nascidos entre 1997 e 2012) com menor nível de escolaridade, não homens e com tendências políticas mais conservadoras.No entanto, esse grupo também costumava indicar numa pesquisa anterior que estava ciente de que seria difícil distinguir notícias verdadeiras de falsas. Outros grupos, como aqueles que se encontravam nos extremos do espectro político ou aqueles com maior nível de escolaridade, acreditavam que teriam uma maior capacidade de discernir notícias falsas das verdadeiras do que realmente conseguiam. Ou seja, demonstravam um excesso de confiança em si mesmos que posteriormente não se reflectiu nos resultados.Após uma análise minuciosa, Friedrich Götz, professor-adjunto de psicologia na Universidade da Colúmbia Britânica (UCB) e principal autor do estudo, afirma: "Independentemente de quem somos e daquilo que acreditamos saber, nenhum de nós é imune à desinformação. As pessoas devem perceber que todos estamos expostos à desinformação regularmente e que é provável que todos caiamos nela em algum momento".AS MENTIRAS QUE MODELAM A SOCIEDADEAs mentiras e as teorias da conspiração têm um papel enorme na sociedade, como explora Marcel Danesi, professor de semiótica e antropologia linguística da Universidade de Toronto. No seu livro, Politics, Lies and Conspiracy Theories, ele analisa como ditadores e grupos que incitam ao ódio usam discursos com palavras cuidadosamente estudadas para que as mentiras se enraízem na sociedade. Essas mentiras, geralmente, tendem a buscar um benefício para as pessoas que as preparam, e as suas consequências enraízam-se profundamente na mente das pessoas que as ouvem. "Quando se utilizam mentiras para gerar ódio, costumam ocorrer comportamentos prejudiciais, como violência contra a pessoa ou os grupos-alvo", afirma Danesi."A difusão de mentiras também está a tornar-se um factor poderoso que gera instabilidade política e social em todo o mundo, desestabilizando as democracias", explica o professor. Existem exemplos claros na Segunda Guerra Mundial, onde o regime nazi usava palavras como "peste, répteis e parasitas" para se referir a diferentes minorias e desumanizá-las. Exemplos que se transformaram e se repetiram em outros conflitos actuais.Há algo que possamos fazer para nos proteger do poder das mentiras? Danesi responde que é importante tentar compreender o discurso que estamos a ouvir de um ponto de vista neutro e analisar se estão a tentar incutir ideias erradas ou desinformação. Depois de fazer este exercício, a parte complicada é examinar os nossos próprios discursos para ver se acontece o mesmo, se temos ideias pré-concebidas ou preconceitos que afectam a nossa realidade. No entanto, este exercício requer tempo e um auto-conhecimento muito profundo, uma vez que pode mudar completamente a forma como vemos o mundo.

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Por que razão a bandeira do Irão causou tanta polémica no Campeonato do Mundo

O Irão está em crise desde a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, em Setembro de 2022, que estava sob custódia da polícia da moralidade iraniana. Meses de agitação e manifestações em prol dos direitos das mulheres no Irão alastraram para um sítio improvável – o campo de futebol do Campeonato do Mundo.Durante o Campeonato do Mundo de Futebol, fãs iranianos brandindo a bandeira pré-revolucionária do país foram impedidos de assistir a um jogo contra a Inglaterra. Em seguida, a Federação de Futebol dos EUA desencadeou uma tempestade ao mostrar a bandeira do Irão sem o seu icónico emblema da tulipa nas suas contas nas redes sociais.Versões modificadas da bandeira tricolor do Irão são utilizadas há muito no Irão e na sua diáspora, tanto pelos que protestam contra as violações dos direitos humanos praticadas pelo regime, como pelos que sentem nostalgia pelo tempo anterior à revolução. Contamos-lhe o que precisa de saber sobre a bandeira e o poderoso significado dos seus símbolos.As cores da bandeiraTanto a bandeira oficial do Irão como a pré-revolucionária, que é por vezes utilizada em protestos, partilham riscas horizontais verdes, brancas e vermelhas.Estas cores estão carregadas de simbolismo. O verde – que se crê ser a cor preferida do profeta Maomé – representa o Islão e adorna as bandeiras de vários países muçulmanos, incluindo o Paquistão, a Arábia Saudita e a Argélia. O branco está relacionado com a liberdade, escreve o jornalista britânico Tim Marshall em A Flag Worth Dying For, e o vermelho está associado ao “martírio, bravura, fogo e amor”.Embora estas cores tenham sido utilizadas em versões anteriores da bandeira, a bandeira tricolor iraniana foi oficialmenteconsagrada na Constituição de 1906.O significado do emblema da bandeira — e por que mudouO motivo da tulipa que se encontra no centro da bandeira actual é um acrescento relativamente recente e ocupou o lugar de um dos mais adorados emblemas do Islão: o Leão e o Sol, ou Shir o Khorshid.O símbolo do Leão e do Sol remonta à Pérsia do século XII, onde ganhou a popularidade como representação astrológica ancestral do Sol na casa de Leão – que provavelmente representava o poder e a realeza. Ao longo dos séculos seguintes o Leão e o Sol adornaram a bandeira do país assumindo diversas configurações – por vezes um símbolo dos dois pilares da sociedade, o Estado e a religião, outras um símbolo da monarquia.Em 1979, porém, a Revolução Iraniana destituiu o xá Mohammad Reza Pahlavi e aboliu a monarquia. Os novos líderes da República Islâmica pediram ao arquitecto Hamid Nadimi que criasse um desenho para a bandeira que, segundo as palavras de Marshall, “significasse uma ruptura com a era do xá, mas simultaneamente assegurasse a uma cultura antiga que não se tratava de um Ano Zero.”A solução de Nadimi foi substituir, em 1980, o Leão e o Sol por uma tulipa vermelha – muito importante no Islão xiita como símbolo de Husayn Ibn Ali al-Hussein, o neto de Maomé que morreu como mártir numa batalha do século VII. Esta tulipa é composta por quatro pétalas em forma de crescente e um caule, ou espada, que forma a palavra Alá e simboliza os cinco pilares do Islão. Nadimi também acrescentou uma inscrição em árabe estilizada das palavras Allahu Akbar, ou Deus é grande, sobre a risca verde inferior e a risca vermelha do topo da bandeira.Protestos modernos sobre a bandeiraOs activistas usam variações da bandeira tricolor do Irão para demonstrarem a sua resistência à República Islâmica. Durante o Movimento Verde de 2009, por exemplo, defensores da democracia exibiram uma versão da bandeira sem o emblema num desafio contra a ideologia do seu governo.Embora seja ilegal exibir o Leão e o Sol no Irão, este continua a ser um símbolo nostálgico da época pré-revolucionária para muitos. Em 2015, um correspondente do The Guardian vislumbrou o símbolo ilícito do Leão e do Sol em “inúmeros pendentes, anéis e estandartes”, numa visita ao bazar de Teerão. Alguns manifestantes também usam a bandeira para apelar ao regresso da monarquia. Agora a bandeira tornou-se novamente um ponto quente nas manifestações devido à morte de Mahsa Amini — tanto nas ruas de Teerão, como no Campeonato do Mundo.

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O colosso que encolhe

Com mais de 20 quilómetros de comprimento e uma espessura que em alguns pontos ultrapassa os 800 metros, este rio de gelo moldou a paisagem alpina durante milénios. No entanto, a sua majestade está ameaçada: no último século, perdeu mais de três quilómetros de extensão e, a cada Verão, recua cerca de 50 metros adicionais. O culpado é o aquecimento global, que está a elevar as temperaturas nas montanhas a um ritmo superior à média mundial.Este degelo não só transforma a paisagem, como também altera o fluxo de água para os vales, afectando ecossistemas, reservas hídricas e comunidades que dependem deste recurso. Os cientistas alertam que, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem no ritmo actual, grande parte do Aletsch poderá desaparecer antes do final deste século. Perder isso não seria apenas um golpe para a biodiversidade e o abastecimento de água: significaria também o fim de um símbolo natural que inspirou lendas e atraiu gerações de alpinistas.

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O que já se sabe sobre o tubarão-lixa único descoberto na Costa Rica

No Verão passado, um grupo de pescadores desportivos estava a lançar as suas linhas na costa do Parque Nacional Tortuguero, na Costa Rica, quando um dos anzóis prendeu uma criatura que ninguém tinha visto antes: um tubarão-lixa de quase dois metros com olhos brancos e pele dourada.Os pescadores, surpresos, soltaram o tubarão, mas não sem antes tirar algumas fotos para compartilhar com cientistas locais. “No início, ninguém acreditava. Muitas pessoas disseram que a foto devia ser manipulada”, disse Daniel Arauz Naranjo, director executivo do Centro de Resgate de Espécies Marinhas Ameaçadas de Extinção (CREMA) da Costa Rica e explorador da National Geographic.Mas, após uma investigação mais aprofundada, Naranjo e os seus colegas determinaram que as fotos não só eram genuínas, como também que a coloração do tubarão era o resultado de uma rara condição cutânea conhecida como albino-xantocromismo. As suas descobertas, publicadas no mês passado na revista Marine Biodiversity, foram especialmente surpreendentes porque a condição impede uma táctica de sobrevivência crucial usada pelos tubarões-lixa: a camuflagem.Uma combinação única de duas condições genéticas rarasO albino-xantocromismo é uma combinação de duas condições genéticas raras: o albinismo, que reduz a quantidade de melanina no corpo e leva à pele, cabelos e olhos claros; e oxantocromismo (também conhecido como xantismo), que causa pigmentação amarela ou laranja incomum em animais.“O albinismo e o xantismo geralmente ocorrem separadamente”, disse Marioxis Macias, estudante de doutoramento da Universidade Federal do Rio Grande, no Brasil, e co-autora do artigo. “Encontrar ambas as condições no mesmo indivíduo foi realmente uma descoberta surpreendente e sem precedentes.”Embora já tenham sido encontrados tubarões com albinismo e xantismo, este tubarão de olhos claros e pele dourada é o primeiro tubarão-lixa documentado com ambas as características, de acordo com o novo artigo. Especialistas que conversaram com a National Geographic também suspeitam que seja o primeiro tubarão de qualquer espécie documentado com ambas as características.“Além do xantismo, há relatos de leucismo (perda parcial de pigmentação) e até mesmo padrões malhados em algumas espécies, incluindo tubarões-lixa”, disse Melissa Cristina Márquez, cientista independente especializada em tubarões que não participou do novo artigo. Márquez considerou a descoberta do tubarão alaranjado “fascinante”, acrescentando: “É sempre emocionante ver exemplos de coloração rara em tubarões, porque isso lembra-nos o quanto existe variação natural, mesmo em espécies que pensamos conhecer bem”.Como a camuflagem ajuda na sobrevivênciaEncontrados em águas quentes e rasas no Atlântico ocidental e no Pacífico oriental, os tubarões-lixa passam a maior parte do tempo perto do fundo do mar em busca de presas escondidas sob a areia. A sua pele varia normalmente entre o castanho claro e o castanho escuro, uma coloração que lhes permite misturar-se com o ambiente arenoso. Esta camuflagem natural permite aos tubarões-lixa aproximarem-se furtivamente das suas presas e fugirem dos predadores. Embora sejam adversários formidáveis quando são grandes, os tubarões-lixa são presas de tudo, desde tubarões-tigre a crocodilos, quando são pequenos.O tubarão-lixa encontrado na Costa Rica estava totalmente desenvolvido e parecia saudável no momento da sua captura, sugerindo que a coloração incomum do tubarão não prejudicou a sua capacidade de sobrevivência. Mas como isso é possível? Naranjo tem uma teoria. “Este tubarão foi encontrado perto da foz de rios, onde a água é muito turva. Talvez ele tenha descoberto que ficar em águas com pouca visibilidade é uma boa estratégia”, diz ele.Márquez diz que esta é uma das muitas explicações possíveis para a sobrevivência do tubarão, incluindo a falta de predadores naturais na área ou mesmo comportamentos únicos do tubarão.Independentemente de como o tubarão conseguiu chegar à idade adulta apesar de se destacar como um polegar dorido, Naranjo está feliz que o tubarão tenha desafiado as nossas expectativas. A presença do tubarão, diz ele, “é boa para a espécie e boa para a Costa Rica. Quem sabe, talvez as pessoas venham aqui para tentar mergulhar com ele”. A descoberta deste tubarão, diz Naranjo, também serve como um lembrete de que todos aqueles que se aventuram no oceano, sejam cientistas, pescadores ou mergulhadores, devem partilhar as suas descobertas únicas. “O oceano ainda pode nos surpreender”, diz ele. Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Este cometa interestelar poderá ser um dos objectos mais antigos de toda a galáxia

No passado mês de Julho, cientistas que trabalhavam num centro de defesa planetária criado para detectar asteróides potencialmente perigosos viram um visitante de outra estrela: um objecto interestelar e o terceiro do seu género alguma vez descoberto. O viajante, conhecido como 3I/ATLAS, era apenas um borrão branco pixelado a 675 milhões de quilómetros da Terra. Na altura, sabia-se muito pouco sobre o objecto, para além de se tratar de algum tipo de cometa.Ao longo do Verão, porém, o 3I/ATLAS, mergulhou no sistema solar interior – dando início a um espectáculo de fogo de artifício. Quando os cometas se aproximam do Sol, desenvolvem uma cauda brilhante e uma cabeleira viçosa – o halo em redor do núcleo gelado do cometa, que surge quando este começa a evaporar-se.“Tem sido espectacular”, diz Christina Thomas, astrónoma planetária da Northern Arizona University, nos EUA, e uma das pessoas que observa o cometa.Num desses desenvolvimentos previsíveis, o 3I/ATLAS também começou a fazer algumas surpresas aos observadores celestes – com destaque para a composição da sua luminosa cabeleira. Por ora, os cientistas só conseguem explicar parcialmente estas observações peculiares. “Ainda há muito que não sabemos”, diz Martin Cordiner, um astroquímico da Catholic University of America e outro observador do 3I/ATLAS.Aqui estão as últimas notícias sobre o 3I/ATLAS – as descobertas feitas e os enigmas ainda por resolver.O cometa está a libertar muito dióxido de carbonoNo final de Agosto, os astrónomos utilizaram o potente telescópio Gemini South, instalado na cumeeira de Cerro Pachón, no Chile, para obter um grande plano detalhado do 3I/ATLAS. As imagens revelaram uma enorme cabeleira e uma cauda de poeira — com pelo menos 56.327 quilómetros de comprimento.Estas observações contribuíram para identificar alguns dos químicos presentes na cabeleira — um dos quais era cianeto. A maioria das pessoas conhece o cianeto como um veneno que actua rapidamente. Mas “esta costuma ser a primeira molécula observada nos cometas quando se aproximam do Sol”, diz Karen Meech, astrónoma no Instituto de Astronomia da Universidade do Hawai que conduz as observações no Gemini South. Os astrónomos esperavam que o 3I/ATLAS começasse a emitir cianeto aproximadamente à distância que foi observado pelo Gemini South. “Por isso, não havia nada de anormal”, diz Meech.Contudo, quando dois telescópios espaciais examinaram o 3I/ATLAS — o observatório SPHEREx, da NASA, e o Telescópio Espacial James Webb — descobriram algo estranho: estava a libertar imenso dióxido de carbono, assemelhando-se um pouco a uma bebida gaseificada do espaço profundo.Quando pensamos em gelo, costumamos visualizar água congelada. Os cometas são frequentemente compostos por água, mas, estando longe do Sol, também podem conter gelos mais exóticos, nomeadamente gelos de monóxido e dióxido de carbono. Isto não é invulgar. O que é estranho é o facto de 3I/ATLAS parecer estar envolto em imenso dióxido de carbono.“A água é, normalmente, o ingrediente predominante dos cometas”, diz Cordiner, uma das pessoas que o observa através do Webb. “Neste caso, não é. É muito raro observar um cometa com mais CO2 do que água na cabeleira.”Com efeito, o rácio de dióxido de carbono para água na cabeleira é tão extremo que os cientistas não sabem como explicá-lo. “Quando vimos as observações pela primeira vez, ficámos impressionados. O fluxo [de dióxido de carbono] é incrivelmente alto”, diz Thomas, um dos cientistas que o observa através do Webb.Uma das ideias propostas é o núcleo do cometa ter muito gelo de água, mas uma crosta dominada por outros gelos, nomeadamente dióxido de carbono, à superfície. É possível que, por enquanto, esta crosta esteja a impedir muito do gelo de água retido no 3I/ATLAS de aflorar na cabeleira.A cabeleira também está repleta de metais estranhosUm dos observatórios com o olhar mais aguçado do mundo – o europeu Very Large Telescope (VLT), instalado na montanha de Cerro Paranal, no Chile – também examinou de perto o 3I/ATLAS. E detectou indícios de níquel na cabeleira, um metal tipicamente associado aos asteróides, bem como a planetas rochosos como a Terra e Marte.Os cometas são frequentemente imaginados como bolas de gelo, mas são mais parecidos com bolas de neve lamacentas, porque também contêm alguma matéria rochosa. Encontrar níquel não é necessariamente estranho – estranho é o cometa estar a expelir níquel a mais de 480 milhões de quilómetros do Sol.Ao contrário dos gelos, os metais como o ferro e o níquel têm pontos de fusão e ebulição mais altos, o que significa que é necessário muito calor para passarem do estado sólido para o estado gasoso. Quaisquer cometas que contivessem estes metais deveriam, então, ter cabeleiras repletas de metais apenas quando estivessem extremamente perto do Sol.No entanto, em 2021, astrónomos que observavam cabeleiras cometárias utilizando o VLT encontraram níquel (e ferro) em várias, incluindo em muitos cometas do nosso próprio sistema solar e no 2I/Borisov, o segundo objecto interestelar alguma vez descoberto. Alguns destes cometas envoltos em metal encontravam-se a mais de 480 milhões de quilómetros do Sol.“Foi uma grande surpresa”, diz Emmanuel Jehin, astrónomo da Universidade de Liège, na Bélgica, que colaborou na descoberta de 2021 e participou nas observações do 3I/ATLAS efectuadas com o VLT. “Ninguém acreditava que fosse possível encontrar aqueles átomos metálicos na cabeleira do cometa.” Para além de uma enorme quantidade de níquel aparentemente prematura, a cabeleira do 3I/ATLAS também contém ferro, diz ele.Porque estão estes cometas vindos de longe a expelir metais? “Ainda não sabemos”, diz Cyrielle Opitom, astrónoma da Universidade de Edimburgo e uma das cientistas que observa o cometa através do VLT (e do JWST). “Uma das hipóteses é haver níquel em compostos químicos chamados carbonilos.” Estas moléculas são altamente voláteis, o que significa que podem explodir sob a forma de gás e, possivelmente, arrastar alguns metais resilientes consigo para a cabeleira.As origens do 3I/ATLAS ainda não são clarasOs cometas tendem a ser antigos – os do nosso sistema solar são os vestígios gelados dos blocos de construção que outrora criaram (e hidrataram) os planetas há 4.600 milhões de anos. Contudo, com base na trajectória do 3I/ATLAS, alguns astrónomos suspeitam que ele tenha vindo de um aglomerado de estrelas com, possivelmente, 8.000 milhões de anos. “Poderá ser um dos objectos mais antigos da galáxia”, diz Cordiner.O ferro e níquel nele existentes foram criados por supernovas – a morte cataclísmica das estrelas gigantes. Isso significa que o cometa contém vestígios não só da sua terra natal – o sistema planetário do qual escapou para chegar até nós – como impressões digitais de estrelas há muito perdidas, que morreram para dar origem à estrela hospedeira do centro desse sistema distante.E ainda não sabemos o tamanho exacto do cometaO núcleo gelado do cometa está, actualmente, obscurecido pela sua exuberante cabeleira, por isso ainda é difícil estimar o seu tamanho. O Telescópio Espacial Hubble já tentou fazê-lo e, combinando esses resultados com outras observações, os cientistas suspeitam que o núcleo não tenha mais do que 5,6 quilómetros de comprimento. Também poderá ter apenas 442 metros de largura.Seja qual for o seu tamanho, deslocava-se a cerca de 220.000 quilómetros por hora quando foi detectado pelo Hubble. (Uma velocidade suficiente para transportar alguém da cidade de Nova Iorque até Pequim em três minutos.) E vai continuar a acelerar à medida que se for aproximando do Sol.Uma coisa é certa: não é uma nave extraterrestreTêm circulado alguns boatos (irresponsáveis) na Internet, especulando que o 3I/ATLAS poderá ser uma nave extraterrestre que veio sondar o nosso sistema solar. “Ainda há muitas perguntas por responder”, diz Thomas. “Mas posso afirmar com segurança que não, não é isso.”Existem zero provas que sugiram que se trate de algo mais do que uma bola de gelo em evaporação. “Se for uma nave extraterrestre, está a disfarçar-se lindamente de cometa”, diz Cordiner.Quando saberemos mais sobre o 3I/ATLAS?Ainda há muitas incertezas em torno do 3I/ATLAS. Embora não seja tão estranho como o primeiro cometa interestelar conhecido, o ‘Oumuamua – um velocista gelado e furtivo em forma de charuto –, só o tempo dirá se é comparável com o menos estranho 2I/Borisov.“É importante mantermo-nos atentos e vermos o que acontece a seguir”, diz Cordiner. “Os cometas são uma caixinha de surpresas.”Os cientistas esperam que o 3I/ATLAS lhes dê mais pistas à medida que prosseguir na sua aproximação ao Sol ao longo das próximas semanas. Quanto mais perto estiver, mais activo será. Quando desaparecer da nossa vista atrás do Sol, para depois emergir do outro lado, mais perto do final do ano, poderá estar num estado de efervescência explosiva, revelando a química não só da sua cabeleira, como do seu núcleo.“Precisamos que o cometa exploda”, diz Jehin. “Nessa altura, poderemos ver o cometa expelir algumas coisas mais interessantes.”Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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A via científica para "viagens" cada vez mais potentes

Num laboratório no interior daunidade de produção da empresa de canábis californiana Raw Garden, o aroma da marijuana é inconfundível, mesmo sem haver qualquer planta ou rebento à vista. Técnicos monitorizam máquinas do tamanho de armários que chocalham enquanto refinam frascos de vários litros de um óleo cor de âmbar com aroma a canábis. Numa sala ao virar da esquina, junto de uma fila de fornos a vácuo, o mesmo óleo extraído é utilizado para produzir uma variedade de misturas, dispostas sobre mesas de aço em tabuleiros, potes e pratos de pirex.Variam desde semilíquidos viscosos, que escorrem como seiva de árvore, a pastas cremosas, parecidas com manteiga de amendoim. Alguns tabuleiros contêm lascas douradas de aspecto vítreo e há também uma substância cristalizada, semelhante a mel envelhecido. No seu conjunto, os produtos representam uma mudança substancial na forma como os norte-americanos consomem marijuana: ano após ano, fumam proporcionalmente menos, dando preferência a produtos fabricados com o óleo extraído da planta. Entre estes, incluem-se comestíveis como gomas e bebidas, mas também novos tipos de concentrados de alta potência consumidos não através de fumo, mas de vapor ou de uma técnica conhecida como dabbing, a vaporização rápida de gotas de um extracto espesso. Estes concentrados mudam radicalmente a experiência psicotrópica.À semelhança de outras empresas modernas, a Raw Garden ainda cultiva marijuana, mas esta é principalmente utilizada como matéria-prima, transformada numa substância viscosa para garantir uma experiência indubitavelmente mais intensa. Se pensa que o coração da indústria norte-americana de canábis, avaliada em aproximadamente 27.000 milhões de euros, parece uma quinta ou uma sala de cultivo, desengane-se: parece-se cada vez mais com os laboratórios químicos industriais, repletos de cientistas que imaginam novos produtos.Ano após ano, os norte-americanos fumam proporcionalmente menos, dando preferência a produtos fabricados com o óleo extraído da planta.Estes concentrados de canábis são com frequência designados em função das suas texturas: molho, cera, shatter e cristais, entre outros. São vertiginosamente mais potentes do que o charro que poderemos ter fumado há 20 ou 40 anos. E, evidentemente, agora sãolegais em muitos países, uma vez que as alterações às políticas contribuíram para lançar a corrida da indústria da canábis, com empreendedores desenvolvendo técnicas sofisticadas para transformarem a matéria vegetal num caleidoscópio de formas e sabores.A ascensão do mercado dosconcentrados de alta potência ocorre numa altura em que a flor da marijuana – a canábis que se fumava tradicionalmente – já é incrivelmente forte. Graças aos avanços da agronomia, a erva cultivada nos EUA tem sidoaperfeiçoada para se tornar substancialmente mais forte. A potência dos produtos à base de canábis exprime-se tipicamente numa concentração de delta-9-tetrahidroca-nabinol, ou THC, composto da marijuana que é o principal – embora não único – responsável pelos seus efeitos psicoactivos. Embora seja complicado obter números exactos, os estudos sugerem que os níveis de THC da marijuana vendida nos EUA há 30 anos tinham, em média, um dígito. Actualmente, numa altura em que muitos estados exigem a colocação de etiquetas de potência verificada em laboratório nos produtos legais, a percentagem varia entre 15 e 20%.Os concentrados de canábis resultam de um processo de extracção que isola apenas os compostos desejados – incluindo especialmente o THC – da matéria vegetal desnecessária. A Raw Garden anuncia um produto chamado “molho vivo” (uma pasta dourada descrita como possuindo a consistência de puré de maçã) com cerca de 70% de potência de THC, dependendo da estirpe utilizada para o fabrico. Os cristais de resina refinados pela empresa, parecidos com algo que poderíamos encontrar numa exposição de pedras preciosas, podem ultrapassar 85%. Para alguns utilizadores, o teor de THC é a variável mais importante. Os vaporizadores e os dispositivos de dabbing de alta potência produzem efeitos com quantidades mais pequenas do que outros meios de consumo de canábis. No entanto, o seu apelo também tem que ver com a subtileza de sabores e a precisão do consumo, explica Dmitri Siegel, director de marca da Raw Garden. É “uma questão de pureza”, diz. “Não se queimam grandes quantidades de matéria orgânica.”Os vaporizadores portáteis também dão menos nas vistas, comenta Tom Adams, analista e consultor da indústria da canábis e presidente da Adams Research. Alguns consumidores de concentrados sentem-se atraídos pela discrição de podereminalar rapidamente uma pequena quantidade de óleo ou gel semelhante a puré de maçã. “Parece estranho um adulto tirando erva de um saco, moendo-a e a enrolando-a”, diz. É uma imagem deslocada no tempo.Novos concentrados, incluindo gomas e bebidas, mudam radicalmente a experiência psicotrópica.Segundo Tom Adams, que analisa o mercado da canábis legal desde 2015, a procura de concentrados legais teve origem nos primeiros dispensários médicos. Não é prático fumar para quem pretende consumir centenas de miligramas de THC por dia, uma quantidade substancial, mas que pode ser a necessária para proporcionar alívio a pacientes de quimioterapia ou a pacientes com dor crónica. As soluções comestíveis também podem causar complicações a pacientes com problemas de apetite ou gastrointestinais.E os concentrados para uso medicinal recreativo podem facilitar a regulação da dosagem. Tom Adams reconhece que os charros previamente enrolados, com quantidades medidas de flor, proporcionam alguma uniformidade. “Mas até isso é menos previsível do que o concentrado limpo e produzido cientificamente, cujo impacte conhecemos com exactidão”, explica. “Os consumidores já não estão habituados à faceta primitiva.”A procura de maior concentração destes compostos psicoactivos da canábis remonta, pelo menos, ao século XI, quando o consumo recreativo de haxixe se tornou moda no mundo árabe. O haxixe é feito a partir de glândulas vegetais conhecidas como tricomas, queos primeiros produtores de haxixe esfregavam ou coavam para extrair da superfície das folhas e flores da canábis, pressionando-as em seguida para formar uma espécie de bolo. Os tricomas são ricos em compostos bioactivos chamados canabinóides, os mais famosos dos quais são o THC e o canabidiol, ou CBD. Também contêm outros compostos especializados, como terpenos, hidrocarbonetos responsáveis pelos aromas e sabores das plantas.Os fabricantes de canábis contemporâneos desenvolveram estes métodos medievais, descobrindo novas formas de isolar estes compostos valiosos. Um dos mais comuns é a extracção de hidrocarbonetos, através da qual um solvente separa os químicos desejados da matéria-prima vegetal. Os solventes-padrão da indústria são o butano e o propano e, antes da legalização generalizada, quando a extracção ainda era um passatempo clandestino, a utilização desses materiais combustíveis causava, ocasionalmente, explosões em quartos de hotel e apartamentos. A Agência Federal de Emergências dos EUA chegou ao ponto de emitir um boletim em 2013, advertindo para o “Aumento de Explosões Causadas por Óleo de Haxixe nos EUA”. No entanto, durante a vaga de legalização estadual que varreu o país desde então, a extracção de canábis tornou-se habitual e empresas como a Raw Garden estão sujeitas a licenças, regulamentos e inspecções.A base de quase todos os produtos da Raw Garden é uma substância oleosa conhecida como resina viva, um extracto de canábis susceptível de captar uma grande variedade de canabinóides e terpenos (alguns processos de extracção, em contraste, isolam apenas um único composto – geralmente THC ou CBD). Antes de serem transformados em óleo, todos os produtos da empresa começam por ser plantas cultivadas em 22 hectares de terrenos agrícolas na região vinícola de Santa Bárbara. Na época das colheitas, as plantas são cortadas e as flores removidas e congeladas imediatamente com nitrogénio líquido num túnel criogénico, preservando todos os compostos orgânicos voláteis.Partindo da unidade de cultivo, a planta é transportada até um armazém frigorífico na localidade vizinha de Lompoc, onde é ultra-congelada. Sempre que determinada estirpe pode ser extraída, as flores congeladas são transferidas para uma fábrica vizinha, onde são inseridas em colunas de aço inoxidável com dois metros de altura e oito quilogramas de capacidade. No interior, são colocadas numa solução saturada com solvente pressurizado que dissolve os químicos pretendidos e deixa para trás a biomassa indesejada.As fases mais avançadas de alguns produtos incluem uma etapa durante a qual o extracto bruto é purificado, com filtragem de gorduras, ceras, lípidos e outros sólidos. Outros produtos, cozinhados durante 24 a 36 horas num forno a vácuo a fim de eliminar resíduos do solvente, são pressurizados dentro do forno a uma temperatura inferior, de modo a que o solvente evapore sem perda do material desejado.Além da utilização de solventes, há mais formas de produzir um extracto. A Raw Garden envia uma pequena quantidade da colheita para uma fábrica parceira, a fim de ser transformada num produto semelhante a haxixe, chamado Rosin, através de um processo mais simples, utilizando apenas água gelada, calor e pressão. No entanto, a extracção de hidrocarbonetos é altamente eficiente: a fábrica da Raw Garden processa cerca de 545 quilogramas de canábis por dia e tem planos para se expandir.“Estamos a revolucionar por completo a noção daquilo que os compostos da planta podem fazer.”(TOM ADAMS, ANALISTA DE MERCADO DA CANÁBIS)Isto não significa que o processo seja desprovido de arte. A consistência de um concentrado (ou seja, se a resina viva se transforma em algo cremoso, estaladiço ou oleoso) resulta da estirpe utilizada, bem como de pequenas e inspiradas intervenções durante o processo de extracção. O extracto destinado aos cartuchos para vaporização envolve, por vezes, uma etapa suplementar, durante a qual os terpenos são evaporados e recolhidos numa coluna de destilação e reintroduzidos selectivamente de modo a alcançar perfis específicos de sabor e aroma. No laboratório de vaporização da Raw Garden, uma roda colorida mostra mais de cem fragrâncias que podemos encontrar na canábis, incluindo alperce, sálvia, resina de pinheiro e café. “Estamos a extrair compostos aromáticos das plantas”, diz Casey Birthisel, vice-presidente de operações agrícolas. “Há aqui muitos paralelos com a indústria dos perfumes.”Alguns profissionais de medicina vêem paralelos mais alarmantes com drogas mais duras do que a canábis. A potência dos concentrados tem despertado sinais de alarme, à medida que múltiplos estudos epidemiológicos encontraram correlações entre o consumo frequente e o aumento do risco de psicose e perturbação do consumo de canábis, uma forma de dependência. Esses riscos parecem particularmente graves nos adolescentes.Entretanto, segundo o analista Adams, as vendas de flor de marijuana já representavam cerca de 70% do mercado recreativo quando os primeiros vendedores a retalho legais abriram negócio no Colorado em 2014. Actualmente, segundo dados dos pontos de venda, esse número desceu para 40%. No mesmo período, as vendas de produtos de vapor e dabbing subiram de cerca de 15% do mercado legal para 32%, embora o ritmo desse crescimento pareça agora abrandar.Segundo Tom Adams, tudo isto resulta de uma “união entre a tecnologia e a canábis” promovida pela legalização. Por ironia, aquilo que mais o entusiasma sobre o futuro da extracção não tem nada que ver com o THC. O próximo sucesso da canábis, sugere Adams, pode decorrer da capacidade da indústria para isolar de forma eficiente todos os outros compostos. Que novos efeitos poderão ser descobertos nos terpenos? Ou nos mais de cem outros canabinóides pouco investigados, além do THC e do CBD?“Estamos a revolucionar por completo a noção daquilo que os compostos da planta podem fazer através da perspectiva do mercado dos concentrados”, diz. “Isso abre a porta a todo o tipo de aplicações.”A CANÁBIS MODERNA EXPLICADAAntigamente, o consumo implicava sobretudo fumar, enrolando um charro ou fumando a erva num cachimbo. Quais as diferenças da vaporização?Tal como fumar, a vaporização de canábis implica aquecer marijuana e inalar o resultado, mas sem pegar fogo a tudo o resto. Alguns vaporizadores podem ser carregados com erva seca ou flor de canábis, enquanto outros são utilizados para concentrados de alta potência, como óleo ou resina viva. Basta tocar num botão para um elemento alimentado por uma bateria aquecer a flor ou o óleo para libertar compostos, como THC e outros canabinóides num aerossol ou vapor.Sem haver queima de matéria vegetal, a experiência pode parecer menos dura do que fumar. Poder-se-á dizer também que é mais cómoda: os dispositivos portáteis, como as canetas de vapor, são portáteis e discretos, deixando menos odor do que o fumo. Os estudos sugerem que a vaporização da flor pode reduzir a exposição a toxinas e monóxido de carbono, mas isso não significa que seja inteiramente seguro. A vaporização, sobretudo dos concentrados, comporta os seus próprios riscos de doença pulmonar.Para quem goste de mais do que uma descarga de THC, existe o dabbing, que implica o aquecimento de concentrados de canábis mais espessos, como cera ou shatter (uma versão sólida parecida com vidro). Isto exige uma ferramenta diferente, conhecida em inglês como dab rig, uma espécie de cachimbo de água mais elaborado e menos portátil do que a maioria dos vaporizadores. Os consumidores costumam aplicar um pequeno maçarico portátil num elemento de aquecimento e utilizam uma ferramenta semelhante a uma varinha para colocar uma gota de concentrado em contacto com ele, inalando o seu vapor através de uma câmara de arrefecimento com água. As canetas de dabbing portáteis são uma alternativa mais simples, mas alguns adeptos do dabbing sugerem que as canetas podem sacrificar o sabor. A miniaturização destes dispositivos, a sua simplificação e a redução dos custos são os principais enfoques desta indústria, cada vez mais impulsionada pela inovação. Artigo publicado originalmente na edição de Setembro de 2025 da revista National Geographic.

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Somos família

Embora no início a mãe da cria se mostrasse protectora, a curiosidade de Mobi foi mais forte, e foi ela própria que procurou Ajabu para o convidar a brincar. A cena, repleta de gestos e sons, era muito semelhante à de uma criança que conhece a sua prima pequena pela primeira vez.Este tipo de interacção é crucial para os gorilas jovens, pois através da brincadeira aprendem habilidades sociais e reforçam os laços dentro do grupo. Na natureza, estes comportamentos ajudam a manter a coesão do grupo e, em ambientes de conservação, como os jardins zoológicos, permitem observar de perto como floresce a complexa vida social destes grandes primatas.

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Aeroportos: o mundo de fora para dentro

Pode ouvir todos os episódios do programa “Em Terra de Ninguém” na sua plataforma de podcast favorita aqui: Spotify | Apple Podcasts. Há lugares que não pertencem a lado nenhum. O aeroporto é um deles. Não é cidade, não é casa, não é destino. É um intervalo, um grande parêntesis entre a partida e a chegada. E, no entanto, poucas geografias são tão humanas como esta, onde as emoções se mostram e estão à mercê de tudo e os corpos se completam como se o mundo fosse acabar ali mesmo, entre uma porta automática e um placard de voos atrasados. De um lado, um abraço apertado com o tempo contado. Do outro, o silêncio tenso de quem se despede sem saber se volta. O aeroporto é o único lugar onde se chora sem pudor, onde se diz adeus com um nó na garganta e se diz “olá” com um espasmo no estômago, onde um beijo pode ser de partida ou de chegada, e a diferença é tudo.O aeroporto é um cruzamento imenso de vidas que não se tocam, mas que respiram o mesmo ar reciclado.Pelos corredores longos arrastam-se malas, mochilas e cansaços. Há quem vá por ambição, por curiosidade ou por amor. Outros vão porque precisam, porque não têm alternativa, porque o país já não cabe neles. Há quem fuja da rotina, do passado, de alguém, e há quem vá sem saber se volta, já meio partido por dentro.À noite, quando o burburinho se vai, o aeroporto ganha outra pele. Vê-se corpos deitados em bancos de metal, embrulhados em casacos como se fossem mantas. Olhos semi-abertos a vigiar o horário do voo, mochilas feitas de urgência, sonos interrompidos pelo anúncio robótico de um embarque para Frankfurt ou Dakar. É uma espécie de albergue moderno e flutuante. Não é confortável, mas há uma estranha comunhão naquele cansaço partilhado.Depois há os invisíveis. Os que limpam o chão onde ninguém repara, os que empurram carrinhos de bagagem, empilham bandejas de comida, controlam passaportes, fazem tudo para que os outros possam partir ou chegar. São os únicos que não vão a lado nenhum, e, mesmo assim, vivem cercados de movimento. Um aeroporto é uma máquina oleada com vidas que passam ao lado, e com outras que ali se desgastam todos os dias.Há vôos para férias nas Maldivas ao lado de vôos para trabalhos forçados no Golfo. Tudo ao mesmo tempo, tudo junto.E há ainda os que vivem o trânsito como profissão. Hospedeiras que decoram sorrisos, pilotos que falam do tempo como quem fala de manobras, seguranças que reconhecem no olhar quem está em pânico e quem está só a fingir. Gente que não se liga a lado nenhum, mas conhece todos os lados. Gente que já não sabe muito bem onde começa a vida e onde acaba o turno.Há algo de belo e reconfortante numa madrugada de aeroporto. Tudo acalma. Fica aquele silêncio estranho de lugar que devia estar vazio, mas nunca está. Só se ouvem passos espaçados, bocejos escondidos, e os estalidos distantes das rodas de uma mala, algures, lá mais longe, a girar. Há algo de encantador nesse intervalo das quatro às seis: a cidade dorme, o mundo suspende-se. E ali, num banco qualquer, alguém espera o voo que o levará para outra vida. Ou talvez só para mais um dia.Há quem chegue ao aeroporto com tempo de sobra. E depois há os outros, os que correm, suados, com o cartão de embarque na mão e os auscultadores pendurados no pescoço. O aeroporto é um dos poucos sítios onde ainda se vê gente a correr sem estar a treinar para nada. Correm para não perder um avião, um negócio, uma pessoa. Correm porque perder aquele voo pode significar perder um pouco da vida, que já será muito. Há algo de encantador nesse intervalo das quatro às seis: a cidade dorme, o mundo suspende-se. E ali, num banco qualquer, alguém espera o voo que o levará para outra vida.Há famílias inteiras em fila, com crianças de olhos arregalados a perguntar se ainda falta muito. Carrinhos de bebé, sacos com bolachas, brinquedos que fazem barulho. O pai finge que não está stressado, a mãe tenta manter a paz com uma voz aguda e doce e as crianças não fazem ideia para onde vão. Apenas sabem que é longe e que vai haver janelas com vista para o sonho possível. Perto das portas de embarque, há sempre alguém de fones postos e olhos perdidos. Não está a ouvir música, está só a tentar não pensar. Pode estar a ir visitar um pai doente, a deixar um amor que já não o reconhece, ou a mudar de vida por cansaço. As viagens nem sempre são felizes. Os voos que partem cedo trazem um silêncio estranho. Passageiros meio dormentes a segurarem cafés mornos e bilhetes amarrotados. Um homem lê um jornal em voz baixa e uma rapariga escreve num caderno enquanto olha pela janela, como se quisesse guardar o céu antes de o sobrevoar. A maioria dos outros apenas espera. E esperar, no aeroporto, é uma arte.Lá fora, na zona das chegadas, há sempre alguém a segurar um cartaz com um nome escrito à pressa. Pode ser um motorista, um primo, um guia turístico. Mas também pode ser alguém que nunca viu a pessoa que está de regresso ou a chegar pela primeira vez. Às vezes, o reencontro começa mesmo antes de se conhecerem. Os cafés de aeroporto têm um cheiro a ansiedade e a croissants requentados. Gente com cara de quem ainda não acordou, outras com a expressão de quem já não dorme há horas. Conversas baixas e olhares repetidos para o relógio. Uma mulher de blazer sorri para o telemóvel com um entusiasmo ensaiado. Vai fechar um contrato em Londres e precisa de parecer impecável, mesmo que o batom tenha sido posto na casa-de-banho há dez minutos.Esperar, no aeroporto, é uma arte.Há também os eternos passageiros, os que vivem em layover. Sabem onde carregar o telemóvel, onde a internet é mais estável, onde dormir com menos barulho. Não são turistas, nem locais. São profissionais do tempo morto. Esperam com a paciência já treinada, sabem ler vôos pelos códigos e trocam dicas entre si como se fossem membros de um clube secreto.E há sempre, sempre, alguém a voltar. Gente que regressa com saudade até nos sapatos gastos, que traz presentes embrulhados em jornais estrangeiros, que vem com sotaques colados às palavras. Uns voltam porque querem, outros porque assim teve de ser. Mas o regresso é sempre um acto comovente.Os aeroportos são também o espelho das desigualdades. Há quem viaje em primeira classe, onde o mundo é acolchoado. E há quem tente dormir encostado ao balcão de informações. Há vôos para férias nas Maldivas ao lado de vôos para trabalhos forçados no Golfo. Tudo ao mesmo tempo, tudo junto. A diferença está na obscenidade da vida. Uns voltam porque querem, outros porque assim teve de ser. Mas o regresso é sempre um acto comovente.O aeroporto é isso: um cruzamento imenso de vidas que não se tocam, mas que respiram o mesmo ar reciclado. Um lugar onde ninguém fica, mas onde todos passam. O mundo inteiro ali, num espaço com cheiro a desinfetante e sonhos por cumprir. Um mundo de fora a entrar. Porque no aeroporto, tudo é efémero e provisório. Mas nem por isso menos verdadeiro. Ali, entre partidas e chegadas, está condensado o mundo inteiro, de fora para dentro.

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Girando no cosmo

O astrofotógrafo argentino Gonzalo Javier Santile captou numa panorâmica de 360º dois dos braços da nossa galáxia, a Via Láctea. Para isso, teve de combinar estas 34 fotografias verticais, tiradas em duas alturas consecutivas da noite, mas em dois momentos diferentes (separados por seis horas).Santile explica que o braço esquerdo da Via Láctea é o mais conhecido, pois é onde se situa o nosso centro galáctico. Já o braço direito alberga a constelação de Orionte e numerosas nebulosas, como o Laço de Barnard.O fotógrafo diz ainda que a visão simultânea dos dois braços só ocorre em determinadas épocas do ano e que, no caso do hemisfério Sul, isso acontece nos meses de Setembro e Outubro.A imagem foi captada na Quebrada de Cafayate, em Salta, Argentina. Para unir as fotografias, Santile tomou como referência as estrelas do Pólo Sul, que neste hemisfério permanecem visíveis durante toda a noite.

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O sal e o silêncio

O contraste entre as motas e a vastidão árida transmite uma sensação de extrema liberdade, mas também de vulnerabilidade e pequenez face a um ambiente tão inóspito quanto belo. Os cristais de sal formam um padrão que faz lembrar as pedras de uma estrada antiga, enquanto o horizonte vazio das montanhas acentua a sensação de isolamento. O autor da imagem, Daniel Kreher, é também um triatleta, pelo que conhece bem os desafios da fotografia desportiva.Situado no centro do país, este deserto é constituído por vastas planícies de sal e argila que se estendem por centenas de quilómetros, moldadas por séculos de evaporação e erosão. A zona de Marenjab, onde foi tirada esta fotografia, é conhecida pelas suas paisagens hipnotizantes de dunas de areia dourada alternadas com salinas brancas, que dão a sensação de estar noutro mundo.Apesar da sua dureza, esta região foi historicamente atravessada por caravanas e comerciantes, e hoje atrai viajantes e aventureiros que procuram explorar a sua beleza crua e intocada.

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Terão estes eventos reais inspirado o mito da Atlântida?

A Atlântida é uma nação insular mencionada em dois dos mais famosos diálogos do filósofo grego Platão, Timeu e Crítias, nos quais ele descreve uma civilização ancestral poderosa e riquíssima – e protegida por Poseidon, o deus do mar.No entanto, embora seja uma das suas histórias mais famosas, é quase de certeza falsa. O que faz com que a história ainda seja repetida, mais de 2.300 anos após a morte do filósofo grego?“É uma história que capta a nossa imaginação”, diz James Romm, professor de clássicas na Faculdade de Bard, em Annandale, no estado de Nova Iorque. “É um excelente mito. Tem muitos elementos sobre os quais as pessoas adoram fantasiar.” O que era a Atlântida?Platão contou a história deste reino antigo por volta de 360 a.C. Os seus fundadores, disse ele, eram semi-deuses, metade deuses, metade humanos, e criaram uma civilização utópica que se tornou uma grande potência naval.O seu lar era formado por ilhas concêntricas no Oceano Atlântico, algures perto do actual Estreito de Gibraltar. As ilhas estavam separadas por fossos largos e ligadas por um canal que avançava até ao centro.As ilhas luxuriantes continham ouro, prata e outros metais preciosos, bem como uma grande abundância de vida animal rara e exótica. Havia uma grande capital na ilha central, na qual foi construído um palácio para a mulher mortal de Poseidon, Cleito.Onde fica a cidade perdida da Atlântida?Existem muitas teorias sobre a localização da Atlântida – no mar Mediterrâneo, ao largo da costa de Espanha e até sob a actual Antárctida. “Escolha um sítio no mapa e alguém já terá dito que a Atlântida ficava ali”, diz Charles Orser, curador de história no Museu Estadual de Nova Iorque, em Albany. “Todos os sítios que puder imaginar.”Platão disse que a Atlântida existiu cerca de 9.000 anos antes do seu próprio tempo e que essa história foi transmitida por poetas e sacerdotes, entre outros. No entanto, os escritos de Platão são os únicos registos sobre a existência da Atlântida de que temos conhecimento.Seria a Atlântida real?Poucos, se é que alguns, cientistas acreditam que a Atlântida existiu. O explorador oceânico Robert Ballard, Explorador Residente da National Geographic que descobriu o naufrágio do Titanic em 1985 diz que “nenhum laureado com o Nobel” acredita que aquilo que Platão escreveu sobre a Atlântida seja verdade.Mesmo assim, diz Ballard, a história da Atlântida é “lógica”, uma vez que houve cheias cataclísmicas e erupções vulcânicas ao longo da história, incluindo um evento com algumas semelhanças com a história da destruição da Atlântida.Há cerca de 3.600 anos, uma grande erupção vulcânica devastou a ilha de Santorini, no Mar Egeu, perto da Grécia [continental]. Na altura, uma sociedade minóica altamente avançada vivia em Santorini. A civilização minóica desapareceu subitamente, por volta da mesma altura em que ocorreu a erupção vulcânica.No entanto, Ballard não acredita que Santorini fosse a Atlântida porque o momento da erupção dessa ilha não coincide com a data da destruição da Atlântida referida por Platão.A Atlântida de PlatãoSe Atlântida não existiu, o que levou Platão a contar a sua história? Romm acha que Platão a inventou para transmitir algumas das suas teorias filosóficas. “Ele estava a lidar com várias questões, temas que são transversais à sua obra”, afirma. “As suas ideias sobre a oposição entre a natureza divina e a natureza humana, as sociedades ideais, a corrupção gradual da sociedade humana – estão presentes em muitas das suas obras. A Atlântida seria mais um veículo para transmitir alguns dos seus temas preferidos.A lenda da Atlântida é uma história sobre um povo moral e espiritual que vivia numa civilização utópica altamente avançada. Contudo, tornaram-se gananciosos, mesquinhos e acabaram por cair na falência moral. Os deuses “zangaram-se porque o povo perdera o seu rumo e enveredara por caminhos imorais”, diz Orser.Como castigo, acrescenta ele, os deuses enviaram “uma noite terrível de fogo e terramotos” que fez a Atlântida afundar-se nas profundezas do mar.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Atlântida: Por que razão este mito não morre?

A falta de provas da sua existência não impediu os humanos de a procurarem – ou de insistirem que os arqueólogos estão envolvidos num encobrimento. Desde o túmulo de Tutankhamon aos Pergaminhos do Mar Morto, parece não haver nada que os arqueólogos não consigam desenterrar. Então, por que ainda não encontraram a Atlântida?É uma questão regularmente enfrentada por arqueólogos como David S. Anderson, que diz ser “diariamente” bombardeado com perguntas sobre a ilha e a sua suposta existência.“É muito mais comum as pessoas perguntarem sobre pseudo-arqueologia do que sobre arqueologia a sério”, diz Anderson, professor assistente na Radford University e especialista em arqueologia maia e mesoamericana.Para Anderson e os seus colegas a resposta é sempre a mesma: nunca iremos encontrar a Atlântida porque é inteiramente fictícia. No entanto, isso não impediu que a suposta existência da ilha (ou continente) perdida mexesse com a imaginação pública – deixando mais de mil anos de especulação e teorias da conspiração no seu encalço aquático.Inventando a AtlântidaA Atlântida é tema de romances modernos como Viagem ao Centro da Terra e da recente série da Netflix Revelações Pré-históricas. Contudo, a história foi criada pelo filósofo grego Platão, que mencionou a ilha em dois dos seus diálogos socráticos no século IV a.C.Platão chamou-lhe Atlantis nêsos, ou a “ilha de Atlas” e o filósofo não tencionava que representasse o pináculo das façanhas humanas. Em vez disso, a civilização insular foi concebida para servir de antagonista ficcional à cidade de Atenas. Nos diálogos de Platão, a Atlântida é apresentada como um estado sofisticado, que desabou depois de os seus líderes arrogantes tentarem invadir a Grécia. Devido à sede de poder do seu povo, disse Platão, a Atlântida foi castigada pelos deuses, que lançaram sobre ela desastres naturais que a fizeram afundar-se no mar, aniquilando o que restava do seu poder.“Platão é um mentiroso”, diz Flint Dibble, arqueólogo e bolseiro de investigação Marie-Sklodowska Curie na Universidade de Cardiff.” Ele nunca diz que está a escrever história.”Mas embora os diálogos de Platão contenham vários indícios de que a cidade é imaginária, incluindo a própria insistência nos diálogos das personagens, que dizem que a história é um mero boato, a ideia da Atlântida alimentou o imaginário desde então, juntamente com pretensões sobre a sua veracidade: há quem pense que é um sítio real, cujos restos contêm provas de uma civilização superior perdida.O Regresso da AtlântidaCentenas de anos após a morte de Platão, a história da Atlântida começou a reaparecer, primeiro em textos de filósofos cristãos e judeus e depois em obras especulativas de autores como Sir Francis Bacon, cujo romance Nova Atlântida – A Grande Instauração foi publicado postumamente em 1626. Neste livro, a Atlântida é uma sociedade utópica numa ilha isolada no Pacífico cujos habitantes são cultos, humanitários e profundamente cristãos.Na altura, os europeus estavam a lidar com uma mudança da sua percepção dos mares e, consequentemente, do mundo, que se ia tornando dramaticamente maior, com contactos cada vez mais frequentes entre os europeus e os povos indígenas do continente americano e do Pacífico durante a era da expansão.“O mundo ocidental estava desesperado por perceber como poderia haver continentes com pessoas, de onde elas teriam vindo e como se enquadravam na história bíblica ou clássica”, afirma o arqueólogo David S. Anderson, que explora o encanto da Atlântida no seu livro Weirding Archaeology. Em vez de reconhecerem que os povos indígenas poderiam ter civilizações avançadas, observa Anderson, os europeus utilizaram a história da Atlântida como uma possível explicação para as estruturas e sociedades que encontraram nas Américas.Um deles foi Charles de Bourbourg, um sacerdote francês que reuniu textos mesoamericanos e associou a civilização maia a uma Atlântida real. Os textos de Bourbourg inspiraram Augustus Le Plongeon, um arqueólogo britânico-americano que tentou encontrar a Atlântida no Iucatão em finais do século XIX.Foi seguido por Ignatius Donnelly, autor e político norte-americano cujo livro Atlantis: The Antedeluvian World, publicado em 1882, apresentava uma teoria unificada sobre a Atlântida, segundo a qual seria um continente perdido, destruído pelo mesmo grande Dilúvio relatado na bíblia hebraica, cujos habitantes super-humanos e tecnologicamente avançados teriam supostamente dado origem a civilizações modernas em todo o mundo.“Ele usa a estória da Atlântida para tentar explicar toda a História”, diz Dibble – e quase todos os relatos modernos sobre a Atlântida ecoam a teoria sensacionalista de Donnelly.Uma utopia perdida?Acólitos destes antigos teóricos da Atlântida procuraram a ilha perdida no Mediterrâneo no Pacífico, no Atlântico e até na Escandinávia. No entanto, o arqueólogo Flint Dibble sugere que teriam poupado algum tempo se tivessem começado (e terminado) a sua busca em Atenas.“A arqueologia grega demonstra por que razão a Atlântida não é um sítio real e porque não deveríamos estar à sua procura”, diz Dibble, que realizou uma investigação extensiva nas ruínas antigas de Atenas e está a escrever um livro sobre o mito da Atlântida. Nos diálogos de Platão, o filósofo apresenta a Atlântida como antagonista da cidade-estado de Atenas, mas nem sequer as características geográficas do seu relato de Atenas encontram correspondência no registo arqueológico.“Não é algo que tenha o menor fundamento histórico”, diz Dibble. A cidade fictícia de Platão não aparece nas obras de arte do seu tempo de vida, o que indica que a Atlântida era um produto da imaginação do filósofo e não uma crença generalizada.A conspiração que não o eraNo entanto, a ausência de provas históricas subjacentes à parábola de Platão não impediu as pessoas de continuarem as suas buscas e insistirem que os arqueólogos estão a esconder provas da cidade perdida.“A ideia de que os arqueólogos encobririam algo ou não publicariam algo é ridícula”, diz Anderson. “É desafiando o status quo que se faz nome na arqueologia”.Para Anderson e Dibble, contrariar a crença generalizada na ilha lendária e as afirmações que insistem numa conspiração arqueológica em torno da sua localização tornou-se um paralelo das suas especialidades arqueológicas: os estudos biomoleculares de isótopos de dentes de animais da Grécia antiga de Dibble e as escavações de povoados maias pré-clássicos de Anderson. A carreira de ambos inclui agora manifestarem-se contra figuras como Graham Hancock, autor e apresentador de televisão britânico que afirma que os arqueólogos estão a encobrir provas sobre uma civilização avançada semelhante à Atlântida, que existiu há milhares de anos e cujos habitantes se dispersaram pelo mundo aquando do embate de um cometa que desencadeou uma cheia catastrófica.“Se pensarmos no estudo do mundo antigo como a resolução de um enigma ou a descoberta das pistas de um puzzle, ficamos presos num mundo de fantasia que foi criado pelos autores de ficção barata”, diz Anderson. “É um mundo divertido para brincar, mas não é investigação arqueológica.”Existem ainda afirmações sobre a Atlântida que não são minimamente divertidas. No século XIX, a especulação sobre a Atlântida ajudou a inspirar as teorias raciais por detrás do nazismo, incluindo afirmações de que o continente era a terra natal dos arianos, uma raça superior. E a insistência no facto de ter sido uma civilização perdida a construir as magníficas cidades pré-coloniais do continente americano menospreza os feitos reais dos povos indígenas que as ergueram.“Não acho que todas as pessoas que acreditam nisto sejam necessariamente racistas ou supremacistas brancas, mas [o mito da Atlântida] reforça a supremacia branca”, diz Dibble. Ambos os especialistas acrescentam que a busca pela Atlântida mina o trabalho de arqueólogos legítimos, cujas descobertas em todos os continentes podem ser menosprezadas, ignoradas ou desacreditadas devido à fixação do público no imaginário.“Quando as pessoas se apaixonam por esta ideia é muito mais fácil deixarem de acreditar nos especialistas”, diz Dibble. “Isso pode ser divertido para alguns, mas para outros é uma porta aberta para teorias da conspiração ainda mais sombrias”.A Atlântida era o mau da fitaOs especialistas sugerem a quem estiver interessado na Atlântida que se concentre noutras partes da história antiga que ainda hoje estimulam a imaginação.Para Dibble, que estuda as reacções dos povos antigos às alterações climáticas ocorridas na sua época, os desastres naturais inerentes à história da Atlântida mostram quão fácil é focarmo-nos em cheias ou terramotos, em vez de ameaças climáticas mais banais, mas igualmente perigosas, como a seca e a insegurança alimentar. Para Anderson, vale a pena pensar naquilo que a história de Platão estava realmente a tentar transmitir, em vez de desperdiçar tempo em busca de uma ilha que só existiu para provar um ponto de vista filosófico.“Segundo Platão, a Atlântida está a tentar destruir a civilização", diz Anderson. “A Atlântida era o mau da fita da história de Platão”. Em vez de estarmos obcecados com a probabilidade da existência da ilha, diz o arqueólogo, é melhor reexaminarmos a forma como Platão aborda a arrogância e os perigos do poder descontrolado – temas que permanecem actuais cerca de 24 séculos depois de o filósofo ter imaginado a sua história.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Do abacate à soja: 5 alimentos com um inegável impacto ecológico

A tosta com abacate, que parece ser a opção mais saudável e ecológica para o seu pequeno-almoço, talvez não seja assim tão benéfica para o ambiente. Na verdade, pode ter deixado um rasto de seca e poluição na água de pequenas comunidades rurais na América Latina. Ou o salmão saudável do seu tabuleiro de sushi provavelmente contribuiu para a destruição do fundo do mar em alguma zona do Atlântico Norte. Surpreendido?A viagem até à sua mesa de certos alimentos tem um custo ambiental maior do que imagina. Especialmente alguns que parecem estar cada vez mais na moda. E é precisamente por isso: a elevada procura de certos alimentos implica uma produção massiva que não só é insustentável, como gera práticas produtivas que acabam por ser nocivas para o planeta. Desflorestação, desertificação, poluição, emissões de CO2... são os custos invisíveis do sistema alimentar global. Conhecer estes impactos pode ajudar-nos a tomar decisões de consumo mais responsáveis.ABACATE, O OURO VERDE QUE SECA RIOS No coração dos Andes colombianos, pequenos agricultores e activistas ambientais estão em pé de guerra contra as empresas de abacate que se instalaram na região. O boom desta fruta tropical nas cozinhas europeias duplicou a área destinada a este cultivo nos países produtores, mas no caso da Colômbia quadruplicou: já é o segundo país que mais produz e que mais hectares dedica a este cultivo, apenas atrás do México (que exporta quase todo o seu abacate para os Estados Unidos).“A água que abastece a minha aldeia foi reduzida para metade desde que chegaram as empresas de abacate”, explicou Margarita Morales, que vive numa pequena comunidade rural da província de Quindío. O cultivo de abacate requer muita água: uma média de 1.981 litros por quilograma cultivado, de acordo com a Water Footprint Network. Mas nesta região tão chuvosa da Colômbia, a sua pegada hídrica sobe para 4.945 litros por quilograma produzido, de acordo com um estudo da Universidade do Quindío. “Acreditamos que a água é um recurso infinito e estamos a abusar dela, mas ao fazer o estudo vimos que as fontes de água doce estão a começar a secar”, alerta Henry Reyes, principal autor do estudo.O consumo excessivo de água é o principal impacto ecológico da monocultura de abacate. Mas, além da água, a rápida propagação deste “ouro verde”, como já é conhecido na América Latina, está a desflorestar florestas e a contaminar as fontes de água devido ao uso de herbicidas e pesticidas altamente tóxicos. Isso não acontece em Portugal, ao contrário dos países tropicais, onde há muito mais humidade e, portanto, muito mais risco de pragas. Muitos desses pesticidas, além disso, são proibidos pela União Europeia, mas não é proibida a importação de abacates que tenham sido cultivados com a sua ajjuda, desde que o fruto já não tenha vestígios químicos quando entra pela fronteira. A contaminação fica nos países de origem.CHOCOLATE, O LADO MENOS DOCE DO NOSSO GRANDE VÍCIOPorém, o abacate não é o único guilty pleasure na nossa mesa. Se falarmos do consumo de água para o seu cultivo, poucos podem competir com a pegada hídrica do chocolate: são necessários mais de 17.000 litros para produzir um quilograma de chocolate, de acordo com a Water Footprint Network. Mas, ao contrário do abacate, a água consumida pelo cacau não provém de rios ou aquíferos, mas é praticamente toda (98%) da água da chuva, explica a investigadora Claudia Parra Paitan, que estudou o impacto ambiental do cacau para a Universidade VU de Amesterdão. O principal custo ecológico da produção mundial de chocolate é a desflorestação, que “implica emissões de carbono, perda de biodiversidade e redução da captação de água da chuva” nas zonas onde é cultivado, detalha Parra. De acordo com o World Resources Institute (WRI), para produzir 1 grama de chocolate preto são emitidos 10 gramas de CO2, ou seja, 10.000 kg de CO2 por cada quilograma de chocolate, o que equivale a conduzir um carro a gasolina durante uns impressionantes 54.000 quilómetros. “E 95% dessas emissões provêm da desflorestação”, salienta a investigadora.Como prova disso, temos o país que mais cacau produz no mundo, a Costa do Marfim, que já perdeu 90% da sua floresta primária por esta causa. A Costa do Marfim produz 40% do cacau mundial e outros 20% vêm do Gana, de modo que juntos abastecem a maior parte do chocolate mundial. É por isso que a intensa seca do ano passado na África Ocidental– agravada pelas alterações climáticas – disparou os preços do chocolate em todo o mundo. Nos países africanos que se dedicam ao cultivo desta planta amazónica, a desflorestação é especialmente elevada, porque lá, explica Parra, “a maioria das culturas são de agricultura familiar, pequenos agricultores que utilizam muito poucos insumos e têm uma produtividade muito baixa, de cerca de 300 quilogramas por hectare”, o que obriga a ocupar mais espaço. Outros países produtores, como o Brasil ou a Indonésia, dispõem de mais tecnologia, têm experimentado variedades genéticas mais produtivas e utilizam grandes quantidades de fertilizantes e pesticidas para uma cultura muito intensiva. “No Brasil, produzem-se até três toneladas por hectare”, diz Parra. Mas isso tem um custo ambiental muito elevado em termos de poluição e degradação do solo. Devemos então renunciar ao chocolate? A boa notícia é que não. Existem formas de cultivo sem grande impacto ecológico, como a agrossilvicultura, onde as árvores de cacau se misturam com outras árvores nativas que lhes dão sombra. “Estes sistemas conservam o carbono e a biodiversidade e podem ter uma alta produtividade”, explica a especialista, “mas é claro que se a procura de cacau continuar a crescer a nível mundial, em algum momento teremos um problema”.SALMÃO, REI DOS PEIXES No sushi, ou fumado, o salmão tornou-se o rei dos peixes nas mesas europeias. Ainda não destronou o atum como o mais consumido dos peixes no mundo, mas já é o que gera mais valor no mercado global. As mudanças para uma dieta cada vez mais saudável estão a aumentar a procura por este peixe rico em ómega 3, vitaminas e minerais. Mas a sobrepesca do salmão no Atlântico já reduziu pela metade a população desta espécie desde os anos 1980, e é por isso que a indústria se voltou para a aquicultura. Mais de 80% do salmão consumido actualmente no mundo provém de pisciculturas (e metade deste provém de um único país, a Noruega), de acordo com um estudo publicado na Science Direct. Mas criar salmões em  com redes no meio do oceano, em vez de pescá-los em alto mar, não é tão ecológico quanto pode parecer. Pelo contrário, os impactos da piscicultura são semelhantes aos das macroexplorações de suínos ou aves. Ao estarem amontoados, é fácil que se propaguem doenças, sendo-lhes administrados antibióticos com a alimentação. Além disso, parte da ração que lhes é dada para comer cai no fundo do mar e isso, juntamente com as fezes dos animais, gera um excesso de matéria orgânica – nitrogénio e fósforo – no fundo do mar, o que faz com que proliferem algas que consomem o oxigénio da água. É o que se denomina eutrofização. A água fica sem oxigénio e outros animais que dependem dela também morrem.  Mas os problemas não acabam aí, porque os salmões são peixes carnívoros e, para alimentá-los, são necessários outros peixes, e muitos. De acordo com a Global Seafoods, para cada quilograma de salmão de viveiro são necessários entre 1,2 e 1,5 quilogramas de peixe transformado em ração. A ração é feita com outros peixes, como alguns tipos de sardinha e outros pequenos pelágicos, o que gera pressão sobre outras espécies que já sofrem de sobrepesca. SOJA, A DESTRUIÇÃO POR TRÁS DA ALIMENTAÇÃO DAS NOSSAS QUINTASDe facto, a soja é o legume que contém mais proteínas, o que a tornou a base indiscutível do sistema alimentar mundial. O problema não é a nova tendência para uma dieta mais vegetariana, mas sim o contrário: 76% da soja produzida no mundo é destinada à ração animal, principalmente para frangos e suínos.A soja passou de um cultivo tradicional de certas regiões da Ásia a uma matéria-prima indispensável para a indústria mundial da carne. E isso tornou-a uma das principais causas da desflorestação das florestas tropicais. No Brasil, o maior produtor e exportador mundial de soja, este cultivo já destruiu 20 milhões de hectares de floresta, de acordo com a ONG especializada Mighty Earth. E não está apenas a desflorestar a selva amazónica, mas também se expandiu para outros ecossistemas, como a savana tropical do Cerrado, que, por não ser uma floresta, não está protegida pela nova regulamentação europeia que proíbe a importação de soja proveniente da desflorestação.“Desmataram as árvores que davam sombra à terra e isso está a secar os nossos rios”, queixava-se Guilheume Ferreira, membro de uma pequena comunidade tradicional do Cerrado. Os grandes proprietários que instalaram grandes plantações de soja na região estão a destruir uma biodiversidade indispensável para estas comunidades (e para o planeta), mas além disso fazem-no aplicando coacção através de guardas armados, para expulsar estas pequenas comunidades e assim poderem acumular mais terra. CARNE: UM CONTRIBUTO PESADO PARA AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICASO elevado custo ecológico da produção de soja é apenas uma parte do grande impacto ambiental que outro alimento tem, aquele que mais danos causa aos ecossistemas do planeta e que, portanto, não poderíamos ignorar nesta lista: a carne. “A produção de carne e laticínios é responsável por entre 11% e 20% de todas as emissões globais de gases de efeito estufa”, afirma Clara Cho, investigadora do Data Lead do WRI. Isso inclui porcos e frangos, mas não só. As explorações de vacas, de facto, “emitem sete vezes mais gases com efeito de estufa do que as de aves ou suínos e 20 vezes mais do que a produção de lentilhas ou feijões por grama de proteínas”, explica Cho.Esta pegada de carbono da carne, já certificada pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), o grupo de cientistas climáticos da ONU, provém principalmente do CO2 emitido através da desflorestação, tanto para limpar terrenos para o gado, como para plantar soja e outros vegetais para ração animal. No caso das vacas, a isso se soma ainda uma elevada emissão de metano, não só através dos fertilizantes ou da decomposição dos resíduos fecais, mas sobretudo pelos flatos e arrotos dos animais. Na verdade, mais pelos arrotos do que pelos flatos. O metano é um gás de efeito estufa com uma capacidade de aquecimento até 21 vezes mais potente que o CO2, embora permaneça muito menos tempo na atmosfera. “A pecuária global é responsável por 30% do metano emitido no mundo”, explica Cho.“A crescente procura de carne bovina no mundo é um dos principais motores da desflorestação, tanto para a pecuária quanto para a produção de seus alimentos”, ressalta Cho. Embora em alguns países se esteja a impor cada vez mais uma dieta mais vegetariana e se esteja a reduzir o consumo de carne, em termos globais esse consumo continua a crescer à medida que aumenta a população global. Para reduzir esta grande pegada de carbono da carne, o WRI propõe “reduzir o consumo de carne bovina para um hambúrguer e meio por semana por pessoa”. Nos Estados Unidos, consome-se em média três hambúrgueres por semana e na Europa 1,5: apenas passando a comer carne bovina uma vez por semana, estaremos a contribuir com a nossa parte na luta contra as alterações climáticas.

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A paisagem da Andaluzia que a NASA investiga devido à sua semelhança com Marte

Huelva acolhe nas suas margens o maior depósito mineiro a céu aberto da Europa, uma terra milenar onde a história e o trabalho do homem moldaram uma paisagem impressionante que parece pertencer a outro planeta. Tanto é assim que a NASA considera que é o mais semelhante a Marte porque, por mais estranho que pareça, possui uma grande diversidade de microrganismos adaptados a habitats extremos.A agência do governo norte-americano “estuda as suas singularidades desde o ano 2000”, como explica a página de Turismo de Huelva, para que, se no futuro for necessário mudar de planeta, se conheçam previamente as condições. Terrenos áridos e um rio cujas águas são de um vermelho intenso que passa a ocre nas margens e que é produto do alto teor de sais ferruginosos e sulfato férrico que conferem um pH muito ácido e da escassez de oxigénio são as suas particularidades. A bacia mineira de Riotinto é um daqueles lugares que vale a pena visitar pelo menos uma vez na vida. Os primeiros vestígios de mineração na zona remontam ao Calcolítico, no terceiro milénio a.C., mais concretamente na mina de Cuchillares (Campofrío). Esta actividade continuou durante a Idade do Bronze. Posteriormente, seria explorada por tartessos, fenícios, cartagineses e romanos. Foi com estes últimos que se tornou a mina de prata mais importante do Império. Durante a Idade Média e Moderna, teve um perfil discreto, até que em 1725 voltou a ganhar notoriedade com a exploração pela Real Hacienda.Em 1873, diante da necessidade de activos financeiros, foi vendida a um consórcio de capital britânico que a explorou durante cerca de 80 anos com uma tecnologia avançada que a levaria a ser uma das mais importantes do mundo. Em 1954, voltou às mãos espanholas até que, com a queda dos preços do cobre, fechou definitivamente em 2001. Diante do grande potencial deste incrível espaço, a Fundação Río Tinto Minera S.A., criada em 1987, decidiu dar-lhe uma segunda vida, transformando-a numa atracção turística ao estilo de Bochum, na Alemanha, e Iron Bridge, na Inglaterra.Nesta paisagem protegida que abrange os trechos alto e médio do rio, é possível realizar diferentes actividades e desfrutar de experiências divertidas. Em primeiro lugar, o Museu, localizado no edifício do antigo hospital da Rio Tinto Company Ltd. – previamente restaurado –, permite ao visitante percorrer o interior de uma mina romana, saber mais sobre os segredos geológicos do subsolo e conhecer a sua longa e interessante história ao longo de 17 salas. Para compreender a presença britânica nestes terrenos, existe a Casa 21, o bairro onde viviam os directores da empresa, que ainda hoje conserva numerosos móveis e outros utensílios da época, que transportam os visitantes para o final do século XIX.A Mina Arcoíris em Peña de Hierro é uma antiga galeria recuperada com mais de 200 metros, onde se pode conhecer em primeira mão como era o trabalho neste local, onde foram desenvolvidos estudos científicos do CAB, INTA e NASA para o desenvolvimento do Projecto Marte – também a descobrir numa rota.Há ainda um miradouro ao ar livre que permite admirar a característica paleta de cores que se desenha ao redor. Da mesma forma, é possível fazer uma visita guiada até a Corta Atalaya, símbolo da província cujas dimensões impressionam. Mas, sem dúvida, a atracção que mais atrai o público é o Ferrocarril Minero. A partir do parque, recuperou-se parte do traçado original da via que ligava as minas ao porto de Huelva, bem como vagões de madeira reconstruídos nos quais se pode viajar num percurso de 22 quilómetros (ida e volta) que acompanha o traçado do rio e atravessa este ecossistema único.

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Já nas bancas

Um crítico iluminista do Iluminismo: Rousseau manteve um contacto estreito com os philosophes franceses e escreveu vários verbetes para a Encyclopédie, o maior órgão de divulgação do pensamento iluminista. No entanto, criticou a ideia de progresso, bem como a função social atribuída ao conhecimento científico e às artes, tornando-se assim o primeiro crítico do Iluminismo.Do Estado natural ao Estado social: Entre 1756 e 1762, Rousseau viveu no vale de Montmorency, em contacto com a natureza e longe da agitação parisiense. Durante este período, escreveu O Contrato Social que suscitou uma série de polémicas que o afastaram dos seus amigos, os philosophes, e que ditaram a proibição oficial dos seus livros. A educação e a melhoria da humanidade: As reflexões sobre a pedagogia iluminam aspectos centrais da filosofia e da vida pessoal de Jean-Jacques Rousseau. Numa das suas obras mais importantes, Émile, ou Da Educação, publicada em 1762, defendeu uma educação em contacto com a natureza, capaz de privilegiar os sentimentos em detrimento dos conhecimentos teóricos.O sentimento, eixo da moral, do conhecimento e da religião: Após um período de curta permanência em diferentes lugares, Rousseau regressou a França, onde viveu até à sua morte, em 1778. Durante esses anos, sentiu-se traído pelos antigos amigos e refugiou-se na redacção de textos autobiográficos, que evidenciam a importância que os sentimentos ocupavam na sua obra e na sua vida.GlossárioLeituras recomendadas

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Neste dia, em 1297, Portugal e Castela assinaram o tratado de Alcanizes

O Tratado de Alcanizes é um dos pilares da identidade portuguesa. Afinal, permite a qualquer patriota anunciar com orgulho que Portugal é o país europeu com as fronteiras há mais tempo definidas. Como vamos ver, isso não é tão linear quanto isso, e não falamos apenas da questão de Olivença.No entanto, mais do que uma marca histórica, a assinatura do tratado revela o crescimento de um país fundado em 1143 e que passou boa parte do século XIII envolvido em problemas que o colocaram numa posição frágil. Perante vizinhos maiores e mais poderosos, a pergunta que temos de fazer não é se Portugal é, de facto, o país mais cedo definido territorialmente da Europa. É mais importante questionar porque é que se conseguiu que o nosso vizinho leonês-castelhano aceitasse os nossos termos contra todas as probabilidades. Uma vizinhança complicadaApesar da imagem das primeiras décadas do país passar por uma luta existencial contra os muçulmanos a sul, a verdade é que a definição da fronteira a leste sempre foi um grave problema para o jovem reino. No fundador tratado de Zamora, Afonso VII, rei da Galiza, Castela e Leão, reconhece o antigo Condado Portucalense como o reino independente de Portugal. Tal não significa, porém, que se limite a aceitar a sua existência sem entraves e os principais estarão na disputa de cidades e castelos que formavam linhas de defesa contra o novo vizinho. Aliás, percorrer um mapa na zona raiana entre os dois actuais países é fazer uma lista de fortalezas que ainda hoje definem um imaginário muito próprio. Atente-se por exemplo no espaço que existe entre Sabugal e Castelo Branco. Existem castelos no referido Sabugal, em Belmonte, Penha Garcia, Monsanto ou Idanha-a-Nova do lado português; do outro lado, Espanha ergueu correspondente defesa em locais como Coria, Torrejoncillo ou Trevejo. Por esta altura, a política peninsular dividia-se em cinco reinos: Portugal, Leão, Castela, Navarra e Aragão; e no geral, os reis não possuíam uma capacidade militar que lhe permitisse controlar por completo a capacidade de fazer guerra dos seus súbditos, principalmente nobres mais poderosos ou ordens militares.Apesar de pensarmos neste período como o confronto de duas frentes unidas, cristãos e muçulmanos, a realidade é muito mais ambígua e muitas vezes, uns e outros uniam-se por conveniência.Existe a engraçada narrativa de Sancho I de Castela, rei que por ser demasiado obeso para montar a cavalo enfrentou forte oposição dos seus súbditos que exigiam a sua deposição por visível incapacidade de comparecer no campo de batalha. Conseguiram-no; mas Sancho, determinado a reconquistar o que era seu e também a livrar-se do maldito excesso de peso, consultou um médico do vizinho reino muçulmano de Tarifa. Os médicos muçulmanos eram vistos como o topo da profissão na Europa medieval. Sabemos que o monarca conseguiu ser bem sucedido nos seus dois objectivos. Afonso Henriques, nas suas lutas a sul, também muitas vezes se uniu a facções muçulmanas para lutar contra outros muçulmanos. Serve isto para explicar que esta ideia que temos de Reconquista e de uma fracturante e rígida divisão religiosa na Península Ibérica medieval mais muitas vezes não passa de uma construção. Castela em turbilhãoDa mesma forma, os reinos cristãos estavam marcados por problemas internos. Poucos anos antes da assinatura de Alcanizes, Dom Dinis sobe ao trono depois de um turbulento período político que envolveu uma guerra civil, conflitos entre dois irmãos e uma agitação social com confrontos de poder com as classes privilegiadas da nobreza e do clero. O seu pai, Dom Afonso III, torna-se rei expulsando o irmão mais velho Dom Sancho II, com a ajuda dos seus inimigos. Estes contavam que o novo monarca afonsino lhes concedesse muitos favores. Mas Afonso III passará o seu tempo como rei num esforço de fortalecimento do poder real, tentando evitar os mesmos problemas que condenaram Sancho. Quando Dom Dinis sobe ao poder, existem três orientações óbvias da sua governação: continuar e terminar o trabalho do pai; estabelecer uma política cultural e de letras num país ao qual faltavam instituições de ensino; e definir de uma vez por todas os vários problemas territoriais que se arrastavam desde o século XII com a vizinhança. Por esta altura, Leão e Castela tinham-se unido numa só força que ocupava mais de metade do território peninsular; e apesar de o pai de Dinis ter assinado em 1267 o tratado de Badajoz com o vizinho leonês castelhano, reconhecendo finalmente a Portugal os direitos sobre o Algarve, o certo é que a ideia parecia não ter colado por completo: em 1284, envia uma embaixada para dar os pêsames a Sancho IV de Leão e Castela pela morte do seu pai e de celebração pela subida do novo monarca ao poder. Sancho agradece e, nas cerimónias, Dom Dinis é informado que o seu correspondente se manda intitular monarca de Castela e dos Algarves.O jogo de DOM DinisE é aqui que se abre a oportunidade histórica única que o rei português irá aproveitar. A monarquia castelhana vive durante os séculos XIII e XIV variadas crises de sucessão que têm graves consequências políticas. Uma delas é a paragem da expansão a sul, contra os muçulmanos; a segunda a falta de estabilidade política; mas uma terceira é a fragilidade, rara, contra o vizinho português. O grande medievalista português Humberto Baquero Moreno explica todo o contexto aqui.A principal questão sobre os destinos do país, por esta altura, envolve três pretendentes ao trono que disputam entre si a vaga deixada pelo falecimento precoce de Dom Sancho IV. Este deixara estabelecido no seu testamento um conjunto de cedências a Portugal de um grupo de castelos na fronteira a sul, que incluíam, Serpa, Moura e Mourão. Ora, o testamento não é cumprido. Dom Dinis, atento a esta situação, procurou antes de mais fortalecer a sua posição. Num reino onde se tornava o inquestionável detentor do poder, procurou um casamento favorável e conseguiu-o quando convenceu a coroa de Aragão, um poderoso reino ibérico, a conceder-lhe a mão de Isabel, admirada pela sua beleza, cultura... e ascendência aragonesa influente. Dom Dinis está fora da luta pelo trono de Castela, mas o seu apoio é considerado fundamental pelos rivais. O monarca português está, no entanto, apenas interessado numa só coisa: depois da conquista do Algarve pelo seu pai, garantir a definição final possível das fronteiras a norte e leste; e isso só é possível com um acordo com o vizinho leonês-castelhano. Várias vezes se alia a um ou outro pretendente – num dos casos, luta até contra aquele que é apoiado pela coroa aragonesa –, mas sabe perfeitamente que a situação só pode ser discutida com quem detém o poder em Castela.A morte de Dom Sancho IV deixa o seu filho mais velho, Fernando, com a idade de sete anos e, portanto, o governo está nas mãos da mãe do petiz, Maria de Molina. É com ela que Dom Dinis se tem de entender, mas Molina não parece estar muito interessada. O rei anuncia então, em 1295, que apoia Dom João de Lara, irmão do falecido Sancho, nas suas pretensões ao trono. A notícia detona as Cortes em Valladolid que seriam, supostamente, a confirmação de Dom Fernando como o real herdeiro do trono. Há a consciência de que esta não é a altura para um conflito com os portugueses. Dom Dinis mostra abertura para se entender com Maria de Molina e os seus apoiantes, mas os sucessivos adiamentos da assinatura de um convénio que responda às pretensões nacionais levam a que o monarca monte uma expedição militar ao campo castelhano, onde conquista, entre outras, Cidade Rodrigo e Ribacoa. É isto que vai forçar a que Castela tenha de lidar com Portugal, e numa posição de desvantagem que o Dom Dinis aproveitará. Além disso, o monarca tem a legalidade do seu lado. O testamento de Dom Sancho IV já deixava a Portugal território que Dinis pretendia; e, além disso, para garantir que o acordo era de facto selado, fica prometida a mão de Dona Beatriz de Castela ao primogénito de Dom Dinis, Afonso, o futuro rei Dom Afonso IV.Assina-se então em 1297 o tratado de Alcanizes, que mais do que um compromisso territorial, é uma garantia dada a Castela de que Portugal não se intrometerá nos seus problemas internos. É um tratado com uma carga visível de desespero. Portugal cede a Castela direitos sobre duas importantes fortalezas: Aroche e Aracena, além de outras que já eram de facto castelhanas, como Ayamonte. No entanto, recebe em troca toda a linha de defesa que vai de Campo Maior a Juromenha; e a importante linha da Beira Interior, que inclui Almeida, Castelo Melhor, Sabugal ou Monforte.Portugal perderia no futuro ainda algumas localidades negociadas no tratado (é o caso de Olivença no s��culo XIX), mas garantiu uma fronteira claramente definida por obstáculos naturais (rios, na sua maioria) que permitiu que o reinado de Dom Dinis fosse um dos mais frutuosos da nossa História. Se quiser ver o documento, existe hoje um exemplar, em castelhano, na Torre do Tombo.

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Partindo-se em dois

Estamos perante uma gigantesca fractura geológica que se estende de Moçambique à Etiópia e que, no Quénia, exibe algumas das suas paisagens mais esplêndidas, salpicadas de vulcões activos e inactivos e lagos repletos de vida. Não é por acaso que aqui se concentra uma das maiores diversidades de aves do planeta: a mistura de água, lava e terra fértil cria um mosaico natural único.Mas o mais surpreendente é o que o Rift anuncia a longo prazo: a futura divisão do continente africano. O solo aqui está a separar-se alguns milímetros por ano, mas chegará um dia em que África se partirá em dois. Dentro de milhões de anos, essa fenda acabará por se tornar um novo mar que separará o leste do continente e dará origem a novas ilhas no oceano Índico. Este imenso vale é um lembrete de que, embora as paisagens pareçam eternas, a Terra nunca para de mudar aos os nossos pés.

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Cavalos com código genético: o escândalo CRISPR abala o pólo argentino

Quando a tradição e a ciência colidem, os campos de jogo transformam-se em cenários de dilemas éticos. Na planície pampeana, onde cavalos de elite são criados como obras de arte vivas, uma nova geração de animais ameaça romper a harmonia entre sangue e selecção. São os descendentes de Pólo Pureza, um cavalo campeão, agora replicado e geneticamente reconfigurado para superar os limites da sua musculatura natural. O seu segredo reside numa pequena, mas significativa alteração no gene da miostatina, responsável por regular o crescimento muscular. O objectivo: que estes novos exemplares – idênticos ao original, mas biologicamente optimizados – galopem a uma velocidade sem precedentes.A técnica utilizada para criar estes cavalos não é menos revolucionária. Cientistas da Kheiron Biotech, uma organização sem fins lucrativos com sede em Buenos Aires, aplicaram a tecnologia CRISPR–Cas9 (repetições palindrómicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas) em fibroblastos fetais – células do tecido conjuntivo – para projectar embriões geneticamente editados, que foram posteriormente implantados em éguas receptoras. Dez meses depois, nasceram cinco potros que representam um marco científico... e uma tempestade cultural.CríticasA reacção dos círculos equestres não demorou a chegar. A Associação Argentina de Pólo proibiu formalmente o seu uso em competições, uma decisão que segue a linha de entidades internacionais como a Federação Equestre Internacional, que vetou as modificações genéticas em 2019. Para muitos criadores, a edição genética não só ameaça esbater os limites da competição justa, como desafia a tradição centenária do cruzamento selectivo: uma arte baseada na intuição, na linhagem e na observação paciente de gerações. Mas fora do âmbito desportivo, as vozes são menos conservadoras. Alguns cientistas vêem nestes cavalos algo mais do que uma experiência desportiva: uma validação técnica. “Isto demonstra que o CRISPR funciona em equinos e que podemos modificar características desejáveis com precisão”, afirma Molly McCue, investigadora veterinária da Universidade de Minnesota, nos EUA. Para ela, a genética não anula a tradição, mas complementa-a: “A criação é tanto uma arte quanto uma ciência”.além do âmbito equinoEste episódio argentino é apenas uma parte de um cenário muito mais amplo. No mundo da agricultura, os animais CRISPR deixaram de ser promessas experimentais para se tornarem uma realidade comercial. Nos Estados Unidos, a empresa Acceligen lidera este campo com iniciativas como as vacas PRLR-SLICK, cujo pêlo curto e brilhante as torna mais resistentes ao calor, uma característica crucial em tempos de alterações climáticas. A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) já aprovou o seu consumo, considerando-as de baixo risco sanitário.A Índia, por sua vez, seguiu um caminho paralelo. Aí, os investigadores também modificaram o gene da miostatina em ovelhas, não para aumentar a velocidade, mas para aumentar a massa muscular para fins de produção de carne. O padrão repete-se: o mesmo conhecimento, diferentes aplicações.Outra frente onde o CRISPR está a deixar a sua marca é na saúde animal. A Genus, uma empresa do Reino Unido, desenvolveu porcos resistentes ao PRRS, um vírus que causa enormes perdas na indústria suinícola. A edição afecta o gene CD163, e os animais resultantes – já aprovados nos Estados Unidos – poderão chegar ao mercado em 2026. Além do rendimento, também estão a ser exploradas edições com implicações médicas: os porcos GalSafe, desenvolvidos pela Revivicor, possuem carne hipoalergénica graças à eliminação do gene GGTA1, responsável pela produção de uma molécula de açúcar que gera reacções em pessoas alérgicas à carne vermelha. A mesma edição pode ser fundamental para futuros xenotransplantes de órgãos suínos em humanos.Questões morais espinhosasA cada novo animal editado, o debate intensifica-se: estamos a humanizar a natureza ou simplesmente adaptá-la às nossas novas necessidades? Até onde estamos dispostos a moldar a vida à imagem das nossas ambições? As fronteiras entre o natural e o projectado confundem-se, e nesse terreno cinzento está em jogo o futuro da biotecnologia animal. Para os puristas do pólo, um cavalo deve nascer com a sua grandeza, não programá-la em laboratório. Mas para aqueles que enfrentam os desafios globais da alimentação, das alterações climáticas e da saúde, o CRISPR pode ser a ferramenta mais precisa já esculpida pela ciência.

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Reportagem: Em acção com a guerrilha balonista da Coreia do Sul

“Consegue correr depressa?”, perguntou o homem a quem chamarei Park. O meu interlocutor conduzia-nos cuidadosamente ao fim do dia, bem abaixo do limite de velocidade. Seguíamos de Seul em direcção à infame Zona Desmilitarizada (DMZ), a fronteira fortemente minada entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. Era uma noite quente de Verão. Park, um desertor norte-coreano que me deixou acompanhá-lo sob condição de eu só me referir a ele com um nome falso, estava atento ao espelho retrovisor para verificar se haveria algum polícia nas imediações.O único veículo que nos seguia, felizmente, era uma vulgar carrinha de caixa aberta, conduzida por um dos ajudantes de Park. Debaixo de uma lona azul, o veículo transportava garrafas de aço com hidrogénio suficientes para fazer explodir uma casa grande, mas este comboio de dois veículos não se destinava a uma missão de terror.Passando por lojas de conveniência, igrejas rurais encimadas por cruzes de néon vermelhas e unidades de pecuária, a viagem era, para ele e para o seu grupo de quatro activistas, uma bizarra missão de resistência política, uma campanha que poucos ou nenhuns jornalistas estrangeiros tinham testemunhado antes: o lançamento clandestino de enormes balões artesanais para o céu nocturno sobre a Coreia do Norte.Nos últimos 12 anos, percorri milhares de quilómetros em todo o mundo para um projecto da National Geographic chamado “Out of Eden Walk” – a Jornada pelo Mundo. Tipicamente, passo os meus dias a olhar para baixo, para os meus pés. Esta noite, o destino quis que concentrasse a minha atenção no céu e num grupo de balões improvisados flutuando para norte com ventos favoráveis de Verão, transportando uma carga de artigos subversivos ou escassos na sociedade mais fechada da Terra.A polícia sul-coreana pode mandar-nos parar, avisara Park. Se isso acontecesse, aconselhou, piscando-me um olho, eu deveria fugir para as moitas. “Já fui multado antes, mas não me importo”, disse ele. “As pessoas do Norte nem sequer sabem o que são direitos humanos. Os nossos balões ajudam a acordá-las.”Horas mais tarde, estacionado num campo infestado de ervas daninhas perto da Zona Desmilitarizada, vi os activistas movimentando-se na escuridão iluminados apenas pelos frontais e preparados para abrir as garrafas de hidrogénio e encher os balões. O gás jorrava das válvulas dos tanques com um silvo assustador.Carregados com objectos como panfletos bíblicos, notas de dólares americanos, folhetos pró-democracia, arroz e produtos de higiene feminina, os engenhos não se assemelhavam aos exemplares habituais dos festivais de balões de ar quente. Eram mamutes de plástico transparente alongados, chegando a atingir quatro ou cinco andares de altura.“As pessoas do Norte nem sequer sabem o que são direitos humanos. Os nossos balões ajudam a acordá-las.”Depressa os 25 balões elevam-se no céu como monumentais pontos de exclamação decerto visíveis a quilómetros de distância.Talvez se recordem dos relatos dos meios de comunicação social da Coreia do Sul no Verão passado: milhares de grandes balões transportando sacos de plástico cheios de beatas de cigarro, roupa podre, vermes e até fezes flutuavam da Coreia do Norte para o espaço aéreo da democrática Coreia do Sul. Esta barragem de lixo fez disparar alertas de saúde, incêndios e voos abortados nos aeroportos. Um saco de lixo aterrou perto do gabinete do presidente sul-coreano em Seul.A imprensa cobriu esta armada de objectos insufláveis com um sorriso, como um espectáculo à margem de uma rivalidade contínua entre nações irmãs que se mantêm como inimigas amargas 72 anos depois de a guerra civil da Coreia ter sido interrompida por um cessar-fogo. Mas o público raramente ouviu o outro lado da história: os ataques norte-coreanos com lixo foram uma vingança contra os balões de propaganda sul-coreanos, como os de Park.A geopolítica desta disputa aérea não foi tão esclarecedora para mim como as motivações sinceras dos activistas sul-coreanos, muitos dos quais são, de facto, desertores da Coreia do Norte. As equipas de balonistas parecem movidas por uma espécie de saudade de tudo o que deixaram para trás: entes queridos abandonados, paisagens da memória e juventude.Desta forma, a estranha guerra de balões assemelha-se a textos trocados entre um casal numa relação tóxica, quando um parceiro quer reatar a ligação enquanto o outro responde com conversa trivial. As trocas de mensagens têm uma pungência acrescida, uma vez que a reunificação dos dois países parece mais implausível do que nunca.  Actualmente, cada vez menos jovens sul-coreanos desejam tal desfecho, enquanto a Coreia do Norte se afastou decididamente.“A minha família tem muita sorte, está muito grata por ser livre”, disse Park, de 28 anos, que cresceu na Coreia do Norte a ouvir emissões de rádio ocidentais abafadas sob um cobertor na cama, um crime punível com prisão. “Já não vivemos a vida apenas por nós, mas pelas pessoas que ficaram na Coreia do Norte.”Enérgico e forte, Park contou em confidência a sua perigosa fuga da Coreia do Norte com quatro familiares há mais de uma década. Agora, trabalhando para uma igreja evangélica dos arredores de Seul, explicou como outros cristãos na Coreia do Norte corriam o risco de serem executados por praticarem a sua fé sob o regime de culto do líder supremo Kim Jong Un. Também lamentou o alcance sinistro dos serviços secretos da Coreia do Norte, que envenenaram o próprio irmão do ditador, exilado na Malásia.Park recordou que tendo chegado na adolescência à Coreia do Sul vindo da repressiva Coreia do Norte, sentiu-se como um viajante da década de 1970 transportado para a Nova Iorque actual.“Os norte-coreanos têm muitas dificuldades aqui”, suspirou Kim Seung-Chul, reflectindo sobre a experiência dos balonistas. “Alguns [sul-coreanos] vêem-nos como menos inteligentes e primitivos”. Kim, um desertor da geração mais velha, chegou à Coreia do Sul em 1993, depois de fugir de um campo de trabalho na Sibéria. Actualmente, é o director de uma estação de rádio em Seul. Kim referiu secamente que mesmo depois de três décadas no país de acolhimento, às vezes sente-se como um forasteiro. A sua mulher sul-coreana tem sido censurada pelos amigos: Por que motivo ainda vives com o norte-coreano?Embora o envio de balões privados para o Norte tenha sido criminalizado em 2020, a proibição foi chumbada pelo Tribunal Constitucional da Coreia do Sul há dois anos ao abrigo das leis de liberdade de expressão. Ainda assim, os lançamentos nocturnos continuam a ser preocupantes. Seul não aprecia o agravamento diplomático e a polícia aplica pesadas multas de segurança.Lee Min-Bok, um desertor sexagenário, viu o seu camião de balões incendiado. “Pode ser um espião norte-coreano”, disse Lee, um antigo engenheiro agrícola no Norte. “Ou um cidadão norte-coreano aqui.” E acrescentou: “Há pessoas que desaprovam”, referindo-se aos simpatizantes dos comunistas. Lee lança os seus balões à noite a partir de um vale remoto perto da DMZ. Envia os balões repletos de fotocópias de páginas de livros sobre livre-arbítrio e, menos frequentemente, com aspirinas, pen-drives carregadas de documentários sobre a natureza e até caixas com collants femininos. Tudo o que é escasso no Norte. Vive num contentor enferrujado na região. A mulher e o filho sul-coreanos trocaram-no pela Califórnia. Desesperado por contactar com alguém do outro lado da fronteira fortificada, arrisca-se a incluir o seu nome verdadeiro e o número de telefone nos seus folhetos políticos. Depois de anos a soltar balões, admite que, infelizmente, nunca ninguém lhe telefonou.As equipas de balonistas parecem movidas por uma espécie de SAUDADE do que deixaram irrevogavelmente para trás na Coreia do Norte: entes queridos abandonados, paisagens da memória e juventude.O jovem Park, a minha via de entrada no mundo do balonismo, ainda possui o entusiasmo de um novato. Os seus balões são construídos com plástico resistente mas leve, habitualmente usado para fins agrícolas. Um altímetro electrónico acciona pinças para libertar sacos com literatura religiosa, dinheiro e outra carga subversiva a cerca de 1.500 metros de altitude. Os sacos flutuam em minúsculos pára-quedas, que Park monitoriza através de dispositivos GPS.Na noite em que me deixou acompanhá-lo, a sua equipa soltou todos os balões ao mesmo tempo. Com os braços esticados para o céu, Park murmurou uma oração. A equipa ficou a olhar para cima durante longos segundos, enquanto os 25 balões esvoaçavam e subiam com a brisa nocturna. Park disse que os balões seriam detectados pelo radar sul-coreano em 29 minutos e que a polícia militar viria certamente investigar. Os balonistas começaram a carregar o material apressadamente para partir. Observei os frutos do seu trabalho esvoaçando na escuridão como um triste milagre. Artigo publicado originalmente na edição de Setembro de 2025 da revista National Geographic.

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NASA capta o nascimento de uma ilha no Alasca após décadas de degelo

Durante milénios, as massas de gelo do sul do Alasca esculpiram lentamente a paisagem, formando vales, erguendo paredes de gelo e enterrando montanhas inteiras. Em 2025, esse processo milenar deu lugar a um momento tão simbólico quanto científico: o surgimento de uma nova ilha no coração do lago Alsek. Trata-se de Prow Knob, uma pequena montanha que, até muito recentemente, permanecia abraçada pela geleira Alsek, mas que agora emerge completamente rodeada de água.As imagens obtidas pelos satélites Landsat 5 e Landsat 9 revelam a transformação gradual desta região desde 1984 até hoje. O recuo do gelo não só libertou Prow Knob, como também provocou uma expansão notável dos lagos proglaciares próximos. De facto, o lago Alsek passou de 45 quilómetros quadrados para mais de 75 em apenas quatro décadas.Este fenómeno não é isolado. Nas planícies costeiras do sudeste do Alasca, o gelo cede terreno a uma velocidade alarmante. A água líquida está a conquistar o que antes eram campos de gelo intransponíveis. De acordo com o glaciologista Mauri Pelto, do Nichols College, o Alsek recuou mais de cinco quilómetros desde 1984. Este degelo acelerado não só reconfigura a paisagem, como também enfraquece o próprio glaciar, tornando-o mais vulnerável a desprendimentos e colapsos.A história do Prow KnobA evolução do Prow Knob é repleta de simbolismo. Na primeira metade do século XX, a montanha era quase invisível, presa entre braços de gelo. Em 1960, o falecido glaciologista Austin Post sobrevoou a região e ficou impressionado com a sua silhueta, que o lembrou da proa de um navio; daí o seu nome. Ainda em 1984, parte do seu perímetro tinha começado a transformar-se em costa, mas o gelo continuava a abraçá-la com firmeza.Nos anos seguintes, o glaciar começou a perder contacto com os seus afluentes a norte e a sul, o que acelerou o seu declínio. Em 1999, o gelo já se tinha separado de uma ilha estreita próxima, expondo a sua frente a novas fracturas. Finalmente, entre 13 de Julho e 6 de Agosto de 2025, imagens de satélite confirmaram o que os cientistas esperavam há décadas: a montanha ficou completamente rodeada pelo lago, transformando-se oficialmente numa ilha.mais do que uma mera curiosidade O evento vai além da mera curiosidade. Trata-se de um indicador geográfico do ritmo em que os glaciares estão a ceder. Os lagos Harlequin e Grand Plateau, também alimentados por glaciares em recuo, duplicaram o seu tamanho desde 1984. O padrão é claro e sustentado, levantando questões sobre o futuro do gelo no Alasca e as suas consequências para o ecossistema e o nível do mar.Para além da ciência, há algo de poético nesta cena: uma montanha que esteve semi-enterrada durante séculos, finalmente libertada pelo degelo. Prow Knob não é uma criação nova em si mesma, mas uma revelação. Uma ilha que sempre esteve lá, escondida, como se esperasse o seu momento para emergir. E agora, graças aos olhos celestes dos satélites, somos testemunhas do seu renascimento.

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Xenoparidade: o curioso caso de reprodução da Messor ibericus

É sabido que, ao contrário da definição bem delimitada e organizada de espécie que geralmente nos é ensinada na escola, a realidade na natureza é bem mais complexa e, não poucas vezes, de fronteiras mal definidas. Um estudo recém-publicado na Nature por um conjunto de investigadores de várias universidades europeias, encabeçado por cientistas afectos à Universidade de Montpellier, lembra-nos precisamente isso, ao descrever algo nunca antes visto.Um fenómeno até agora desconhecido da ciência levou à necessidade de criar um novo termo: a xenoparidade (de xeno-, “estranho, estrangeiro” + paridade, “dar à luz, acto de parir”).Ao contrário do cenário mais comum – em que a rainha põe ovos que, se fertilizados, darão origem a formigas fêmeas (geralmente obreiras, mas também rainhas) e que, se não forem fertilizados, darão origem a machos que têm como único objectivo o acasalamento com outras rainhas para garantir a geração seguinte –, as formigas da espécie Messor ibericus perderam a capacidade de gerar obreiras através do esperma de machos da mesma espécie, dando este cruzamento apenas origem a outras rainhas. Para conseguir criar fêmeas obreiras, estas formigas usam uma estratégia de hibridização com machos de outras espécies, sendo somente este cruzamento que permite a produção de obreiras, um processo conhecido como parasitismo espermático.No entanto, esta espécie revelou ter dado um passo além nesta relação. Geralmente – e este estudo demonstrou-o –, as rainhas destas formigas só são capazes de produzir obreiras quando fecundadas por um macho de uma espécie que muitas vezes coexiste com ela: Messor structor, uma espécie que, embora pertencente ao mesmo género, não é particularmente próxima, tendo ambas divergido há provavelmente mais de 5 milhões de anos. Ao analisar os resultados de análise genómica obtidos, estes foram claros: o ADN das obreiras de todas as amostras recolhidas era dividido em partes iguais entre as duas espécies. Esta conclusão apontava para que fossem, como esperado, híbridos de primeira geração, fruto do cruzamento de uma rainha de M. ibericus e um macho de M. structor. No entanto, havia um mistério difícil de deslindar: este padrão era comum a todas as populações, incluindo aquelas provenientes de locais onde Messor structor não ocorre. Como era então possível que estivesse a ocorrer hibridização?A resposta foi revelada por diferenças no nível de pilosidade dos machos recolhidos nas colónias de Messor ibericus. Reparando nesta diferença, a equipa decidiu efectuar análises filogenéticas utilizando o genoma nuclear dos vários machos e deparou-se com uma surpresa: os machos com mais pêlos foram todos classificados como pertencendo à espécie M. ibericus, enquanto que os menos pilosos correspondiam à espécie M. structor. Confirmando que todos os espécimes com uma colónia de origem comum partilhavam ADN mitocondrial – e portanto a mesma mãe –, só restava uma explicação possível: as rainhas de Messor ibericus eram, de alguma forma, capazes de produzir machos de ambas as espécies, o que mais tarde foi possível comprovar experimentalmente.Assim, ficou provado que algumas populações de Messor ibericus são capazes, num processo nunca antes descrito, de produzir o que na prática são clones de uma espécie distinta, para assim garantir a produção de obreiras. Num sentido muito real, estas rainhas de M. ibericus domesticaram o genoma de uma espécie distinta para garantir o funcionamento do seu ciclo vital na ausência de populações selvagens da mesma.

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11 de Setembro de 1985: Quando a Linha da Beira Alta foi palco de uma tragédia nacional

Quem segue pela antiga Estrada Nacional 234 (também conhecida por Estrada Velha de Viseu) na direcção de Mangualde, encontra uma cortada do seu lado direito sem qualquer sinalização. É um estradão de terra batida, numa envolvente florestal, culminando num largo de pedra centrado numa estátua e num mural de azulejo. Ocorreu, por estas bandas, o maior desastre ferroviário da história nacional e um dos acontecimentos mais trágicos do Portugal democrático: a colisão de dois comboios na freguesia de Moimenta Maceira Dão, perto do apeadeiro de Moimenta-Alcafache.Foi no dia 11 de Setembro de 1985 que esta localidade do distrito do Viseu, cujo maior ponto de interesse eram à altura as águas termais à beira do Dão, entrou para o nosso léxico como sinónimo de catástrofe, antes de Entre-os-Rios e Pedrógão Grande. Dizê-la alto é invocar uma tragédia muito específica e é difícil que Alcafache não nos remeta para os comboios da morte de 1985. Em 2008, em entrevista à SIC, na rubrica "Perdidos e Achados", a bombeira Marília Moita contava que, nesse dia, estava nos serviços telefónicos de emergência. Quando recebe a chamada das chamadas da jornada, uma voz, esbaforida e irritada, manda-a calar e relata um acidente ferroviário grave. Descreve um cenário infernal, de ferro retorcido, chamas, pedaços de corpos espalhados. Os meios são mobilizados, mas a custo, com uma dificuldade em gerir e comunicar entre as várias corporações de bombeiros da região.Era um dia tórrido e antes de os bombeiros chegarem, já os populares estavam no local. Eram habitantes de Alcafache e Moimenta, alertados por um estrondo ouvido na altura do embate. Entre eles, encontrava-se um operador de vídeo que trabalhava para a televisão pública portuguesa, a RTP, que recolheu as primeiras imagens do acidente.UMA TRAGÉDIA DE ENGANOSO que se sucedera fora uma infelicidade, sendo que as causas desta tragédia e o número de vítimas ainda hoje são alvo de discussão. A sequência de acontecimentos, no entanto, é linear.Às 15h57, parte de Campanhã, no Porto, um comboio Sud-Express com destino a Paris-Austerlitz. Levava à volta de 400 passageiros, a maior parte emigrantes que tinham vindo passar férias a Portugal. Sai com um atraso de 17 minutos.Quase uma hora depois, às 16h55, parte da estação da Guarda um comboio regional com destino a Coimbra, cumprindo o horário. Porque o Sud-Express segue em direcção a Vilar Formoso, atravessando assim a faixa centro-interior portuguesa, ambos os comboios terão de, a certa altura da sua viagem, passar no mesmo troço da Linha da Beira Alta, eixo ferroviário central na região, mas que na maior parte do percurso tem apenas uma única via.O Sud-Express chega a Nelas às 18h19. Entretanto, o comboio regional alcança quatro minutos depois a estação de Mangualde, a poucos quilómetros. Aqui, tendo em conta o atraso do comboio internacional, esta locomotiva devia ter aguardado. Mas não o fez.Ora, dois comboios cruzando a mesma linha única ao mesmo tempo é uma certeza assustadora de choque frontal: sendo impossível comunicar, na altura, com dois comboios em andamento, os passageiros e funcionários circulando em ambas as viaturas rumam a um desastre inevitável; e este ocorre às 18h37, quando o internacional 315 e o regional 1324 chocaram com estrondo e violência, descarrilando ao longo de dezenas de metros num espaço florestal.Na altura e em anos posteriores, os bombeiros que participaram na operação de salvamento descreveriam um cenário de absoluto horror. Desde terem de descolar literalmente o que restava de corpos de pessoas, inclusive pais abraçados aos filhos num acto derradeiro e desesperado de protecção, a encontrar bolas esponjosas e aperceberem-se com terror que se tratavam dos restos daquilo que tinha sido seres humanos, passando por avistarem braços e pernas separados dos seus donos, aleatoriamente no chão como se houvesse chovido membros corporais. Choros, gritos, metal retorcido, cinzas, gente já carbonizada.Bombeiros que participaram na operação de salvamento relatam que viram pais abraçados aos filhos num acto derradeiro e desesperado de protecção.Para agravar a situação, o derrame de gasóleo das locomotivas gerou violentos incêndios no pinhal em redor. A demora no auxílio deveu-se ao facto de o local onde ocorreu o acidente ser remoto, mas também à falta de organização dos meios, num país pouco habituado à gestão deste género de tragédias.Vítor Morais foi um dos sobreviventes. Na supracitada reportagem à SIC, referiu que acabara de se sentar depois de arrumar as malas, tendo subido ao regional de Coimbra em Alcafache, quando se ouviu um barulho estrondoso. De súbito, teve um apagão. Quando voltou a acordar, sentindo um peso em cima de si, descobriu-se ensanguentado e fraco, e à sua volta encontrou uma amálgama metálica do que foram as carruagens. Vítor conta como horas mais tarde, quando o local foi visitado por Ramalho Eanes (à altura presidente da República), lhe pedira boleia no seu helicóptero para ser transportado para o hospital em Lisboa. Após uma análise do próprio médico presidencial, Vítor embarcou. No que foi uma tremenda sorte: todos os hospitais da região, principalmente o de Viseu, ficaram lotados e algumas das vítimas, até pela gravidade, foram desviadas para Porto ou Coimbra. A Força Aérea  Portuguesa e o Exército colaboraram activamente nas operações, nomeadamente no resgate dos feridos e no transporte dos mesmos por via aérea.COMOÇÃO NACIONAL… E ESQUECIMENTORamalho Eanes visitou nessa mesma noite o local às duas da manhã. O presidente chegara directo do hospital de Viseu, onde visitou as vítimas. Falou com os responsáveis in loco e deixou que todos trabalhassem. Eanes, ciente da importância do sucedido e também dos fantasmas de um país que dez anos antes vivera sob um ditadura que controlava as notícias, declarou que o país tinha o direito de saber o que se passara ali, e na hora.Ao tomar conhecimento de que alguém gravara imagens no calor do acidente, requisitou as cassetes e ordenou a organização de um corredor aéreo que as levasse aos estúdios das RTP no Porto, os mais próximos da zona. Foi desta forma que os portugueses puderam ver, logo de madrugada, imagens da tragédia, calando muda na consciência nacional. Na sequência desta transmissão televisiva, centenas de cidadãos dirigiram-se aos hospitais para dar sangue. O primeiro-ministro Mário Soares chegou uma hora depois, anunciando ao país três dias de luto nacional e um inquérito para apuramento dos factos. Era necessário saber o que acontecera. Foi aberta uma vala comum no local do fatídico acidente.O comandante dos bombeiros de Nelas quantificou a tragédia em 300 mortes, complementando que haveria mais gente falecida do que viva no meio dos destroços. O responsável pelos bombeiros de Maceira avançou a mais comedida soma de 100 vítimas mortais e, de facto, estando uma totalidade de 460 passageiros nos dois comboios e perante a dimensão daquele cenário e dos grotestos incêndios que se seguiram, não parecia exagero. O balanço feito posteriormente apontou para 49 mortos, ressalvando, no entanto, que 64 passageiros se encontravam desaparecidos e que só 14 pessoas foram positivamente identificadas. Desconhece-se, ainda hoje, o número exacto de vítimas.Sabe-se que, no local onde hoje se encontram os monumentos que recordam a tragédia, foi aberta pouco depois do desastre uma vala comum. Aqui se reuniram todos os pedaços soltos de corpos e cinzas calcinadas possíveis e, depois de uma pequena cerimónia, fechou-se então esta sepultura improvisada. Cândido Ramos, à altura presidente da Junta de Freguesia de Maceira, lembraria anos mais tarde que esta vala teria entre três a quatro metros de profundidade, e mediria uns cinco metros de comprimento.Ainda hoje desconhece-se o número exacto de vítimas, mas várias fontes apontam para mais de 100 óbitos.Perante o número de desaparecidos, algumas estimativas colocam o número de vítimas de Alcafache na ordem dos 150. Esta hipótese, a ser confirmada, elevaria este evento ao título do maior desastre de origem humana, no mínimo, dos últimos 150 anos, juntamente com o despenhamento, em 1977, de um avião da TAP no aeroporto da Madeira, que vitimou 122 pessoas.Porque é que Alcafache foi esquecido?O inquérito anunciado por Mário Soares rapidamente concluiu que este acidente foi causado por erro humano. Fosse em Alcafache ou em Moimenta, alguém não comunicara o atraso do Sud-Express. No entanto, quatro anos de julgamentos que envolveram quatro arguidos apenas reforçaram esta tese, mas sem poder atribuir responsabilidades. Sem registos escritos ou electrónicos, era a palavra de cada arguido contra a do outro e, como tal, o juiz não pôde fazer mais do que os absolver. Além disso, os desastres ferroviários eram à altura comuns no nosso país. Só nesse ano, já se tinham ocorrido oito, de menor dimensão. Antes de 1985, os fatídicos desastres na Linha Porto-Póvoa em 1963, com entre 91 e 102 mortos, e em Santa Clara, Odemira, dez anos antes, registando 54 vítimas, habituaram o país a esta realidade. Aliás, um ano antes do desastre de Alcafache-Moimenta, a colisão entre uma camioneta e uma automotora em Recarei causa 17 mortos. O serviço do centenário Sud-Express foi suspenso a 17 de Março de 2020, em plena pandemia.heranças do 11 de setembro de 1985Esta tragédia contribuiu para a alteração por completo da forma como se encarava politicamente o serviço de comboios no nosso país. Foi instalada uma rede de sistemas mais avançados de comunicação e sinalização do tráfego, o que teria impedido este desastre, e o controlo de velocidade, que tornou estes desastres muito mais difíceis de acontecer. Além disso, a introdução de sistemas de rádio solo, que permitem que os maquinistas comuniquem entre si e com as centrais de controlo, é outra herança de Alcafache.

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Uma foto irrepetível

Sob o céu mágico de uma aurora boreal, o bordo conhecido como Sycamore Gap Tree erguia-se como um símbolo da história e da natureza da Grã-Bretanha. Plantado numa depressão junto à Muralha de Adriano, em Northumberland, esta silhueta solitária tornou-se um dos cartões postais mais icónicos do norte de Inglaterra. Foi cenário de filmes e era conhecido como "a árvore de Robin Hood" pela sua aparição no filme Robin Hood, Príncipe dos Ladrões.Mas essa cena já não poderá ser repetida. O bordo foi deliberadamente derrubado em 2023, um acto de vandalismo que chocou todo o país. Não se tratou apenas da perda de uma árvore, mas também de um símbolo cultural e de um pedaço da alma de uma paisagem.

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Um lugar, uma estação: A ribeira do Vascão no período estival

Um dos principais afluentes do troço final do Guadiana, a ribeira do Vascão é o mais longo curso de água em Portugal que não é interrompido por estruturas de origem humana, tais como barragens ou diques.Classificada como Sítio Ramsar, faz parte da Rede Natura 2000 e do Parque Natural do Vale do Guadiana, marcando também em grande parte do seu percurso a transição entre o Baixo Alentejo e a Serra Algarvia. Nasce na serra do Caldeirão, no concelho de Almodôvar, escorrendo depois para o Guadiana nos solos deste município e dos de Mértola e Alcoutim.Estamos perante um curso de água de regime hídrico tipicamente mediterrânico, alternando períodos torrenciais em que corre com caudal abundante, durante as estações mais chuvosas, com outros em que seca quase completamente, mantendo água apenas em locais mais fundos ou onde aflora a água que se mantém a correr no subsolo, os chamados pegos.O sítio exacto que escolhemos para acompanhar durante as quatro estações é a área circundante ao Moinho das Relíquias, um antigo moinho de água que aproveitava os meses de corrente do Vascão para a moagem do trigo. Para quem o quiser visitar, fique a saber que se encontra na estrada que liga São Bartolomeu da Via Glória, no concelho de Mértola, à localidade de Giões, no concelho de Alcoutim, marcando o limite de ambos os concelhos e também dos distritos de Beja e Faro.

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Dentes fora da mandíbula registados pela primeira vez: este peixe tem-nos entre os olhos

Ao longo da história, descobrimos que existem múltiplas formas e características de dentição nos seres vivos. É claro que os dentes de um leão, um tubarão, um ser humano ou um peixe não são iguais. Mas sempre foram registados na mandíbula porque, desde a sua origem, representavam uma ferramenta fundamental para triturar alimentos.A novidade é que um grupo de investigadores acaba de descobrir uma estranha excepção: uma espécie cuja estrutura dentária está na ‘testa’ e com uma utilização absolutamente diferente.A INVESTIGAÇÃO DA QUIMERAUm grupo de investigadores dos Estados Unidos, liderado por Karly E. Cohen, da Universidade de Washington, debruçou-se sobre o curioso caso da quimera Hydrolagus colliei. As suas descobertas foram publicadas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.Estes peixes cartilaginosos medem aproximadamente 60 centímetros e habitam principalmente águas rasas. São muito comuns no nordeste do Pacífico e no Estreito de Puget, no estado americano de Washington. “As quimeras têm caras muito estranhas. Quando pequenas, parecem esmagadas num pequeno saco vitelino”, explicou Cohen.A sua característica mais marcante é a sua estranha estrutura em forma de tentáculo entre os dois olhos, que durante anos foi identificada como dentículos dérmicos. Esta investigação integrou dados fósseis e técnicas moleculares com microtomografias computadorizadas, levantando a hipótese de que esses dentes são homólogos aos dentes orais.Mas como isso poderia ser verdade se o estudo das espécies sempre comprovou que os dentes estão na mandíbula? Assim, após avaliar o desenvolvimento dentário e caracterizar os genes responsáveis pelo seu aparecimento, chegaram à conclusão de que eram efectivamente dentes, porém “extra-orais”, como lhes chamam os investigadores envolvidos neste estudo inovador. “Esta característica incrível e absolutamente espetacular reverte a antiga suposição da biologia evolutiva de que os dentes são estruturas estritamente orais”, explicou a investigadora Karly Cohen.Para os investigadores, é possível que um grupo de células formadoras de dentes tenha migrado para a cabeça até formar o tentáculo. Estes peixes separaram-se da família evolutiva dos tubarões há milhões de anos e incorporaram outras características. Eles também se diferenciam por não terem escamas e fileiras de dentes.PARA QUE SÃO UTILIZADOS estes DENTES “EXTRA-ORAIS”O curioso desta estrutura dentária fora da mandíbula é também a sua utilização. Apenas os machos a utilizam no processo de acasalamento. Durante a erecção, funciona como um gancho com dentes com o qual segura a fêmea. Nas fêmeas, permanece como uma estrutura embrionária sem desenvolvimento.“Temos uma combinação de dados experimentais com evidências paleontológicas que demonstram como estes peixes aproveitaram um programa pré-existente para fabricar dentes com o objectivo de criar um novo dispositivo essencial para a reprodução”, disse Michael Coates, co-autor do estudo pela Universidade de Chicago.Esta descoberta levanta a questão de saber se é possível que existam outras espécies que sejam uma excepção e se, no futuro, serão encontradas novas estruturas dentárias fora da mandíbula. Mais uma vez, as descobertas da ciência derrubam as barreiras do que acreditávamos e levam-nos a um conhecimento mais profundo da diversidade das espécies.

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Este porco poderá salvar a sua vida

Os requisitos de entrada deveriam ter vindo acompanhados de um manual de instruções. “Registe-se na cabina de segurança. Tire os sapatos junto da porta. Dirija-se aos balneários e tome um duche quente. Vista um fato  cirúrgico protector comprido e as botas de borracha até aos joelhos e, por fim, coloque um par de óculos de segurança que, com o calor pegajoso do complexo laboratorial, ficarão rapidamente embaciados.”“Lamento o incómodo”, disse-me, a sorrir, o meu guia, Björn Petersen, acenando-me para avançar. “Temos de ser excepcionalmente cuidadosos com os agentes patogénicos. Vai ver que se habitua, prometo.”Horas antes, eu acordara num hotel numa cidade da região do Midwest, cujo nome me pediram para não mencionar. Agora que a luz do Sol se espraia sobre a pastagem à minha volta e um manto de neblina paira no ar, dou por mim a seguir Björn, um cientista de origem alemã, pelos corredores de um centro de investigação altamente secreto e atravessando um pátio lamacento, com marcas das pegadas deixadas pelas botas.“Quando comprámos este sítio, os proprietários estavam a usá-lo como centro de investigação para estudar gado”, disse. Apontou  depois para um celeiro adjacente. “As vacas estavam aqui e os cavalos ali em cima no campo. Mantivemos praticamente a disposição, mas, como é evidente, o nosso objectivo é  muito diferente.”Quando entrámos no celeiro, disse-me algo que não percebi – a voz dele foi abafada por um coro estridente de grunhidos de expectativa e a algazarra dos chispes a bater no cimento. Cerca de uma dezena de porcos avançaram para a frente dos seus recintos individuais, batendo com os focinhos nos portões de metal. “Quero apresentar-lhe alguém”, disse Björn, pestanejando sob a luz forte. Ele parara junto do recinto de um animal cuja placa identificava como Margarita. Ela aninhou o corpo contra a mão de Björn, como se fosse um gato doméstico muito grande. “A Margarita foi uma das nossas primeiras”, disse o investigador com orgulho, debruçando-se para acariciar os protuberantes pêlos negros entre as orelhas da porca. “A maioria dos animais que está a ver foram criados a partir das mesmas células, mas há algo de especial no primeiro, não acha?”Björn Petersen, responsável pelo complexo, é especialista em clonagem de gado e xenotransplantes, uma técnica científica incrivelmente avançada, na qual matéria animal é transferida para pacientes humanos. O nome deriva da palavra grega para “estranho” ou “estrangeiro”. Em 2023, após quase um quarto de século a trabalhar em centros de investigação governamentais na Europa, Björn Petersen mudou-se com a família para o Midwest, nos EUA, onde aceitou um trabalho na eGenesis – uma empresa de biotecnologia financiada por um grupo de investidores de capital de risco – que dava então os primeiros passos de um plano fenomenal para desenvolver rins de porco geneticamente modificados com a intenção de os transplantar em seres humanos.Impulsionada pelos avanços da edição de genes e da medicação imunossupressora, a eGenesis rapidamente demonstrou que os seus órgãos poderiam sobreviver durante longos períodos nos corpos de sujeitos de teste primatas, filtrando o sangue e produzindo urina tão competentemente como um rim “alotransplantado”, ou seja, da mesma espécie. Agora, dois anos mais tarde, Björn Petersen e a eGenesis encontram-se na linha da frente de uma grande revolução na ciência do transplante de órgãos.A revolução que poderá superar a escassez de dadores humanos a nível global e a situação dos milhares de doentes que, todos os anos, esperam por um novo rim. Os resultados já se revelaram impressionantes: um progresso dos testes de transplante realizados em primatas, para cirurgias de transplante para seres humanos em morte cerebral – e, por fim, no mês de Março de 2024, num desenvolvimento que foi noticiado em todo o mundo, para um transplante num ser humano vivo.Depois disso, os funcionários da Agência para a Alimentação e para os Fármacos (FDA) dos EUA deram luz verde à eGenesis para realizar um ensaio clínico com três pacientes, passo que contribuiu para aumentar o interesse despertado pela empresa. Desde que se mantenha no bom caminho e os testes sejam bem-sucedidos, a empresa tem planos para reforçar a sua capacidade de produção. Mike Curtis, director executivo da eGenesis, acredita que a ciência ficará amplamente disponível ao público antes do final da década. “A longo prazo, diria que estamos perante um cenário no qual os transplantes entre espécies suplantam por completo os alotransplantes. Chegaremos a um ponto em que já não precisaremos de dadores humanos”, prevê.Para chegar a esse ponto, serão necessários mais aperfeiçoamentos da tecnologia e mais porcos como Margarita e cientistas como Björn Petersen. Acima de tudo, porém, será necessária a confiança dos pacientes que se submetem às cirurgias e colocam as suas vidas nas mãos desta ciência inovadora e dos médicos e hospitais que estão a promovê-la. O xenotransplante bem-sucedido do ano passado – um procedimento de quatro horas realizado no Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, que exigiu uma fé inabalável, uma dose enorme de desespero e uma quantidade imensurável de sorte – foi, possivelmente, o passo em frente mais significativo rumo a este novo futuro.Tudo começou numa quinta do Midwest, onde, numa manhã fria de Março, uma carrinha estava à espera de madrugada. A porta da carrinha abriu-se, um porco com um ano foi colocado no interior e o veículo deslizou pela estrada, transportando aquilo que representava anos de investigação clínica, esperança e investimento a grunhir na parte de trás.Ao longo das 18 horas seguintes, enquanto a carrinha viajava para leste ao longo da I-90, um milhão de cenários passou pela cabeça de Mike Curtis. “Passa tudo pela cabeça, incluindo a possibilidade de outro veículo embater na carrinha”, diz. Ou de Rick Slayman mudar de ideias.O silêncio reinava na sala. Todas as outras opções tinham sido esgotadas e o tempo chegava ao fim. Sentado atrás da secretária, no seu gabinete do Hospital Geral de Massachusetts, em frente de um homem que se tornara seu amigo, para lá de seu paciente, o nefrologista Winfred Williamsfez a pergunta improvável e esperou pela resposta.“Conhece o termo ‘xenotransplante’?”Rick Slayman, cujos acessos vasculares para fazer diálise se esgotavam, abanou negativamente a cabeça. Winfred não se mostrou surpreendido. Em 2023, os xenotransplantes ainda eram um tema relegado para as revistas científicas, ou notícias curtas e ocasionais sobre enxertos de pele ou transplantes de córnea. Por isso, deu o seu melhor para explicar que os avanços rápidos na edição de genes estavam a criar a esperança de que, em breve, os médicos conseguissem implantar um rim de porco num ser humano, sem risco de rejeição aguda e imediata. “a longo prazo, diria que estamos perante um cenário no qual… já não precisaremos de dadores humanos.”Mike Curtis, director executivo da empresa de biotecnologia eGenesisO especialista conversara longamente com pessoas de uma empresa de biotecnologia chamada eGenesis, situada na outra margem do rio Charles. Descobrira que a empresa recebera recentemente autorização da FDA para proceder a um ensaio de “acesso alargado”, uma concessão especial para tratar pacientes sem tratamentos alternativos à sua disposição.Winfred nem precisou de dizer a Rick que ele poderia candidatar-se ao procedimento. Supervisor do Departamento dos Transportes de Massachusetts, homem alegre com o hábito de encantar quase todas as pessoas que conhecia, Rick lutara desde sempre contra a hipertensão e a diabetes, condições frequentemente conjuntas que tinham conduzido a sua insuficiência renal à fase final: a destruição significativa dos seus rins e respectivo declínio do funcionamento. Rick fora submetido a uma bateria de diálise, mas, como Winfred Williams recordou mais tarde, o tratamento começou rapidamente a consumir demasiado tempo à equipa médica e tornou-se extremamente doloroso para Rick. “Para a diálise funcionar devidamente, é preciso acesso vascular fiável”, explica o médico. Tradicionalmente, esse acesso é assegurado através de uma fístula arteriovenosa, uma ligação cirúrgica entre uma artéria e uma veia e perfurada por agulhas. Uma das agulhas remove o sangue do paciente e a outra devolve-lhe uma versão “limpa”. “No caso do Sr. Slayman, o problema era que ele estava a fazer muitos coágulos e isso dificultava um fluxo contínuo durante a diálise”, continuou. “Num ano, ele foi submetido a várias sessões de descoagulação num hospital. Uma após outra, após outra.”Era uma forma de vida difícil para qualquer um, e mais ainda para alguém tão enérgico como Rick. O prognóstico a longo prazo era sombrio. Mesmo a diálise mais eficaz não cura as lesões renais. Torna simplesmente possível um paciente continuar a viver. No final, é necessário um transplante, desde que se consiga arranjar um órgão: em 2018, dos cerca de 95 mil norte-americanos que aguardavam por um novo rim, apenas um quarto conseguiu obter esse órgão.Em Dezembro desse ano, Rick Slayman era um dos sortudos 25%. A sua cirurgia, realizada por um cirurgião veterano do Hospital Geral de Massachusetts, Tatsuo Kawai, não teve quaisquer problemas e as complicações pós-cirúrgicas pareciam mínimas. Rick conseguiu voltar a trabalhar a tempo inteiro. No entanto, passados três anos, sintomas familiares começaram a reaparecer, como o inchaço e a fadiga. Os testes revelaram cicatrizes no rim doado e evidências iniciais de diabetes recorrente. “Foi muito claro para mim que o órgão não sobreviveria por muitos mais anos”, disse-me Winfred Williams.Rick Slayman viu-se de novo obrigado a submeter-se a um ciclo punitivo de diálise e descoagulação. Mais tarde, os médicos prescreveram-lhe um tratamento com anticoagulantes e instalaram uma nova fístula na secção de cima da sua coxa. Nada parecia ajudar. Em vez disso, emergiam mais sinais preocupantes, como hipercalemia, ou seja, níveis anormalmente elevados de potássio, que dificultavam a respiração, obrigando Rick a acorrer às urgências locais em busca de tratamento.Embora hoje pareça inovadora, a ciência dos xenotransplantes renais remonta há décadas.“Teve de ser submetido a intervenções que exigiam anestesia e estadas prolongadas no hospital e lembro-me de ele dizer: ‘Doutor, não tenho a certeza se consigo continuar assim’”, continuou o médico. “Pensou em desistir por completo da diálise. E nós sabíamos que isso seria uma sentença de morte.”Foi nesse momento que Winfred Williams ponderou a ideia do xenotransplante, recordando as suas conversas com a eGenesis. O médico confiava nos cientistas da empresa: visitara os laboratórios e ficara maravilhado com o que vira. Mesmo assim, sabia que o seu paciente teria algumas reservas. Tal como Rick Slayman, Winfred Williams é negro e lembrou-se dastristemente célebres experiências de Tuskegee: durante 40 anos, o governo norte-americano realizou um estudo com centenas de homens negros com sífilis, mas escondeu-lhes intencionalmente os diagnósticos e privou-os de tratamentos com penicilina quando esta se tornou disponível. “Temos de perceber que aquilo que aconteceu em Tuskegee ficou marcado a ferro e fogo nos norte-americanos de ascendência africana”, resumiu o médico. “Criou neles um medo profundo de serem usados como cobaias.”Ao longo de várias reuniões sobre consentimento informado, Winfred fora tão claro com Rick sobre os perigos de se submeter a uma cirurgia inovadora como sobre os perigos de não fazer nada. Não seria fácil. Rick assimilou o risco. Em conversas com a família, recordou mais tarde a sua filha Pia Slayman, o pai mostrou-se “confiante de que a cirurgia seria um sucesso. Por isso, eu só podia apoiá-lo”.A última sessão de consentimento informado ocorreu no início de 2024, pouco antes da data marcada para a intervenção cirúrgica. Winfred disse-me que Rick chorou. “Disse: ‘Eu quero fazer isto, mas eu quero que você esteja lá para mim. Que tome conta de mim.’ E eu prometi que o faria. Foi um momento muito comovente porque o Sr. Slayman estava prestes a embarcar numa viagem por águas completamente desconhecidas. Eu podia tratar da navegação, mas o pioneiro teria de ser ele.”Embora nos pareça inovadora, a ciência dos xenotransplantes renais remonta há décadas, resultando parcialmente do trabalho de um talentoso médico e professor da Universidade de Tulane chamado Keith Reemtsma. No início da década de 1960, este cirurgião cardiotorácico começou a planear uma série de cirurgias de animais para humanos utilizando rins removidos de chimpanzés de laboratório. Estava motivado por uma ideia: durante décadas, os cientistas tinham feito transfusões de sangue – ou enxertos de pele – de animais para pacientes humanos. O rim e a utilização de imunossupressores em destinatários humanos representaria um mero passo em frente, em escala e complexidade. Alguns anos mais tarde, Keith Reemtsma foi validado quando um dos seus pacientes sobreviveu aproximadamente nove meses com um rim de chimpanzé – proeza notável numa época em que as probabilidades de sobrevivência dos pacientes com insuficiência renal eram ainda mais baixas do que na actualidade. Não havia acesso generalizado a tratamentos de diálise e não existia uma base de dadores nacional para transplantes renais.A euforia durou pouco. Na década de 1960, a doença renal já atingira o estatuto de crise nos EUA e mesmo que os xenotransplantes pudessem ser aperfeiçoados – uma grande incógnita, tendo em conta que 12 dos 13 pacientes de Keith Reemtsma não duraram mais do que oito semanas com os órgãos de chimpanzé – como poderiam os cientistas garantir a disponibilidade de um número suficiente de primatas? Uma solução tão difícil como esta não fazia sentido, diz Robert Montgomery, especialista em transplantes da Universidade Langone de Saúde, em Nova Iorque, e ele próprio detentor de um coração transplantado. Também se impunha a questão do bem-estar animal: “Pessoas como Jane Goodall contribuíram muito para o nosso conhecimento sobre os graus de semelhança entre nós e os primatas”, disse.Por fim, acrescentou o especialista, a epidemia de Sida progrediu. Presume-se que a doença teve origem em símios. “Uma espécie dadora mais próxima dos seres humanos na escala evolutiva facilita a probabilidade de um bom resultado”, disse Robert Montgomery. “Por outro lado, também é mais fácil transmitir um agente patogénico de um primata para um ser humano” do que seria com qualquer outro animal.Digamos, por exemplo, um porco.Embora sendo criaturas notavelmente inteligentes, os porcos tendem a não ser vistos com particular reverência pela maioria das pessoas. Segundo uma estimativa, mais de mil milhões destas criaturas são abatidas e consumidas pelo ser humano todos os anos. E os porcos reproduzem-se com facilidade, tipicamente duas ou três vezes por ano, tendo ninhadas com oito a 12 bácoros, em média. Esta é uma das razões pelas quais muitos investigadores da área dos xenotransplantes começaram a afastar-se dos primatas a partir do início da década de 1990.Essa mudança veio acompanhada por obstáculos específicos, o mais frustrante dos quais era um antígeno suíno conhecido como oligossacarídeo galactose, abreviado para alfagal. Este antígeno, presente nos porcos, não existe no corpo humano, que tenta eliminá-lo da corrente sanguínea produzindo anticorpos que se agreguem a ele. Quando isto acontece após um transplante de órgãos, costuma desencadear a rejeição aguda do órgão recebido. Os antibióticos e os imunossupressores podem ajudar, mas não a longo prazo, como concluíram com relutância vagas sucessivas de investigadores, ao compreenderem que seriam obrigados a remover o antígeno alfagal do rim do porco – um procedimento moroso.Em 2012, as cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna propuseram uma solução eficiente e inovadora, patenteando uma tecnologia conhecida como CRISPR-Cas9 – a analogia mais utilizada compara-a a uma “tesoura molecular”. Utilizando a CRISPR, os investigadores fazem “cortes” no código genético humano e animal, substituindo assim mutações que causam doenças e alterando, de forma fundamental, a forma como os genes se exprimem.Nos EUA e na Europa, qualquer intervenção experimental tem de passar por duas etapas antes de ser disponibilizada ao público. Na fase pré-clínica, um fármaco ou cirurgia é testado em laboratório. Na segunda, caso os reguladores considerem os resultados aceitáveis, os investigadores podem passar para os seres humanos.Em 2017, um ano antes de Rick Slayman receber um rim doado por um ser humano, os cientistas afiliados da eGenesis iniciaram um ensaio pré-clínico com vários macacos que receberam rins de porco modificados em laboratório, informalmente apelidados de knockouts – uma alusão aos antígenos eliminados através do processo de edição de genes. Um dos macacos viveu quase trezentos dias.“Tivemos uma reunião com a FDA e, basicamente, perguntámos: ‘De que precisam para nos deixarem passar [para a próxima etapa]?’”, recorda Mike Curtis, o director executivo da eGenesis. “Eles deram-nos um valor: 12 meses de sobrevivência num macaco. E eu pensei que estávamos claramente a avançar na direcção certa.”No entanto, a eGenesis não era a única a desejar a aprovação da FDA. A Revivicor, uma subsidiária da empresa de biotecnologia United Therapeutics, desenvolvera em simultâneo os seus próprios rins de porco modificados. Os métodos de engenharia utilizados pela eGenesis e pela United Therapeutics, empresa cotada em bolsa e considerada de utilidade pública, parecem semelhantes. Os cientistas de cada empresa começam por editar células fetais suínas a fim de eliminarem a expressão de antígenos perigosos, antes de clonarem as células através de transferência nuclear – técnica que produz embriões com uma composição genética compatível. “ O Sr. Slayman estava prestes a embarcar numa viagem por águas incertas. Eu podia tratar da navegação, mas o pioneiro teria de ser ele.”Winfred WilliamsOs embriões saudáveis são implantados em fêmeas, que parem ninhadas de bácoros com células editadas idênticas, mas é aqui que acabam as semelhanças na abordagem das duas imagens. A United Therapeutics elimina apenas quatro genes suínos, preferindo utilizar uma raça de porco chamada Landrace, devido à sua fertilidade e tamanho das ninhadas. A eGenesis faz 69 edições nas suas células,  62 das quais são eliminações e sete são acrescentos provenientes do genoma humano. E essas células têm uma origem diferente: a eGenesis prefere utilizar uma raça mais pequena chamada Yucatan, com órgãos de dimensão mais parecida com os do ser humano. Em Setembro de 2021, a NYU Langone foi autorizada pelos reguladores a transplantar um rim de porco editado pela United Therapeutics num paciente humano em morte cerebral. (Uma vez que um paciente em morte cerebral é legalmente considerado morto, o corpo foi assistido por um ventilador durante o procedimento.) Robert Montgomery realizou a cirurgia. “Passei a maior parte da minha carreira a tentar aumentar o número de dadores de órgãos vivos”, disse, lembrando que o número anual de dadores de rins vivos estagnou há 15 anos, mantendo-se na fasquia de seis mil nos EUA. “Foi difícil não considerar o transplante uma inovação. O entusiasmo era palpável. Eu também o senti.”Em Outubro de 2021, a universidade divulgou as notícias: o rim xenotransplantado fora ligado à coxa do paciente através de uma rede de vasos sanguíneos e começou a funcionar de imediato, criando urina durante quase três dias.Restava um passo decisivo: um teste num paciente vivo.“Foi difícil não considerar o transplante uma inovação. O entusiasmo era palpável. Eu também o senti.”Robert MontgomeryPoucas horas depois da última reunião de consentimento informado com Rick Slayman, no gabinete de Winfred Williams, as engrenagens começaram a girar nas instalações da eGenesis. Perante o olhar atento de Björn Petersen, o pequeno porco foi colocado na carrinha, que acelerou estrada abaixo até à via rápida.A viagem que se seguiu foi “uma dança logística”, resumiu Mike Curtis. Viajando para leste durante a noite, o porco chegou a um centro veterinário na zona ocidental do estado de Massachusetts. Ali, ambos os seus rins foram removidos pela equipa cirúrgica e o porco foi eutanasiado após a operação. Ao meio-dia, os órgãos tinham sido embalados numa caixa refrigerada e colocados na traseira de outra carrinha, desta vez com destino a Boston. No hospital, Rick Slayman – previamente submetido a um forte tratamento com imunossupressores – foi anestesiado e preparado para a cirurgia, enquanto a família aguardava ansiosamente na sala de espera. Às 13 horas do dia 16 de Março, a cirurgia começou.A partir do seu lugar no bloco operatório, Winfred Williams observou os colegas Leonardo Riella, director clínico de transplantes renais do Mass General, Tatsuo Kawai, que fizera o primeiro transplante renal de Rick Slayman alguns anos antes e trabalhara com Riella para obter as autorizações da FDA, e Nahel Elias, director cirúrgico de transplantes renais, enquanto faziam a cirurgia. Todos conheciam as dificuldades causadas pelo longo combate de Rick contra a doença renal e pela sua hipertensão. “Toda a sua anatomia vascular mudara”, resumiu Winfred. “Tinha os vasos sanguíneos muito calcificados e endurecidos e não podemos simplesmente abrir vasos calcificados e fazê-los funcionar. Temos de procurar a distribuição anatómica certa. Além disso, temos de nos lembrar de que o Sr. Slayman era um homem grande e que os vasos disponíveis para ligar o rim doado se encontravam mais ou menos nas profundezas da sua cavidade abdominal.”Nos dias que precederam a intervenção cirúrgica, Pia Slayman lembrou-se de quão confiante o pai estava em relação ao sucesso da cirurgia. Quando entrou na sala de recobro naquela noite, pegou na mão do pai e chorou de alívio. Embora compreendesse o significado histórico da cirurgia e o interesse que esta inspiraria nos jornalistas, Rick disse ao pessoal hospitalar que preferia manter-se longe dos holofotes. Animado e cheio de coragem, concordou em posar para algumas fotografias, juntamente com a família antes de regressar à casa que partilhava com a sua noiva, Faren Woolery.A semana seguinte foi complicada: poucos dias depois da cirurgia, Rick foi diagnosticado  com sintomas de rejeição aguda e tratado com aquilo que Williams descreveu com a mesma medicação anti-rejeição “que utilizaríamos num transplante humano comum”. O tratamento foi eficaz.“Ele vai entrar no panteão da História da medicina.”Winfred Williams dirigindo-se aos amigos e familiares de Rick SlaymanNo entanto, 51 dias após o transplante, Rick regressou para mais uma consulta. Os médicos repararam então em sinais de perda de volume – estava a perder mais nutrientes e fluidos do que absorvia. Foram-lhe administrados fluidos por via intravenosa de forma a melhorar o volume de líquidos “e recebeu uma infusão de magnésio para lidar com alguns níveis baixos”, explicou Winfred.Nesse mesmo dia, Rick e Faren saíram do hospital e foram às compras perto de sua casa, na cidade de Weymouth. Pararam em duas lojas. Rick acompanhou a noiva na primeira, mas pediu-lhe para não o fazer na segunda. Não lhe apetecia. Nessa noite, depois de jantarem e verem televisão juntos, o casal foi deitar-se. No quarto, Faren reparou que Rick parecia sofrer dificuldades respiratórias, respirando de forma superficial, por volta das 23h30.Por volta da meia-noite, Rick sofreu uma paragem cardíaca. Faren ligou para as urgências e contactou depois Winfred Williams, que direccionou a equipa de emergência médica para conduzir Rick às urgências hospitalares mais próximas. O médico correu ao seu encontro, no Hospital South Shore, em Weymouth, mas os seus esforços não foram suficientes: Rick Slayman faleceu na madrugada de 11 de Maio, aos 62 anos.Nas horas que se seguiram à sua morte, a família reuniu-se com Winfred Williams em South Shore para ser informada sobre o sucedido. O irmão e a noiva de Rick participaram na reunião. O médico explicou que era fundamental perceberem o que acontecera, dado o seu estado de saúde relativamente saudável mais cedo, naquele mesmo dia. Depois de telefonar à mãe de Rick, a família autorizou a realização de uma autópsia. Os resultados que foram publicados no início deste ano revelaram que o problema fora o coração, não o rim. “Aquilo que achamos que aconteceu é que, devido à sua doença cardíaca grave, ele padecia de arritmia e teve um episódio que conduziu à sua morte”, resumiu o médico.O tecido do rim estava saudável e, embora houvesse “evidências residuais” dos sintomas iniciais de rejeição “não ocorrera uma insuficiência renal aguda que pudesse ter causado o falecimento do Sr. Slayman”, disse Winfred Williams. “Em suma, o xeno-enxerto estava a funcionar razoavelmente bem.”É claro que pode ser difícil ver as coisas dessa forma, tendo em conta que as pessoas que recebem rins de dadores humanos mortos podem viver 12 anos e as pessoas que recebem um órgão de um dador vivo podem viver até duas décadas. Rick Slayman viveu menos de dois meses, com algumas intervenções médicas pelo meio. E Lisa Pisano, que, em Abril de 2024, se tornou a segunda paciente viva a receber um rim de porco modificado – no seu caso, da United Therapeutics – faleceu três meses após o transplante devido a problemas cardíacos.Robert Montgomery, que chefiou a equipa cirúrgica de Pisano, lembrou que “os pacientes à beira da morte, que tentamos salvar com uma tecnologia nova em folha, ainda em aperfeiçoamento, não são bons indicadores do sucesso da ciência a longo prazo. Estamos a lidar com o mais difícil dos cenários”.Vários dias após o falecimento de Rick Slayman, Winfred Williams foi convidado a falar no seu funeral, realizado numa igreja baptista de Milton, no estado de Massachusetts. Não sabia como seria recebido. A sua mente recuou até ao legado persistente das experiências de Tuskegee. “Quando entramos neste tipo de congregação, nunca sabemos como vamos ser recebidos porque pode existir a suspeita, mesmo que não verbalizada, de que fizeram experiências com este indivíduo porque é isso que fazem às pessoas negras”, lembrou.Na igreja, toda a equipa médica de Rick Slayman se juntou a Williams e ele iniciou o seu discurso apresentando Tatsuo Kawai. Os receios sobre a forma como seriam recebidos desapareceram de imediato. “Antes de eu acabar de dizer o nome completo dele, a congregação levantou-se e aplaudiu de pé. Aquela energia foi simplesmente inacreditável.” Contando-me o que disse à igreja cheia de gente, Williams conteve as lágrimas. “Ele vai para o panteão da história da medicina. Queria que soubessem que ele dera novas esperanças a pacientes em todo o lado.”Após as intervenções cirúrgicas de Rick Slayman e Lisa Pisano, a eGenesis e a United Therapeutics, juntamente com hospitais de todo o país, receberam uma torrente de pedidos de pacientes há anos em listas de espera por rins humanos. Não interessava que os reguladores da FDA ainda só autorizassem ensaios de acesso alargado. As notícias dos transplantes tinham aberto as comportas. “As pessoas queriam acesso”, recorda Mike Curtis. “Se a sua saúde já está em declínio, por que teriam de esperar?”Mike Curtis só era capaz de responder com a verdade: a eGenesis trabalhava o mais arduamente possível para fazer a tecnologia chegar a mais pacientes. “Expliquei muitas vezes que queremos todos o mesmo, mas queremos fazê-lo bem”, contou. E fazê-lo bem exigiria a aprovação para ensaios clínicos com pacientes saudáveis, acrescentou. Pacientes como Tim Andrews.Antigo gerente de supermercado nascido em Concord, no estado de New Hampshire, Tim, de 67 anos, submetia-se a tratamentos de diálise três vezes por semana há dois anos – procedimento que demorava com frequência seis horas, incluindo a viagem e o tempo de preparação, e o deixava fraco e exausto. Quando falei com ele sobre as dificuldades de diálise, lembrou-me que o seu apetite desaparecia e que a náusea era quase constante. Começou a confrontar a provável realidade de nunca receber um órgão humano e de ter de repetir esta rotina emocionalmente esgotante para o resto da sua vida. Tal como acontecera a Rick Slayman, essa ideia era assustadora.Contudo, no final de Agosto do ano passado, deram-lhe a oportunidade de realizar um xenotransplante no Hospital Geral de Massachussets, no âmbito de um ensaio da eGenesis com três pacientes, autorizado pela FDA. Caso concordasse, teria a possibilidade de começar de novo. Teria, nas suas palavras, “uma segunda oportunidade”. A sua família estava desconfiada: a irmã, enfermeira, advertiu-o sobre os riscos. Mas ele mostrou-se decidido.“Não é assim que quero partir – quero fazer algo”, lembra-se Tim de ter dito. “Sabia que poderia morrer de imediato. Expliquei à equipa do hospital que, se morresse mas permitisse que aprendessem algo, valeria a pena. E se não morrer e conseguir dar esperança às pessoas, isso é o que o que eu realmente desejo.”Em Janeiro, Tim submeteu-se ao transplante, realizado por uma equipa cirúrgica de novo chefiada por Tatsuo Kawai. Saiu do hospital radiante, com a mulher, Karen, a seu lado. Nada era garantido, ele sabia. Mesmo assim, obtivera aquilo que esperava: um novo crédito da vida. “Cada dia é um dia novo”, disse.Segundo uma recente notícia da Nature, sua recuperação, para já, progrede em conformidade com o plano estabelecido. Treina num ginásio duas vezes por semana, leva com regularidade o braco alemão a passear e ajuda a mulher em casa, aspirando o chão. Se tudo continuar a correr bem, no próximo ano o casal viajará de avião para visitar os parentes dela, no Norte de Itália.Enquanto recupera a energia, Tim tenta também inspirar as dezenas de milhares de pessoas afectadas pela crise de doação de órgãos. “Se eu morrer e vocês tiverem aprendido algo, então seja. E se eu não morrer e conseguir dar esperança às pessoas – isso é o que eu realmente desejo.”Tim andrewsTodas as quartas-feiras à noite, encontra-se na Internet com um grupo de apoio para pacientes de transplantes, que se apoiam mutuamente. Como é natural, perguntam-lhe sobre o seu rim de porco. “Quero dar essa esperança a todas as pessoas que estão a fazer diálise ou a lutar contra a doença renal”, disse.A fuga à diálise e o revigoramento total do corpo são o futuro para Tim e, potencialmente, para mais dezenas de pessoas ao longo dos próximos anos, caso os ensaios clínicos se alarguem a 50 pacientes, conforme planeado. E tanto ele como Mike Curtis reconhecem que nada disto seria possível sem Rick Slayman e Lisa Pisano, que provaram que o potencial dos rins geneticamente modificados era mais do que hipotético – uma solução real que valia a pena perseguir.“Para aqui chegarmos, devemos muito a pessoas corajosas como o Sr. Slayman e todos os cientistas sobre cujos ombros nos erguemos”, resumiu o executivo da eGenesis. “Tivemos a sorte de entrar nesta área quando entrámos, porque beneficiámos de décadas de progresso e investigação e combinámo-las para tornar isto realidade. Quase temos de nos beliscar para confirmar que não estamos a sonhar. Mas aqui estamos.” Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2025 da revista National Geographic.

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A Segunda Guerra Mundial musealizada, de Inglaterra aos EUA

A Segunda Guerra Mundial, que acabou há 80 anos, foi um acontecimento histórico que definiu uma geração. Dezenas de milhares de pessoas combateram uma opressão brutal e um Holocausto inimaginável. Actualmente, o mundo recorda-as através de exposições dedicadas aos seus sacrifícios. Perguntámos a historiadores especializados em história militar quais os seus preferidos e compilámos esta lista com quatro dos melhores museus dedicados à Segunda Guerra Mundial no mundo (três na Europa e um no outro lado do Atlântico). Imperial War Museums, Londres, InglaterraEste conjunto de museus sublinha o papel desempenhado pela Grã-Bretanha em várias guerras ao longo dos séculos, com especial incidência na Segunda Guerra Mundial. Os destaques incluem inúmeros artefactos, fotografias, filmes e um arquivo sonoro de entrevistas com pessoal das Forças Armadas que combateu na guerra e civis que sobreviveram ao Blitz, a campanha de bombardeamento alemã que atacou cidades britânicas.É bom saber: As Churchill War Rooms, o bunker subterrâneo do primeiro-ministro, a IWM Duxford, onde os icónicos caças britânicos Spitfires ainda voam numa base preservada da Royal Air Force a norte de Londres, e o H.M.S. Belfast, um cruzador ligeiro restaurado da Royal Navy, atracado no rio Tamisa.Museu de Auschwitz-Birkenau, Więźniów Oświęcimia, PolóniaO museu e memorial de Auschwitz-Birkenau é simultaneamente deslumbrante e perturbador. Situado no antigo campo de concentração e extermínio, foi aqui que os nazis executaram 1,1 de pessoas, na sua maioria judeus, durante o Holocausto. Os nazis mataram 6 milhões de judeus no total. Património da Humanidade, preserva as casernas, os blocos de prisão e os sítios onde as pessoas eram mortas, bem como os pertences das vítimas.É bom saber: Poucas coisas são mais impressionantes do que a Câmara de Gás I, onde foram mortas as primeiras pessoas, em 1940. Igualmente alarmante é a reconstruída Parede da Morte, onde os soldados das SS executaram vários milhares de prisioneiros políticos.Museu do Ar, Sainte-Mère-Eglise, FrançaSituado na Normandia, o Museu do Ar examina a história dos paraquedistas, sobretudo dos norte-americanos no Dia D. Este museu reproduz a experiência de saltar de pára-quedas de um avião e explica, em pormenor, as dificuldades enfrentadas pelas 82ª e 101ª Divisões Aéreas durante a invasão de França.É bom saber: Sainte-Mere-Eglise foi a vila francesa libertada no dia 6 de Junho pela 82ª Divisão Aérea. Os visitantes do Museu do Ar podem andar dentro de um avião de transporte e de um planador militar Waco – ambos transportaram tropas para a Normandia no Dia D.Museu Internacional da Segunda Guerra Mundial, South Kingstown, Rhode Island, EUAEste pequeno museu é considerado o segredo mais bem guardado devido à sua impressionante colecção e capacidades narrativas. Contém mais de 6.000 artefactos, incluindo a pá que Hitler usou para inaugurar oficialmente a construção da Autobahn (a rede alemã de auto-estradas), discursos originais de Mussolini, um “boneco” paraquedista largado no Dia D e um gancho utilizado pelos rangers do exército dos EUA em Pointe-du-Hoc, em Omaha Beach.É bom saber: As exposições documentam as frentes de batalha na Europa e no Pacífico, o Dia D e a Batalha das Ardenas. Os visitantes também podem assistir a filmes premiados sobre a guerra produzidos pela fundação do museu.Adaptação de artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Amarelo aéreo

Esta imagem aérea foi tirada com um drone na região de Saskatchewan, no Canadá, e para além da curiosa formação de água no centro, o que mais chama a atenção é a cor vibrante das culturas à sua volta.Os campos que vemos são de colza ou couve-nabiça (Brassica napus), uma planta de flores amarelas cultivada em todo o mundo para alimentação animal, óleos vegetais para consumo humano e produção de biodiesel. O Canadá é um dos principais produtores, juntamente com os Estados Unidos, a Austrália e a União Europeia.

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Estas ameaças ao oceano estão a mudar o planeta

Muitas são as ameaças aos oceanos, e a maioria diz-nos respeito, a nós, humanos. Oitenta por cento da poluição marinha tem origem em actividades terrestres, responsáveis por alterações rápidas em ecossistemas marinhos inteiros.Os oceanos cobrem 70 por cento da superfície terrestre e proporcionam enormes benefícios ao planeta. Para além de fornecer abrigo e alimento, cerca de metade do oxigénioque respiramos vem do oceano. Segundo as Nações Unidas, o oceano é também o principal regulador do clima e uma das maiores ferramentas do planeta para a captura das emissões de dióxido de carbono e do excesso de calor.No entanto, existe um limite para a quantidade de calor que os oceanos conseguem absorver. O aquecimento global está a causar alterações na química dos oceanos e muitos dos seus processos. Está a ameaçar muitas espécies de animais marinhos que não conseguem lidar com as temperaturas mais altas. A sobrepesca, as espécies invasoras, os derrames petrolíferos e a poluição por plástico estão a contribuir para o declínio da saúde dos nossos oceanos.Mas existem soluções. Os conservacionistas defendem a criação de vastas reservas marinhas para proteger a biodiversidade marinha. Outros estão a encontrar formas de reduzir as práticas de pesca destrutivas. Descubra as maiores ameaças enfrentadas pelo oceano e como as mitigar.Principais ameaças1. Aquecimento globalA combustão generalizada de combustíveis fósseis, como o carvão e o petróleo, está a aumentar a temperatura média do planeta e do oceano. Glaciares, calotas de gelo polares e mantos de gelo estão a derreter devido a essas emissões de gases com efeito de estufa, causando um aumento dos níveis do mar e ameaçando as populações costeiras. Aproximadamente 40 por cento da população mundial vive a menos de 100 quilómetros da orla costeira e apenas 15 por cento dessas zonas estão ecologicamente intactas.2. PesticidasOs químicos utilizados na agricultura são bons para matar insectos, mas também prejudicam a vida marinha. Pesticidas como os neonicotinóides foram associados ao colapso de um banco de pescas no Japão. O escoamento de águas da superfície terrestre e a deriva de pulverização dos pesticidas utilizados nas explorações agrícolas podem resultar na chegada destes produtos fitossanitários às águas costeiras, onde consomem oxigénio, matando plantas marinhas e marisco.3. Resíduos industriais As fábricas descarregam águas residuais, químicos tóxicos e até lixo nos oceanos, causando danos consideráveis à vida marinha. Além disso, libertam dióxido de carbono em excesso na atmosfera, que é absorvido pelo oceano, causando acidificação e episódios de branqueamento de corais. As águas residuais das fábricas contendo nitrogénio e fósforo podem causar inflorescências de algas que impedem a luz solar de alcançar as plantas marinhas.4. Derrames petrolíferosEmbora as estações de tratamento de águas residuais descarreguem até o dobro do petróleo derramado anualmente por navios petrolíferos, os derrames de grandes dimensões são considerados desastres ambientais que podem ter décadas de impactos negativos.Os derrames petrolíferos não só prejudicam os animais, asfixiando-os, como causam problemas de saúde aos peixes, desde defeitos congénitos a abrandamento da velocidade natatória, sobretudo nos peixes jovens.5. Poluição atmosféricaOs poluentes aéreos são responsáveis por quase um terço dos contaminantes e nutrientes tóxicos que chegam às áreas costeiras e aos oceanos. Apesar de anos de progressos, a qualidade do ar continua a piorar devido a vários factores, incluindo incêndios florestais mais extremos, que são mais tóxicos do que se pensava. O aumento da poluição atmosférica torna os oceanos mais ácidos, matando corais e inibindo muitas espécies marinhas de desenvolverem conchas e esqueletos.6. Espécies invasoras Algas venenosas e inúmeras plantas e animais invasores entram nas águas portuárias e desregulam o equilíbrio ecológico. Uma das formas de acesso das espécies invasoras a locais onde não pertencem é através da água de lastro. Os navios deixam entrar água para flutuarem e equilibrarem-se melhor e esta pode conter animais marinhos, que são posteriormente libertados em portos distantes, onde podem ter um impacto negativo na cadeia alimentar.7. SobrepescaSegundo um relatório da Organização para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas, estima-se que o número de stocks piscícolas pescados em excesso tenha triplicado em 50 anos. Embora a sobrepesca em geral tenha desacelerado em todo o mundo, ainda não atingiu níveis adequados de sustentabilidade.8. Poluição por plástico A produção de plásticos descartáveis aumentou para níveis assombrosos, fazendo com que a poluição por plástico seja um dos maiores riscos ambientais da actualidade. É um problema que existe em todas as partes do mundo, com efeitos particularmente nocivos no oceano.Todos os anos, 8 milhões de toneladas de plástico vão parar ao mar. Os resíduos plásticos prejudicam mais de 2.000 espécies de animais selvagens, a maior parte dos quais morrem emaranhados no plástico ou de fome, por o terem ingerido. Os químicos nocivos dos plásticos também podem chegar às águas.Soluções para proteger o oceano1. Criar Áreas Marinhas Protegidas O oceano pode parecer grande, mas apenas 8 por cento da sua área está protegida. As áreas de protecção marinha (APMs) são parcelas do oceano que os governos destacaram para conservação a longo prazo.A criação de mais parques e reservas (igualmente designadas áreas de conservação marinha ou santuários) pode contribuir para proteger a vida selvagem e os habitats marinhos de ameaças como a sobrepesca e a poluição.2. Reduzir as práticas de pesca destrutivaA pesca de arrasto não só destrói os ambientes marinhos e liberta dióxido de carbono como pode causar capturas acidentais. Alternativas como as redes de emalhar podem ser melhores para os habitats marinhos, mas têm outros impactos negativos. Os cientistas estão a estudar métodos menos invasivos, como utilizar inteligência artificial para identificar zonas para a pesca de arrasto e desenvolver equipamento menos danoso para esta prática.3. Promover a conservação localApoiar os pescadores de pequena escala ajuda-os a manter o seu sustento e reduz o impacto ambiental nos oceanos. Inclui-los nos processos de tomada de decisões também pode ter um grande impacto na protecção dos nossos oceanos a longo prazo.Os esforços de conservação costeira e a “ciência voluntária” podem ajudar a promover a saúde dos oceanos em áreas específicas.4. Minimizar a utilização de sonares militares Os sonares militares podem prejudicar ou matar baleias e outros mamíferos marinhos. Os sonares e outros sons podem obrigar os animais a saírem das suas zonas de alimentação, causar-lhes stress e até perda de audição. Nos últimos anos, a marinha dos EUA, por exemplo, instituiu práticas de sonar que ajudam a diminuir os impactos negativos na vida marinha. Estas práticas incluem reduzir ou desligar os sonares quando são avistados animais marinhos.5. Impedir capturas acidentais Outra forma de ajudar a proteger os oceanos é implementando medidas que reduzam o número de animais marinhos capturados acidentalmente. Métodos como a colocação de luzes LED verdes nas redes de emalhar pode ajudar a impedir a captura de tartarugas marinhas.Financiar equipamento de localização e monitorização também contribui para criar novas formas sustentáveis de diminuir ou impedir as capturas secundárias.6. Reduzir a poluiçãoSejam químicos tóxicos presentes na atmosfera ou escoamento de pesticidas agrícolas, as várias formas de poluição causam danos vastos à saúde dos nossos oceanos. Embora grande parte do trabalho para diminuir a poluição seja feito pelos governos e pelas indústrias, os indivíduos podem contribuir de várias formas, desde substituírem os plásticos de utilização única no dia a dia a fazerem escolhas mais responsáveis de peixes para a sua alimentação.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Fotogaleria: as guardiãs invisíveis da floresta

O fotógrafo de vida selvagem Ingo Arndt descobriu o seu primeiro formigueiro gigante quando era criança, há quase 50 anos, enquanto explorava a floresta com o pai, perto de casa, na Alemanha. Procuravam aves e, ao contornarem uma curva numa zona densamente arborizada, depararam com um monte com 1,5 metros de altura, sobressaindo da terra como uma enorme estalagmite. O monte estava coberto por uma camada espessa de agulhas de espruce e por hordas de minúsculas formigas vermelhas.Ingo quis investigar mais, mas um odor particularmente intenso levou-o a repensar esse impulso. O ar estava denso e pungente, picando-lhe as narinas como se fosse vinagre. “Durante toda a minha vida, lembrei-me muitas vezes daquele cheiro”, diz.Na idade adulta, Ingo tem passado parte dos seus dias em missões para fotografar animais como os pumas da Patagónia e os cangurus na Austrália. Há alguns anos, mudou-se para a região rural da Alemanha, com a mulher. Enquanto caminhava pelas florestas de coníferas da região, o ambiente em redor reacendeu o seu fascínio pelos formigueiros e pelos seus exércitos de pequenos engenheiros. Como era possível que insectos com meio centímetro de comprimento tivessem construído estruturas tão grandes? E por que razão emanavam aquele odor acre?Ingo dispunha agora das ferramentas e da experiência necessárias para procurar respostas. Equipado com uma câmara de alta resolução e com lentes macro, começou a fotografar os formigueiros e a partilhar as suas imagens com investigadores, em busca de uma perspectiva científica. Descobriu que os artífices dos formigueiros eram de facto especiais. As formigas-vermelhas-da-madeira (pertencentes ao género Formica) são uma das mais pequenas de todas as espécies consideradas fundamentais.Entre os conservacionistas, espécies fundamentais como os elefantes e os tubarões são observadas de perto porque os seus comportamentos afectam tantos aspectos dos seus ecossistemas que, se desaparecessem, estes teriam grandes dificuldades em adaptar-se. As formigas-vermelhas-da-madeira vivem por norma nas florestas temperadas e boreais da Eurásia. Nas últimas décadas, porém, um número crescente de formigueiros tem desaparecido, à medida que as florestas têm sido vítimas de abate madeireiro, da urbanização e dos fogos florestais, da seca e das temperaturas elevadas, que se tornaram cada vez mais frequentes devido às alterações climáticas. A situação levou vários países a classificá-las como espécie protegida.Agora, a missão fotográfica de Ingo Arndt ganhou um novo significado. As imagens que ele tem vindo a produzir nos últimos dois anos mostram a fascinante capacidade destes animais para criarem uma miríade de relações simbióticas com uma enorme variedade de espécies de plantas e de animais. Ao fazê-lo, Ingo revela as maravilhas de um mundo oculto de insectos.Estes enormes formigueiros são compostos por duas partes, uma acima do solo e outra subterrânea, escavada e montada com agulhas, folhas, casca e galhos das árvores. À medida que crescem, os formigueiros adquirem novas entradas e corredores, albergando populações variáveis de 30 mil a mais de 16 milhões de insectos. São os maiores formigueiros construídos acima do solo por qualquer espécie de formiga no mundo.Para aprender mais sobre esta sociedade escondida, Ingo pediu ajuda ao entomólogo Bernhard Seifert, do Instituto de Investigação do Museu de História Natural Senckenberg, em Frankfurt, e ao zoólogo Jürgen Tautz, professor emérito da Universidade Julius Maximilian, em Würzburg. Os investigadores ajudaram a explicar como as imagens documentavam a forma como as formigas dirigem a vida na floresta de modo surpreendente.Um desses processos é a produção de ácido fórmico numa glândula de veneno localizada na secção posterior do abdómen. À medida que constroem o ninho, os insectos recolhem resina de árvores com propriedades antimicrobianas e pulverizam-no com o seu ácido, que também possui as suas próprias propriedades antimicrobianas. O resultado é um agente mais potente, que as formigas aplicam em toda a estrutura para combaterem os agentes patogénicos bacterianos e fúngicos. O ácido fórmico reforça igualmente o papel de controlo de pragas desempenhado pela espécie. O líquido pode funcionar como arma para eliminar outros insectos, entre os quais o escaravelho-madeireiro, uma das pragas mais destrutivas das florestas de espruce. A táctica de combate consiste em “morder os escaravelhos e, em seguida, pulverizar as feridas com ácido fórmico”, explica Bernhard. Ao reduzirem o número de escaravelhos que enfraquecem e destroem as árvores, as formigas melhoram as condições de vida dos afídeos que nelas vivem. As formigas “ordenham” os afídeos, levando-os a excretar melada, que se torna a sua principal fonte de alimento. Recorrendo a armadilhas fotográficas, Ingo também captou animais maiores a fazerem, voluntariamente, fila para serem pulverizados. Numa imagem eloquente, vemos um gaio-comum a aterrar num formigueiro, achatando calmamente a cauda para permitir que as formigas trepem e ataquem. “As formigas pulverizam os gaios como se fossem inimigos”, explica Jürgen. Embora as aves pareçam não ser afectadas, a toxina é suficientemente forte para afastar ou eliminar ácaros e piolhos, de que são portadoras. Este comportamento ajuda muitas espécies de aves a manterem-se saudáveis. Alguns hóspedes não convidados que estejam dispostos a cheirar mal obtêm outras vantagens. Como insectos sociais, as formigas organizam colónias e formam sociedades complexas, mas também coabitam nos formigueiros com uma grande variedade de espécies, entre as quais ácaros, aranhas e moscas. Um dos possíveis truques deverá ser a pulverização de alguns destes intrusos com um odor familiar.Se um escaravelho faz uma postura sobre o formigueiro, as formigas operárias podem inadvertidamente transportar os ovos para dentro do ninho, enquanto recolhem outros materiais. “As larvas vivem lá dentro”, explica Ingo. Os ovos, depois as larvas e, por fim, as pupas, partilham todos o odor do ninho. É assim que escapam à detecção pelas anfitriãs e exploram o abrigo para sobreviverem. Num estudo recente, os investigadores confirmaram que, em média, mais de uma dezena de espécies diferentes podem ser encontradas dentro de um único formigueiro.O projecto de Ingo Arndt ilustra as formas surpreendentes como estas criaturas, tantas vezes subestimadas, influenciam a vida que se movimenta em torno delas. Embora ele se esforçasse para não perturbar a espécie protegida, por vezes as formigas tinham ideias diferentes e aproveitavam para apanhar boleia com ele. “Quando jantava ao ar livre, elas apareciam e subiam para as minhas calças”, lembra. “Mas eu tentava sempre devolvê-las ao formigueiro.” A floresta precisa da sua força colectiva.Veja abaixo a fotogaleria preparada pelo fotógrafo Ingo Arndt:Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2025 da revista National Geographic.

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As seis melhores “road trips” para descobrir a Nova Zelândia

Em Aotearoa (o nome maori da Nova Zelândia, que costuma traduzir-se como “a terra da grande nuvem branca”), a vida corre mais devagar. Por isso, a melhor forma de desfrutar do país é deslizando, sem pressa, pelas suas estradas.Na selvagem Ilha Sul, sucedem-se cordilheiras, formações rochosas impossíveis, vinhas e enclaves onde é possível avistar baleias. Na Ilha Norte, por outro lado, a viagem decorre em volta de vulcões extintos, praias distantes, poças termais e reservas marinhas transbordantes de vida, com paragens em aldeias rurais muito carismáticas. Estas são seis das melhores rotas rodoviárias para conhecer a Nova Zelândia.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Quem eram os mongóis?

Os mongóis eram conhecidos pela guerra, mas aclamados pela paz produtiva. Habitantes humildes das estepes, os líderes mongóis dominaram a tecnologia mais avançada do seu tempo. A encarnação dessas tendências ajudou a transformar o Império Mongol no segundo maior reino de todos os tempos.No seu auge, o Império Mongol abrangeu o maior território contíguo da história. Liderado inicialmente por Gengis Khan, o império durou do século XIII ao XIV. Durante essa época, estendeu-se sobre a maior parte da Eurásia graças a tecnologia avançada e a umagigantesca horda de exércitos mongóis nómadas.A ascensão de Gengis KhanO Império Mongol foi fundado em 1206, quando Temüjin, filho de um chefe, subiu ao poder e mudou o seu nome para Chinggis Khan (alterado para “Gengis Khan” no Ocidente, que significa “dirigente universal”).O jovem guerreiro já derrotara o líder mais poderoso dos mongóis e fomentara a insatisfação entre a aristocracia do seu povo. No entanto, ele não foi apenas mais um grande cã (khan), mas um dos maiores líderes da história.Na altura, as tribos nómadas da Mongólia dependiam da terra para o seu sustento. Os seus rebanhos de cabras e ovelhas e manadas de cavalos e outros animais dependiam da abundância de erva e água e os mongóis tinham de viajar frequentemente para alimentá-los. A seca e a doença poderiam pôr um fim rápido ao seu sustento.Gengis Khan contribuiu para aliviar esta sensação de precariedade. Uniu as tribos da Mongólia e apoiou a economia camponesa da China, estabilizando os impostos e criando cooperativas rurais.Reformou as leis que governavam o seu povo e instituiu uma forma de governo feudal-militar. Apoiou o comércio e a liberdade religiosa e adoptou tecnologia avançada da sua época, como estribos, arcos compostos, armaduras em cabedal e pólvora.Os guerreiros fiéis de Gengis Khan eram recompensados pela sua lealdade e tornaram-se o exército mais bem-sucedido do seu tempo.Expansão do Império MongolO seu sucesso assentou numa nova e complexa estrutura militar e novas tácticas militares, como tempestades de setas, acumulação de arsenais enormes, investidas recorrentes de ataque e fuga, cercos prolongados e guerra psicológica.Os guerreiros contavam com a ajuda de novas tecnologias como os estribos (que se tornaram um símbolo de estatuto) e inovações tácticas e tecnológicas que aprenderam com os povos que conquistaram ao longo de várias campanhas militares.Segundo a sabedoria tradicional, os mongóis começaram a expandir o seu império devido às condições inóspitas da sua terra natal, nas estepes da Ásia Central. No entanto, estudos mais recentes sugerem que o império teve um aliado inesperado: o clima.Os investigadores acham que as hordas mongóis poderão ter prevalecido inicialmente devido a um período de 15 anos de condições climatéricas amenas, com humidade acima da média, que deram origem a erva abundante para os seus cavalos e melhores condições para a criação de gado.Como foram derrotados os mongóis A morte de Gengis Khan, em 1227, acabou por condenar o Império que ele fundara. A sua morte assinalou o fim de um vasto império que prosperou durante 162 anos de expansão agressiva. No auge do seu império, os mongóis controlavam 31 milhões de quilómetros quadrados na maior parte do mundo então conhecido.Apesar de ter a reputação de travar guerras brutais, o Império Mongol implantou a paz, a estabilidade, o comércio e a protecção de viagens durante um breve período conhecido como Pax Mongolica, ou Paz Mongol, que se estendeu desde 1279 até ao final do Império.As divergências entre os sucessores acabaram por dividir o Império em quatro canatos principais. Em 1368, todos tinham soçobrado, dando lugar à dinastia Ming.Os feitos dos mongóisO Império Mongol ganhara a reputação de destruir os seus inimigos e “espalhava o terror e o pânico, pois as notícias das cidades que tinham destruído precediam-no”, escreveu a historiadora Diana Lary, professora emérita da Universidade da Colúmbia Britânica.Ela diz que os mongóis desencadearam grandes migrações, não apenas de pessoas deslocadas, mas também de pessoas que pretendiam fugir a ataques futuros. As memórias desses ataques permaneceram na imaginação das gerações futuras durante muito tempo.Mas o Império Mongol deixou também outros legados: a Rota da Seda e a sua história de comércio, desenvolvimento culturale o potencial de uma era moderna caracterizada pela união de povos díspares e uma paz relativa.Através da figura Gengis Khan, o Império Mongol também deixou a marca indelével de um dos maiores líderes militares da história.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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O fogo sagrado do Hawai

Na costa norte da ilha Molokaʻi, no arquipélago do Hawai, erguem-se algumas das falésias marítimas mais altas do planeta, com paredes que se elevam a mais de 900 metros acima do oceano. Ao pôr-do-Sol, o Sol ilumina estas muralhas basálticas com tons de laranja e roxo, enquanto a névoa salina sobe como um véu das ondas em quebra.A origem deste espectáculo está ligada à história vulcânica do arquipélago: antigos fluxos de lava, seguidos por deslizamentos massivos e milhões de anos de erosão marinha e pluvial, esculpiram estas paredes que protegem a península de Kalaupapa e vales suspensos repletos de vegetação. Quando as nuvens carregadas pelo alísio ficam presas nos cumes, a humidade alimenta florestas húmidas e cascatas sazonais que caem sobre o Pacífico. Com o pôr-do-Sol, esse contraste entre rocha escura, água em suspensão e vegetação brilhante transforma a geologia num espectáculo puro.

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Jennifer Uchendu destaca o impacto emocional das alterações climáticas

Há muitos anos que a activista Jennifer Uchendu alerta os seus compatriotas nigerianos para os perigos iminentes das alterações climáticas, mas demorou a aperceber-se de um assunto relacionado que escapara à sua atenção. Em poucas palavras, sentia-se cada vez mais ansiosa e sobrecarregada.Os habitantes do hemisfério sul estão a sentir alguns dos efeitos mais dramáticos das alterações climáticas – traduzidos em cidades alagadas, terrenos de cultivo ressequidos pela seca ou ondas insuportáveis de calor –, muitas vezes sem terem contribuído significativamente para o problema. Jennifer, que trabalhava como consultora de sustentabilidade em comunidades locais e criara um blogue chamado SustyVibes para ajudar os jovens a reduzirem a sua pegada de carbono, sentia que não conseguiria fazer a diferença com rapidez suficiente.Os líderes internacionais pareciam não levar a sério os desafios enfrentados pela sua comunidade. “Comecei com uma mentalidade afectada pela raiva e pela frustração”, diz. “Pensei que, ou fazia o trabalho difícil de explorar estas emoções, ou desistia por completo e mudava de vida.”Em 2020, Jennifer teve uma ideia. Lançou um projecto para explorar reacções emocionais às alterações climáticas na sua comunidade. O Projecto Eco-Ansiedade em África (Eco-Anxiety in Africa Project na versão ori-ginal, ou TEAP), é uma organização sediada em Lagos (Nigéria) que ajuda os jovens africanos a encontrarem-se e conversarem sobre aquilo que sentem em relação às alterações climáticas. Dois anos mais tarde, a TEAP abriu um café nos seus escritórios, proporcionando um espaço de encontro.Os líderes da TEAP pretendem inspirar as mais de setecentas pessoas que se juntaram ao projecto. Quer o objectivo seja plantar árvores ou reduzir a conta da electricidade, as conversas entre os membros exploram as dificuldades que cada um atravessa. “Na Nigéria, apesar de nos termos juntado por culpa das alterações climáticas, não é descabido alguém falar sobre desemprego ou sobre o preço elevado da comida, porque achamos que estas são as consequências mais abrangentes do problema”, diz Jennifer.Esta empreendedora já exportou o modelo para outros estados da Nigéria e planeia formar activistas para criarem espaços semelhantes na África do Sul, no Gana e no Quénia. Entretanto, conduz investigação sobre o impacte emocional das alterações climáticas nos residentes das grandes cidades  africanas, na Universidade de Nottingham, em Inglaterra, com a qual espera tornar mais abrangente a consciencialização sobre o problema. Do seu ponto de vista, é essencial proporcionar um espaço para os jovens africanos conversarem sobre a sua ansiedade ecológica para forjar um futuro melhor. “Se os jovens se sentirem impotentes e incapacitados, não teremos apenas uma crise de saúde pública, mas uma catástrofe para as alterações climáticas”, diz. “Precisa-mos de energia para agir.”  É outro recurso valioso a proteger.Artigo publicado originalmente na edição de Abril de 2025 da revista National Geographic, incluído no dossier "Os 33 da National Geographic" (aqui adaptado e integrado na série "Os novos pioneiros da National Geographic")

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Onde devem os arqueólogos escavar em seguida? Os vencedores de um concurso promovido pela OpenAI oferecem algumas pistas

Enterrados nas profundezas de milhões de quilómetros quadrados de floresta tropical densa na Amazónia, poderão existir dezenas de milhares de sítios arqueológicos escondidos, onde ferramentas líticas e pinturas rupestres são testemunhos de civilizações que existiram em datas tão recuadas como há 13.000 anos.No entanto, a floresta densa cobre nove países e é o lar de centenas de grupos indígenas na actualidade – é demasiado vasta e frequentemente difícil de sondar fisicamente em busca de sítios ocultos. Os investigadores procuram cada vez mais a ajuda de novas tecnologias como a inteligência artificial e a aprendizagem automática.Foi por isso que dois arqueólogos colaboraram recentemente com a OpenAI, a empresa por trás do ChatGPT, para avaliar um concurso público que encorajou entusiastas da tecnologia a analisarem grandes quantidades de imagens de satélite e dados recolhidos por sensores remotos em busca de sinais de sítios arqueológicos por descobrir.A equipa vencedora, composta por três pessoas, anunciada pelo Desafio OpenAI a Z recentemente, descobriu 67 áreas na Amazónia, cada uma com cerca de 2,5 quilómetros quadrados, que pensa conter sítios antigos com valor histórico e potenciais pontos de partida para trabalhos de campo. Os juízes incluíam a egiptóloga Sarah Parcak, e o arqueólogo especialista em Mesoamérica Chris Fisher.A equipa vencedora, que se autodenomina “Black Bean”, treinou modelos de aprendizagem profunda com vários conjuntos de dados de acesso público, incluindo dados recolhidos por sensores remotos LiDAR e imagens de satélite do Google Earth Engine, bem como modelos digitais de elevação da NASA, entre outros. A equipa diz que utilizou, em seguida, o modelo GPT-4o da OpenAI para descobrir o padrão dos sítios arqueológicos conhecidos na floresta amazónica e compará-los com zonas não exploradas, sobretudo no Brasil. Depois, salientaram dezenas de coordenadas para exploração futura.Muitas das áreas identificadas parecem estar aglomeradas junto a corpos de água.“Os nossos resultados fazem bastante sentido em termos de senso comum”, diz Yao Zhao, membro da equipa vencedora, que trabalha actualmente como engenheiro de software na Meta e estava de sabática durante o concurso a fim de aprender mais sobre as aplicações da IA. Afinal, as civilizações antigas tendiam a prosperar junto a fontes de água acessíveis.A capacidade de processar rapidamente milhões de quilómetros quadrados de dados geográficos em poucas semanas poderia facilitar a descoberta de padrões pelos arqueólogos, dispensando a necessidade de trabalho de campo prévio, acrescenta. Os primeiros classificados do concurso receberam um prémio em dinheiro no valor de 250.000 dólares e créditos para utilizar produtos premium da OpenAI.Acrescentando a IA à caixa de ferramentas do arqueólogoA aprendizagem automática não é uma ferramenta inteiramente nova para os exploradores do mundo antigo. Parcak, arqueóloga da Universidade do Alabama, em Birmingham, já utilizou imagens recolhidas por satélite, térmicas e LiDAR, uma tecnologia que utiliza aviões ou drones para emitir pulsações a partir de sensores e observar a resposta recebida, durante algumas décadas nas suas explorações no Egipto e na Tunísia, entre outros países.Essas ferramentas e técnicas de imagem, combinadas com aprendizagem automática treinada para encontrar padrões nos dados, ajudaram-na a descobrir milhares de povoados e túmulos previamente desconhecidos em sítios arqueológicos já conhecidos. No entanto, os modelos de IA mais recentes podem melhorar esses resultados, examinando outros sítios para além dos alvos arqueológicos já estabelecidos, revelando áreas de investigação inteiramente novas aos arqueólogos, diz ela.Muitos sítios estão a desaparecer em todo o mundo à medida que os níveis do mar sobem, a vegetação avança ou recua e os seres humanos constroem e migram, abandonando ou destruindo registos históricos preciosos.“Temos uma janela temporal muito limitada para documentar a Terra e tudo o que nela existe antes que mude radicalmente”, diz Fisher, arqueólogo da Colorado State University.Parcak e Fisher dizem que os juízes escolheram a equipa Black Bean por a sua abordagem ser fácil de replicar e devido ao seu método criativo para fundir vários conjuntos de dados de acesso público na sua análise “Podíamos praticamente apresentar os PDFs das suas sínteses ao Journal de Archaeological Science”, diz Parcak. “O processo acabou por reflectir de perto aquilo que o pessoal dos sensores remotos faz”.Desafios éticos e preocupações com os povos indígenasEmbora Parcak e Fisher pensem que concursos como este podem democratizar a arqueologia, permitindo que não-especialistas de todo o mundo contribuam para a preservação histórica, outros especialistas advertem que podem ser um convite a exploração indevida.Quando a OpenAI anunciou o desafio no início do ano, os críticos referiram que a empresa não consultara os grupos indígenas da Amazónia que vivem junto à área a estudar, os quais poderiam ter opiniões diferentes sobre a forma como o seu legado e sítios arqueológicos devem ser tratados. Esses indivíduos também podem opor-se ao facto de haver pessoal tecnológico sem a devida formação a vasculhar dados geográficos pormenorizados das suas casas, comunidade e história.A OpenAI também atraiu críticas por estar a popularizar a IA generativa, a subcategoria da inteligência artificial que é capaz de criar o seu próprio conteúdo e que tem levantado questões relevantes sobre os padrões éticos na indústria. Os pais de um rapaz de 16 anos que confidenciava com a ferramenta gratuita ChatGPT, da Open AI, antes de cometer suicídio, processaram a empresa por pôr em risco “menores de idade e outros utilizadores vulneráveis sem medidas de protecção”, diz o processo judicial. (A Open AI respondeu ao incidente numa publicação num blog, onde declarou que estava a reunir um grupo de assessores de saúde mental e que “continuamente a melhorar a forma como os nossos modelos respondem em interacções delicadas”.Segundo a revista Science, quando o concurso foi anunciado, o ministro para os assuntos indígenas do Brasil exigiu que a OpenAI o suspendesse até esclarecer os seus objectivos. Um porta-voz da OpenAI disse à National Geographic que continua a acompanhar a legislação local e a interagir com as instituições locais de modo a garantir que todos os dados utilizados pelos participantes no seu concurso já fossem de acesso público. Parcak acrescentou que os conjuntos de dados fornecidos aos concorrentes não incluíam quaisquer zonas onde se saiba existir grupos indígenas não contactados.A equipa vencedora disse à National Geographic que planeia partilhar o seu trabalho com arqueólogos e geólogos a fim de aperfeiçoar o seu modelo preditivo, mas que para já ainda não conta visitar pessoalmente os 67 sítios. “Antes de fazermos alguma coisa, temos de pensar cuidadosamente em como não comprometer as pessoas da região”, diz Zhao.Parcak e Fisher dizem que esperam ver mais empresas privadas, sobretudo na área da IA e da aprendizagem automática, propor concursos semelhantes, à medida que o financiamento federal para a arqueologia for diminuindo. “A nossa área tem de fazer-se algumas perguntas desconfortáveis sobre até onde está disposta a ir para conseguir apoio”, mesmo que isso implique trabalhar com titãs tecnológicos de Silicon Valley. Mesmo assim, Parcak diz que não acha que a IA vá substituir os arqueólogos. “Está mais ou menos a ampliar aquilo que os cientistas já fazem com os sensores remotos há 50 anos.”Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Como as viagens exclusivas para mulheres estão a reformular a forma como viajamos

As mulheres são essenciais para moldar a indústria das viagens. Desde decidirem os destinos a marcarem as viagens, segundo o relatório de 2024 de The Woman Traveler, da Skift Research, são elas que tomam 82 por cento de todas as decisões. As mulheres também viajam mais frequentemente do que os homens – o mesmo relatório da Skift relatou que 64 por cento das viajantes mundiais são mulheres. Por isso, à medida que elas se inclinam cada vez mais para viagens exclusivas para mulheres, a indústria está a inclinar-se com elas.Ao longo dos últimos anos, a Adventure Travel Trade Association assistiu a um aumento de 230 por cento no número de agências de viagens especificamente vocacionadas para mulheres. Entretanto, as operadoras existentes estão a alargar o alcance da sua oferta. As agências já existentes têm verificado um aumento no número de reservas. A Responsible Travel teve um aumento de 18 por cento nas suas férias só para mulheres ao longo dos últimos tês anos. E a Intrepid Travel, uma das maiores operadoras da área, teve um aumento de 59 por cento nas reservas das suas Women’s Expeditions [Expedições para Mulheres] em 2024 face ao ano anterior. Mas o que está, ao certo, a promover esta tendência crescente?O novo zeitgeistAs viagens no feminino não são uma novidade. Torna-se, porém, evidente que as viagens exclusivamente para mulheres deixaram de ser um nicho para se tornarem parte do zeitgeist [espírito do tempo]. Segundo Claire Copeman, fundadora da Adventure Tours UK, o dinheiro foi muito importante para este fenómeno. “Cada vez mais mulheres têm independência financeira para poderem fazer aquilo que querem”, explica. Os dados parecem validar esta afirmação. As mulheres estão, em média, mais ricas do que nunca, segundo um relatório recentemente publicado pelo banco de investimento UBS. E embora a disparidade salarial entre géneros continue a existir, estudos realizados pelo Centro para a Justiça Social sugerem que foi invertida pela geração Z no Reino Unido – com as mulheres agora a ganharem, em média, mais 2.200 libras por ano do que os homens.Também existe um maior desejo de viajar. Observando os dados da Google Trends entre Junho de 2020 e Junho de 2025, houve um aumento de 600 por cento nas pesquisas globais de ‘agências de viagens a solo para mulheres’, e um aumento de 200 por cento para ‘viagens a solo para mulheres’, entre outras buscas semelhantes.No entanto, nem todas as mulheres estão a viajar completamente sozinhas – muitas estão a participar em viagens de grupo, sem familiares nem amigos. A Virtuoso, uma rede de empresas especializada em viagens de luxo e de experiências para indivíduos e grupos, diz que até 2024, 71 por cento dos seus clientes individuais eram mulheres.As potenciais poupanças são uma das razões pelas quais as mulheres que querem viajar a solo estão a optar por viagens de grupo. Num inquérito realizado aos seus membros, a plataforma comunitária Solo Female Travelers descobriu que 71 por cento das mulheres estavam relutantes em fazerem a sua primeira viagem a solo por causa dos preços mais altos. A segurança é outro factor importante, referido por 59 por cento das participantes no mesmo inquérito. Não admira que assim seja, uma vez que, em termos estatísticos, as mulheres têm muito mais probabilidades de serem vítimas de crimes graves do que os homens.Embora as viagens de grupos mistos resolvam ambas as preocupações até certo ponto, para algumas mulheres, as viagens exclusivas para mulheres acrescentam uma camada adicional de segurança. Vejamos o caso de Carli Korik, voluntária na comunidade online Girls Who Travel. Depois de ter viajado sozinha e em grupo, descobriu que as viagens exclusivas para mulheres eliminam algumas ‘incógnitas’ existentes nos grupos mistos. “Passar uma semana ou duas com homens que não conhecemos pode implicar estarmos mais atentas, o que não tem problema nenhum – como nós, mulheres, fazemos todas sem sequer pensar nisso”, explica. “Mas é um grande alívio não ter de pensar duas vezes sobre a pessoa que está sentada ao nosso lado no autocarro ou se precisamos de tapar a nossa bebida. Não se trata apenas de evitar que algo mau aconteça. Trata-se de poder baixar a guarda.”Criando laçosA segurança não é a única razão para escolher uma viagem exclusiva para mulheres. “As mulheres estão a procurar experiências com significados profundos – e isso acontece frequentemente na companhia de outras mulheres”, diz Deborah Calmeyer, fundadora e directora executiva da agência especializada em luxo Roar Africa.Foi certamente esse o caso de April Seals-Partner. Antiga dona de um café, April reservou a sua viagem num período stressante da sua vida. “Quis fazer uma viagem só com mulheres porque não estava à procura de uma simples escapadela – estava à procura de irmandade”, explica. “Nos espaços mistos, a segurança emocional subtil que a irmandade proporciona é frequentemente diluída. Num espaço só com mulheres, a vulnerabilidade tem a capacidade de nos curar e as conversas tornam-se profundas – mais depressa. Rimo-nos mais alto e respeitamo-nos mutuamente de uma forma que é impossível de equiparar.” Essa primeira experiência foi tão transformativa que Seals-Partner decidiu criar a sua própria empresa de viagens para mulheres, a Radiant Escapes, a fim de proporcionar a mesma experiência a mais mulheres.Para Josie Prior, uma gestora de recursos humanos que frequenta anualmente retiros exclusivos para mulheres, a possibilidade de criar laços com outras mulheres e ter disponibilidade física e mental para fazer um reset faz parte do encanto. “Escolhi grupos exclusivamente femininos porque estava à procura de respostas junto de outras mulheres”, diz ela. Sem irmãs a quem recorrer, os retiros exclusivos para mulheres tornam-se um espaço essencial para conversas lideradas no feminino que fazem falta no nosso quotidiano. “Falámos sobre a menopausa, a casa vazia depois de os filhos saírem, coisas assim. Algumas falam sobre assuntos sobre os quais não conversariam com os seus amigos”, explica Prior. “Como não nos conhecíamos, não estávamos a julgar ninguém.”Conversas cândidasAs viagens exclusivas para mulheres também podem permitir experiências de viagem mais ricas de outras formas. No caso da Intrepid, uma das forças motrizes por trás da criação das Women’s Expeditions, em 2018, foi o facto de as normas sociais em destinos como o Médio Oriente fazerem com que as interacções com os autóctones fossem frequentemente mais limitadas quando os grupos eram mistos. A agência de viagens organizou as suas primeiras viagens só para mulheres a Marrocos, ao Irão e à Jordânia – locais tradicionalmente mais conservadores. Estas viagens incluem agora a Índia, o Nepal, a Turquia, o Paquistão e a Arábia Saudita.Nestas viagens, as “mulheres e as suas anfitriãs têm mais oportunidades de terem conversas cândidas sobre as suas vidas quotidianas”, diz Joanna Reeve, directora das sucursais da Intrepid no Reino Unido e na Irlanda. Ao fazerem parte de um grupo inteiramente feminino, as mulheres também têm a oportunidade de entrar em espaços reservados a mulheres, que, de outro modo, lhes estariam vedados. Podem ir nadar numa praia só para mulheres na Arábia Saudita, por exemplo, ou visitar a casa de uma mulher na Índia.Existe também a questão do apoio emocional, sobretudo em viagens activas ou de aventura. Copywriter e grande fã de caminhadas, Kim Merritt teve essa experiência numa viagem só com mulheres à Mongólia organizada pela WHOA Travel. Ela diz: “Quando uma mulher se deparava com dificuldades, a nossa guia juntava-nos todas à sua volta para animá-la. Quando eu tive dificuldades em subir uma encosta íngreme, a nossa guia ensinou-me a fazê-lo de forma mais eficiente.” Não havia julgamento, apenas muito incentivo.O efeito em cascataO último Relatório Global sobre as Mulheres no Turismo das Nações Unidas revelou que as mulheres representam 54 por cento da força laboral do turismo a nível global. Em simultâneo, há cada vez mais evidências de que as viagens que apoiam empresas cujas proprietárias são mulheres têm maiores implicações económicas e sociais positivas. Vários estudos mostram que as empresas dirigidas por mulheres têm mais probabilidades de ter um impacto social positivo, seja criando emprego para outras mulheres ou o apoiando as mulheres da sua comunidade. Neste contexto, não é difícil imaginar que as viagens exclusivas para mulheres desempenhem um papel cada vez maior no turismo responsável.Em alguns casos, já é possível observar os benefícios das viagens exclusivas para mulheres. A Intrepid, por exemplo, cria oportunidades de emprego para mulheres incorporando experiências lideradas por autóctones em todas as suas viagens da Women’s Expeditions e muitas outras. “Isto contribui para assegurar que o dinheiro do turismo vão directamente para as mulheres locais, contribuindo para o seu sustento e, frequentemente, das suas famílias e comunidades”, diz Reeve.Esta operadora turística é, actualmente, a maior empregadora de guias de viagem mulheres na Índia e em Marrocos e pretende aumentar essa tendência. Também apoia organizações de caridade que ajudam as mulheres locais através das suas viagens. As viagens da Women’s Expedition à Índia, por exemplo, visitam a cadeia de cafés Sheroes Hangout, em Agra, que oferece oportunidades de emprego e apoio a sobreviventes de ataques com ácido.Numa escala mais pequena, a Roar Africa organiza um Retiro de Empoderamento Feminino itinerante no continente africano desde 2019. Esta iniciativa já resultou na criação de oportunidades educativas, bolsas de estudo, programas de intercâmbio e financiamento para esforços de conservação essenciais e iniciativas de saúde feminina, afirma Calmeyer.Seja ou não intencional, parece que escolher viagens especializadas só para mulheres tem um resultado raro: uma viagem significativa que não é boa apenas para elas, mas também benéfica para a sociedade. E num mundo onde as nossas decisões de turismo podem ter um grande impacto nas comunidades locais que encontramos, isto só pode ser uma coisa boa.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Já nas bancas

Capítulo I - A base neuronal e hormonal do comportamento: Tudo o que define quem somos e como agimos está no nosso cérebro, mas é também fortemente condicionado por algo que ultrapassa as fronteiras neuronais: a função hormonal. Não somos apenas o produto dos nossos neurónios, mas também das nossas hormonas.Capítulo II - As hormonas tiroideias, motores da inteligência: As hormonas assumem um papel fundamental na construção do sistema nervoso durante a vida fetal e no início da vida pós-natal. As hormonas da tiróide dependem de um nutriente essencial, o iodo, realçando a convergência de factores genéticos e nutricionais no neurodesenvolvimento embrionário.Capítulo III - A bioquímica do sexo: Conhecemos o papel essencial das hormonas sexuais na formação do sistema reprodutor e no aparecimento dos traços corporais masculinos e femininos, mas estes mensageiros químicos intervêm também no desenvolvimento cerebral desde a fase embrionária, introduzindo um factor de diferenciação sexual no nosso comportamento.Capítulo IV - O poder das hormonas: O sistema endócrino desempenha um papel essencial no controlo de funções do organismo, e as perturbações deste sistema podem  produzir efeitos nocivos e conduzir a doenças como o cretinismo ou o cancro. Os avanços na investigação endócrina permitem agora o desenvolvimento de novos instrumentos terapêuticos.

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Os senhores do lago

Nas águas tranquilas do norte da Grécia, os pelicanos-dálmatas exibem as suas cores com elegância. Apesar da sua aparência imponente, estas aves são surpreendentemente graciosas e exibem as suas melhores galas durante o cortejo. Durante grande parte do século XX, o pelicano-dálmata esteve em perigo de extinção, com populações cada vez mais reduzidas na Europa e na Ásia. No entanto, os esforços de conservação e protecção de seus pantanos permitiram que hoje ele prospere em locais como o lago Kerkini. Aí, estes gigantes alados não só encontram alimento abundante, mas também um refúgio seguro para nidificar e criar seus filhotes. As fotografias de Weekly capturam com perfeição a grandeza de uma ave que, contra todas as expectativas, voltou com força do abismo da extinção.

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Era uma vez na Gronelândia

Com a aproximação de uma tempestade de neve, os cães esperaram pacientemente enquanto a equipa era obrigada a parar para desembaraçar as cordas do trenó: tinham sofrido o equivalente gronelandês de “um pneu furado”.John Fabiano, o fotógrafo, deparou-se com esta cena quando viajava entre Siorapaluk – a povoação indígena mais setentrional do planeta – e Qaanaaq.A imagem foi a vencedora da categoria “Documentário” dos Dog Photography Awards 2024.

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Um predador atípico

O objecto da foto de hoje é este enigmático exemplar de Lucernaria quadricornis, uma stauromedusa, fotografado sob o gelo do Mar Branco, na Rússia, o único mar de gelo da Europa.A cor verde da água é um sinal da chegada da Primavera e torna-se mais intensa à medida que as algas crescem. A Lucernaria quadricornis pertence à ordem Stauromedusae, enigmáticas criaturas marinhas que habitam os misteriosos abismos oceânicos. A maioria tem cerca de cinco centímetros de comprimento, embora algumas espécies possam atingir os 15 centímetros. O pedúnculo desta medusa ajuda-a a agarrar-se a uma rocha ou a uma alga. Os seus tentáculos projectam-se para cima ou para baixo, à espera de uma presa. Se a sua caça for bem sucedida, apanha a presa enquanto cerra os seus tentáculos como um punho. L. quadricornis inicia o seu ciclo de vida como larva, procurando no fundo do mar um local para se enraizar. À medida que amadurece, adquire a forma de taça característica mostrada na imagem. Por mais estranho que pareça, esta stauromedusa pode deslocar-se movendo o seu caule e até desprender-se do substrato onde está presa para "andar" sobre os seus tentáculos. Para além disso, é a única stauromedusa com oito braços que vive nas águas norueguesas, e os seus braços estão dispostos aos pares.Fotografia premiada com o primeiro prémio na categoria: Subaquática no concurso Close-up Photographer of the Year 2022.

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A metamorfose da água

Na Primavera, o lago Shirakawa, no Japão, é inundado pela água resultante do degelo e assume o aspecto de uma floresta submersa. As mudanças de cor são subtis, variando entre o azul claro e os tons esverdeados e suavizadas pela presença de uma ligeira névoa.O fotógrafo Kazuaki Koseki tirou esta fotografia à luz da manhã, no meio do silêncio de um dia que ainda não começou. A fotografia fez dele o vencedor da categoria "Best Single Image In A Landscape and Environment Portfolio" no concurso internacional Travel Photographer of the Year 2023 (TPOTY).

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Arte por despacho: Na encruzilhada entre tradição e modernidade

A Segunda Guerra Mundial terminou há 80 anos. Em plena ditadura, Portugal esquivara-se a participar e prolongara até ao limite a capacidade de negociar com as partes beligerantes.Apesar da devastação que ficara para trás, o Plano Marshall, de que o país ainda veio a beneficiar, impulsionou nas três décadas seguintes um ciclo de desenvolvimento económico e social sem precedentes. No extremo ocidental da Europa, os portugueses tinham sido poupados à barbárie da guerra, mas em boa medida iriam também ficar à margem desse progresso. A industrialização chegara tarde e timidamente. Na década de 1940, as populações do interior rural começavam a emigrar ou a convergir para as cidades do litoral.Nesses anos, chegavam todos os anos à capital cerca de doze mil pessoas, acentuando a crise habitacional. Limitada a sul pelo Tejo, a cidade teve de crescer para norte e prolongou-se pelos eixos das avenidas Almirante Reis e da República.Manuel da Maia, Carlos Mardel e Eugénio dos Santos tinham dado forma ao ambicioso projecto de reconstrução da cidade após o terramoto de 1755. Na primeira metade do século XIX, Filipe Folque e Fontes Pereira de Melotinham iniciado uma reconfiguração urbana. Há mais de cem anos que Lisboa não era alvo de um projecto urbanístico integrado.Em Outubro de 1945, foi aprovado para uma área de 230 hectares de quintas e pomares um plano visionário do arquitecto João Faria da Costa, dividindo o espaço em oito células limitadas a norte pela Avenida do Brasil, a sul pela linha de comboio, a leste pela Avenida do Aeroporto e a oeste pelo Campo Grande. Pretendia-se que Alvalade fosse mais do que um bairro e que se pudesse afirmar como uma visão de uma sociedade simultaneamente moderna e tradicional. No entanto, nem num regime ditatorial se consegue suprimir todos os conflitos e aspirações.As contendas entre visões tradicionalistas e progressistas da arquitectura e do urbanismo vinham de trás. Desde a década de 1930 que muitos jovens arquitectos tinham reagido violentamente à apologia do estilo vernacular de Raul Lino e agora o bairro de Alvalade abria oportunidades para os diferentes campos se enfrentarem. A Carta de Atenas, publicada em 1933, cujo principal redactor fora Le Corbusier, propunha uma nova visão da cidade, defendendo a separação entre zonas de trabalho e residenciais e onde não deveriam faltar espaços verdes e áreas de lazer para o equilíbrio físico e mental do cidadão. O eco dessa corrente começava a ressoar timidamente em Portugal.Nesse contexto, os artistas plásticos queriam ter uma palavra a dizer. Em 1953, 172 artistas e arquitectos endereçaram uma petição à Câmara Municipal de Lisboa, apelando à autarquia para prever a obrigatoriedade de os novos projectos municipais integrarem obras de arte. E a sua petição foi atendida.Inês Maria Andrade Marquesinvestigou na sua tese de doutoramento os cruzamentos entre desenho urbano, arquitectura e arte pública em Lisboa entre 1945 e 1965. A sua investigação sublinhou as contradições que esta petição artística encerrava. “Apesar de incluir signatários de diferentes quadrantes políticos, na sua maioria tratava-se, como era frequente no meio artístico da época, de opositores do regime mais ou menos comprometidos”, explica. Os termos em que a petição foi redigida eram cautelosos, dissimulando qualquer dissidência política ou estética e adoptando um tom quase nacionalista, apelando ao embelezamento da capital e ao apoio oficial aos artistas nacionais. É preciso imaginar a asfixia que a propaganda do regime impunha à criação artística para compreender a ginástica que estes artistas faziam para sobreviver sem deixarem a sua arte totalmente refém do ideário do Estado Novo. José Dias Coelho, um dos signatários e autor de um baixo relevo que ainda ornamenta uma escola em Campolide, acabaria por ser assassinado pela polícia política em 1961.A autarquia mostrou-se sensível aos argumentos e, no ano seguinte, aprovou um despacho que previa a obrigatoriedade de se incluírem obras de arte nas edificações de custo superior a um milhão de escudos. Curiosamente, no caso do bairro de Alvalade, que avançava a todo o vapor, além das escolas, muitos edifícios de habitação beneficiaram destes investimentos naquilo a que hoje chamaríamos uma parceria público-privada e, à boleia desta dinâmica, incluíram também obras de arte nos seus projectos de decoração exterior.As oito unidades de vizinhança do bairro de Alvalade eram delimitadas por uma rede viária que já incluía acessos que precediam o próprio bairro. Diferentes unidades previam tipologias distintas destinadas a segmentos específicos. Umas destinavam-se a habitações mais pequenas e modestas e outras a casas mais espaçosas e acabamentos superiores. Para complexificar ainda mais, umas foram projectadas e construídas primeiro e as outras anos mais tarde e coordenadas por diferentes arquitectos. À distância pode reconhecer-se que, apesar da coerência do plano para a construção do bairro de Alvalade, materializado em poucos anos, ele encerra propostas antagónicas em alguns casos. Paradoxalmente, a iniciativa dos artistas encontrou solo mais fértil para se afirmar nos projectos arquitectónicos mais anacrónicos que vinham na esteira do estilo que ficou conhecido como “Português Suave”. Os baixos-relevos decorativos integrados no estilo arquitectónico promovido pelo regime já se podiam encontrar em avenidas edificadas alguns anos antes como a António Augusto de Aguiar ou a Sidónio Pais, mas na Avenida de Roma veio renovar-se esta prática e aumentar o seu repertório decorativo.A Avenida de Roma é o mais importante eixo de Alvalade e é nela que se podem encontrar os edifícios mais nobres do bairro. Quem percorre esta avenida dificilmente fica indiferente às figuras que adornam os espaços, por vezes exíguos entre as portas da rua e as sacadas.Em 1969, o arquitecto Francisco Keil do Amaral publicou um texto dedicado a estas figuras, referindo-se a “um surto dessas confrangedoras esculturas”, chamando-lhes “Mulheres entaladas”. Naquela avenida, as figuras são quase todas femininas e Keil do Amaral satirizava o seu sofrimento, propondo a criação de uma “Associação Protectora de Lisboa e das Mulheres Entaladas entre as Portas e as Sacadas”. O arquitecto reconhecia algumas excepções de figuras reveladoras do talento dos seus autores, mas na sua maioria as figuras modeladas em barro e depois reproduzidas em cimento pareciam-lhe académicas e, ao invés de valorizarem os edifícios e o trabalho dos artistas, sublinhavam a pobreza de ambos. No mesmo texto, Keil do Amaral apresentava como contraponto os painéis de azulejos da Avenida Infante Santo, cuja modernidade se articulava na perfeição com a proposta arquitectónica.Na esquina entre as avenida de Roma e Estados Unidos da América, encontra-se mais do que um cruzamento viário: há um vislumbre do que na época era uma cidade do passado e do que seria a cidade do futuro. É aí que encontro Aquilino Machado, docente do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. Machado vive e cresceu no bairro e isso nota-se na forma como fala deste território. “Na Estados Unidos da América, a rua é estilhaçada e os prédios surgem em pracetas e repousam sobre colunas. Aqui não há espaço para baixos-relevos ou mulheres entaladas e os edifícios valem por si.” Um pouco mais a sul, a oitava célula do bairro, já junto da linha do comboio e conhecida como Bairro das Estacas, com os prédios projectados por Ruy Jervis d'Athouguia e Sebastião Formosinho Sanchez, parece pertencer a uma época distinta das células junto da Avenida do Brasil. Mesmo ao virar da esquina da esplanada em que conversamos, uma figura imponente eleva-se nos céus. É talvez o mais singular fruto da voragem escultórica do século XX. No topo da fachada projectada por Cassiano Branco para o n.º 54 da Avenida Roma, o acrotério (um elemento ornamental), da autoria do escultor António Santos, tornou-se popularmente conhecido como “o homem da marreta”.Inês Maria Andrade Marques consultou o processo de obra e dá conta que na época a figura causou desconforto. “Em determinados ângulos, o cabo da marreta sugere uma forma fálica”, conta. Também da rua, a marreta pode ser confundida com um maço de pedreiro que, ao lado dos compassos e fios-de-prumo que abundam nos baixos-relevos, poderia sugerir uma apologia de simbologia maçónica. No entanto, mesmo que essas referências sejam ambíguas, um olhar mais atento ao acrotério revela uma bigorna. Trata-se portanto de um ferreiro e não do icónico pedreiro que deu fama àquela organização secreta.Independentemente do gosto duvidoso de algumas obras de arte ou do carácter anacrónico de alguns edifícios, cada bairro conta histórias para quem estiver atento. Na década de 1960, com o início da guerra colonial em África, o urbanismo perdeu ímpeto, embora a cidade continuasse a crescer. O bairro dos Olivais desenvolveu e aprofundou então algumas ideias que já tinham germinado em Alvalade. À distância, verifica-se que uma geração de músicos e cineastas veio destes bairros e talvez a arquitectura não tenha sido inocente na sua formação.

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O que é, ao certo, um tornado?

Frequentemente acompanhados por granizo, os tornados são funis verticais de ar que gira rapidamente, podendo os seus ventos ultrapassar os 400 quilómetros por hora e rasgar um caminho com cerca de 1,5 quilómetros de largura e 80 quilómetros de comprimento. Os mais destrutivos têm origem em tempestades gigantes e persistentes denominadas supercélulas.Estas tempestades violentas acontecem em todo os continentes, à excepção da Antárctida, sendo os EUA, o Canadá, a Índia, o Bangladesh, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e a Austrália considerados pontos quentes. Na Europa, Alemanha, Reino Unido, França e Itália são os países mais fustigados, mas Portugal também já sofreu o seu efeito. Por exemplo, em menos de 24 horas, entre 2 e 3 de Maio de 2025 foram registadas quatro manifestações deste fenómeno (nos concelhos de Sesimbra, Sardoal, Beja e Campo Maior). O que (não) é um tornado?Um tornado é uma coluna de ar que gira violentamente e desce de uma tempestade até ao solo. É frequentemente prenunciado por um céu escuro e esverdeado. Primeiro, juntam-se nuvens de tempestade negras. É possível que caia granizo do tamanho de bolas de basebol. Um funil forma-se subitamente, como se estivesse a descer de uma nuvem. Este atinge o solo e avança em frente, emitindo um som semelhante ao de um comboio de carga. Destrói tudo o que encontra pelo caminho.Não confunda, porém, um tornado com uma tromba de água, que se forma sobre água quente e que, por vezes, se desloca para terra e se transforma em tornado. Nem com um remoinho de poeira, uma pequena coluna de ar em rápida rotação visivelmente composta pela terra e poeira que vai recolhendo pelo caminho. Tal como os tornados de fogo – vórtices que tendem a ser gerados por incêndios florestais –, os remoinhos de poeira não estão associados a tempestades. O que causa os tornados?Os tornados mais violentos nascem nas supercélulas, grandes tempestades cujos ventos já se encontram em rotação. Nos Estados Unidos da América, o país por excelência a que associamos este fenómeno natural, podem acontecer em qualquer altura do ano, mas são mais comuns durante uma época específica, que começa no início da Primavera nos estados norte-americanos situados junto ao Golfo do México.A época segue a corrente de jacto – à medida que esta se desloca para norte, o mesmo acontece à actividade dos tornados. Regra geral, na terra do Tio Sam costuma haver mais tornados em Maio do que em qualquer outro mês, mas os tornados de Abril são, por vezes, mais violentos. Nas regiões mais a norte, tendem a ser mais comuns no final do Verão.Embora possam ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite, a maioria dos tornados forma-se ao fim da tarde. A esta hora, o Sol já aqueceu suficientemente o solo e a atmosfera para originar tempestades, que se formam quando o ar quente e húmido colide com o ar seco e frio.O ar frio, mais denso é empurrado para cima do ar quente, costumando dar origem a tempestades. O ar quente sobe, penetrando através do ar frio e causando umacorrente ascendente. Se a velocidade ou direcção dos ventos variarem consideravelmente, a corrente ascendente começa a girar.À medida que a corrente ascendente giratória, denominada mesociclone, atrai mais ar quente da tempestade em movimento, a sua velocidade de rotação aumenta. O ar frio, fornecido pela corrente de jacto, uma faixa de vento forte que circula na atmosfera, fornece ainda mais energia.As gotas de água do ar húmido do mesociclone formam uma nuvem-funil. O funil continua a aumentar de tamanho e acaba por descer da nuvem. Quando toca no solo, transforma-se num tornado.Características dos tornadosOs tornados costumam ser acompanhados (ou precedidos) por tempestades intensas e ventos altos. A queda de granizo também é comum.Depois de atingir o solo, um tornado pode durar apenas alguns segundos ou até três horas.Um tornado típico tem cerca de 200 metros de largura e desloca-se a cerca de 50 quilómetros por hora. A maioria não percorre mais de dez quilómetros antes de se extinguir. Os grandes, porém – aqueles capazes de causar destruição generalizada e muitas mortes – podem atingir velocidades de 480 quilómetros por hora.Estas medidas são estimativas científicas. Os anemómetros, dispositivos que medem a velocidade do vento, não conseguem registá-la, pois são incapazes de suportar a força colossal dos tornados. Utilizando unidades entre F0 e F5, a escala de Fujita mede a intensidade de um tornado analisando os danos causados e equiparando-os às velocidades do vento que se estima serem necessárias para causarem danos comparáveis. Actualmente, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) utiliza essa mesma escala para a categorização quantitativa dos fenómenos, porque “constitui uma tentativa de exprimir a intensidade de fenómenos de vento forte de uma forma suficientemente genérica, de modo a permitir comparações internacionais”.A destruição causada pelos tornadosEm países como os EUA, os tornados podem causar danos no valor de milhares de milhões de dólares. Ventos extremamente fortes despedaçam casas e negócios e também destroem pontes, derrubam comboios, lançam carros e carrinhas pelos ares, arrancam a casca das árvores e sugam toda a água de um leito fluvial.Por vezes, os ventos matam ou ferem pessoas, fazendo-as rolar ao nível do solo ou largando-as a partir de alturas perigosas. No entanto, a maioria das vítimas são atingidas por detritos voadores – telhas, vidros partidos, portas e varas de metal.Vigilância de tornados vs avisos de tornados: O CASO DOS euaOs meteorologistas do Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA utilizam radares Doppler, satélites, balões meteorológicos e modelos informáticos para examinar os céus em busca de tempestades graves e detectar possível actividade de tornados.Os radares Doppler registam as velocidades do vento e identificam áreas de rotação nas tempestades. Desde que o radar Doppler começou a ser utilizado, os tempos de aviso de tornados aumentaram de menos de cinco minutos na década de 1980, para uma média de 13 minutos no final da década de 2000.Quando as condições meteorológicas são propensas à formação de tornados, o Serviço Meteorológico Nacional inicia a monitorização de tornados. Quando um é avistado ou indicado pelo radar, é comunicado um aviso de tornado.Alguns cientistas, fanáticos da meteorologia e viciados em adrenalina fazem-se à estrada para perseguir tornados. Os investigadores apressam-se a colocar sensores ao longo do caminho dos tornados. Os sensores recolhem dados como a velocidade do vento, a pressão barométrica, a humidade e a temperatura.O desafio enfrentado pelos investigadores é estar no sítio certo à hora exacta. Todas as manhãs, eles estudam as condições meteorológicas e dirigem-se para a área onde a formação de um tornado parece mais provável. Atravessam tempestades intensas, esquivam-se de raios, enfrentam cheias relâmpago e são fustigados por granizo – por vezes, durante anos – antes de avistarem um.Tudo isto representa um risco considerável. Em 2013, o Explorador da National Geographic Tim Samaras e a sua equipa foram mortos enquanto tentavam estudar um tornado no Oklahoma.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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As mais antigas fotografias coloridas do mundo

No início da década de 1980, o falecido fotógrafo da National Geographic Society, que se tornou arquivista, Volkmar Wentzel, estava a remexer no armazém quando tropeçou em algo deslumbrante, mas desolador: uma caixa de delicadas placas de vidro, a maioria do tamanho de postais, com imagens a cores captadas no início do século XX.Muitas estavam a deteriorar-se e as imagens, outrora nítidas, estavam  salpicadas de fantasmagóricos flocos de neve, obscurecidas por halos e tornadas surreais pelo tempo e pela negligência. Eram autocromos, o esforço do início do século XX para capturar o mundo em todas as suas cores. Agora, porém, o objectivo é preservá-los apesar de o tempo ter transformado estas imagens de forma extraordinária.Introduzida pelos inventores franceses Auguste e Louis Lumière em 1907, a tecnologia dos autocromos foi revolucionária na época, baseando-se numa emulsão de prata sensível à luz coberta por uma fina camada de fécula de batata. Este extracto em pó (então popular como espessante, adesivo e endurecedor de tecidos) foi crucial na época. Partículas microscópicas tingidas de verde, laranja e violeta eram espalhadas sobre uma placa e seladas com verniz. Quando a luz incidia sobre a placa através do obturador aberto da câmara, cada grânulo colorido bloqueava uma gama de comprimentos de onda correspondente às cores do espectro visível, expondo a emulsão por baixo a inúmeros pontos de luz filtrada. “Soa sempre mal dizer que estão a degradar-se,  mas as imagens também  ESTÃO A EVOLUIR  de objectos documentais para um estranho projecto de história  da ciência.”REBECCA DUPONT,  arquivista de imagens da National GeographicDepois de alguns banhos químicos numa câmara escura, a transparência que aparecia no vidro, vista de perto, era um mosaico de pequenos pontos. No entanto, recuando e iluminando a placa, coberta com outra camada de vidro, para protecção, surgia uma imagem vívida e pictórica.O primeiro editor a tempo inteiro da National Geographic (EUA) foi um paladino do autocromo, encomendando e adquirindo trabalhos de fotógrafos de todo o mundo em chapa de vidro. Como os tempos de exposição eram longos, grande parte das primeiras fotografias a cores eram de naturezas-mortas e paisagens, mas a National Geographic adquiriu imagens dinâmicas de vida quotidiana: bazares apinhados na Albânia, bailarinos mascarados no Tibete, cavaleiros na garupa de elefantes com trajes garridos na Índia.Os autocromos, juntamente com outros processos que envolviam placas de vidro, continuaram a ser a principal forma de produzir fotografia a cores até à estreia, em 1935, do filme Kodachrome, com as suas camadas fotossensíveis de emulsão. Na era do filme, as placas de vidro não foram cuidadosamente preservadas.Volkmar, fotógrafo de campo da National Geographic durante mais de 40 anos, viu valor nas fotografias antigas enquanto muitos dos seus colegas se focavam na inovação. Quando a revista reduziu a sua colecção na década de 1960, resgatou do lixo placas, levou-as para casa para as guardar e para eventualmente serem devolvidas ao arquivo. Outras simplesmente ganharam bolor, esquecidas, até que Wentzel as redescobriu num armazém externo a partir do momento em que se tornou oficialmente o primeiro arquivista de fotografias da National Geographic, em 1980.Volkmar assumiu a missão de preservar, catalogar e exibir as fotografias antigas, e hoje a Colecção de Fotografias a Cores Antigas da National Geographic inclui cerca de treze mil placas, incluindo um dos maiores conjuntos de autocromos do mundo (o maior está no Musée Albert-Kahn, nos arredores de Paris). Tal como muitas das restantes fotografias a cores antigas, as da National Geographic foram alteradas pela luz, calor, humidade e manuseamento incorrecto. As placas estalaram e criaram fissuras. As partículas de prata oxidantes criaram manchas alaranjadas em forma de ameba. Nos Dufaycolors, os descendentes dos autocromos, as manchas de cor violeta são evidência da “síndrome do vinagre”, uma decomposição química que afecta a camada fotossensível entre vidros. A síndrome do vinagre, cujo nome popular se deve ao seu cheiro característico e ao contágio de placa para placa, é “uma praga nos arquivos fotográficos”, explica Sara Manco, actual directora dos arquivos de fotografia e ilustração da National Geographic Society. Tudo isto parece bastante trágico, mas as manchas também deram a muitas das placas uma beleza nova e estranha. Já não são documentos prístinos da história, pois tornaram-se testemunhos da devastação do tempo: abstractos, fragmentados e obscurecidos, como tantos artefactos antigos e admirados. Além disso, como explica a arquivista de imagens Rebecca Dupont, a sua deterioração, processo irremediável que só acontece uma vez, oferece lições sobre a ciência por trás destes objectos. “Se pensarmos bem nisso, a fotografia ainda é um meio técnico relativamente novo, pois tem apenas  duzentos anos”, diz Rebecca. E as peças deste arquivo “ainda não chegaram ao fim das suas vidas. Neste momento, estão numa fase especial, em que podemos ver o que lhes acontece.” Mesmo que as placas continuem a deteriorar-se, conseguiu-se uma certa permanência. Com uma bolsa do Fundo Nacional para as Humanidades em 2020, Sara Manco e uma equipa de arquivistas passaram três anos a digitalizar toda a colecção. Actualmente, os originais estão cuidadosamente organizados e guardados em depósitos com temperatura controlada. As placas afectadas pela síndrome do vinagre estão isoladas e muitas das que estavam partidas foram cuidadosamente reconstituídas. Apesar de todo este cuidado, os arquivistas sabem que não podem preservar as placas para sempre, mas aceitam a situação. “A degradação soa sempre mal, mas também estão a evoluir, de objectos documentais para um estranho projecto de história da ciência”, diz Rebecca Dupont. “As imagens que estamos a ver estão a desaparecer? Ou estão apenas a transformar-se em algo novo?”Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2025 da revista National Geographic.

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Quando a ciência falhou: erros, fraudes e equívocos taxonómicos

1. A misteriosa águia de Washington (Haliaetus washingtoni)No seu famoso livro The Birds of America, o naturalista e ilustrador científico John James Audubon incluiu, no ano de 1826, uma misteriosa ilustração de um animal identificado como Falco washingtoni, mais tarde corrigido para Haliaetus washingtoni. Este animal pertenceria a uma espécie descrita pelo próprio Audubon, supostamente a partir de um espécime colectado que seria semelhante à Haliaeetus leucocephalus, a águia-calva que é considerada um símbolo dos Estados Unidos da América, mas facilmente distinguível pelo seu porte muito maior e diferenças na coloração e na morfologia.A descrição desta espécie revelar-se-ia importantíssima para Audubon, fazendo parte da sua estratégia de angariação de fundos (principalmente na Europa) para a edição do livro acima mencionado. O problema é que não só não há qualquer evidência de que esta ave tenha na realidade existido. Uma posição mais generosa aponta que poderia ser uma espécie rara e que se extinguiu entretanto, mas a falta de quaisquer evidências da sua presença que não esta tornam-na pouco provável. Foi também sugerido que poderia ter sido apenas um erro de identificação por parte de Audubon, confundido um juvenil de águia-calva ou uma águia-real com uma espécie nova. No entanto, também se podem ler críticas bem mais contundentes a este caso. O facto é que, tirando Audubon, nunca ninguém parece ter visto uma destas rapinas.2. Eoanthropus dawsoni, o Homem de PiltdownÉ uma das mais famosas fraudes científicas da História: a caveira alegadamente encontrada em 1912 por Charles Dawson. Depois de, segundo o próprio, ter encontrado fragmentos de um crânio que percebeu pertencer a um humano, perto da localidade de Piltdown, no este do Sussex, o arqueólogo amador contactou o curador da Geologia do Museu de História Natural britânico, Arthur Smith Woodward. Mais tarde, juntos, terão encontrado vários outros fragmentos de um putativo e até então desconhecido parente do homem moderno que, segundo as suas estimativas, teria vivido cerca de 500 mil anos antes. A nova espécie seria baptizada Eoanthropus dawsoni, em homenagem ao seu descobridor, e faria parte – ainda que com contestação – do canône científico até 1953, ano em que foi definitivamente provado que a nova espécie não passava, afinal, de um crânio de humano moderno a que tinha sido acoplada uma mandíbula modificada de outro grande símio, juntamente com alguns dentes pertencentes a um orangotango. O responsável pela fraude só seria identificado, no entanto, mais de meio século depois, num estudo de 2016, cem anos após a morte do charlatão.3. Archeoraptor, o elo perdido feito à medidaEste caso é particularmente próximo da National Geographic, uma vez que o suposto “elo perdido entre os dinossauros e as aves”que teria sido descoberto na China foi anunciado pela primeira vez nas nossas páginas em Outubro de 1999. No entanto, rapidamente as suspeitas se amontoaram e, em Dezembro do mesmo ano, um dos cientistas envolvidos na análise do mesmo, Xu Xing, declarou que o fóssil era “provavelmente um compósito”.Análises mais cuidadas, incluindo uma investigação da National Geographic, dar-lhe-iam razão: o suposto Archeoraptor era na verdade um verdadeiro monstro de Frankenstein do mundo fóssil, com partes de vários animais diferentes para maximizar o seu aspecto de intermediário entre dinossauros e aves. O grosso da parte anterior do animal pertencia a um fóssil da ave ancestral Yaniornis, enquanto que a cauda e parte posterior pertencia a um terópode na altura ainda por descrever, mas que seria mais tarde identificado como um Microraptor. O mais irónico de todo este processo é que o próprio Microraptor poderia perfeitamente ter sido apresentado como tal, sendo um animal fortemente aparentado com a linha das aves e que, sem dúvida, apresentava penas.4. Megarachne servinei, a maior aranha que nunca existiuEm 1980, Mario Hünicken, um paleontólogo argentino, descreveu o que identificou como os restos fósseis, com mais de 300 milhões de anos, da maior aranha alguma vez conhecida, ultrapassando, com os seus 50 cm de pernas que ultrapassariam largamente a maior aranha viva, a aranha-golias, que por vezes captura inclusive pequenos pássaros.Na perspectiva do seu descobridor, esta seria uma aranha migalomorfa, o grupo a que pertencem, por exemplo, as famosas tarântulas. Fruto da descrição pormenorizada e da excepcionalidade da espécie, muitos museus passaram a exibir reconstituições do impressionante animal. Só havia um problema: Megarachne, a maior aranha de sempre, não era afinal uma aranha. Vários taxonomistas já tinham apontado algumas características curiosas ao fóssil de Hünicken, mas a descoberta de um novo exemplar em 2005 revelou que esta era, na realidade, pertencente a um outro grupo de quelicerados – um europtídeo, grupo também conhecido como escorpiões-marinhos.5. Hesperopithecus haroldcookii, o homem do NebraskaDescrito a partir de um único dente recolhido por Harold Cook (o homem homenageado no nome científico do inexistente homínideo) em Upper Snake Creek, no estado norte-americano do Nebraska, o anúncio da descoberta do Hesperopithecus haroldcookii levantou desde cedo alguma suspeição entre a comunidade científica dos anos 20 do século XX. Estas suspeitas revela-se-iam correctíssimas, quando novas escavações no sítio onde o fóssil tinha sido encontrado desenterraram ossos adicionais do mesmo esqueleto, que não correspondia afinal a uma novíssima espécie aparentada com o Homo sapiens, mas a uma espécie fóssil de um suíno norte americano próximo dos pecaris modernos.6. Tasidyptes hunteri, um pinguim 3-em-1Escavações na ilha de Hunter, na Tasmânia, levaram à descrição em 1983 de uma até então desconhecida espécie de pinguim que se teria extinguido recentemente, uma vez que os restos subfósseis encontrados não pareciam, segundo os seus descobridores Van Tets e O’Connor, corresponder a nenhuma das espécies conhecidas, ao ponto de terem criado um novo género para incluir a sua descoberta. É possível, no entanto, que estes dois cientistas tenham sobrevalorizado a sua capacidade de discernimento neste campo: um estudo genético de 2017 realizado sobre as amostras recolhidas veio dar razão às muitas vozes que apontavam esta descrição como tendo bases pouco sólidas: os presumíveis restos de T. hunteri eram, afinal, uma mistura de ossos de três espécies de pinguins do género Eudyptes e Eudyptula, todas elas ainda existentes hoje em dia, embora não necessariamente na ilha de Hunter.

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O pato mais indomável do mundo

Há um século o zarro-malgaxe (Aythya innotata) prosperava no seu único habitat conhecido: o lago Alaotra, o maior da ilha. Ao longo do tempo, muitos dos pântanos repletos de insectos que rodeavam o lago pouco profundo foram convertidos em terrenos agrícolas e os patos começaram a desaparecer.O último bando de que há registo data de 1960. Um pequeno grupo de cientistas passou décadas à procura de zarros-malgaxes, caminhando sob chuvas torrenciais, remando através de zonas húmidas em canoas e colocando até anúncios no jornal da comunidade, sem grandes resultados. Em meados da década de 1990, acreditava-se que este pato, conhecido pelos habitantes locais como fotosi-maso (ou olho branco, devido aos olhos brilhantes dos machos adultos) estava extinto. Porém, em 2006, a bióloga Lily-Arison Rene de Roland encontrou por acidente 13 patos num lago vulcânico remoto, longe da sua área de distribuição histórica. O avistamento deu origem a uma colaboração de quase vinte anos entre cientistas, funcionários governamentais e comunidades locais para reavivar a espécie, incluindo um projecto para reproduzir as aves e libertá-las na natureza. O trabalho ainda não acabou, mas já deu frutos: existem agora 230 zarros-malgaxes em Madagáscar.

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Reportagem: Luas distantes

Quando carrego no botão com o polegar e ligo a minha moto de neve, ela desliza sobre um mar de neve e gelo. Sob a escuridão crepuscular, a paisagem está pintada em tons etéreos de azul. Regressei à cidade depois de ter passado o dia aos ziguezagues num fiorde congelado, um dos muitos do arquipélago norueguês de Svalbard, um aglomerado de ilhas montanhosas no Alto Árctico, onde as auroras dançam e narvais, belugas e morsas patrulham os mares.Corre o mês de Março de 2023 e o Sol regressou por fim a este céu há cerca de um mês. Estou com meia dúzia de cientistas que procuram geoformas peculiares denominadas pingos – ou, mais especificamente, os micróbios que vivem no seu interior. Ancoradas no solo permanentemente gelado, estas cúpulas variam em tamanho – tanto podem ser montículos como pequenas colinas, expandindo-se e contraindo-se sazonalmente à medida que a água que os atravessa congela e degela. É como uma erupção gelada em câmara lenta.As temperaturas caem para -25°C, enquanto os cientistas, bem agasalhados e empunhando armas, fazem várias viagens por dia até aos seus locais de estudo, onde recolhem núcleos de gelo e amostras de água, mantendo-se simultaneamente atentos aos ursos-polares.Os micróbios que povoam os pingos podem fornecer um vislumbre de como a vida extraterrestre sobreviverá noutros mundos do Sistema Solar, sobretudo nas luas com mares globais, por baixo das crostas congeladas. Durante o Inverno, a vida no interior do pingo “não depende minimamente da energia solar, pois utiliza apenas energia química”, explica o microbiólogo Dimitri Kalenitchenko, da Universidade de Tromsø, na Noruega.A história das formas de vida privadas de luz solar no planeta Terra é relativamente recente. Durante muito tempo, “pensámos que a vida deste planeta estaria maioritariamente restrita à superfície… e inteiramente dependente da fotossíntese”, diz Barbara Sherwood Lollar, uma geóloga da Universidade de Toronto que estuda os micróbios que vivem nas profundezas da Terra. Depois, no final da década de 1970, o submersível Alvin explorou uma fonte hidrotermal oceânica escura, junto do arquipélago das Galápagos, e descobriu um ecossistema próspero cerca de 2,5 quilómetros abaixo da superfície do oceano, mudando para sempre as nossas concepções sobre os limites da vida. “É uma daquelas descobertas que nos obriga a ser humildes”, diz Barbara. “Até no nosso próprio planeta, ainda estamos a descobrir processos e ambientes que não sabíamos que existiam.”Do mesmo modo, os cientistas costumavam pensar que a habitabilidade de um mundo dependia da sua distância em relação ao Sol. No entanto essa imagem está incompleta. Agora, três luas distantes, aquecidas pelas forças gravitacionais dos planetas gigantes que orbitam, seduzem os cientistas com promessas de vida extraterrestre nos seus oceanos: Europa, uma das luas de Júpiter, onde existe um mar salgado contendo mais água do que os oceanos da Terra, sob uma plataforma de gelo; e as luas de Saturno, Encelado – um pequeno mundo coberto de gelo com um oceano que irrompe através de fracturas no pólo Sul – e Titã, com uma misteriosa paisagem de lagos de hidrocarboneto líquido aninhada no interior. As observações sugerem que cada lua possui a química, água e energia necessárias para sustentar vida tal como a conhecemos… e talvez como não a conhecemos.Os cientistas costumavam pensar que a habitabilidade de um mundo dependia da sua distância em relação ao Sol. No entanto essa imagem está incompleta.Em breve, poderemos descobrir se estes mares são habitados. A sonda JUICE, da Agência Espacial Europeia e com forte componente industrial portuguesa, está a caminho do sistema joviano para vigiar o planeta gigante e as suas luas geladas, incluindo Europa. Em Outubro de 2024, a sonda Europa Clipper também partiu rumo a Europa, numa missão destinada a resolver os mistérios da crosta e mar salgado. E, mais para o final desta década, a missão Dragonfly enviará um octocóptero até Titã, equipado com um conjunto de instrumentos que poderão detectar sinais de vida na superfície difusa dessa lua. Também estão planeadas missões até Encelado. “É um momento excitante para se ser cientista planetário”, diz Morgan Cable, do Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL) da NASA. “Poderemos, pela primeira vez na história humana, encontrar vida noutro sítio.”Com décadas de planeamento, estas missões custaram milhares de milhões de euros. Para preparar a exploração de um local tão distante, os cientistas testam os seus instrumentos e técnicas nos cantos frios e escuros do nosso próprio quintal. Embora a química da superfície de Titã seja difícil de reproduzir na Terra, as entranhas destas três luas podem não ser muito diferentes dos nossos ambientes aquáticos. Da superfície da Terra às suas grutas subterrâneas, estas investigações estudam algumas das criaturas mais estranhas do nosso planeta. As suas descobertas poderão até escrever o início da história da vida aqui – e talvez noutras paragens.Nessa noite, em Longyearbyen, a maior cidade de Svalbard, embrulhada em mantas e recuperando do frio intenso do Árctico, olhei pela janela mesmo a tempo de ver um homem a apontar o seu telefone ao espectáculo de luzes celestial. Lá fora, ao frio, fitas de serpentinas contorciam-se no alto. Luzes cósmicas cintilantes sobre uma paisagem do outro mundo? Era quase demasiado perfeito.A sonda JUICE, da Agência Espacial Europeia e com forte componente industrial portuguesa, está a caminho do sistema joviano para vigiar o planeta gigante e as suas luas geladas.Deixei pela primeira vez a marca de uma bota na neve de Svalbard há seis anos, enquanto me preparava para embarcar no quebra-gelo norueguês Kronprins Haakon, juntamente com três dezenas de cientistas e engenheiros. Partimos de Longyearbyen e navegámos rumo a uma secção fracturada de leito marinho a norte da Gronelândia. Ali, cerca de quatro quilómetros abaixo de nós, a terra expele fluidos escuros para o mar, formando aquilo que é conhecido como o campo de fontes hidrotermais Aurora. A água salgada que se mistura com as rochas quentes sob o fundo marinho alimenta estas erupções, que geram o calor e a química necessária para os organismos prosperarem. “Podem acolher todo o tipo de formas de vida estranhas e maravilhosas”, diz Chris German, do Instituto Oceanográfico Woods Hole, que passou quase quatro décadas em busca de fontes hidrotermais, enquanto navegávamos para norte. Sob uma camada de gelo permanente, o campo poderá ser um análogo terrestre dos leitos marinhos de Europa e Encelado.Para explorar Aurora, Chris e os seus colegas trouxeram um dos submersíveis não-tripulados mais avançados do mundo: um veículo cor de laranja do tamanho de um monovolume chamado NUI, diminutivo de Nereid Under Ice. O engenho foi concebido para explorar ecossistemas por baixo do gelo. Pode mergulhar até cinco quilómetros de profundidade, “nadar” mais de 40 quilómetros e funcionar durante meio dia sem ser preciso recarregá-lo. O NUI funciona de forma autónoma, mas também pode ser pilotado remotamente. Os cientistas, que observam as transmissões de vídeo captadas pelas suas câmaras, podem dirigi-lo na recolha de determinados sedimentos ou organismos em particular. “A nossa esperança é que o NUI seja uma espécie de Australopithecus ou Homo habilis da nave robótica que um dia visitará Europa”, disse à equipa Kevin Hand, explorador da National Geographic e astrobiólogo do JPL, enquanto o navio avançava através da crosta congelada do nosso planeta. Para ele, Europa é um alvo tentador na demanda para saber se estamos sozinhos no universo.Ao longo de dias, o gelo espesso e demasiado volumoso para o navio conseguir quebrá-lo abrandou a viagem até às fontes hidrotermais. Embora a deslocação fosse difícil, o gelo relativamente fino do Árctico é uma versão mais amigável das crostas que revestem os oceanos extraterrestres. A crosta de Encelado talvez tenha menos de um quilómetro de espessura no pólo Sul, onde os géiseres irrompem. No entanto, as estimativas referentes à crosta de Europa consideram-na consideravelmente mais espessa. A caracterização da crosta congelada de Europa e dos compostos existentes à sua superfície é uma das prioridades principais das missões Europa Clipper e JUICE. Essas sondas sobrevoarão Europa várias vezes para medir a espessura da camada de gelo e estudar as suas camadas e o oceano subjacente, na esperança de que, conseguindo mais informação, as missões do futuro possam atravessar a crosta e aceder à água.O Nereid Under Ice (NUI) foi concebido para explorar ecossistemas por baixo do gelo, funciona de forma autónoma, mas também pode ser pilotado remotamente.Quando a sonda Cassini orbitou o sistema de Saturno entre 2004 e 2017, recolheu amostras da pluma de Encelado em diversas ocasiões, detectando sais, sílica, moléculas orgânicas e hidrogénio molecular, sinais reveladores de actividade no leito marinho. Também detectou fósforo, um elemento fundamental para a vida na Terra. O trabalho do NUI nesta viagem era fazer a primeira boa observação do campo de fontes hidrotermais Aurora e ajudar a perceber se este alimenta reacções químicas capazes de sustentar formas de vida abissais – possivelmente, o tipo de vida capaz de evoluir nos mares extraterrestres escuros e permanentemente cobertos de gelo.Dois dias depois de chegar à vertical do monte marinho Aurora, o NUI mergulhou até à base. À medida que o submersível cor de laranja se afundava no longo crepúsculo do Árctico, um nevão suave caiu sobre os campos de cristais de gelo. O submersível demorou horas a descer até ao leito marinho. Na sala de controlo, um piloto manobrava o veículo. A dada altura, passou-me os comandos e, por alguns instantes, brincámos um com o outro, dizendo que eu detinha o recorde do veículo comandado à distância pilotado por uma mulher que atingira as maiores profundezas do Árctico. (Eram 9h19 e o submersível encontrava-se a 2.775 metros de profundidade, mas quem estava a contar?)Uma hora mais tarde, começaram os problemas. À medida que o NUI se aproximava do seu destino, os sistemas de bordo emitiram alarmes. Em seguida, o piloto relatou que perdera o controlo do submersível. Passado algum tempo, a equipa ordenou ao veículo que largasse os seus pesos de mergulho e começasse a subir até a superfície. Em vez disso, o NUI afundou-se. Alguns minutos depois, a leitura da profundidade do submersível deslocava-se pelo ecrã numa agoirenta linha recta, significando que o engenho caíra sobre o leito marinho. Talvez não tivesse largado os pesos ou talvez um revestimento fundamental tivesse sofrido uma fuga e o submersível tivesse ficado inundado. Agora, pesava de mais para conseguir subir à superfície.Numa escala de zero a dez, perguntei a Chris, até que ponto estaria ele preocupado. “Dez”, respondeu. “Existe um risco legítimo de ter acontecido algo muito mau.” O regresso a casa sem o NUI, o precioso instrumento da equipa e potencial predecessor dos submersíveis es-paciais de amanhã, seria “verdadeiramente atroz”, continuou. Encontra-se tão perto das fontes hidrotermais que, se pudéssemos ligar a câmara do NUI, é provável que estivéssemos a olhar directamente para Aurora.As missões Europa Clipper e JUICE sobrevoarão Europa várias vezes para medir a espessura da camada de gelo e estudar as suas camadas e o oceano subjacente. Passaram-se três dias. A equipa do NUI monitorizava a localização do submersível, prestando atenção a quaisquer alterações, enquanto Kevin e muitas outras pessoas tentavam montar um veículo subaquático cor de laranja do tamanho de uma caixa de sapatos utilizando peças sobressalentes. Estavam a planear uma missão de resgate desesperada que, tanto quanto eu conseguia perceber, implicava pescar o NUI com o dispositivo improvisado.Nessa manhã, houve boas notícias: o NUI subia a caminho da superfície. A última salvaguarda – um fio corrosível que prendia os pesos de mergulho ao submersível – funcionara. Tinham simplesmente sido necessárias mais do que as previstas 24 a 48 horas para a água salgada roer o fio, provavelmente porque a química acontece a ritmo mais lento nas temperaturas negativas do Árctico. Nessa tarde, o NUI estava de volta a bordo, depois de, felizmente, vir à superfície sob um raro pedaço de gelo fino, em vez das plataformas grossas que cobriam a área.O NUI não explorou Aurora durante esta campanha, mas as fontes hidrotermais continuavam ao nosso alcance. Nessa mesma noite, a deslocação do gelo colaborou e o navio singrou exactamente por cima do campo das fontes, arrastando atrás de si uma câmara de alta tecnologia junto do leito marinho. A imagem revelou que Aurora continha uma enorme fumarola negra, uma falha com quase dois metros de diâmetro, que expelia minerais quentes e sulfídricos para o mar. No entanto, no que diz respeito a fontes hidrotermais, parecia incrivelmente pouco povoada, comentou Eva Ramirez-Llodra, a cientista que co-dirigia a missão. Detectámos apenas meia dúzia de caracóis do mar e crustáceos – nenhum dos dramáticos vestimentíferos tubulares ou amêijoas que se aglomeram em torno de outras fontes hidrotermais em mares profundos. No meio da desolação, porém, florescia um jardim de esponjas de vidro. Essas criaturas filigranadas, aparentemente os únicos organismos que abundavam ali em baixo, parecem sempre moribundas. Os seus esqueletos são maioritariamente compostos por sílica em vez de carbonato de cálcio, o que faz sentido: a sílica é comum no mar profundo. A vida encontrou uma forma de a utilizar.A imagem revelou que Aurora continha uma enorme fumarola negra, uma falha com quase dois metros de diâmetro, que expelia minerais quentes e sulfídricos para o mar. Apesar de todos os problemas com que nos deparámos na campanha, o grupo conseguiu realizar a sua primeira boa observação de Aurora. E as fontes hidrotermais estavam activas e eram mais misteriosas do que se esperava. A maior fonte do campo era uma das maiores fumarolas negras que Chris German vira em toda a sua carreira.O trabalho do NUI nesta viagem era fazer a primeira boa observação do campo de fontes hidrotermais Aurora e ajudar a perceber se este alimenta reacções químicas capazes de sustentar formas de vida abissais. Por vezes, faz mais frio no Árctico do que nos mares extraterrestres. Isto não é divertido para alguém tão sensível ao frio como eu. Contudo, o frio húmido e persistente de uma gruta italiana revelou-se ainda pior. Penetrou em mim directamente até aos ossos e recusava-se a sair. Não seria bom se as incubadoras extraterrestres do Sistema Solar fossem mais tropicais?Em Fevereiro de 2023, visitei o sistema de grutas Frasassi, no Centro de Itália, acompanhando cientistas em busca de algumas das criaturas menos conhecidas da Terra: micróbios que vivem nas profundezas subaquáticas da gruta. Crescendo em águas tóxicas e privadas de oxigénio, estas comunidades improváveis são alimentadas pelo calor gerado pela interacção da água com a própria rocha, produzindo combustíveis metabólicos como sulfeto de hidrogénio e metano, tal como os organismos que dependem das fontes hidrotermais oceânicas.Na opinião dos cientistas, estas reacções químicas poderão ocorrer em luas geladas. Também suspeitam que a química de Frasassi seja semelhante à dos oceanos ancestrais da Terra, onde as sementes da vida biológica terrestre poderão ter germinado. “A Terra era um planeta muito diferente quando nasceu”, explicou Jennifer Macalady, geomicrobióloga da Universidade Estadual da Pensilvânia que visita este sistema de grutas há mais de vinte anos. “Se pensarmos que este aquífero era parecido com os primeiros oceanos da Terra e que os primeiros oceanos da Terra poderão ter algumas semelhanças com oceanos de outros planetas, este é um excelente sítio para aperfeiçoarmos as nossas capacidades para detectar vida.”A maior galeria do sistema foi descoberta na década de 1970 e tem 65 andares de altura. É tão grande que o Duomo de Milão, uma unidade de medida importante para os italianos, poderia caber no seu interior – só que as únicas gárgulas que aqui existem foram esculpidas, gota a gota, pela lenta infiltração de água rica em minerais. Uma caminhada nesta câmara fria e húmida é um pouco como ganhar um bilhete dourado para visitar a Fábrica de Chocolate de Willy Wonka… só que estas guloseimas foram feitas com calcário, água e ácido. Reluzentes, escorregadias e cintilando com cristais, algumas estalagmites têm 20 metros de altura e são tão largas como sequóias-vermelhas de crescimento antigo.Ninguém conhece a extensão da rede de lagos de Frasassi, que se encontram ligados por um vasto aquífero subterrâneo. “Não houve muitos mergulhos no aquífero de Frasassi porque, para começar, é tóxico. Em segundo lugar, é de difícil acesso. Temos de ser muito bons com uma corda e bastante resistentes. E, depois, temos de ser mergulhadores”, disse Jennifer. Quando visitou Frasassi pela primeira vez, não tinha experiência em espeleologia. Agora é uma espeleóloga competente e fala fluentemente italiano – o seu cão chama-se Lavastoviglie, que significa, em italiano, “máquina de lavar loiça” (algo que muitos cães são).Nas profundezas do aquífero, existe uma camada de água doce e transparente sobre a água salgada saturada de sulfeto de hidrogénio tóxico. Essa camada inferior borbulha a partir das profundezas da Terra e, além de cheirar mal, é anóxica – não contém oxigénio dissolvido capaz de sustentar metabolismos microbianos. “Não esperávamos encontrar quase nada nessa camada de sulfeto de hidrogénio”, disse Jennifer. “Mas descobrimos inesperadamente que vivia ali uma floresta de micróbios.”Em 2004, mergulhadores italianos descobriram que a camada tóxica de um dos lagos de Frasassi, o lago Infinito, era surpreendentemente habitada. Havia biofilmes negros e filamentosos (comunidades cooperativas de micróbios) suspensos no tecto rochoso subaquático, como cortinas góticas esfarrapadas. Alguns atingiam um metro de comprimento. Nas profundezas aparentemente estéreis do lago, os mergulhadores assustaram-se e fugiram. “Quando vemos gosma alienígena numa gruta, o primeiro instinto é voltar para trás”, brincou Jennifer.Em 2004, mergulhadores italianos descobriram que a camada tóxica de um dos lagos de Frasassi, o lago Infinito, era surpreendentemente habitada.Os micróbios mais intrigantes de Frasassi são os autótrofos, ou organismos que fabricam o seu próprio alimento a partir de gases e minerais. Já foram encontrados em vários lagos subterrâneos. Por vezes, têm um aspecto escuro e tentacular, noutras são cinzentos e emplumados. Trabalhos preliminares apontam para a existência de milhares de espécies que colaboram para criar estes estranhos apêndices. Alguns têm sequências genéticas reconhecíveis, mas nenhum é inteiramente conhecido pela ciência. E uma boa fracção é aquilo a que Jennifer Macalady chama “matéria escura genética”, o unicelular desconhecido. À medida que os cientistas sequenciam mais micróbios, vai sendo “mais raro encontrar uma comunidade que contenha tanta desta matéria escura genética”, disse.Nesta viagem, Dani Buchheister, uma das alunas de pós-graduação de Jennifer, acalentava esperanças de que os mergulhadores conseguissem recolher biofilmes para ela tentar convencer os misteriosos autótrofos a crescer em laboratório. Se conseguir fazê-lo, talvez possa resolver os mistérios sobre a identidade dos micróbios e descobrir como eles sobrevivem nestas águas malcheirosas e sufocantes, mantendo em vista o que isso significa para a vida mais além. “[Fui ficando] cada vez mais convencida de que, se encontrarmos vida no nosso Sistema Solar, será provavelmente em ambientes abaixo da superfície”, disse Dani.À medida que os cientistas sequenciam mais micróbios, vai sendo “mais raro encontrar uma comunidade que contenha tanta desta matéria escura genética”, diz a investigadora Jennifer Macalady.É por isso que estamos na margem lamacenta do lago dell’Orsa, a 25 metros em rappel, a partir do passadiço turístico que existe lá em cima. Dois mergulhadores desceram sob as águas frias, cor de água-marinha, para recolher amostras de biofilme, mas dez minutos mais tarde apenas um, Kenny Broad, regressara. Voltou de imediato a mergulhar para procurar o seu parceiro, Nadir Quarta, nas passagens mal cartografadas. “Não percebo por que motivo eles não voltaram”, impacientou-se Jennifer, apontando a lanterna do frontal para a escuridão enquanto se equilibrava numa rocha escorregadia. Ficámos todos calados enquanto as gotas de água que caíam no chão da gruta ecoavam na galeria.Passada uma eternidade (ou talvez vários minutos), ouvimos o gorgolejo de dois mergulhadores de regresso à superfície. “Isto foi um pouco assustador”, disse Kenny, enquanto flutuava. Explorador Rolex National Geographic do Ano de 2011 e antropólogo ambiental da Universidade de Miami, Kenny é um dos poucos mergulhadores qualificados para esta expedição, que exige proficiência na utilização de rebreather, bem como experiência em fotografia subaquática e recolha de amostras científicas. Nadir viera da Suíça, viajando de automóvel. Enquanto mergulhavam, a dupla separou-se e Nadir desceu por uma passagem a qual chamou “uma confusão”. Debaixo de água, com má visibilidade, Kenny não conseguia encontrá-lo.Depois de termos a certeza de que os mergulhadores estavam bem, Jennifer perguntou: “Viram algo cinzento e difuso?”Durante o segundomergulho no lago dell’Orsa, Kenny encheu cinco grandes ampolas com biofilmes diáfanos, um material tão frágil que se desfazia ao menor movimento. De volta à estação de campo, começou a “descongelar” e alongou-se. “Não era visualmente impressionante”, disse. “Mas há algo nas grutas que as faz parecer alienígenas. São um portal para outro sítio.”Quando nos reunimos no laboratório da estação de campo, Jennifer já tinha alguns biofilmes no microscópio. Espreitando através da ocular, vi finalmente estes intrigantes intraterrestres. As suas gavinhas cinzentas e esfiapadas, semelhantes a algodão, eram pontuadas por aglomerados negros de pirite – possivelmente, o sinal revelador de uma via metabólica primordial que transforma o fedorento sulfeto de hidrogénio em pirite e gás de hidrogénio. Os cientistas suspeitam que uma via económica em termos energéticos poderá ter alimentado as primeiras formas de vida na Terra, mas ainda ninguém descobriu provas. Talvez até agora. “Aquilo são frambóides de pirite, o produto residual deste metabolismo que procuramos”, disse Jennifer, apontando para a esfera negra. “É uma pista.”Para resolver esse mistério e identificar os micróbios, Dani Buchheister terá de cultivá-los em laboratório e isso poderá ser difícil por várias razões: as estimativas preliminares da equipa sugerem que estes micróbios se dividem em cronologias muito longas, possivelmente uma vez por século ou milénio. Existe tão pouca energia disponível nas profundezas do aquífero de Frasassi que, tal como as esponjas de vidro que povoam o abismo árctico, estes micróbios descobriram como sobreviver utilizando aquilo que estava ao alcance. “É este o meu fraquinho”, disse Dani. “Aprendo sobre os limites da vida na Terra, os sítios estranhos onde ela vive e como essa informação poderá influenciar onde e como procurá-la fora da Terra.”Quando regresso a Longyearbyen em Março, Dimitri Kalenitchenko – que esteve a bordo do Kron prins Haakon – está a colaborar com Kevin Hand. Muito mudou desde que nos encontrámos pela última vez no Norte gelado. Eva Ramirez-Llodra, co-directora científica do meu cruzeiro, e a sua equipa revisitaram o campo de fontes hidrotermais Aurora em 2021 e recolheram o sangue vital das profundezas que irrompia de duas fumarolas negras. Estas fontes hidrotermais ganharam nomes: Encelado e Ganimedes, sendo este último uma referência à lua gelada gigante de Júpiter, a maior do Sistema Solar.Contudo, o nosso alvo nesta missão é o gelo terrestre dos pingos e não o gelo marinho. Ao longo de várias campanhas, esta equipa recolherá núcleos de gelo e caracterizará as comunidades microbianas que povoam três sítios nos arredores da cidade. O trabalho sugere que estes micróbios partilham características com espécies que costumam viver em pontos quentes de biodiversidade no mar profundo. Aquilo que acontece nos pingos parece corresponder ao que “vemos no mar profundo”, explicou Dimitri.Tal como no aquífero de Frasassi, o sulfeto de hidrogénio deixa o seu cartão-de-visita fedorento em alguns reservatórios de pingos. O gelo apresenta-se carregado de metano, um composto ao qual Keven Hand se refere como “o primeiro almoço da vida”. Estas duas moléculas podem ser, simultaneamente, alimento microbiano e resíduos microbianos. Apropriadamente, as vias metabólicas que consomem e excretam sulfeto de hidrogénio e metano dominavam a química dos ambientes terrestres que visitei no âmbito desta reportagem. Estas vias são, possivelmente, das mais simples e menos exigentes, em termos energéticos, do repertório unicelular, o que significa que talvez sejam um modelo para o que poderá surgir noutro local.Tal como no aquífero de Frasassi, o sulfeto de hidrogénio deixa o seu cartão-de-visita fedorento em alguns reservatórios de pingos. O gelo apresenta-se carregado de metano. Ao derreter núcleos de gelo e estudar esse metano, Kevin Hand poderá determinar se o gás foi produzido biologicamente ou se é um resultado da geologia e da química – exactamente o mesmo tipo de ciência que, um dia, poderemos fazer com uma fatia de gelo extraterrestre. No entanto, não é tão simples identificar o trabalho desenvolvido pela vida noutro mundo simples como estudar os átomos de carbono existentes no metano. As impressões digitais remotas da biologia extraterrestre, talvez retidas no gelo ou flutuando em alguns milímetros de água do mar, deverão produzir várias assinaturas biológicas.Em luas como Europa e Encelado, com químicas semelhantes à da Terra, os cientistas podem formular conjecturas informadas sobre aquilo que procuram. No entanto, a superfície de Titã, que Dragonfly vai explorar, pode parecer enganosamente semelhante à da Terra, mas a química não será familiar. Ali faz tanto frio que os lagos e mares se encontram carregados de metano e etano líquido, enquanto a paisagem é formada por gelo duro como uma rocha. A identificação das impressões digitais da vida em Titã será um desafio diferente. “Teremos de ser pacientes no Sistema Solar exterior”, diz a cientista planetária Elizabeth “Zibi” Turtle, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, que lidera a missão Dragonfly até Titã. “É a natureza da zona do Sistema Solar que andamos a explorar.”Apesar de tudo, será um desafio notável. “Temos de descobrir”, diz Robert Pappalardo, do JPL, líder científico da missão Europa Clipper. “Isto pode significar uma nova revolução copernicana na forma como compreendemos o lugar que ocupamos no universo.” Artigo publicado originalmente na edição de Julho de 2025 da revista National Geographic.

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Saba, o segredo mais bem guardado das Caraíbas que Colombo desvalorizou

Situada a 45 quilómetros de St. Maarten, a ilha de Saba, com 13 quilómetros quadrados, não é o primeiro sítio que nos ocorre quando pensamos em turismo de aventura. Envolta em vegetação selvagem de todos os ângulos, esta ilha vulcânica quase parece vazia quando vista ao longe. Sem semáforos, nem arranha-céus, nem praias, nem multidões, permanece relativamente desconhecida, sendo uma das ilhas habitadas mais pequenas das Caraíbas.No entanto, este isolamento é exactamente aquilo que torna Saba pouco convidativa e intrigante. Em 1493, a ilha chamou a atenção de Cristóvão Colombo, que preferiu não parar ali devido à sua costa escarpada. Ironicamente, aquilo que dissuadiu os exploradores atraiu, mais tarde, os bandidos: a ilha acabou por se tornar um dos esconderijos preferidos de piratas e contrabandistas, que se refugiavam nas suas falésias íngremes e enseadas isoladas.Subir a Mount SceneryVisível tanto a partir de terra como do mar, o vulcão adormecido de Mount Sceneryé o pináculo de Saba e o ponto mais alto do Reino dos Países Baixos. Embora haja vários trilhos para percorrer, o mais extenuante é a escadaria de 1.064 degraus até ao cume– certamente não recomendado para principiantes. Embora grande parte da terra tenha permanecido inutilizada até ao século XX, as encostas suaves foram cultivadas até à década de 1960, quando o Trilho de Mount Scenery começou a ser construído. “A minha tarefa era carregar cimento e água no burro do meu pai. Quatro homens e quatro burros. Comecei em 1969 e completei os degraus até ao último em 1970”, recorda o residente e guia, James ‘Crocodile’ Johnson.Ao longo do trilho, verá flora e fauna selvagem de ambos os lados. O Giant Taro, ou ‘orelhas de elefante’, funciona como abrigo das chuvadas tropicais. Perto do cume, dois trilhos estreitos conduzem os caminhantes até ao centro da floresta nebulosa, densamente coberta de árvores de mogno e com uma neblina fresca bem-vinda.Visite os melhores sítios para mergulhar O pico de um vulcão extinto nas ilhas setentrionais das Pequenas Antilhas, Saba está rodeada por falésias e baías que conduzem a sítios de mergulho espectaculares. A ilha é particularmente famosa pelos seus pináculos e montes marinhos (vulcões subaquáticos) que se erguem até 26 metros acima da superfície. Existem mais de 30 sítios para mergulhar protegidos poucos minutos do porto e a ilha alberga o maior atol submerso do oceano Atlântico.Os recifes em forma de anel são formados pela erupção de montes marinhos que expelem lava e criam ilhas oceânicas. Em seguida, corais minúsculos aderem a estas ilhas, criando o exosqueleto dos recifes. Com uma biodiversidade próspera, composta por baleias, tubarões, golfinhos, tartarugas e peixes, o Parque Nacional de Saba Bank foi criado em 2010.Situado na extremidade oriental de um monte marinho em forma de ferradura, o Third Encounter atinge uma quantidade máxima de 33 metros e fica perto do misterioso Eye of the Needle. Estendendo-se 27 metros abaixo da superfície, o pináculo é o lar de tubarões-de-recife-caribenhos, tubarões-lixa, mantas, vários cardumes de peixes e uma garoupa de Nassau amigável chamada Charlie.As famosas areias quentes e saliências dramáticas de Saba podem ser encontradas em Babylon, onde tartarugas-de-pente e tubarões-lixa deslizam graciosamente junto a fluxos de lava e rampas de areia. Um pouco mais a sul, as Hot Springs(Nascentes Quentes) realçam as origens vulcânicas da ilha com uma grande variedade de vida marinha e rochedos incrustados com corais.Onde fazer caminhadasÉ possível encontrar solitude em toda a ilha de Saba. Acordar com o suave coaxar de centenas de rãs arborícolas todos os dias. Existe natureza intocada em todos os cantos. Com as suas ruas serpenteantes e massas verdejantes, passear em Saba é como entrar e sair da ilha, mas também existem alguns trilhos de caminhada bem mantidos.A vista do topo de Mount Scenery é deslumbrante, com fiapos de nuvens e vislumbres distantes da civilização, mas existem mais 20 trilhos de caminhada bem mantidos para caminhantes de todos os níveis. Partindo no mesmo ponto que o Trilho de Mount Scenery, em Windwardside, o Trilho Crispeenatravessa a floresta húmida secundária de Saba, onde poderá observar várias espécies de aves, insectos e flora vibrante.Ponha o seu equilíbrio à prova no Ladder Trail (Trilho da Escada) – cerca de 800 degraus ao longo da costa. Este caminho foi outrora a principal rota para o transporte de mercadorias. Esculpida na rocha, a escadaria íngreme proporciona vistas panorâmicas do oceano e é uma lição de humildade.Com poças tranquilas e ondas furiosas, o Tidepools Trail (Trilho das Poças de Maré) é um espectáculo para todos os sentidos. Este trilho fácil demora 25 minutos a percorrer (num só sentido) junto à costa e é uma maneira especial de observar rios de lava antigos e ecossistemas vibrantes.Onde praticar snorkelingOs mares intocados e os vestígios vulcânicos atraem uma abundância de vida marinha para os recifes em redor de Saba. OParque Marinho de Sabaconta com mais de 30 sítios para mergulhar e alguns sítios para praticar snorkeling de fácil acesso. As águas pouco profundas de Wells Bay contêm uma variedade de espécies juvenis e estruturas subaquáticas interessantes. Também é um dos únicos locais de ilha onde pode entrar directamente no mar directamente a partir da costa, graças à sua praia que cresce e encolhe, dependendo das marés. Outro sítio de snorkeling popular fica na extremidade norte de Wells Bay. As águas protegidas e a transparência de Torrens Point proporcionam excelentes condições para um mergulho em águas rasas ou uma exploração de snorkeling mais experiente, com profundidades entre 1,5 e 9 metros. A opção mais comum para os visitantes é apanhar um barco para visitar alguns sítios para praticar snorkeling, com a ajuda de um guia. Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Como era a vida na antiga Babilónia

A cidade de Babilónia, ladeando o Rio Eufrates, na Baixa Mesopotâmia alcançou o zénite da sua época mais antiga durante oreinado de Hammurabi (r.1792-1750 a.C.). Sob o seu domínio, a capital do Império Babilónico consolidou-se como centro cosmopolita, atraindo migrantes de toda a região.O império começou a ganhar poder e prestígio no tempo do Império Babilónico Antigo (1894–1595 B.C.), mas Hammurabi expandiu-o, conquistando grandes parcelas de território na Mesopotâmia, incluindo cidades distantes como Ur, Eshnunna, Assur, Nínive e Tuttul. À medida que o alcance de Hammurabi aumentava, grande parte do reino floresceu – a nível cultural, económico, social e religioso – sobretudo na capital, Babilónia.A vida quotidiana, a família e a divórcioOs milhares de textos cuneiformes desta época proporcionam-nos vislumbres fascinantes das vidas dos babilónicos. Registam os feitos dos reis, confrontos militares, visitas diplomáticas e códigos de leis. Também nos dão um conhecimento fascinante sobre a vida quotidiana dos habitantes da Mesopotâmia: os seus afazeres habituais, o que os preocupava, a sua concepção de família e aquilo que compravam e vendiam. Esses documentos surpreendentemente pormenorizados, muitos dos quais são tabuinhas de argila, mostram que a sociedade babilónica de há quase 4.000 anos não era assim tão diferente da nossa.A família era o ponto central em torno do qual toda a comunidade estava estruturada. A casa de uma família babilónica típica tinha duas ou três divisões, por vezes mais, construídas em torno de um pátio aberto. Algumas divisões deveriam ser utilizadas como quartos, mas há evidências que apontam no sentido de outras servirem de oficinas ou lojas. As casas mais ricas tinham confortos adicionais, como casas de banho, salas com sistemas de segurança metálicos para guardar objectos preciosos e salas que poderiam ser utilizadas como santuários religiosos.As famílias da Babilónia costumavam ser baseadas em casamentos monógamos. A poligamia era permitida por lei, mas apenas em situações específicas: por exemplo, se a primeira mulher não gerasse um filho, ou caso um mercador vivesse noutra cidade durante muito tempo e ali contraísse um segundo matrimónio. Por vezes, os contratos de casamento – conhecidos como rikistuem acádico, uma palavra que também se aplicava a outros tipos de contratos – eram registados por escrito, estipulando pormenores como o dote que a família da noiva deveria oferecer. Nesta sociedade, o casamento não tinha de durar para sempre e poderia ser revogado através do divórcio. Os noivados também podiam ser rompidos. Vários textos babilónicos mostram como estas rupturas se processavam. Na linguagem da época chamava-se “cortar a bainha”.Num texto do século XVIII a.C.,um homem chamado Aham-nirši pretende cancelar o seu casamento, prestes a ser realizado. O texto diz o seguinte: “Na presença destas testemunhas, perguntaram a Aham-nirši: ‘Esta mulher (ainda deverá ser considerada) sua esposa?’ Ele declarou: ‘(Podem) pendurar-me num gancho, podem desmembrar-me – não ficarei casado (com ela)!’ Foi o que ele disse. Questionaram a sua mulher e ela respondeu: ‘Eu (ainda) amo o meu marido.’ Foi assim que ela respondeu. Mas ele recusou. Ele deu um nó na bainha dela e cortou-a.”“A regra da rectidão”O Código de Hammurabi, inscrito numa estela originalmente colocada no templo de Marduk, na Babilónia, no século XVIII a.C., é o compêndio legal mais icónico da Mesopotâmia. No seu prólogo, o rei justifica o seu papel enquanto legislador:Quando Anu . . . e Bel . . . atribuíram a Marduk . . . domínio sobre o homem da terra e o tornaram grande… chamaram Babilónia pelo seu nome ilustre, tornaram-na grande na terra e fundaram um reino duradouro sobre ela, cujas fundações são tão sólidas como as do céu e da terra; depois Anu e Bel chamaram-me pelo nome, a mim, Hammurabi... para impor a regra da rectidão sobre a terra, para destruir os malvados e os malfeitores, para que os fortes não prejudiquem os fracos.” Adopção e herdeirosTer filhos era o derradeiro objectivo do casamento e havia protocolos caso um casal não conseguisse ter filhos por qualquer razão. Eles estavam conscientes de que o útero desempenhava um papel essencial na reprodução. A epopeia babilónica Atrahasis, sobre a criação dos seres humanos e o grande dilúvio, inclui a frase “o útero foi aberto e fez bebés”. Existem textos medicinais que demonstram que os babilónicos utilizavam determinadas ervas, amuletos ou artes mágicas para tentarem ultrapassar a infertilidade.Os casais sem filhos biológicos também tinham possibilidade de adoptá-los, fossem bebés, crianças mais crescidas ou adolescentes. O fenómeno da adopção deveria ser relativamente comum dado o grande número de textos existentes sobre o tema. Através deste acto de filiação legal, era criado um vínculo análogo à filiação biológica entre os pais adoptivos e a criança adoptada. O texto diz o seguinte: “Yasirum e Ama-Suen Assumiram como filho um bebé lactente, chamado Ili-awili, filho de Ayartum, a sua mãe e Erištum, o seu marido.” Havia muitas razões para proceder a uma adopção: obter um herdeiro, um aprendiz ou uma pessoa para cuidar dos pais adoptivos na velhice. Ter alguém que se encarregasse dos ritos funerários era outra razão para os casais adoptarem. Quanto à criança adoptada, poderia herdar património, aprender um ofício ou, no caso das crianças mais novas, ser criado desde a infância. As adopções nas quais uma criança se tornava aprendiz do pai adoptivo são confirmadas por vários documentos.Atitudes em relação ao abortoAs evidências de como os mesopotâmicos encaravam o aborto transmitiam uma imagem mista. Um texto médico sobrevivente da região parece aceitar a prática, dando instruções para proceder a uma interrupção de gravidez. É dirigido a: “uma mulher grávida, para que o seu fruto [o feto] seja expelido”. O texto prossegue e menciona oito plantas que devem ser trituradas, misturadas com vinho e bebidas com o estômago vazio.No entanto, as leis do Império Assírio Médio, do século XIV a.C. estabelecem um castigo terrível para qualquer mulher que tome a decisão de abortar: “se uma mulher abortar o seu feto pelos seus próprios meios e as acusações contra ela forem provadas e a considerarem culpada, ela deverá ser empalada e não deverá ser enterrada. Se ela morrer por ter abortado o seu feto, deverá ser empalada e não deverá ser enterrada.”Por exemplo, uma tabuinha datada do século XV a.C. descoberta em Nuzi, uma cidade no norte da Mesopotâmia diz o seguinte: “Huitilla, filho de Warteya, deu o seu filho Naniya para ser adoptado por Tirwiya, servo de Enna-mati. Tirwiya deverá arranjar uma esposa para Naniya ensinar-lhe o seu ofício de tecelão… Se Tirwiya não conseguir ensinar o ofício de tecelão a Naniya, Huitilla poderá recuperar o seu filho Naniya.”Artesãos e mercadoresNa Babilónia, era normal os homens jovens aprenderem um ofício em casa, seguindo geralmente as pegadas do seu pai. Existem dezenas de casos certificados de escribas, sacerdotes e artesãos, que transmitiram a sua profissão a várias gerações de descendentes. Noutras ocasiões, e através de um contrato de aprendizagem, um profissional reconhecido aceitava um aprendiz para o ensinar, como no exemplo acima referido, no qual o tecelão Tirwiya aceitou Naniya como aprendiz e filho adoptivo.Os babilónicos valorizavam o artesanato. Na região da Suméria (na Baixa Mesopotâmia, no sul do Iraque), a maioria dos artesãos e mercadores estavam ligados a instituições do palácio e do templo. Por outro lado, na Babilónia do tempo de Hammurabi existem evidências de muitos destes indivíduos trabalharem por sua conta. Os arqueólogos recuperaram milhares de tabuinhas de argila que registam entregas (geralmente de cevada) a indivíduos específicos e mencionam frequentemente a sua profissão. Existem tabuinhas mencionando jardineiros, ferreiros, padeiros e construtores. Muitas pessoas, geralmente mulheres, crianças e pessoas escravizadas, trabalhavam em ofícios relacionados com a indústria têxtil, como tecelagem, cardagem (desembaraçar e preparar as fibras), ou enxugo (lavar e aumentar a grossura de um tecido feminino). Os artigos que produziam eram vendidos em toda a Mesopotâmia por mercadores que viajavam ao longo de rotas comerciais consolidadas. A melhoria das infra-estruturas, irrigação, comércio e, mais tarde, a expansão militar, contribuíram para aumentar a riqueza do império.Tribunais e juízes A força da sociedade babilónica assentava em vários aspectos, incluindo o seu governo centralizado, diplomacia e leis. O Código de Hammurabi – 282 leis divulgadas por todo o império – definia um sistema legal, ordem social, regras económicas, leis para as mulheres e castigos, entre outras coisas. Não faltavam ocasiões para recorrer à justiça. Poderia haver disputas sobre propriedades, conflitos relacionados com heranças, roubos ou divórcios. Os juízes eram respeitados pelo seu conhecimento profundo dos códigos legais e por atribuírem os castigos apropriados quando alguém violava a lei. Vários juízes poderiam presidir a um tribunal. Com efeito, quanto mais juízes houvesse, maior a noção de legitimidade das partes envolvidas. Todos os julgamentos eram realizados pro se, com os litigantes representando-se a si próprios. Não havia advogados profissionais na Babilónia.Os processos judiciais sobre casos graves eram julgados por juízes ligados à monarquia. Um documento do século XVIII a.C. registou como três pessoas processaram uma mulher chamada Sumu-la-ilu devido à propriedade de uma casa e de pomares e foram ouvidos pelo próprio rei. “Eles apresentaram-se diante do rei para a litigação. O rei [julgou] o caso da mulher Sumu-la-ilu. Daqui em diante, quem [apresentar] um processo deverá pagar 200 [shekels] de prata.”Amantes do lazer O entretenimento era uma parte fundamental da vida quotidiana na antiga Babilónia. Existem provas de que eles tocavam instrumentos, como a flauta, e dançavam. Para além de músicos e bailarinos, havia outros artistas profissionais, incluindo cantores, encantadores de serpentes, acrobatas e treinadores de ursos.Também havia jogos. Um dos mais populares era o jogo dos dados, para o qual utilizavam ossos dos tornozelos de animais com uma forma cúbica. Estes dados também poderiam ser utilizados para prever o futuro quando lançados sobre tabuinhas de argila gravadas com os signos do zodíaco.Os babilónicos participavam em festivais e procissões religiosas, incluindo o Akitu, ou festival do Ano Novo, que era extremamente importante. Este festival celebrava Marduk, a divindade principal do panteão babilónico e comemorava a sua vitória sobre a deusa Tiamat. O Akitu era um momento de união entre o céu e a terra, os ricos e os pobres, os deuses e as pessoas comuns. Foram estes alicerces sociais, assentes no Império Antigo, que permitiram que Babilónia se tornasse uma jóia da antiguidade.Louvores de Ano Novo a MardukO Akitu tinha as suas raízes num ritual antigo, do terceiro milénio a.C., relacionado com a cevada. Decorria entre Março e Abril. Um dos pontos altos do festival era quando a epopeia da criação Enuma Elish era lida em voz alta na casa do Ano-Novo, situada a norte da Babilónia. Este texto antigo relata como o deus Marduk pegou no corpo da sua inimiga, a deusa Tiamat, e o partiu em dois para criar os céus e a terra. Uma estátua de Nabû, filho do deus supremo Marduk, era trazida da cidade vizinha de Borsippa. Depois, todas as estátuas rituais participavam num desfile diante da população que comemorava, alegre. O festival foi realizado na região durante mais de um milénio, até uma data tão tardia quanto o século III d.C.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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De Nabokov a Merkel: 7 personalidades que poderá não saber que são ou foram cientistas

1. Hedy LamarrHedwig Eva Marie Kiesler foi uma actriz de destaque dos anos 1930, 40 ou 50, atingindo talvez o seu pico de popularidade na produção Sansão e Dalila, de Cecil B, DeMille, em 1950.O seu estrelato nas telas (e, de forma literal, na calçada em Holywood) eclipsou totalmente a sua contribuição mais importante para as nossas vidas: a invenção, juntamente com o pianista George Antheil, de um sistema que permitiria à Marinha  dos Estados Unidos da América controlar via rádio torpedos enquanto variava a frequência de emissão para impedir que o inimigo a bloqueasse.Esta invenção – apenas uma das várias que Hedy criou nos sets dos seus filmes – seria recusada pela Marinha, mas acabaria mais tarde por ser um contributo importante para o desenvolvimento dos modernos sistemas de GPS e de WiFi, valendo a Lamarr uma entrada póstuma para o Hall of Fame dos inventores americanos.2. Brian MayBrian Harold May ficou mais conhecido no nosso imaginário como guitarrista e compositor mas, tanto antes como depois da sua carreira nos palcos, o seu coração esteve noutro lugar: a astrofísica. Aquando da ascensão da banda, May estudava para o seu doutoramento no Imperial College de Londres, estudando como a luz reflecte na poeira interestelar.Apesar de ter abandonado o seu doutoramento quando os Queen começaram a ter verdadeiro sucesso, em 1974, viria a retomá-lo em 2006 – com mais 33 anos de dados para analisar – e a terminá-lo com sucesso, dedicando-se depois à investigação na área no Imperial College e desempenhando mesmo o cargo de chanceler da Universidade John Moores de Liverpool entre 2008 e 2013. Nos últimos anos, tem-se dedicado à investigação.3. BRYAN HollandBryan “Dexter” Holland tem uma história até certo ponto parecida com a de Brian May: também ele interromperia – com 20 anos de diferença de May – o seu doutoramento em Biologia Molecular na Universidade da Califórnia do Sul devido ao sucesso da sua banda, para retornar na década de 2010 e entregar – depois de ser co-autor de um artigo  publicado na PLOS One em 2013 – uma tese de 175 páginas sobre pequenas sequências de micro RNA existentes no VIH, e que desempenharão um papel na maneira de como o vírus evade o sistema imunitário.4. Greg Graffin Outro punk rocker norte-americano, Greg Graffin é mais conhecido como o vocalista dos Bad Religion, mas é detentor desde 2003 de um doutoramento em Zoologia pela UCLA, e fez mais do que simplesmente doutorar-se em Biologia Evolutiva, avaliando as posições religiosas de vários evolucionistas de renome. É também professor, pelo menos a tempo parcial, tendo já dado aulas na sua alma mater, mas também na prestigiada Universidade de Cornell.5. Vladimir NabokovO autor de Lolita ou de Pnin é um dos escritores russos tardios mais conceituados, mas algo o apaixonava ainda mais do que a literatura, segundo o próprio. A sua verdadeira paixão era, então, a entomologia, e dedicou-se a ela de maneira muito séria. Nos anos 1940, foi, enquanto research fellow na Universidade de Harvard, responsável pela organização da colecção de borboletas do Museu de Zoologia Comparativa da mesma universidade, que ainda mantém um armário contendo a sua colecção de genitálias preservadas (nas borboletas, como noutros invertebrados, muitas vezes a distinção entre espécies só é possível analisado os seus órgãos genitais cuidadosamente).Vladimir Nabokov destacou-se também como taxonomista de um género de borboletas presente no nosso país, as azulinhas Polyommatus e outras espécies relacionadas na tribo Polyomattini, muitas das quais apresentam o seu nome em reconhecimento da comunidade – é o caso do género Nabokovia. Uma das suas teorias, desacreditada à época, seria mais tarde reivindicada por análises genéticas: a de que as Polyomattus teriam uma origem euroasiática, tendo colonizado o continente americano atravessando múltiplas vezes o estreito de Bering.6. Angela MerkelQualquer pessoa que tenha assistido às notícias nas últimas décadas facilmente reconhecerá a cara da ex-chanceler germânica, que comandou o governo do seu país como figura maior da CDU entre 2005 e 2021. O que menos pessoas saberão é que, antes de se dedicar à política, Angela Dorothea Merkel obteve um doutoramento em química quântica pela Academia das Ciências em Berlim, tendo trabalhado como investigadora e sido autora de vários papers entre 1978 e 1990, ano em que desistiria da sua carreira académica na química para se juntar a um dos movimentos políticos que mais tarde acabaria por ser integrado na CDU. Aí tornou-se protegé do futuro chanceler Helmut Kohl e o resto é história.7. Lewis CarrollCharles Lutwidge Dodgson é sem dúvida muito mais conhecido pelo seu nom de plume Lewis Carroll, que usou para assinar não só as suas duas aventuras de Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho, mas também poemas infantis como Jabberwocky ou A Caça ao Snark, entre outros.No entanto, não era escritor infantil a sua actividade principal: foi detentor, durante mais de 25 anos, da cátedra de Matemática em Christ Church, uma das faculdades que formam a Universidade de Oxford. Nesta, destacou-se em áreas como a geometria, a álgebra e a lógica matemática, tendo deixado contribuições em todos estes campos.

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Alimento do mundo

Os socalcos de arroz de Chiang Mai, na Tailândia, são o objecto desta fotografia. Estes "terraços" estão situados nas encostas do Monte Doi Inthanon, a uma altitude superior à habitual. Normalmente, o arroz é plantado em zonas mais planas.A Tailândia é um dos principais exportadores de arroz do mundo. A seca na Indonésia – país com o qual compete no mercado – deu-lhe uma vantagem competitiva e, neste 2023, o volume das exportações de arroz tailandês foi ainda maior.No entanto, as culturas tailandesas também são consideradas em risco. De acordo com informações do Gabinete Nacional de Recursos Hídricos (ONWR), foi recomendado aos agricultores que cultivassem apenas uma cultura – normalmente três ciclos – devido à influência do El Niño no padrão climático.

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Ascensores: como funcionam e que tipos existem?

Pode não parecer, mas o ascensor, ou elevador, é um recurso importante da locomoção dos humanos há mais de dois mil anos. O primeiro registo histórico que temos deste aparelho mecânico é do físico, engenheiro e inventor Arquimedes, que viveu entre 287 a.C. e 212 a.C. em Siracusa, à altura um território grego (na actual Sicília). A ascensão deste veículo, usado especialmente em meios urbanos, chegou a depender da força de escravos ou de animais de carga.Mais tarde, os Romanos instalaram um sistema de ascensores no famigerado Coliseu de Roma. Desde então, muito mudou na maneira como funcionam, mas a sua função manteve-se sempre: o transporte vertical de pessoas ou bens, normalmente entre diversos andares de um edifício.Porém, recorrendo a eles como alternativa às escadas, sabe como funcionam os ascensores modernos? Se não, respondemos-lhe abaixo:Tipos de ascensoresPara começar, existem dois tipos principais de ascensores: os de tracção eléctrica e os hidráulicos.1. Ascensores eléctricosEstes mecanismos são compostos essencialmente por:um poço, por onde se desloca a cabine; uma cabine, que transporta as pessoas ou objectos que se quer deslocar verticalmente; um contrapeso, estrutura colocada de forma oposta à cabine e que permite equilibrar o sistema;um número variável de cabos de aço, que seguram a cabine; uma série de guias, que mantém a cabine estável e impedem que balance;uma casa das máquinas, tipicamente ao lado ou por cima do poço do elevador, sendo que hoje em dia começa a ser possível integrá-la no próprio fosso (no cimo), nos chamados elevadores MRL (Machine RoomLess, ou seja, literalmente sem casa das máquinas), onde está situado o sistema de comando e a máquina de tracção;uma máquina de tracção, um motor que controla a ascensão ou descida da cabine; um sistema de comando electrónico, que responde ao comando do utilizador e, em sistemas com mais do que um elevador, optimiza o sistema enviando a cabine mais próxima do pedido; e um sistema de travões e limitador de velocidade, responsáveis por controlar a velocidade e por parar a cabine em caso de avaria. Assim, quando se carrega no botão para chamar um destes elevadores, o sistema de comando envia a cabine até ao andar onde foi chamada, fazendo o contrapeso a variável oposta. Os sistemas de travões são então accionados quando o elevador se aproxima do destino, de modo a que este pare quando desejado. O mesmo acontece no percurso inverso.2. Ascensores hidráulicosPor outro lado, os elevadores hidráulicos funcionam através de um sistema de pistões, que pode ser directo ou indirecto (por meio de cabos). Tipicamente, estes são compostos por:um pistão dentro de um cilindro; um tanque ou outro tipo de reservatório cheio de óleo; uma bomba, que bombeia óleo para o pistão; um motor, que activa a dita bomba;uma válvula. Tal como nos ascensores de tracção, também aqui existem versões com casa das máquinas e versões MRL. Adicionalmente, estes ascensores têm uma variação interessante: embora os mais comuns necessitem de um buraco que alberga o pistão, e que terá necessariamente de ter uma profundidade semelhante à altura máxima que se permite atingir, existem também ascensores hidráulicos sem poço, em que o pistão funciona de maneira semelhante a um macaco automóvel. No entanto, estes estão limitados a uma altura máxima de cerca de 20-30 metros.Os elevadores hidráulicos têm, em relação aos de tracção, a vantagem do preço e da segurança: são mais baratos e é fisicamente impossível a queda, uma vez que a cabine nunca se encontra suspensa e a velocidade de descida é sempre limitada pela velocidade a que o óleo pode sair do pistão.No entanto, a sua velocidade máxima é consideravelmente mais baixa e estão limitados a alturas equivalentes a 6-8 andares como máximo (menos ainda no caso dos sem poço).O caso particular do FunicularAdicionalmente, há ainda um tipo de transporte sobe-e-desce com características peculiares: o funicular. Este é um tipo de elevador de superfície, com duas carruagens sobre carris, projectado para se deslocar não simplesmente no plano vertical, mas sim para vencer grandes inclinações. O funcionamento destes lembra o dos ascensores de tracção sendo que, ao invés de um contrapeso para cada carro, estes consistem em dois carros ligados por um sistema motorizado de roldanas, que actuam cada um como o contrapeso do outro, ou seja, realizam as viagens em sentido oposto, compensando o motor o peso dos passageiros e do cabo que os une. Em Portugal temos vários exemplos: Nazaré, Lisboa, Covilhã, Porto, Viana do Castelo, Leiria (Viseu também teve um, descontinuado em 2019). É também possível criar, como alternativa, um sistema funicular que não depende de electricidade, utilizando depósitos de água embutidos nos carros, que são cheios e esvaziados conforme a necessidade para ajustar o peso necessário para que os carros se movam. Um exemplo deste sistema (e o mais antigo ainda em funcionamento) é o do elevador funicular do Bom Jesus, em Braga, activo desde 1882.Os funiculares podem ter, à semelhança de outros sistemas movidos sobre carris (como os comboios), vários tipos de configurações da linha: desde linhas separadas para cada carro até uma única linha, com uma zona de cruzamento em que se divide em duas. É ainda possível outra configuração: três carris com ambos os carros a partilhar o central (tirando, claro, na zona de cruzamento).

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Portugal "sobe-e-desce": 9 ascensores históricos (e imperdíveis)

Elevador, funicular ou ascensor? Os três termos são, por vezes, usados como sinónimos em artigos sobre turismo nos portais das câmaras municipais, mas também há quem os distinga. Por exemplo, a Covilhã tem hoje vários "elevadores" e "funiculares", activados nos últimos anos no âmbito do Plano de Mobilidade Pedonal do município. O funicular de São João e o elevador do Parque da Goldra, na cidade beirã, certamente merecem uma viagem, mas hoje centramo-nos em elevadores / funiculares / ascensores históricos, a maioria centenários.Quem foi, afinal, Raoul Mesnier du Ponsard?Parece justo incluir também aqui uma nota biográfica sobre este engenheiro português de origem francesa, que é de longe a figura mais relevante na história dos elevadores públicos portugueses.Nascido no Porto em 2 de Abril de 1849, Mesnier cresceu na "Cidade Invicta", tendo estudado na Universidade de Coimbra simultaneamente Matemática e Filosofia. O desejo de enveredar pela Engenharia Mecânica e um contexto familiar favorável levaram-no a estudar em universidades estrangeiras, destacando-se o período em que trabalhou nas oficinas de elevadores de montanha do suíço Nikolaus Riggenbach. Começando pelo projecto do Elevador do Bom Jesus, na Braga onde tinha vivido a sua família, Mesnier nunca mais pararia de fazer elevadores. Projectou, além dos mencionados neste artigo, vários elevadores e funiculares hoje desactivados e, como inventor imparável, criou o Arithmotechno, uma espécie de calculadora. Viria a morrer em 1914, em Moçambique.

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Os mestres do disfarce: a camuflagem em seis imagens, da Caparica à Vidigueira

Em meados do século XIX, Henry Walter Bates notou que algumas borboletas inofensivas da Amazónia imitavam a forma de espécies tóxicas para repelir os predadores. Mais tarde, também Alfred Wallace, um dos pais da Teoria da Evolução, observou padrões de coloração críptica como mecanismos de ocultação ou advertência usados por pequenos animais para sinalizar a sua condição ao resto do ecossistema.Desde pequeno que o fotógrafo Luís Quinta vive fascinado pelo mundo natural. Começou a mergulhar ainda em criança e, ao longo de uma carreira de mais de três décadas, acumula vasta documentação gráfica sobre a capacidade de vários animais da fauna portuguesa para se camuflarem. Chamou ao seu projecto fotográfico “Copiar para sobreviver” e revela nesta galeria como diferentes criaturas dispõem de um arsenal de disfarces que faria Sherlock Holmes corar de inveja. Artigo publicado originalmente na edição de Agosto de 2025 da revista National Geographic.

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6 estratégias – cientificamente comprovadas – para melhorar a memória

O esquecimento é normal, mas pode dificultar-lhe a vida. Talvez se esqueça do nome de uma pessoa segundos depois de a conhecer, não faça ideia onde deixou as chaves ou lhe passe ao lado a data de um aniversário importante.As memórias são falíveis por alguma razão. Sem um mecanismo para nos esquecermos, seríamos incapazes de filtrar informação desnecessária quando estamos a tentar lembrar-nos de algo. “Você não vai querer encher o seu cérebro com tralha”, diz Charan Ranganath, neurocientista da Universidade da Califórnia, em Davis, e autor de O Mundo Misterioso da Memória.Para melhorar a memória, porém, a maioria dos médicos recomenda algumas mudanças de vida muito simples. Para começar, é particularmente importante dormir o suficiente, porque o cérebro demora tempo a rever aquilo que aprendeu e a armazená-lo na memória de longo prazo, diz Michael Hasselmo, neurocientista da Universidade de Boston. Coisas como a prática de exercício e uma alimentação saudável também ajudam, diz ele.No entanto, se tem dificuldades em lembrar-se da sua lista de supermercado, a boa notícia é que, segundo os especialistas, existem várias estratégias comprovadas pela ciência que podem melhorar a sua capacidade de memorizar e reter informação. A melhor estratégia para si depende da sua maneira de ser, daquilo que estiver a tentar lembrar-se e porquê.Falámos com especialistas em memória sobre as seis melhores estratégias para melhorá-la – e como começar.Estratégia 1: Criar ligações com significadoIndicada para: Recordar qualquer nova informação – até factos aleatórios e desconexosQuando estamos a aprender algo novo, o cérebro associa os pormenores à informação que já tem armazenada, diz Ranganath. Por isso, a forma mais fácil de nos lembrarmos de algo é atribuir-lhe um significado, diz ele. Com efeito, décadas de investigação na área da ciência cognitiva mostram que a informação importante é mais fácil de recordar do que factos aleatórios e desconexos.Quando falamos em “atribuir-lhe um significado”, queremos dizer que a informação tem mais facilidade em ligar-se àquilo que já sabemos, que faz sentido num determinado contexto ou que tem alguma importância para a pessoa. Por exemplo, estudos mostram que as pessoas têm mais facilidade em lembrar-se de vocabulário novo se traduzirem os conceitos utilizando as suas próprias palavras. Ou, se estiver a tentar aprender o nome de alguém, associá-lo mentalmente a outra pessoa que conheça com o mesmo nome pode ser útil.No entanto, para se lembrar de coisas sem qualquer significado inerente – como uma lista de números ou datas – criar um significado artificial pode ajudar. É esta é a ideia por trás das mnemónicas – acrónimos, rimas, aliterações ou canções que criem associações entre a informação nova e o conhecimento já existente ou imagens visuais, diz Daniel Willingham, psicólogo na Universidade da Virgínia.“Imagine que conhece alguém chamado Neil que tem um nariz grande ou outra característica diferenciadora”, diz Ranganath. “Poderá pensar, ‘Ah é o Neil Narigudo’ e isso fará com que tenha mais facilidade em lembrar-se do nome dele.As imagens vívidas ou narrativas interessantes também podem dar significado à informação. Tentar memorizar a ordem de todos os planetas do planeta solar? Existe uma narrativa em língua inglesa que pode ajudar: My Very Educated Mother Just Served Us Noodles.Estratégia 2: Intervale as suas sessões de estudo — e esforce-se para se lembrar das coisasIndicada para: Estudar para um teste, aprender um novo idioma, recordar factos com pormenoresSe estiver a marrar para um teste, um estudo sugere que intervalar as sessões de estudo nas quais está a rever vocabulário de uma língua estrangeira ou a decorar fichas de estudo pode ajudar o seu cérebro a armazenar as memórias de forma mais eficiente. Esta técnica chamada repetição espaçada implica revisitar a informação em intervalos crescentes.A repetição espaçada funciona porque, quando aprendemos uma coisa, armazenamo-la primeiro na nossa memória de curto prazo, diz Ranganath. O processo para consolidar a informação na memória de longo prazo demora algum tempo e decorre “offline”, durante os períodos de descanso, acrescenta.Outra vantagem da repetição espaçada é que pode ajudá-lo a recuperar a memória quando precisar dela mais tarde. Como os seres humanos são melhores a recordar coisas no seu contexto original, temos frequentemente dificuldades em lembrar-nos de coisas quando já não estão nesse contexto – como aquele cafezinho onde estudámos para um teste e que cheirava a café torrado, diz Ranganath. “Ao intervalar a aprendizagem, das memórias libertam-se de um espaço e de um tempo em particular, tornando-se mais fácil lembrar-se delas quando precisar”, diz Ranganath.Outra forma de arquivar uma memória é pôr-se à prova e esforçar-se para se lembrar, diz Ranganath. Por exemplo, em vez de reler o manual enquanto está a estudar para um teste, experimente questionar-se primeiro. Estudos demonstram que este processo de tentar lembrar-se, chamado treino de recuperação, pode ajudar a consolidar a informação no cérebro. Esforçar-se para se lembrar de algo antes de encontrar a resposta pode dar ao seu cérebro uma oportunidade de restaurar a memória e formar as ligações neuronais necessárias para fixar a nova informação, diz Ranganath.É por isso que, se tiver dificuldades com nomes, talvez seja benéfico tentar adivinhar o nome de alguém antes de o aprender, diz Ranganath. “Se eu dedicar algum tempo a pensar no seu nome e me corrigir sozinho, quando você me dar a resposta, o meu cérebro terá menos probabilidades de fazer associações aleatórias e incorrectas.Estratégia 3: Ler em voz altaIndicada para: Memorizar a curto prazo, como uma lista de supermercadoEstudos mostram que ler em voz alta, ou cantar as palavras, pode contribuir para recordar melhor a informação do que lê-la em silêncio, um fenómeno conhecido como efeito de produção. Isto pode dever-se ao facto de falar em voz alta activar mais sentidos do que ler em silêncio.Quando dizemos as coisas em voz alta, activamos neurónios nas zonas motora e auditiva do nosso cérebro. Quanto mais ligações neuronais uma memória tiver com diferentes regiões do cérebro, mais diferenciada e fácil de lembrar será, diz Hasselmo.Contudo, Hasselmo diz que o efeito de produção pode não ser tão indicado para criar memórias de longo prazo como outros métodos, como as mnemónicas e a recordação activa. Além disso, um estudo publicado em Janeiro de 2024 mostrou que, embora ler textos em voz alta ajude a memorizar, não contribui para a compreensão. Por isso, esta técnica poderá ser melhor para se lembrar da sua lista de supermercado e não para estudar para um teste, dizem os especialistas.Estratégia 4: Envolva os seus sentidos Indicada para: Lembrar-se de um momento da sua própria vidaAlém de ler em voz alta, envolver os outros sentidos na aprendizagem pode ajudar-nos a formar memórias vívidas de uma experiência. Vejamos, por exemplo o sítio onde deixámos as chaves. Para encontrá-las, a memória tem de competir com todas as outras vezes em que pousámos as chaves, diz Ranganath.Para combater isto, na próxima vez que pousar as chaves, poderá “focar-se nos aspectos únicos deste momento específico que criam uma memória diferente, como vistas, sons e cheiros”, diz Ranganath. Essas experiências sensoriais irão criar uma memória distinta – e ajudá-lo a encontrar as chaves mais tarde.O segredo para fortalecer as memórias é aumentar o seu número de associações com o cérebro, diz Hasselmo. Concentrar-se na informação sensorial pode activar mais partes do cérebro, criando memórias mais distribuídas. “Uma imagem visual rica de uma memória específica aumenta o número de neurónios activados e o número de sinapses modificadas”, diz ele, tornando a memória mais forte.Estratégia 5: Navegar pelo palácio da memóriaIndicada para: Memorizar uma lista longa ou material para um discursoO palácio da memória – também conhecido como método de loci — é uma técnica de mnemónica antiga cujos efeitos sobre a retenção e memorização foram comprovados por estudos. Esta técnica é uma das preferidas dos atletas da memória – alguns usam-na para se lembrarem de dezenas de milhares de algarismos de pi.“Se o objectivo for memorizar uma lista ou material para um discurso, o método de loci é, provavelmente, a maneira mais fácil de o fazer”, diz Hasselmo.Comece por visualizar um espaço familiar, como a sua casa. À medida que circula por esse espaço, vá criando ligações entre a informação de que se quer lembrar e uma localização específica dentro desse espaço. Quanto mais invulgar e bizarra for a associação, melhor, diz Hasselmo — o mesmo se aplica a acrescentar informação sensorial como cheiros ou texturas.Para se lembrar de uma lista de compras composta por uma banana, espargos e gelo, por exemplo, pode imaginar-se a entrar em casa e esmagar uma banana junto à porta, depois atirar um molho de espargos para as escadas e, por fim, despejar uma pilha de gelo na cama. Em seguida, para se lembrar dos três itens, imagine-se a refazer o trajecto para apanhá-los.O palácio da memória funciona porque cria relações entre informação de que queremos lembrar-nos e imagens existentes e bem enraizadas, explica Hasselmo. Os cientistas teorizam que as mesmas áreas do cérebro envolvidas na memória, nomeadamente o hipocampo, também nos ajudam a perceber a nossa localização no mundo – e é por isso que andarmos num espaço familiar é um método poderoso para nos lembrarmos das coisas, diz ele.No entanto, a eficácia do método de loci não está explicada cientificamente. Alguns cientistas não acham que seja mais eficiente do que outros métodos de mnemónicas. “É apenas mais uma forma de atribuir significado a algo e organizar a informação de que precisamos”, diz Ranganath.“É apenas um enquadramento”, diz Willingham, em concordância.Estratégia 6: Crie memórias intencionalmente Indicada para: Momentos que sabe que vai querer recordar vividamenteRanganath sabe que as coisas de que muitas pessoas querem lembrar se não são factos e pormenores, mas momentos importantes das suas vidas.Para tirar o máximo partido da sua memória de um acontecimento importante, Ranganath diz que poderá pensar, de forma consciente e com antecedência, naquilo que reter da experiência. Dessa forma, conseguirá estar presente e focar-se na experiência e nas suas emoções. “Frequentemente, vamos a uma festa e esperamos ficar com memórias dela sem qualquer esforço. Não é assim que as coisas funcionam”, diz Ranganath. “Por isso, o conselho que eu daria é pensar naquilo que realmente quer reter de uma experiência.”

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O que revelam os seus sonhos sobre si? Depende da sua naturalidade.

A sua paisagem onírica é um sítio onde tudo é possível. Num minuto está a caminhar num prado lindíssimo e no minuto seguinte está a dar uma queda mortal, do alto de uma falésia. Os seus dentes podem cair sem razão aparente ou pode ver uma serpente deslizando pelo canto do olho.O adulto médio passa cerca de um terço da sua vida a dormir, o que significa que existem bastantes oportunidades para as nossas mentes experienciarem estas paisagens oníricas personalizadas. Mas será que os sonhos têm mesmo significado? Depende da pessoa a quem perguntar.“Os antropólogos dizem que, se soubermos aquilo que determinado grupo pensa sobre os sonhos, compreenderemos toda a sua cultura”, diz Robin Sheriff, professora associada de antropologia na Universidade de New Hampshire.Os psicólogos ocidentais como Sigmund Freud e Carl Jung popularizaram algumas das ideias mais conhecidas sobre a interpretação dos sonhos, mas estas não se alinham necessariamente com a forma como os especialistas de áreas como a antropologia e o folclore entendem os sonhos.Dizemos-lhe o que sabemos sobre a interpretação dos sonhos e como a sua cultura pode influenciar o significado que um sonho tem para si.O que é a interpretação dos sonhosA interpretação dos sonhos remonta à Roma Antiga e ao Antigo Egipto, mas Sheriff diz que a prática tem, provavelmente, raízes em culturas pré-históricas, sem registos escritos. Antes da ciência dos sonhos, igualmente conhecida como onirologia, ser desenvolvida, a interpretação dos sonhos era uma prática cultural capaz de ligar as pessoas aos seus antepassados culturais ou espíritos.“Os sonhos tinham um significado profundo na cultura tradicional chinesa… sobretudo numa mundividência sobrenatural na qual se acreditava que fantasmas, espíritos e almas ancestrais participavam activamente nos assuntos humanos”, diz Ze Hong, professor assistente de biologia evolutiva na Universidade de Macau, que investiga a interpretação dos sonhos chinesa de uma perspectiva evolutiva.Os sonhos são frequentemente considerados canais de comunicação importantes com o reino espiritual, capazes de revelar verdades ocultas ou prever acontecimentos futuros, diz Hong.Segundo registos da Roma Antiga, os sonhos eram considerados comunicações dos deuses e os oráculos de sonhos desempenhavam um papel importante na sua interpretação. Hong diz que este tipo de prática também existiu na China durante a dinastia Zhou, que durou entre 1046 a.C. e 256 a.C. Hong explica que a oniromancia, a prática da interpretação divinatória dos sonhos se tornou amplamente utilizada para dar respostas sobre relações pessoais, doenças e até decisões políticas. Esta prática foi perdendo popularidade ao longo da história chinesa, diz Hong, sobretudo no final da era imperial, no início do século XX.A ligação entre os sonhos e o reino espiritual é algo que o antropólogo Roger Lohmann também descobriu ao estudar a cultura dos sonhos na Papua-Nova Guiné.Embora os ocidentais possam encarar os sonhos como algo puramente metafórico, Lohmann, professor associado de antropologia na Universidade de Trent, em Ontário, no Canadá, diz que, na Papua-Nova Guiné, os sonhos podem ser interpretados como uma viagem paralela, realizada pela alma enquanto dormimos. Isto significa que os sonhos podem ser interpretados como proféticos ou revelarem informação oculta, diz Lohmann. Ele lembra-se de dormir numa aldeia junto à fronteira da Indonésia e de acordar com um pesadelo no qual as suas notas de investigação tinham pegado fogo.“Interpretei isso [o sonho] como uma expressão da minha ansiedade em relação a algo que estava a funcionar mal no meu computador”, diz ele. “[Mas] contei a história a um homem que me visitou naquela manhã e ele disse-me, ‘é melhor ter cuidado com a lareira’, porque ele interpretou que o sonho significava que algo poderia acontecer no futuro.”A influência de Carl Jung na interpretação dos sonhosAs actuais directrizes para a interpretação de sonhos nas culturas ocidentais derivam, tipicamente, dos psicólogos Sigmund Freud e Carl Jung.Pai da teoria psicanalítica, Freud escreveu em 1900 que os sonhos representam os desejos latentes do nosso subconsciente e podem ser uma forma de exprimirmos os nossos desejos instintivos ou até hipersexuais. Ao longo das seis décadas que se seguiram, o psicólogo Carl Jung propôs a sua própria interpretação da teoria dos sonhos, segundo a qual os sonhos podem ser uma conversa entre o nosso consciente e o nosso subconsciente. Jung, que tinha uma amizade complexa com Freud, acreditava que, em vez de revelarem desejos reprimidos, os nossos sonhos serviam para processar os problemas que temos quando estamos acordados e encontrar potenciais soluções.A teoria dos sonhos de Jung também inclui a ideia de um subconsciente colectivo, que sugere que os sonhos podem ser interpretados de uma forma simbólica através de diferentes arquétipos, como o herói, a mãe e o bobo. Segundo Jung, estes arquétipos estão presentes em diferentes culturas e têm significados universais. Contudo, esta teoria é muito diferente daquela que os antropólogos encontraram ao estudar a importância dos sonhos e o seu significado em diferentes contextos culturais.Interpretando símbolos oníricos em diferentes culturasDependendo da cultura da pessoa que sonha, temas ou símbolos comuns podem ter significados drasticamente diferentes. Vejamos o caso da serpente.Nas culturas ocidentais, familiarizadas com Freud, sonhar com uma serpente pode serinterpretado como algo potencialmente sexual, sugere Lohmann. Por outro lado, Jung escreveu que as serpentes representavam poder ou perigo, declarando que um “estado de inferno instintivo é representado por uma serpente com três cabeças”.As interpretações hindus, porém, sugerem que sonhar com uma serpente pode ser um prenúncio de riqueza e fertilidade – pelo menos, se estiver a comê-la no sonho. As tribos Hopi e Pueblo do Sudoeste Americano também associam a fertilidade aos sonhos com serpentes, embora sobretudo num contexto de ciclos agrícolas e fertilidade da terra. Já as comunidades cristãs pentecostais da Zâmbia podem interpretar a serpente como uma prova da existência do diabo.Não existe uma interpretação fixa das serpentes na cultura tradicional chinesa, diz Hong – a interpretação chinesa dos sonhos costuma privilegia símbolos com mais significado simbólico, como os dragões ou os sóis, sinais de favorecimento divino. No entanto, alguns documentos históricos sugerem que, algures no passado, quando uma mulher grávida sonhava com serpentes, tal significava o nascimento de um filho – ou, contraditoriamente, de uma filha.Terão os sonhos algum significado?Uma pessoa terá inúmeros sonhos ao longo da sua vida, mas isso não significa necessariamente que todos os sonhos tenham a mesma importância.Hong diz que, no final do período imperial, exactamente quando Freud e Jung estavam a formar a sua teoria dos sonhos, tornou-se popular atribuir um significado sobrenatural às origens dos sonhos e relacioná-los com o estado psicológico de uma pessoa. “Por exemplo, sonhos causados por ‘pensar demasiado durante o dia’ eram frequentemente desvalorizados como impossíveis de interpretar e destituídos de significado”, afirma.Na tradição ocidental, a importância dos sonhos depende da pessoa que tem – ou interpreta – o sonho. “Os sonhos como a poesia e a arte, são formas de pensarmos na experiência humana”, diz Sherrif. “Podem existir interpretações ou análises melhores ou piores, mas não existe nenhuma forma objectiva de averiguar a sua exactidão.”Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Hoje, viajamos até Ur, a capital da antiga Mesopotâmia

No final do terceiro milénio antes de Cristo, a cidade de Ur transformou-se numa capital. A terceira dinastia governava então um dos reinos mais ricos e poderosos que a Mesopotâmia conhecera até então. A sua recordação perduraria durante um largo período na história mesopotâmica como o exemplo mais perfeito de uma estrutura estatal e de um poder real.Ur, cujo nome sumério era Urim, foi implantada no Sul da Mesopotâmia, perto do mar, numa zona pantanosa próxima do delta do Eufrates. A cidade controlava um vasto território dividido em 14 províncias que, além das terras do Sul e do Norte da Mesopotâmia,incluía regiões da Síria e do Irão (correspondentes ao antigo reino de Elam). Dos cinco soberanos que escreveram a história deste brilhante período, os que deixaram uma marca mais profunda foram o fundador da dinastia, Ur- Nammu, e o seu filho, Shulgi, protagonista de um longo reinado de quase cinquenta anos. Este último foi tão poderoso que cunhou para si o epíteto de “rei das quatro partes da Terra”. As suas reformas, como a padronização dos pesos e das medidas e a própria divinização em vida, foram tomadas como modelo pelos reis dos séculos posteriores, incluindo monarcas de civilizações vizinhas.Reis, homens livres e escravosOs soberanos de Ur governavam um Estado patrimonial, que geriam enquanto proprietários da terra e de todos os meios de produção. Concediam regalias aos seus súbditos como se fossem pais de uma extensa família. A principal figura que os assistia nesta gestão era o “grande vizir” (em sumério, za-bar-dab), enquanto uma imensidão de funcionários menores se ocupava da minuciosa administração do reino. Entre estes, existiam generais (shagina), que controlavam a classe militar, e governadores (ensi) de província. A cargo dos assuntos religiosos encontrava-se o sumo-sacerdote (en), cuja importância foi reduzida com a decisão de Shulgi de se considerar um deus, prática seguida pelos seus sucessores. Existiam ainda sacerdotes responsáveis pelos templos (sanga).A população estava dividida entre homens livres (lu) e semilivres (eren). Estes últimos trabalhavam durante metade do ano para o Estado, mas, no resto do ano, podiam dedicar-se a projectos individuais. Existiam ainda escravos, condição na qual caíam os prisioneiros de guerra ou aqueles que não conseguiam pagar as dívidas contraídas (neste caso, toda a família do devedor podia ser submetida à escravatura).O escravo era propriedade absoluta do seu amo, que podia vendê-lo, legá-lo ou libertá-lo. Um escravo podia casar-se e ter família, mas os seus filhos eram igualmente considerados escravos. Contudo, a sociedade e a economia sumérias não se baseavam na exploração do trabalho servil – tal como aconteceu mais tarde com o Império Romano. Baseava-se, sim, numa população numerosa e produtiva.Grandes comerciantesA cidade dividia-se em vários distritos ligados por ruas amplas. Ur dispunha de duas zonas portuárias que a ligavam às longínquas terras de Magan (Oman) e Meluhha (no Norte da Índia). Os navios sumérios que navegavam para aquelas regiões longínquas eram conhecidos como “barcos negros”, já que eram cobertos por uma espessa camada de betume negro para melhor impermeabilização.Estas embarcações transportavam mercadorias de luxo. Além de especiarias e cerâmicas, traziam produtos naturais dos quais carecia o argiloso solo mesopotâmico: madeira, diorite (muito útil para a produção de estátuas) e cobre. Por seu lado, as caravanas terrestres dirigiam-se para leste, até Elam (Irão), a Ásia Central e o Afeganistão. Dessas paragens longínquas, chegavam o ouro e o lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa muito procurada por se parecer com o céu estrelado governado pelos deuses. A alguns quilómetros do grande zigurate de Ur, um subúrbio da cidade – ao qual os arqueólogos chamaram Diqdiqqah – era habitado pelos artesãos estrangeiros que trabalhavam com enorme destreza esses materiais importados, trazidos pelos grémios de mercadores em esgotantes e perigosas travessias marítimas.Em contrapartida, os numerosos funcionários da administração ou do culto religioso viviam em grandes áreas residenciais, perto dos edifícios mais importantes da cidade: o palácio, onde residia o soberano com as suas numerosas concubinas e a sua corte; e a zona dos templos, da qual o monumento mais conhecido e mais bem preservado é o zigurate. Com uma planta de 63 metros por 43 e com uma altura de mais de 15 (embora alguns autores proponham que poderá ter medido o dobro originalmente), esta enorme construção designava-se Etemenniguru em sumério, ou seja, “o templo cujas bases inspiram reverência”. Fazia parte do Ekishnugal, “a casa sem luz”, um complexo de templos consagrados ao deus da Lua, Nanna.A cevada, um bem supremoA actividade económica mais relevante  da vida suméria era a agricultura. A partir do VI milénio antes de Cristo, escavou-se por toda a Mesopotâmia uma densa rede de canais artificiais que irrigaram grandes extensões de campos cultivados. Desta forma, obtinham-se colheitas consideráveis, com as quais se alimentava a população das cidades mesopotâmicas. Os enormes excedentes eram armazenados em grandes silos.O cereal mais importante na dieta dos habitantes da Mesopotâmia era a cevada, elemento essencial das rações alimentares, que incluíam uma média de dois litros de cevada por dia. A cevada era também a base para a produção de cerveja, uma invenção suméria fundamental já que, além de ser uma bebida ligeiramente alcoólica, apresentava um valor nutricional importante na dieta da época. A importância da cevada na vida quotidiana dos habitantes de Ur era de tal forma grande que esta era utilizada como meio de pagamento e medida de valor para os bens. Era objecto de empréstimo e de troca. Em muitos aspectos, a cevada assumia a função económica e financeira da prata.Às tarefas e aos produtos agrícolas, juntava-se outro elemento fundamental no quotidiano de Ur: os animais. A fauna que partilhava o espaço com os habitantes era variada. Além dos cães, das ovelhas, das cabras, das vacas e dos equídeos, que proporcionavam lã, leite, carne e outros bens, na documentação aparecem espécies semidomesticadas como o ónagro (uma subespécie dos burros) ou o gato. As fontes aludem também a animais selvagens como macacos, leões e ursos. Estes últimos eram usados até aos dois anos como atracções por domadores, malabaristas e acrobatas, que os levavam de cidade em cidade.Os deuses e a morteO maior esforço dos sumérios estava reservado ao culto, que também absorvia os recursos económicos. Os cerca de quatro mil deuses do panteão sumério exigiam um fornecimento diário de bens e serviços.Na mitologia suméria, estimava-se que, no início dos tempos, cada deus tomara posse de uma cidade. Ali vivera com a sua consorte, filhos e uma multidão de auxiliares divinos num templo, ao qual, no final do III milénio antes de Cristo, foi acrescentado um zigurate. Os deuses dividiam-se em duas categorias: os superiores, em sumério anunna, e os inferiores, ou igigi, servos dos primeiros. Existiam sete anunna, entre os quais se destacavam Enlil, o deus principal do panteão, que residia em Nippur, e Enki, a divindade suméria mais antiga, deus da água doce subterrânea e da adivinhação, cuja cidade padroeira era Eridu.Estes deuses e muitas das outras divindades veneradas em Ur recebiam diariamente rações de cevada e outros bens, enquanto os sacerdotes levavam a cabo inúmeras actividades rituais: vestiam as imagens de culto, transferiam-nas para os templos das outras cidades onde viviam os membros da sua “família”, levavam-nas em procissão em certas festividades regulares e, em situações de emergência, entoavam lamentações para apaziguar o coração dos deuses enfurecidos…Este empenho económico e laboral respondia a uma motivação muito concreta: a vida do ser humano e a prosperidade das cidades dependiam directamente da caprichosa vontade dos deuses mesopotâmicos. Na mitologia suméria, os deuses controlavam o bem-estar, a saúde e a morte dos indivíduos e dos reinos.O tratamento das doenças tinha profundas repercussões sociais. Se, na cosmovisão suméria, o bem-estar estava representado pela boa relação que o indivíduo mantinha com o mundo dos deuses e com o seu deus afectivo, a doença implicava a quebra desta relação positiva. Essa ruptura devia-se a um incumprimento da vontade dos deuses por parte do ser humano. Como expressavam os deuses essa novidade? Poder-se-ia dizer que a gravavam em tudo o que a rodeava: toda a realidade estava impregnada pela vontade divina. Por isso, qualquer mudança era um sinal que os deuses enviavam aos humanos para que estes o interpretassem e deduzissem o comportamento a adoptar. Portanto, a doença era um sinal proveniente dos deuses, e a “cura” do doente requeria médicos e medicina, mas também a compreensão de qual a causa divina para a interrupção da relação positiva, de forma a poder restabelecer a harmonia.Assim, na cidade de  Ur de finais do III milénio a.C., alguém que se sentisse indisposto teria de seguir os passos certos para se curar. Primeiro, deveria procurar a ajuda de um “naturopata” (em sumério, asû) que conseguisse acalmar a dor com terapêuticas obtidas de plantas e de outras substâncias naturais. Uma receita médica encontrada em Nippur lança luz sobre estas práticas médicas: “Depois de triturares e esmagares uma carapaça de tartaruga e de esfregares a abertura [a ferida] com azeite, massajarás a pessoa e untá-la-ás com cerveja de boa qualidade.”Porém, o asû não libertava o paciente da doença; só curava os seus sintomas. Para compreender realmente o motivo da ira dos deuses, que permitira que um demónio possuísse o corpo do indivíduo, era necessária uma figura mais complexa: o sacerdote conjurador – em sumério, mašmašu. Este era a pessoa capaz de expulsar o demónio que se apoderara do doente.Da cidade à lendaNenhuma mezinha conseguiu evitar o trágico final do período mais glorioso de Ur, abandonada pelos deuses. Ibbi-Sin, o quinto governante da III dinastia, reinou durante 24 anos até ser derrotado pelos exércitos elamitas provenientes do Irão, que colocaram um ponto final na sua dinastia e em todo o mundo sumério. Ur foi uma das poucas cidades da Baixa Mesopotâmia que sobreviveu nos milénios seguintes (esteve habitada até ao início do século V a.C.), mas a região nunca mais recuperou o fulgor. O eixo do poder deslocou-se para o Norte da Mesopotâmia e para a cidade de Babilónia. Aqui, o rei Hammurabi (1792-1750 a.C.) inspirou-se na III dinastia de Ur para organizar um império capaz de dominar grande parte do Próximo Oriente.Até à década de 1920, a cidade foi praticamente desconhecida. Depois de escavar Karkemish na companhia de T.E. Lawrence (o célebre Lawrence da Arábia), Sir Leonard Woolley concentrou a sua atenção em Ur, entre 1922 e 1934. Entre muitas descobertas que revolucionaram o nosso conhecimento do quotidiano sumério, Wooley escavou também túmulos reais datados de cerca de 2700 a.C., que expuseram um enterro sacrificial do séquito pessoal de um rei falecido.Embora Ur não voltasse a ser o centro de um reino rico e poderoso, a recordação da sua grandeza permaneceu na tradição histórica e literária do mundo babilónico e assírio até ao final da civilização mesopotâmica. Juntamente com os lampejos da glória de Ur, os seus antigos textos legaram-nos um aviso que continua vigente quatro mil anos depois: “A Ur atribuiu-se-lhe a realeza, mas não um reino eterno! Desde os tempos antigos, quando a terra foi organizada, desde que as gentes se multiplicaram, quem viu um reino cujo poder fosse eterno?” A Rainha Shulgi-SimtiA vida na corte da III dinastia de Ur surpreendia pela importância económica e política assumida pelas rainhas durante este período. A mais famosa foi Shulgi-simti, “Shulgi é a minha honra”, a esposa do rei Shulgi. É muito provável que tivesse origens no Norte da Mesopotâmia, talvez em Eshnunna, já que era muito apegada ao culto das divindades desta cidade. Se assim foi, teria sido uma união ditada por razões de diplomacia internacional.Os textos demonstram que Shulgi-simti tinha uma implicação directa nas actividades empresariais e estava vinculada a uma “fundação” que se ocupava da gestão do gado que chegava a Ur graças a ela, destinado tanto aos comensais reais como ao culto dos deuses. Neste sentido, deve ser lembrado que, desde a época de Shulgi, algumas princesas eram escolhidas para se tornarem sumas sacerdotisas de Nanna, o deus de Ur.A Shulgi-simti atribui-se uma canção de berço, a única conhecida da tradição suméria. Nela, a rainha dirige-se a um dos seus filhos, e pode ler-se, entre outros versos, o seguinte: “Oxalá cresça grande / como a árvore irina, oxalá cresça com raízes fortes.” Tal como qualquer mãe, Shulgi-simti imagina um belo futuro para o seu rebento: “Eu escolherei uma esposa para o meu filho, / ela dar-lhe-á um filho muito doce, / a sua esposa descansará no seu ardente regaço, / o seu filho descansará nos braços estendidos, / a sua esposa será feliz com ele, / o seu filho será feliz com ele.”A documentação contém muitos nomes de filhos de Shulgi, gerados tanto com Shulgi-simti como com as numerosas concubinas que faziam parte do seu harém. A existência de filhos nascidos fora da união real podia ser problemática após a morte de um soberano, quando a presença de muitos aspirantes à sucessão podia desencadear uma crise política. Artigo publicado originalmente na edição nº 22 da revista National Geographic História.

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Os 4 princípios da termodinâmica: do calor ao cosmo

O desejo de compreender os mistérios que regem o funcionamento do universo é uma das características que melhor nos definem. E, evidentemente, nesta procura, a compreensão do comportamento da energia é um ponto-chave. Neste contexto, a termodinâmica é uma das aplicações mais importantes da física, pois permite-nos compreender como a energia flui e se transforma em diferentes sistemas, desde o mais microscópico ao macroscópico.Ao longo dos anos, tudo o que sabemos sobre esta disciplina foi organizado de forma estruturada em torno de quatro princípios fundamentais que, para além de representarem um quadro teórico muito sólido, conseguem explicar fenómenos tão diversos como a expansão dos gases, a eficiência das máquinas térmicas, a evolução das estrelas e até os processos biológicos que ocorrem no interior das nossas células. Dizemos-lhe quais são de uma forma clara.PRINCÍPIO ZERO: EQUILÍBRIO TÉRMICO E TEMPERATURAA base da termodinâmica reside no Princípio Zero, que estabelece as regras para a compreensão da própria temperatura e do equilíbrio térmico entre diferentes sistemas físicos. Para o compreender, basta imaginar dois objectos, cada um a uma temperatura diferente, em contacto um com o outro. Ora, o Princípio Zero estipula que, ao fim de um certo tempo, os dois objectos acabarão por atingir a mesma temperatura e entrarão em "equilíbrio térmico", cessando assim a troca de calor entre eles.Este princípio é importante para lançar as bases que definem o conceito de temperatura. Assim, esta é definida como um sistema ligado à velocidade com que as partículas se deslocam e colidem umas com as outras: as partículas que se deslocam a velocidades mais elevadas e interagem de forma mais agressiva umas com as outras aumentam a temperatura de um sistema, ao passo que, quando param e as colisões cessam, a temperatura diminui.PRIMEIRO PRINCÍPIO: CONSERVAÇÃO DA ENERGIAO primeiro princípio baseia-se na conservação da energia, segundo a qual a energia total de um sistema isolado permanece sempre constante. Isto soa-lhe familiar? Sim, é a famosa afirmação de que a energia não pode ser criada nem destruída, mas apenas transformada de uma forma para outra: a energia pode mudar de uma forma para outra, mas a soma total é sempre constante.SEGUNDO PRINCÍPIO: AUMENTO DA ENTROPIAO segundo princípio é o que introduz o conceito de entropia, que, em termos simples, representa o grau de desordem, caos ou dispersão de energia num sistema. Este princípio afirma que, num sistema fechado, a entropia tende sempre a aumentar com o tempo. Este conceito está também normalmente associado à irreversibilidade dos processos, ou seja, ao facto de uma acção poder ser executada sem modificações no sentido oposto. Por exemplo, ao partir-se um ovo, é fácil verificar que a acção não se inverterá espontaneamente, pelo que a entropia aumenta.Na vida quotidiana, podemos pensar numa chávena de café quente colocada numa sala que está a uma temperatura baixa. Inicialmente, o calor está concentrado na chávena, mas com o tempo, esse calor acaba por se dispersar pela sala, tentando encontrar o equilíbrio térmico abordado no Princípio Zero. Assim, este é um exemplo em que a entropia aumenta como consequência da propagação e distribuição caótica da energia térmica.TERCEIRO PRINCÍPIO: ZERO ABSOLUTOO Terceiro Princípio traz consigo um termo muito importante na física: o zero absoluto. Este estado, embora praticamente inatingível para qualquer objecto ou sistema, seria aquele em que as partículas estão completamente imóveis, sem sofrer qualquer tipo de vibração ou movimento, e é identificado com 0 graus Kelvin ou -273 graus Celsius. Assim, este princípio postula que, à medida que a temperatura de um sistema se aproxima do zero absoluto, a entropia do sistema tenderá para um valor mínimo constante.Este princípio é frequentemente exemplificado pela impossibilidade, na práctica, de um sistema atingir o zero absoluto. À medida que nos aproximamos desta temperatura limite, seria necessária uma quantidade infinita de energia para continuar a extrair calor do sistema, o que seria completamente inviável. O Terceiro Princípio adopta também a relação entre temperatura e desordem molecular: à medida que nos aproximamos do zero absoluto, a entropia reduz-se e as estruturas celulares adquirem uma estrutura muito mais ordenada devido à vibração limitada e ao movimento mínimo das partículas constituintes.

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Um vínculo muito forte

Os chimpanzés selvagens permanecem geralmente junto das suas mães até aos cinco anos de idade, pelo que quando os caçadores furtivos matam uma mãe, a separação pode causar danos irreparáveis às crias em desenvolvimento. Muitos dos chimpanzés órfãos trazidos para o santuário pelas autoridades congolesas da vida selvagem chegam com ferimentos físicos e emocionais.No entanto, a cura no santuário funciona nos dois sentidos: alguns dos cuidadores que alimentam, abraçam e ajudam a reabilitar os chimpanzés são vítimas de abuso sexual.O fotógrafo Marcus Westberg, que tirou esta fotografia e passou várias semanas no santuário, diz que "os tratadores tratam os chimpanzés com tanta ternura como se fossem crianças humanas, e os chimpanzés jovens, do mesmo modo, agem muitas vezes como crianças, sendo brincalhões, travessos e vulneráveis.As nossas ligações genéticas e ecológicas com outras criaturas estendem-se para além dos grandes símios e, sem dúvida, o mesmo deveria acontecer com os nossos cuidados. "Ver os seres humanos como completamente separados das outras espécies é moral e factualmente incorrecto", escreve Westberg. "Somos mais semelhantes a elas do que pensamos."Foto finalista na categoria Human/Nature do concurso de fotografia de natureza BigPicture 2023, organizado pela Academia de Ciências da Califórnia.

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Antes dos cépticos da IA, os luditas insurgiam-se contra as máquinas

Quando um bando de saqueadores arrombou a loja de um fabricante de artigos em malha na vila inglesa de Arnold, em Março de 1811, o seu objectivo não era roubar bens nem dinheiro, mas destruir máquinas manuais de tricotar, um dos primeiros tipos de maquinaria têxtil.Estes sabotadores eram conhecidos como luditas e aqueles teares partidos foram apenas o começo.Frequentemente confundidos como fanáticos anti-tecnologia, os luditas eram trabalhadores competentes que perceberam os potenciais perigos da nova tecnologia.Agora, mais de 200 anos depois, a sua revolta ganha nova relevância. À medida que a inteligência artificial continua a mudar o mundo, perguntas antigas sobre o trabalho e tecnologia têm vindo a ressurgir. Quais as razões pelas quais os luditas lutaram – e como é que a sua luta se reflecte nos movimentos que tentam travar a IA?Quem eram os luditas?No meio das enormes mudanças ocorridas na Grã-Bretanha no início do século XIX, o descontentamento fervilhava entretecelões, fabricantes de meias e fabricantes de selas determinados a protegerem o seu sustento. Durante gerações, a sua arte contribuíra para tornar os têxteis ingleses num dos bens famosos do país.“Enquanto artesãos qualificados, os luditas tinham orgulho no seu trabalho e criticavam a baixa qualidade dos produtos fabricados com as novas tecnologias”, diz Gavin Mueller, professor assistente de novos média e cultura digital na Universidade de Amesterdão e autor de Breaking Things at Work: The Luddites Are Right About Why You Hate Your Job.Adoptaram o nome de um aprendiz de tecelão e herói popular Ned Ludd, a quem o académico Steven E. Jones chamou “uma invenção popular colectiva”. Segundo a história apócrifa, quando o mestre de Ludd o repreendeu pela má qualidade do seu trabalho, o aprendiz protestou partindo uma moldura de tecelagem.O acto de protesto de Ludd tornou-se um grito de guerra. Os trabalhadores denominavam-se “luditas” em homenagem ao homem a quem chamavam “General Ludd” e “Rei Ludd”. Para eles, Ludd era uma figura semelhante a Robin Hood e representava a contestação.Tal como Robin Hood tinha a Floresta de Sherwood, os luditas tinham o norte e o centro de Inglaterra, o ponto focal das indústrias nacionais — e uma região que estava a passar por uma transformação significativa devido à Revolução Industrial.Por que MOTIVOS os luditas protestavam?A Revolução Industrial foi alimentada por uma promessa simples e comercializável: as máquinas poderiam fabricar produtos mais depressa e com menos custos do que os artesãos qualificados.Máquinas de cardar, tricotar, fiar – que utilizavam mil fusos em simultâneo para fiar eficientemente algodão – o tear mecânico e outra maquinaria têxtil não requeriam trabalhadores qualificados para o seu manuseio.Para reduzir os custos, as fábricas contratavam frequentemente crianças, pagando-lhes menos do que o salário mínimo, em vez de adultos da classe operária. Numa fábrica em Cromford, as crianças representavam dois terços da força laboral de 2.000 pessoas. Trabalhavam em condições deploráveis, incluindo horários longos, má alimentação e castigos físicos. Na altura, havia poucos regulamentos ou leis que as protegessem.A ascensão dos sistemas fabris estava a mudar rapidamente a indústria têxtil e eles sabiam que muitos dos proprietários das fábricas não estavam do seu lado. Se as máquinas podiam fabricar produtos por menos dinheiro e com maior eficiência, como poderiam os artesãos tradicionais competir com elas?“Os luditas estava a protestar contra a forma como os proprietários das fábricas e os primeiros empresários estavam a utilizar a tecnologia para degradar as suas condições de trabalho, diminuir os seus ordenados e introduzir um novo tipo de trabalho – o trabalho fabril – que iria destruir a sua autonomia e deixá-los subservientes aos patrões”, diz Brian Merchant, jornalista e autor de Blood in the Machine: The Origins of the Rebellion against Big Tech.As Guerras Napoleónicas só agravaram a situação. A série de guerras contra Napoleão Bonaparte, que durou entre 1793 e 1815, causou escassez de alimentos e aumento dos impostos, obscurecendo o espírito da nação. O desemprego aumentou no norte e no centro da Inglaterra – os mesmos locais onde os operários fabris já temiam pelos seus empregos.O que os luditas fizeram?Os bandos de luditas começaram a actuar em Março de 1811. Numa vaga coordenada de ataques nocturnos em Nottinghamshire, Yorkshire e Lancashire, arrombaram fábricas e destruíram as molduras de tecelagem que ameaçavam directamente o trabalho dos artesãos qualificados. Isto significa que os luditas não eram contra a tecnologia no sentido estrito – protestavam contra o sistema que estava a substituí-los.Os fabricantes condenaram os actos dos luditas, uma vez que a sua propriedade estava em risco. Só no primeiro ano, os luditas destruíram molduras de tecelagem no valor de quase 10.00 libras esterlinas.Danificar propriedade não era o seu único modus operandi. Os trabalhadores tentavam negociar com os fabricantes, escreviam cartas ameaçadoras aos donos das fábricas e explicavam os seus objectivos em declarações públicas.Os empregadores encontraram um aliado no governo britânico, que enviou cerca de 12.000 soldados para as regiões ameaçadas pelos luditas, para acabar de forma brutal com o movimento. Milhares de informadores de uma extensa rede de espiões foram activados para reunirem quaisquer informações que pudessem enfraquecer ainda mais os luditas.Partir máquinas tornou-se um crime grave e um eventual condenado poderia receber uma sentença de morte. Em Janeiro de 1813, por exemplo, uma Comissão em York condenou 17 luditas à morte por enforcamento e transportou outros para a Austrália.Apesar dos seus esforços, os luditas não conseguiram travar a maré da industrialização. O número de tecelões britânicos diminuiu de 250.000, por volta de 1800, para uns escassos 7.000 apenas 60 anos mais tarde.A repressão do movimento também contribui para dar um novo significado à palavra “ludita”. O estado tentou activamente criar uma má imagem deles, fazendo-os parecer ridículos – e como perderam a luta e o estado tinha influência em muitos dos jornais nacionais, a má reputação prevaleceu”, explica Merchant.“Ainda hoje, 200 anos mais tarde, pensamos num ludita como alguém que não gosta de tecnologia – não como alguém que trava uma rebelião táctica contra a forma como as elites a utilizam para arruinar a vida das pessoas”, afirma.Quem são os novos cépticos da tecnologia?A IA está a originar uma nova revolução industrial. Mais uma vez, os trabalhadores criativos estão na defensiva – desta vez contra algoritmos que prometem eficiência à custa de empregos humanos.Como Mueller destaca, “penso nos [luditas] com frequência quando vejo texto e imagens geradas com inteligência artificial – parecem frequentemente inferiores ao trabalho feito por seres humanos com competências moderadas, que sejam”.As preocupações com a IA deram origem a novas organizações e movimentos que se insurgem contra a máquina.A PauseAIpegou no legado ludita, protestando contra aquilo que considera os males significativos causados pela IA. O grupo diz que a inteligência artificial vai causar uma erosão dos valores democráticos, ter impactos na economia e acarreta um risco elevado de extinção humana.A Algorithmic Justice League é outra organização que pede maior responsabilização no uso da IA e dedica a sua energia a sublinhar as desigualdades perpetuadas pela tecnologia.As preocupações sobre o uso da IA em Hollywood também se fizeram sentir na Greve da Guilda dos Argumentistas de 2023, naquilo a que Mueller chama “uma luta ludita clássica.”Embora os grupos tecno-cépticos tenham a sua própria missão, Mueller vê semelhanças entre eles: “existe uma pergunta mais séria por trás do cepticismo em relação à IA. Que tipo de futuro queremos ter?”Ele comenta que estas organizações têm algo em comum com o movimento ludita: “o reconhecimento de que a única forma de contrariar o poder da tecnologia é através da acção colectiva”.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Patagónia Argentina: uma grande viagem de El Chaltén a Ushuaia

Aqui encontra-se o Parque Nacional dos Glaciares, o maior da Argentina (com 7.270 quilómetros quadrados) e uma das maiores reservas de água doce do mundo. A cidade mais próxima é El Calafate, a três horas e quinze minutos de voo de Buenos Aires e a 80 km da entrada do parque.Situada junto das águas turquesa do lago Argentino, El Calafate convida-o a descobrir os glaciares e também a fascinante paisagem de uma imensidão plana e acastanhada que parece não ter fim. Nos arredores da cidade, várias fazendas de ovelhas reinventaram-se como hotéis rurais. Da Estância Alice, situada na encosta do Cerro Frías e a apenas 30 quilómetros do parque nacional, pode-se contemplar, à esquerda, o lago Argentino, cintilante como o mar das Caraíbas, e à direita, se o tempo estiver de feição, a silhueta singular de Torres del Paine, em território chileno.No solo acastanhado da estepe,abundam os arbustos de calafate, uma planta espinhosa com flores amarelas e frutos escuros utilizada para fazer licores e compotas. Aqui avistam-se também manadas de guanacos selvagens, as silhuetas do condor em voo, flamingos cor-de-rosa que se reflectem na água, exemplares de Sturnella loyca (aves de peito vermelho vivo), lebres, raposas, nandus de Darwin, gansos de Magalhães e, naturalmente, milhares de vacas.À noite, a escuridão sem fim é interrompida pelas mesmas estrelas que outrora guiaram Fernão de Magalhães, o navegador que deu nome à Patagónia.O centro de El Calafate é um típico postal ilustrado de uma aldeia de montanha: casas de madeira e pedra, lojas com artigos para caminhantes, lojas de chocolate e restaurantes que servem borrego grelhado ou assado.O lago Argentino é como um caminho líquido no qual, em vez de estradas, florescem rios de gelo.Antes de ir para os glaciares, vale a pena visitar o Glaciarium ou Museu de Gelo da Patagónia, um centro de interpretação vanguardista inaugurado em 2011 que permite conhecer o comportamento destes gigantes azuis. Embora o mais conhecido seja Perito Moreno, o parque nacional tem o nome de "Glaciares", no plural, porque inclui 346 destas formações, 47 das quais de grandes dimensões, como Onelli, Upsala, Spegazzini e Seco, que podem ser contemplados durante um passeio de barco no lago Argentino.A origem destes glaciares é o Campo de Gelo Patagónico Sul, a terceira maior calota de gelo do mundo, depois das da Antárctida e da Gronelândia, e a maior de natureza continental com acesso por terra. Esta imensidão coberta de gelo e neve cobre a metade ocidental do parque nacional, enquanto a leste a reserva se prolonga pela estepe árida.Para entrar na península de Magalhães a partir de El Calafate, é preciso iniciar a Ruta 11, que corre ao longo do lago Argentino. Com o Cerro Buenos Aires marcando o rumo correcto, a estepe dá lentamente lugar à floresta patagónica, constituída por várias espécies de faias australianas. O caminho bifurca-se: a norte, conduz ao porto de Punta Bandera, de onde partem as excursões de barco para o lago; a sul, conduz a Puerto Bajo las Sombras, onde existem passadiços e miradouros com vista para o glaciar Perito Moreno, classificado como Património Mundial em 1981. Perito Moreno é o lugar mais espectacular do parque Los glaciares, porque aqui o glaciar está muito perto da costa e quase parece que se lhe pode tocar.O ponto de observação de Perito Moreno permite distinguir o perfil em forma de seta do glaciar, que empurra com mais força para o centro e avança cerca de 1,70 metros por dia. Este fenómeno leva a que o gelo toque periodicamente a outra margem do lago e separe o Brazo Rico do canal de los Témpanos, criando uma diferença no nível da água das duas margens do lago que pode atingir 30 metros.O Museu de Gelo da Patagónia em El calafate oferece uma magnífica introdução aos glaciares.A forte pressão que a água gera sobre o glaciar provoca a sua erosão e fissura, a ponto de criar uma ponte de gelo elevada, que também está destinada a desmoronar-se. Assim, o nível da água volta a ser uniforme e o ciclo recomeça. A frequência da ruptura é variável: tanto pode ocorrer duas vezes por ano como só uma a cada dez anos.A partir deste ponto, os barcos navegam sob a imponente parede de gelo, com quase cinco quilómetros de largura e 60 metros de altura. Nota-se que o gelo não é branco, mas sim azul profundo e turquesa, como se todos os mares do mundo tivessem escondido uma amostra de cor nas suas dobras. Correndo o risco de estragar a magia do inexplicável, há uma razão científica para a variedade de azuis. O azul é um fenómeno óptico. Ao longo de séculos, a neve transformou-se em gelo e compactou-se em gelo glaciar. Quanto mais antigo for o gelo, menos branco e mais azul será visto, porque as suas moléculas absorvem as cores vermelha e verde da luz solar, refractando o azul.O trekking sobre os glaciares oferece uma perspectiva totalmente diferente e uma experiência emocionante. É necessário estar equipado com grampos que se prendem ao calçado e evitam escorregadelas. Não é fácil cravá-los no solo para avançar, mas, após os primeiros minutos, a expedição improvisada prossegue em fila indiana. Num momento de pausa, o guia bate na massa branca com um pequeno martelo, tira alguns copos da mochila, enche-os de whisky e deita um pedaço de gelo em cada um. Ao contrário dos cubos brancos que estamos habituados a ver, estes blocos são completamente transparentes e demoram muito mais tempo a derreter. Será um whisky "on the rocks" com gelo com mais de quinhentos anos.De Punta Bandera, os barcos navegam pelo Brazo Norte do lago Argentino e aproximam-se dosglaciares Upsala, Onelli e Spegazzini.É quase sempre possível ver deslizamentos de terra e icebergues flutuantes que formam esculturas monumentais de gelo azulado, tão grandes como as embarcações. O passeio inclui ainda uma escala em frente do Spegazzini, que é mais estreito do que o Moreno (1,5km de largura), mas com picos de 130 metros de altura.Uma ponte pedonal e vários miradouros permitem admirá-lo, bem como o glaciar Peineta, que não chega ao lago e junta-se ao Spegazzini como uma cascata imóvel. Uma cabana moderna com um terraço é o local ideal para almoçar ou fazer um piquenique, aguardar por novo desmoronamento ou contemplar as linhas escuras desenhadas nas morenas, que correspondem a acumulações de sedimentos rochosos que o glaciar arrastou para o vale há muitos séculos.Outro ponto de interesse do Parque Nacional dos Glaciares está localizado 215km a norte, em El Chaltén. Ao contrário de El Calafate, este local fica dentro do parque, no sopé das montanhas Fitz Roy (3.405m) e Torres (3.128), ambas em território chileno. A estrada que conduz até lá, rodeada de picos nevados e com vista para o lago Viedma, é frequentada por guanacos e lebres que põem à prova a atenção do condutor. El Chaltén é conhecida como a "capital nacional do trekking". Existem mais de 15 trilhos sinalizados de diferentes níveis de dificuldade, desde o Miradouro dos Condores (com apenas 1km) à rota de 16 quilómetros até Laguna del Toro, que exige sete horas de caminho. Por esta razão, ao longo dos trilhos mais longos, encontram-se acampamentos onde se pode pernoitar.Um dos trilhos mais percorridos é o de Laguna Capri: são quatro quilómetros com vista para Rio de las Vueltas. Da lagoa, também poderá ver Fitz Roy com as suas magníficas cristas e o glaciar Pedras Brancas, com os seus tons verdes. Os caminhantes mais experientes podem continuar até ao lago dos Três, no sopé da montanha. E os entusiastas da fotografia podem ainda levantar-se alguns minutos antes da alvorada para captar os primeiros raios de sol que fazem os picos do Fitz Roy brilharem como ouro.Laguna del Desierto, já fora dos limites do parque, situa-se a quase 40 quilómetros para norte, no final de um trilho de cascalho que, em alguns pontos, acompanha o rio de Vueltas. A partir daí, é possível avistar o glaciar Huemul.A pouco mais de uma hora de voo de El Calafate, chegará a Ushuaia, a capital da província argentina da Terra do Fogo e a última cidade no mapa do continente americano, juntamente com Puerto Williams, no Chile. A sua localização, a apenas mil quilómetros da Antárctida (e a pouco mais de dois mil quilómetros da Nova Zelândia e da Austrália), torna-a um destino remoto e fascinante. A paisagem é espectacular: a cordilheira dos Andes, que corre paralela ao oceano Pacífico, junta-se aqui ao Atlântico. Do alto, é possível apreciar a cidade, no sopé das montanhas Olivia (1.326m) e Martial (1.319m), com vista para o canal Beagle.Ushuaia desenvolveu-se em torno de uma prisão construída em 1902 e desactivada em 1947. O edifício foi transformado no Museu do Presídio, que preserva os pavilhões e celas do passado. Ushuaia é o portal para a sublime natureza patagónica e antárctica.A prisão localiza-se a uma curta distância da Avenida San Martín. Ao longo desta artéria e das ruas circundantes, aprecie a arquitectura típica da região, com as paredes de madeira cobertas com chapas de zinco e os telhados também de chapa metálica, pontiagudos para evitar a acumulação de neve. Basta chegar ao porto e caminhar vinte metros ao longo do cais até ao mar para obter uma das melhores perspectivas da cidade, com a montanha como pano de fundo.No passado, a principal actividade nos arredores de Ushuaia consistia em procurar madeira nos bosques próximos, a bordo de um comboio de bitola estreita. Esse comboio é hoje conhecido como o do Fim do Mundo, que parte de uma pitoresca estação a oito quilómetros da cidade, nas margens do rio Pipo, e entra no Parque Nacional da Terra do Fogo. Movido por uma locomotiva a vapor, o Comboio do Fim do Mundo passa pelos mesmos lugares do início do século XX. Depois de passar Cañadon del Toro, a primeira escala é na Cascata da Macarena, onde poderá visitar a reconstrução de um povoado indígena ou subir a um miradouro de onde apreciará a nascente que conduz ao salto da cascata. O comboio retoma a sua marcha e, das janelas, avistam-se bosques, rios, vales, turfeiras e um grande cemitério de árvores deixadas pelos condenados. As turfeiras são pântanos ricos em turfa, um depósito esponjoso de musgo e outros materiais orgânicos, muito comum na Terra do Fogo.Após 45 minutos de viagem, chegará à estação Parque, ponto de partida dos passeios pelos trilhos que ladeiam Laguna Negra e chegam à baía de Lapataia. Ali termina – ou começa – a rota pan-americana que liga o ponto mais meridional do continente ao Alasca, a 17.848 km de distância.As florestas próximas do lago Fagnano e do canal Beagle são verdes no Verão, tornam-se vermelhas, laranjas e douradas no Outono e brancas no Inverno. Quando o tempo permite, é possível chegar às margens do Beagle e dar um passeio "crocante" num solo coberto de caracóis. A gastronomia fueguina inclui o nototenídeo da Patagónia e o caranguejo-real-austral entre os pratos típicos. Se o filete não atingir cinco centímetros, não se trata de um nototenídeo! O caranguejo é pescado artesanalmente no canal Beagle e pode pesar dois quilogramas. Este crustáceo esteve à beira da extinção devido à sobre-pesca, até à suspensão total da sua pesca, em 1994. Recentemente foi autorizada de novo, mas apenas entre Novembro e Janeiro.Da água é possível conhecer outro perfil da cidade. Os barcos partem do cais Eduardo Brisighelli.Alguns navegam pelo canal Beagle, passam pela ilha Alicia (habitada por uma colónia de lobos-marinhos), pela ilha dos Pássaros (onde se podem apreciar várias espécies de cormorões) e chegam ao farol Les Éclaireurs, mais conhecido como o "farol do fim do mundo", construído em 1919 e símbolo da cidade.Outras embarcações param, no caminho de volta, nas ilhas Pontes, para dar a conhecer a história dos índios yámana. Aqui encontram-se os maiores concheiros da região, pilhas de restos orgânicos compostos por ossos e dentes de mamíferos marinhos e conchas de mexilhões. Os yámana aqueciam-se com a queima desses restos orgânicos em fogueiras que inspiraram os espanhóis a baptizar a região como Terra do Fogo.O sobrevoo destes territórios de helicóptero é uma experiência ainda mais vertiginosa. Primeiro, voa-se para oeste, ao longo do canal Beagle e do monte Susana, e depois para leste, para uma perspectiva completa da cidade, da cordilheira dos Andes, do glaciar Martiale dos montes Cinco Hermanos e Olivia.O glaciar Martial pode ser apreciado a olho nu de qualquer lugar de Ushuaia, incluindo de teleférico ou depois de pedir um chocolate na Confeitaria Miralejos. À mesma altitude, encontra-se a pista de esqui cross-country Francisco Jerman e a cabana de montanha do Clube Andino de Ushuaia. No Inverno, a principal atracção é a pista de descida de 859 metros de extensão com uma inclinação de 30 graus. Dos nove centros de desportos de Inverno na região, o principal é o Cerro Castor, que abre as 15 pistas em Junho. Os que não esquiam podem ainda apreciar um passeio de trenó puxado por cães, ou patinar no gelo em Laguna del Diablo, mesmo no centro da cidade, ou no ringue municipal de dimensões olímpicas. Seja nas longas noites de Inverno ou nos intermináveis dias de Verão, em Ushuaia é como estar no começo do mundo. Artigo publicado originalmente na Edição Especial Viagens n.º 57.

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Por que motivo temos impressões digitais e para que servem?

Existirá algo mais representativo de nós próprios do que as impressões digitais? Algo tão simples como pousar o dedo num vidro é suficiente para nos identificar. No nosso dia-a-dia, estas curvas minúsculas que decoram a ponta dos nossos dedos estão associadas quase exclusivamente à identificação pessoal: detectives, cenas de crime, passaportes, sensores biométricos... tudo conceitos que nos soam familiares.No entanto, as nossas impressões digitais não evoluíram para ajudar os especialistas a resolver crimes, muito menos para nos ajudar a desbloquear o telemóvel. Com efeito, aquilo que é actualmente utilizado como uma ferramenta forense ou tecnológica tem, na verdade, uma origem muito mais relacionada com a forma como interagimos com o mundo: é uma recordação deixada pela evolução.UMA ASSINATURA ANTERIOR AO NASCIMENTOPor incrível que pareça, as impressões digitais começam a formar-se quando nos encontramos no útero materno entre a 10ª e a 15ª semana de gestação – e, quando se formam, nunca mais mudam. Até quando fazemos feridas, quando nos queimamos ou ficam cobertas por cicatrizes, tendem a regenerar-se com a mesma forma, gerando ondas únicas e irrepetíveis – até entre gémeos idênticos.O mais surpreendente, porém, é a maneira como se formam, que inclui factores desde a posição do feto, o fluxo de líquido amniótico ou a pressão exercida na pele. Por outras palavras, trata-se de uma combinação curiosa entre o herdado e o aleatório, que consegue gerar padrões completamente pessoais e identificativos.Mas para quê tanto esforço para criar algo tão complexo e singular? A natureza raramente gasta energia em estruturas que não tenham uma função importante… e, como é óbvio, as impressões digitais não são diferentes.A PREENSÃO PERFEITASe estiver a pensar qual será essa função importantíssima, basta imaginar a seguinte situação: tente abrir uma garrafa com as mãos molhadas. Em princípio, mesmo que a garrafa escorregasse um pouco, não haveria problema, certo? Ora, sem impressões digitais, a sua pele seria tão lisa como um vidro – e tudo lhe escaparia das mãos.Isto significa que as impressões digitais conseguem aumentar a fricção entre os nossos dedos e os objectos, permitindo-nos agarrá-los com firmeza, mesmo em condições húmidas ou pouco favoráveis. As cristas funcionam como pequenos canais que desviam a água, tal como o rasto de um pneu, evitando a formação de uma película entre a pele e a superfície do objecto, melhorando, desta forma, a preensão.Trata-se de um design muito simples que, ao longo de milhares de anos, nos ajudou a trepar às árvores, colher fruta e fabricar ferramentas sem quaisquer problemas. Com efeito, alguns primatas também têm impressões digitais semelhantes às nossas, o que reforça que se trata de uma vantagem adaptativa. Afinal, para uma criatura arborícola, a capacidade de se agarrar a ramos molhados poderia significar a diferença entre a vida e uma queda fatal.OS DEDOS TAMBÉM “OUVEM”Contudo, a função das impressões digitais não se fica por aqui. Outra função, menos evidente, mas igualmente importante, é a ampliação sensorial, ou seja, as impressões digitais são capazes de melhorar a percepção do tacto, permitindo que o cérebro registe com maior nível de pormenor as texturas, as vibrações e as formas dos objectos.Por exemplo, quando passamos os dedos por uma superfície rugosa, essas cristas geram micro-vibrações que são detectadas pelos mecanorreceptores que se encontram imediatamente em baixo da nossa pele. Por outras palavras, é como se as impressões digitais funcionassem como antenas, traduzindo o mundo físico e enviando a informação ao cérebro para que este a interprete. Graças a elas, conseguimos sentir com os dedos a diferença entre papel liso e reciclado ou reparar numa racha minúscula numa parede.Para as pessoas cegas, é uma capacidade ainda mais importante. O sistema de leitura Braille depende exactamente dessa sensibilidade táctil – sem impressões digitais, seria quase impossível ler com os dedos. Os nossos dedos não se limitam a tocar nos objectos: ouvem o mundo. E as impressões digitais são o canal essencial que permite essa comunicação.

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Como Sylvia Earle se apaixonou pelo oceano – e porque nunca parou de explorar

Sylvia Earle cresceu junto ao mar – o sítio certo para a pessoa certa iniciar uma carreira prolífica assente na exploração e protecção do oceano.Até à data, Earle liderou acima de cem expedições oceânicas, somou mais de 7.000 horas debaixo de água, escreveu mais de 190 artigos científicos e publicou 13 livros. Tornou-se a primeira mulher a assumir o cargo de cientista chefe da National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA, em 1990, e é actualmente Exploradora da National Geographic.No entanto, muito antes dos seus feitos, foi uma menina de 12 anos que vivia a norte de Clearwater, no estado da Florida, onde raízes de mangues emaranhadas se encontravam com a maré e os molhes ainda não tinham marcado a orla costeira. No final da década de 1940, a água do mar fazia jus ao seu nome – cristalina e repleta de peixes e ervas marinhas. Agora, essa costa está endurecida, pavimentada e coberta de betão. No sítio onde se encontrava a casa onde ela cresceu, existe agora um arranha-céus residencial com vista para a baía. As luxuriantes pradarias subaquáticas que ela catalogou com um elevadíssimo nível de pormenor são agora meras mantas de retalhos. Há muito menos peixes e vastas secções do leito marinho estão despidas.Sylvia Earle tornou-se a primeira mulher a assumir o cargo de cientista chefe da National Oceanic and Atmospheric Administration dos EUA, em 1990, e é actualmente Exploradora da National Geographic.Foi aqui que Earle, que completou recentemente 90 anos, começou a ver as alterações profundas sofridas pelo oceano – alterações essas que passou toda a sua vida a tentar impedir.“Quando comecei a explorar o oceano na década de 1950, tornei-me testemunha das suas mudanças radicais”, diz Earle. “No meu tempo de vida, já assisti à perda de metade da vida selvagem do oceano, tanto em termos numéricos como em diversidade.”Desde os seus primeiros passos junto à orla costeira até às suas descidas recordistas às profundezas, Earle tem vivido num estado de devoção pelo mar. Atraída inicialmente pela botânica, ela prensava as ervas marinhas com uma precisão e ternura que revelava tanta reverência como rigor – uma forma de ver o mundo que sempre definiu a sua ciência. O amor, a curiosidade e um entusiasmo irrepreensível pela descoberta ainda a levam para dentro de água.Earle continua a ser uma voz importante na ciência e nas políticas oceanográficas. Dois dos seus projectos em curso para a National Geographic visam proteger águas junto à costa do Golfo da Florida e em Moçambique. E os seus “Hope Spots” (“Pontos de Esperança”), designados pela sua organização sem fins lucrativos de conservação dos oceanos, a Mission Blue, ainda estão identificar as zonas do oceano onde os parques marinhos podem ter maior impacto na conservação.“Aprendemos mais nos últimos 50 anos do que em toda a história humana anterior”, afirma. “Mas esse mesmo meio século também trouxe as maiores perdas que os mares algumas vez conheceram.”Encontrando companheiros sob a superfície do oceano Há oitenta e sete Verões, antes da sua mudança para a Florida, na pré-adolescência, e do início da sua carreira, uma Sylvia Earle de três anos passeava pelas dunas junto ao Oceano Atlântico. Pegadas minúsculas marcavam a areia molhada junto à costa de Nova Jérsia quando ela entrou alegremente no mar. Sem qualquer aviso, uma onda súbita de água rebentou em cima da sua cabeça, derrubando-a na areia.Enquanto outras pessoas poderiam ter tirado a criança da zona de rebentação, a mãe de Sylvia reconheceu o entusiasmo na cara da filha. Pegou nela ao colo, embalando-a junto aos borrifos de água salgada e viu, pela primeira vez, a olhar brilhante pelo qual Earle ainda hoje é conhecida quando emerge do oceano.“Ela viu o sorriso enorme na minha cara e deixou-me voltar a correr lá para dentro”, diz Earle, “e eu continuo a voltar a correr desde então”.A sua curiosidade inata atraiu Sylvia para as ancestrais formas de capacete dos caranguejos-ferradura que encontrava na costa. Enquanto outras pessoas da praia se encolhiam e gritavam “não toques nisso!” e “pode picar-te!” (na verdade, não pica), uma jovem Sylvia aproximou-se, sentindo já a necessidade de mudar a forma como as pessoas encaravam as criaturas do oceano: não como seres estranhos e distantes, mas como maravilhas.Essa encantamento e empatia precoces por todos os seres vivos viria a definir uma vida épica de exploração e protecção, à medida que ela se ia aproximando cada vez mais. As pequenas marcas que Sylvia deixou na areia naquele dia já indiciavam a marca duradoura que ela deixaria um dia no oceano – e em todos aqueles que seguiram o seu trabalho.“Aprendemos mais nos últimos 50 anos do que em toda a história humana anterior, mas esse mesmo meio século também trouxe as maiores perdas que os mares algumas vez conheceram.”Na década de 1950, o fascínio de Sylvia pelos mares já começara a ganhar forma. Aos 16 anos, ela fez o seu primeiro mergulho – um momento que consolidou a sua ligação com o mundo subaquático. Em 1979, Earle fez o mergulho que lhe conquistou a alcunha ‘Sua Profundidade’ e revelou ao mundo a sua presença contagiosa e avidez sem limites pela exploração das zonas desconhecidas do nosso planeta.Montada no nariz de um submarino, num mergulho livre recordista que alcançou 381 metros de profundidade ao largo da costa de Oahu, ela tornou-se a primeira mulher a explorar o oceano abaixo dos 300 metros vestindo um fato JIM – um sistema de mergulho pressurizado que elimina a necessidade de paragens para descompressão.Para lá do alcance da luz solar, Sylvia encontrou um mundo luminoso no oceano profundo.Na década de 1950, o fascínio de Sylvia pelos mares já começara a ganhar forma. Aos 16 anos, ela fez o seu primeiro mergulho – um momento que consolidou a sua ligação com o mundo subaquático.Corais semelhantes a bigodes erguiam-se como espirais. Anéis de algas azuis bioluminescentes pulsavam na coluna de água enquanto ela estendia a sua mão enluvada.“A maior parte da vida existente na Terra vive no escuro, em ambientes frios e altamente pressurizados que seriam inabitáveis para nós”, diz, com reverência. “Pensamos na parte de cima do oceano, iluminada pelo Sol, onde os mergulhadores vão, e nas criaturas que aí vivem como representantes do mar. Mas 90 por cento do oceano está envolto numa escuridão permanente e muitas das criaturas que ali vivem criam a sua própria luz.”O seu trabalho no mar profundo esclareceu algo que ela sempre soubera: cada criatura é um indivíduo único.“Lá em baixo, tudo é mais nítido”, afirma. “Aquele peixe é diferente daquele e daquele e daquele. Eu conheço a enguia que vive naquele sítio. Explorar e descascar as camadas do desconhecido convenceu-me de que temos de proteger o máximo possível do tecido natural da vida, da terra do mar.”Encontrando esperança no meio de uma crise climática Desde a sua casa, na Florida, a habitats de todo o mundo, Earle continua empenhada em lutar pela conservação do oceano e está a fazê-lo enquanto ensina a próxima geração de cientistas e contadores de histórias.E embora a perda da vida oceânica junto às orlas costeiras onde ela cresceu lhe tenha aberto os olhos para quão dramaticamente a costa pode mudar, ela descobriu ali bem perto o reconforto de que os seus esforços não são em vão.Ao visitar Crystal River, situado cerca de duas horas a norte de Tampa, em 2022 – a sua primeira visita em meio século –, ela encontrou algo que quase lhe pareceu um comité de boas-vindas. Ao contrário das orlas costeiras endurecidas de Clearwater, esta secção da costa permanece maioritariamente selvagem e as suas nascentes ainda despejam água transparente no Golfo.“Explorar e descascar as camadas do desconhecido convenceu-me de que temos de proteger o máximo possível do tecido natural da vida, da terra do mar.”Deslizando sob a superfície, ela sentiu-se quase como se estivesse novamente com velhos amigos: ervas marinhas balouçando com a corrente, algas pintando as rochas em tons familiares de verde, um mundo aquático ainda vivo. Esta pequena secção costeira da Florida é, para ela, uma fonte de inspiração, mesmo quando o futuro parece sombrio.“Que bênção é conseguir fazer coisas que nenhuma outra criatura consegue fazer”, diz, com a sua voz transmitindo o espanto de alguém que passou uma vida inteira debaixo de água. “Um golfinho consegue mergulhar nas profundezas do oceano – mas nós conseguimos ir ainda mais fundo e conseguimos voar. Temos tanta sorte por estarmos vivos neste momento, mesmo no início da maior era de exploração. Esta é a melhor oportunidade que alguma vez teremos, apesar dos enormes e formidáveis desafios que enfrentamos. E vem acompanhada por uma responsabilidade especial.”Esta responsabilidade é acentuada por uma litania de perda. Ela comenta a perda global de tubarões e raias (diminuíram até 71 por cento desde 1970), o declínio dos recifes de coral e a subsequente perda de peixes com valor comercial (60 por cento no mesmo período cronológico) e a vida marinha dizimada pela pesca industrial (uma prática que pode eliminar 80 por cento dos peixes em 15 anos, segundo um modelo científico.)“Conseguimos ver a desflorestação em terra e reconhecê-la como um problema grave, mas a superfície do oceano parece frequentemente intocada”, diz Earle. “Isto faz com que seja difícil as pessoas perceberem que o oceano tem actualmente apenas metade da saúde que tinha quando eu comecei a explorá-lo e fui assistindo a estas mudanças dramáticas em primeira mão”.Entretanto, as alterações climáticas estão a alterar os oceanos a uma velocidade sem precedentes.“Um golfinho consegue mergulhar nas profundezas do oceano – mas nós conseguimos ir ainda mais fundo e conseguimos voar. Temos tanta sorte por estarmos vivos neste momento, mesmo no início da maior era de exploração.”As temperaturas da superfície do mar a nível global aumentaram cerca de 1ºC ao longo do último século e a acidificação dos oceanos aumentou mais de 30 por cento, ameaçando ecossistemas marinhos inteiros.Contudo, mesmo tendo assistido a esta cascata de perda, Earle conserva uma esperança fundamentada – nascida de uma vida inteira de observação – de que compreender os nossos oceanos é a melhor forma de traçar um rumo melhor.“Temos de cuidar do oceano e dos nossos sistemas vivos naturais como se a nossa vida dependesse disso”, incita. “Porque depende.”A organização sem fins lucrativos National Geographic Society (NGS), empenhada em divulgar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financiou o trabalho da Exploradora da National Geographic Sylvia Earle e do Explorador e fotógrafo Carlton Ward Jr. Saiba mais sobre a forma como a NGS apoia os seus Exploradores. Este artigo foi publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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O trilho de caminhada mais antigo do Canadá é uma maravilha natural

Formadas há mais de 415 milhões de anos – antes da extinção dos dinossauros – as falésias rochosas da Escarpa de Niágara são o produto de um lago antigo que se estendia desde o actual Wisconsin ao estado de Nova Iorque.Embora as Cataratas do Niágara sejam a formação geológica mais famosa das diversas vertentes rochosas e promontórios íngremes da escarpa, para muitos caminhantes ávidos essa maravilha natural turística é apenas o ponto de partida para um trilho de 900 quilómetros que atravessa o sul de Ontário, desde a fronteira entre os EUA e o Canadá até à acidentada Península de Bruce, que penetra no lago Huron, contornando algumas das regiões mais densamente povoadas do Canadá antes de se dirigir para norte sobre florestas de coníferas, florestas carolinianas, prados e terras pantanosas.Por vezes, o trilho atravessa pequenas e encantadoras vilas rurais. O Trilho de Bruce é uma expedição que inclui grandes museus de arte e gelados artesanais, bem como encontros íntimos com a natureza. As Cataratas do Niágara podem figurar nos postais, mas o trilho permite visitar cerca de 500 outras cascatas pelo caminho. Em alguns pontos, a escarpa ultrapassa os 335 metros de altura.“Durante a minha primeira semana de caminhada, vi uma raposa no trilho. Os nossos olhos cruzaram-se e nenhuma de nós sentiu medo. Absorvemos o momento e, depois, ela foi-se calmamente embora”, diz Annette Sandberg sobre a sua primeira caminhada de uma ponta à outra do Trilho de Bruce, que completou em 2016. Mais tarde, veio a tornar-se directora de caminhadas para o Clube do Trilho de Bruce de Blue Mountain, um de nove clubes de voluntários que proporcionam recursos e serviços de transporte para os caminhantes. O clube também assegura a manutenção do trilho e dos seus 400 quilómetros de trilhos secundários.Alguns corredores já percorreram o trilho em apenas nove diasMais de dois milhões de pessoas percorrem o Trilho de Bruce anualmente. Os caminhantes podem começar o trilho em centenas de pontos de entrada: alguns possuem parques de estacionamento, outros são mais improvisados. Muitos autóctones utilizam secções do trilho perto das suas casas para fazerem pequenas escapadelas na natureza. Percorrer o trilho inteiro de uma ponta à outra, sem paragens de alguns dias, costuma demorar entre 35 e 45 dias. Alguns corredores já completaram o Trilho de Bruce em menos de nove dias e pessoas menos competitivas percorrem-no em trechos, ao longo de anos.Cerca de 40 caminhantes percorrem o trilho de uma ponta à outra todos os anos. A maioria deles regista o seu feito nos arquivos da Biblioteca Pública de Hamilton. Sandberg, por exemplo, demorou cerca de seis meses a fazer a sua caminhada de ponta a ponta a solo, caminhando cerca de quatro dias por semana. “Quando não estamos a falar com alguém durante o dia inteiro, algo muito especial acontece. A floresta começa a contar-nos a sua história”, diz Sandberg.A história dos fósseis – corais, trilobites e crinóides— é visível nos penhascos ao longo do trilho, que remontam ao período siluriano da Era Paleozóica. A grande variedade de flora e fauna que vive actualmente na Biosfera Mundial da UNESCO inclui 300 espécies de aves, como a triste-pia, a mariquita-azul e o pedro-ceroulo, 55 mamíferos, como o veado-de-cauda-branca e o morcego-pequeno-castanho, uma espécie ameaçada, 36 répteis, incluindo a serpente Massasauga e espécies anfíbias como a salamandra de Jefferson, outra espécie ameaçada, e 90 espécies de peixes.A história do Trilho de Bruce também inclui a experiência dos povos indígenas, cujos trilhos tradicionais acompanharam a escarpa durante milhares de anos antes da chegada dos europeus, e aUnderground Railroad, que fez parte da rede utilizada pelos afro-americanos escravizados na sua fuga rumo à liberdade no Canadá ao longo do século XIX.“Nunca pensara muito sobre como a história dos negros aparecera do lado canadiano da fronteira”, diz Zwena Gray, uma mulher negra, ambientalista, activista climática e promotora da comunidade. Originária de Detroit, Gray descobriu o Trilho de Bruce quando se mudou para o Canadá para estudar ciências ambientais na Universidade de Trent, em Ontário. Acompanhada por um amigo, demorou 39 dias a completar a sua viagem de uma ponta à outra do trilho. “A caminhada estava muito ligada ao trabalho de história que eu queria fazer sobre a intersecção entre os negros e o ambiente.”O Trilho dos Apalaches serviu de inspiração para o Trilho de BruceO Trilho de Bruce foi concebido em 1960 por dois naturalistas, Ray Lowes e Robert Bateman. Foram inspirados pelo Trilho dos Apalaches nos EUA – fundado no início do século XX. Ao entusiasmar as pessoas com as características geográficas singulares da escarpa, as suas vistas imponentes e biodiversidade impressionante, e convidá-las a percorrê-la a pé, eles tinham esperanças de criar um movimento que ajudasse a conservar uma vasta parcela de natureza situada na região mais povoada do Canadá. Mais de oito milhões de pessoas vivem actualmente vivem a uma hora de distância de carro da escarpa.Hoje em dia, a organização de Conservação do Trilho de Bruce supervisiona cerca de 6.474 hectares de terra. Aproximadamente 72 por cento é terra protegida que pertence à organização de conservação ou ao governo. O resto são terrenos privados, dependendo, consequentemente, da generosidade dos seus proprietários. O objectivo da organização é proteger todo o trilho e o espaço verde em seu redor. Com isto em mente, adquire entre 15 e 20 propriedades todos os anos, diz o director executivo, Michael McDonald. A constante aquisição de terras significa que o trajecto do trilho está sempre a mudar – ninguém o percorre de ponta a ponta duas vezes da mesma maneira.A organização de conservação proporcionarecursos de alojamento ao longo do trilho. Até 2030, pretende ter locais de pernoita e repouso em toda a sua extensão, o que significa que os caminhantes que estiverem dispostos a acampar já não precisarão de depender tanto dos clubes locais e dos seus serviços de transporte. Por ora, os alojamentos disponíveis adjacentes ao trilho variam desde21 zonas de campismo – na sua maioria gratuitas e situadas junto ao trilho – a hotéis, hostels e B&Bs. A selecção é variável, desde parca a robusta.A cidade de Hamilton, por exemplo, é praticamente cortada ao meio pela Escarpa de Niágara, da mesma forma que poderia ser atravessada por um rio, por isso, o trilho prossegue ao longo de uma faixa verde à beira da falésia, pelo meio da cidade com 600.000 habitantes. Existem hotéis de grandes cadeias, bares e mercearias e a magnifica Galeria de Arte de Hamiltonrelativamente perto do trilho.O trilho pode parar, mas a escarpa prossegue para norte“Uma das grandes alegrias do Trilho de Bruce é que podemos desfrutar dele como quisermos. Podemos caminhar de norte para sul ou de sul para norte. Podemos fazer apenas trechos de cada vez ou caminharmos à nossa vontade”, diz McDonald, que tem feito as suas caminhadas gradualmente e tenciona terminar o trilho neste Outono.Rodeada pelas águas azuis-turquesas do lago Huron e da baía Georgian, a secção do trilho que passa pela Península de Bruce atravessa vilas como Wiarton e Lions Head, onde existem bares e restaurantes encantadores onde os caminhantes podem relaxar um pouco. A extremidade setentrional do trilho é em Tobermory, uma vila pitoresca rodeada por parques e praias.Tobermory pode parecer o fim do caminho, mas não tem de o ser. Aqui, é possível visitar o Parque Marinho Nacional de Five National, acampar na Ilha Flowerpot ou mergulhar para observar vários naufrágios. Também é possível apanhar o ferry para norte, até à Ilha Manitoulin, onde a escarpa continua, embora já sem o Trilho de Bruce.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Radioterapia: a descoberta “acidental” que salva vidas actualmente

Se há algo que a história da ciência nos ensinou é que, por vezes, as grandes descobertas nem sempre começam com uma certeza, mas com uma simples pergunta originada pela curiosidade: e se isto pudesse ajudar alguém? Foi este o caso da radioterapia. Nascida quase por acidente num laboratório onde alguém estava simplesmente a observar algo que outros tinham ignorado é, actualmente, uma das terapias por excelência na luta contra o cancro.UMA CENTELHA NA ESCURIDÃOTudo começou de uma forma muito simples numa noite de 1895 num laboratório alemão. O físico Wilhelm Conrad Röntgen estava a realizar experiências com tubos de raios catódicos, um tipo de dispositivo que emitia electricidade em condições especiais quando, subitamente, reparou em algo estranho: uma tela florescente começou a brilhar, apesar de o tubo estar embrulhado em cartão preto. Como era isso possível?Röntgen descobrira, sem querer, os raios X, uma forma de energia invisível capaz de atravessar determinados objectos. Para perceber o que estava a acontecer, o físico decidiu colocar a mão da sua esposa em frente a uma placa fotográfica. O resultado foi a primeira radiografia da história: Röntgen conseguiu observar à vista desarmada os ossos da mão… e a sua aliança de casamento!Era uma descoberta tão importante para a sociedade da época que, em passadas poucas semanas, os raios X já estavam a ser utilizados nos hospitais. E não ninguém sabia exactamente como funcionava – apenas que permitiam ver o interior do corpo humano sem necessidade de cirurgia, algo realmente transformador para a medicina. Aquilo que Röntgen não sabia era que a sua descoberta iria muito mais além e se tornaria o primeiro passo de uma revolução médica.MARIE CURIE E A LUZ AUTÓNOMAPraticamente na mesma altura, enquanto o mundo se maravilhava com os recém-chegados raios X, uma jovem cientista polaca chamada Marie Curie estava em Paris a investigar umas pedras que pareciam emitir energia própria. Marie e o seu marido, Pierre, descobriram dois novos elementos: o polónio e o rádio, que não precisavam de electricidade para emitir radiação. Com efeito, tratava-se da radioactividade.Desconhecendo o perigo, os Curie trabalhavam sem protecção, sem saberem que essa energia invisível poderia fazer-lhes mal. Com efeito, era comum os cientistas da época andarem com um frasco de rádio no bolso, como se fosse um amuleto brilhante. As lojas até vendiam cremes e tónicos com pequenas doses de rádio, etiquetadas como “produtos saudáveis”. Perante o desconhecimento dos efeitos da radiação, os raios X eram usados em sapatarias para ver se o sapato encaixava bem ou em concursos de modelos para avaliar a melhor coluna vertebral. UM OLHAR MAIS PROFUNDOOs médicos não tardaram a aperceber-se de algo estranho: a radiação parecia ter efeitos profundos sobre os tecidos do corpo. Provocava queimaduras, mas também parecia travar o crescimento de alguns tumores. E foi assim que surgiu a ideia revolucionária: utilizar essa energia para atacar células doentes, sobretudo cancerosas. A sensibilidade aos efeitos biológicos produzidos pela radiação, a chamada radiossensibilidade entre células sãs e tumorais, é fundamental. DE EXPERIÊNCIA ARRISCADA A TRATAMENTO MÉDICONo início do século XX, os médicos começaram a aplicar radiação a pacientes com cancro, sobretudo em casos de cancro de pele. Os primeiros tratamentos eram muito rudimentares e perigosos: ainda não se sabia muito bem quanta radiação aplicar, nem como controlar os efeitos secundários, e, frequentemente, o sinal para suspender a radiação era a própria vermelhidão da pele. No entanto, a realidade estava à frente dos seus olhos e não havia dúvidas de que, na grande maioria dos casos, os tumores diminuíam ou desapareciam. Foi o nascimento oficial da radioterapia.Ao longo das décadas seguintes, a investigação continuou em alta e, com o passar do tempo, chegaram os primeiros dispositivos para apontar raios X de forma mais precisa. Em paralelo, começaram a colocar-se pequenas fontes de rádio dentro do corpo, no próprio tumor, a fim de tratá-lo de forma directa: uma técnica chamada braquiterapia. Embora ainda fosse um campo experimental, os resultados eram realmente promissores.A radioterapia continuou a avançar. Com a chegada das décadas de 1950 e 1960 surgiram os primeiros aceleradores lineares e, mais tarde, a técnica deu um grande salto com os computadores. Agora era possível calcular com maior exactidão a dose necessária e apontá-la com maior precisãopara o tumor, conseguindo reduzir cada vez mais os efeitos secundários e aumentar as probabilidades de cura de cada paciente.HOJE: PRECISÃO MILIMÉTRICA E ESPERANÇA GLOBALActualmente, a radioterapia é um dos pilares dos tratamentos contra o cancro, juntamente com a cirurgia e a quimioterapia. Calcula-se que seis em cada dez pacientes com cancro tenham recebido radioterapia em alguma fase do seu tratamento. Em muitos casos, esta pode até ser a única intervenção necessária.Os equipamentos modernos conseguem focar a radiação com grande precisão, graças a imagens 3D inteligência artificial e sistemas de acompanhamento em tempo real que permitiram a consolidação tanto da radioterapia como da braquiterapia. Hoje em dia, o desenvolvimento tecnológico facilitou a implantação clínica de terapias com protões – conhecidas como protonterapias – que representa um avanço no tratamento de tumores mais resistentes à radiação ou que se encontram em zonas muito delicadas do corpo, como o cérebro ou os olhos.Mas a história não acaba aqui. A investigação continua a avançar nas técnicas de radioterapia FLASH e radioterapia espacial e nas combinações de radioterapia com imunoterapia, terapia genética e novos fármacos. O objectivo é claro: tratar de forma mais eficaz, com menos efeitos secundários e melhor qualidade de vida para o paciente.

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Afinal, Moisés existiu? Uma reinterpretação de inscrição com 3.800 anos é contestada: “completamente infundada”

Não há dúvidas sobre a importância de Moisés para judeus e cristãos. Segundo a Bíblia Hebraica, Moisés foi quem libertou os israelitas da escravatura no Egipto, conduzindo-os através de terras áridas e recebeu os Dez Mandamentos de Deus. Para os historiadores, porém, a existência de Moisés tem sido um debate aceso. Apesar da sua importância religiosa, as evidências biológicas sobre Moisés sempre foram escassas.Agora, uma nova e sensacional interpretação de uma inscrição com 3.800 anos pretende, finalmente, provar a sua existência.Inscrições numa minaAs evidências em questão são duas inscrições nas paredes rochosas de Serabit el-Khadim, uma mina de turquesas egípcia situada na Península do Sinai. As inscrições fazem parte de um conjunto maior de inscrições escavadas pelo famoso arqueólogo Sir William Flinders Petrie no início do século XX.Petrie reconheceu desde cedo que as inscrições eram alfabéticas, mas foram necessários anos para decifrá-las. São a principal evidência de um sistema de escrita da idade do bronze média conhecido como escrita proto-sinaítica e o seu significado exacto e decifração continua a ser discutido.O consenso académico insiste que as inscrições foram esculpidas por trabalhadores durante o reinado do faraó Amenemhat III (c. 1800 a.C.). Duas outras inscrições ligeiramente mais antigas, descobertas em Wadi el-Hol, na margem ocidental do rio Nilo, sugerem que a escrita proto-sinaítica teve origem no Egipto. Isto faz com que as 30 a 40 inscrições de Serabit el-Khadim sejam das mais antigas escritas com este alfabeto.Algumas inscrições de Serabit el-Khadim parecem ter significado religioso. Várias referem-se a “El”, um dos nomes atribuídos a Deus na Bíblia Hebraica. Outros mencionam Ba’alat, uma divindade feminina semita frequentemente equiparada à deusa egípcia Hathor. Em algumas circunstâncias, o nome de Ba’alat aparece riscado, algo que pode indicar discordância sobre a divindade a seguir entre os trabalhadores da mina.Um “ditado de Moisés”Michael S. Bar-Ron, rabi reformado e aluno de pós-graduação da Ariel University, utilizou fotografias de alta resolução e imagens 3D para propor uma reinterpretação de duas das inscrições (357 e 361). Segundo Bar-Ron, diziam “zot mi’Moshe” (Este é Moisés) e “ne’um Moshe” (um ditado/afirmação de Moisés). Na sua proto-tese, Bar-Ron defende que muitas das inscrições proto-sinaíticas descobertas em Serabit el-Khadim foram feitas por um único autor que conhecia os hieróglifos egípcios. Com base no tipo de letra das inscrições, ele até sugeriu que tivesse sido o próprio Moisés a fazê-las. “Sinto-me tentado a propor”, escreve Bar-Ron, “que [as inscrições] poderiam ter sido escritas por uma personagem de fundo bíblico, subjacente à tradição bíblica de Moshe, Moisés.” Mesmo assim, é difícil perceber por que Moisés – um alegado príncipe do Egipto – faria parte de uma comunidade mineira egípcia.A reinterpretação, que foi amplamente divulgada na comunicação social, tem implicações profundas para o nosso conhecimento da historicidade de Moisés. Se, como proposto por Bar-Ron, estas inscrições forem de autoria do próprio Moisés, não só seria uma prova definitiva da sua existência, como a única prova escrita sobrevivente da autoria de uma grande figura bíblica e fundador religioso.Seria Moisés um nome egípcio comum?As reacções académicas a esta nova teoria têm sido mistas. Muitos preocupam-se com a reconstituição das próprias inscrições, que são uma tarefa reconhecidamente difícil. Um estudioso disse à National Geographic que as leituras são “muito problemáticas”. Thomas Schneider, egiptólogo na Universidade da Columbia Britânica disse ao The Daily Mail que a nova interpretação é “completamente infundada e enganadora”. Schneider sugeriu que as inscrições possam ter sido mal lidas, acrescentando que a identificação arbitrária de letras pode distorcer a história antiga.Mesmo que a identificação das letras e a transcrição feitas por Bar-Ron esteja correcta, isso não significa necessariamente que tenham sido escritas pelo Moisés da Bíblia. Liane Feldman, professora assistente de religião na Universidade de Princeton, disse à National Geographic que o nome Moisés pode perfeitamente ser um nome egípcio, sendo por isso menos diferenciado no contexto das inscrições da mina egípcia do que possa parecer aos leitores da actualidade.Como o académico Joshua Huddlestun escreveu, o nome Moisés aparece em cartas e documentos legais do Império Novo, incluindo um “caso importante que envolveu uma herança de terrenos apresentado por um queixoso chamado Mose”. Se, como as evidências sugerem, Moisés fosse um nome egípcio relativamente comum, não existem razões para pensar que estas inscrições se referem ao Moisés bíblico – ou que foram feitas por ele.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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10 eventos para observar no céu nocturno em Setembro

Neste mês de Setembro, o céu nocturno estará cheio de razões para sair de casa depois do anoitecer. Um eclipse lunar total pintará a Lua de vermelho e um eclipse solar parcial obscurecerá brevemente o Sol para os observadores situados no hemisfério Sul. Planetas brilhantes como Saturno, Neptuno e Júpiter irão assumir grande protagonismo: alguns alcançarão o seu brilho máximo e outros formarão alinhamentos, em encontros deslumbrantes com a Lua. E, quem tiver um telescópio, terá vistas óptimas de galáxias e aglomerados estelares.Desde eclipses à lua cheia “do milho”, aqui tem dez dos melhores eventos celestiais de Setembro – e as datas em que deve olhar para o céu.Eclipse lunar total e a “Lua do Milho” – 7 de SetembroNa noite de 7 de Setembro, um eclipse lunar total tornará a Lua vermelha como sangue. O espectáculo durará 82 minutos – das 17h30 às 18h52 UTC – e será visível na sua totalidade em grande parte da Ásia, na costa oriental de África e na região ocidental da Austrália. Na Europa, África e Oceânia, os observadores conseguirão ver pelo menos parte do eclipse, mas será impossível assistir ao espectáculo nas Américas porque a Lua nasce demasiado tarde.Mesmo assim, os observadores do hemisfério Ocidental terão um brinde nessa noite: a lua cheia de Setembro, conhecida como “Lua do Milho”. O nome, com raízes nas tradições nativas da América do Norte, assinala a época da colheita do milho.A Lua, Saturno e Neptuno convergem – 8 de SetembroNo dia 8 de Setembro, a Lua, Saturno e Neptuno irão formar um alinhamento, com uma distância de cerca de 3,5 graus entre cada um. Saturno brilhará intensamente a olho nu, mas para observar Neptuno, precisará de binóculos ou de um telescópio.Alcançarão o seu ponto mais alto no céu nocturno uma ou duas horas depois da meia-noite, dependendo do local onde estiver a observá-los, mas conseguirá ver o trio durante praticamente toda a noite.A Lua e Júpiter encontram-se –16 de SetembroNas primeiras horas de 16 de Setembro, a Lua crescente passará a cerca de 4,5 graus de Júpiter. O par aparecerá depois da meia-noite, erguendo-se no céu até a madrugada os apagar.Se tiver binóculos ou um telescópio, aproveite para observar Júpiter. É possível que consiga vislumbrar as suas quatro luas galileanas.Vénus passa atrás da Lua – 19 de SetembroNo dia 19 de Setembro, Vénus deslizará para trás da Lua, num evento chamado ocultação. O espectáculo será visível na Europa, na Gronelândia, em África e em algumas partes do Canadá.Para quem estiver fora da zona de visibilidade, Vénus e a Lua parecerão excepcionalmente próximos nos momentos anteriores à alvorada – em alguns locais, estarão separados por poucos minutos de arco.As melhores condições para observar estrelas – 21 de SetembroA lua nova de Setembro ocorre no dia 21 de Setembro e a ausência de luar permitirá aosobjectos mais ténues do céu brilharem com mais intensidade. Consulte um mapa celeste para procurar objectos do céu profundo como galáxias e nebulosas.No hemisfério Norte, Setembro também é um excelente mês para observar a Via Láctea e o seu luminoso núcleo galáctico. Preparem-se astrofotógrafos – é a vossa oportunidade para brilharem.Saturno com o seu brilho máximo – 21 de SetembroNo dia 21 de Setembro, Saturno alcançará o ponto de oposição – ou seja, o local onde estará directamente oposto ao Sol da perspectiva da Terra. Isto significa que Saturno estará muito bem iluminado, sendo, por isso, a melhor altura para observar este gigante gasoso. A título de bónus, Saturno será visível durante a maior parte da noite, nascendo cedo e pondo-se mesmo antes de o Sol nascer.Os anéis de Saturno não estarão no seu melhor, uma vez que o posicionamento do planeta fará com que se encontrem quase perpendiculares a nós, parecendo incrivelmente finos. Mesmo assim, é um momento ideal para observá-lo.Eclipse solar parcial – 22 de SetembroOs amantes das estrelas que vivem no sul do Pacífico e em algumas zonas da Antárctida desfrutarão de um eclipse solar parcial na manhã de 22 de Setembro (21 de Setembro em UTC). A Lua passará em frente ao Sol, bloqueando até 85 por cento da sua superfície.Se for uma das felizardas 16,6 milhões de pessoas que vivem nos sítios onde é possível observar este eclipse, lembre-se de utilizar protecção ocular adequada, como óculos de eclipse, antes de olhar para o Sol.Neptuno com o seu brilho máximo – 23 de SetembroTal como Saturno antes dele, Neptuno alcançará o seu ponto de oposição no dia 23 de Setembro. O planeta mais distante do nosso Sistema Solar é também o mais ténue, mas estará com o seu brilho máximo no momento da oposição.Mesmo com esta iluminação ideal, Neptuno continua a ser impossível de ver a olho nu. Aponte os seus binóculos ou telescópio para o planeta distante para um mero vislumbre – verá um ponto esbatido no céu. Felizmente, a Lua crescente estará apenas com 4 por cento de luminosidade, minimizando a poluição luminosa.A galáxia “colar de pérolas” estará bem posicionada – 24 de Setembro No hemisfério Sul e nas latitudes mais baixas do hemisfério Norte, os amantes das estrelas terão uma boa oportunidade de observar a NGC 55, também conhecida como Caldwell 72 ou galáxia “colar de pérolas” devido à sua forma irregular.Uma galáxia do tipo magalhânico– uma categoria algures entre uma galáxia irregular e uma galáxia espiral anã –, a NGC 55 alcançará o seu ponto mais alto no céu por volta da meia-noite (hora local) no dia 24 de Setembro.O aglomerado globular 47 Tuc estará bem posicionado – 27 de SetembroO segundo aglomerado globular mais brilhante do céu nocturno, 47 Tucanae, ou 47 Tuc, alcançará o seu ponto mais alto no dia 27 de Setembro por volta da meia-noite (hora local). No entanto, só será visível no Hemisfério Sul.O 47 Tuc será visível a olho nu como uma mancha difusa junto à Pequena Nuvem de Magalhães. Observado através de binóculos ou de um telescópio, o aglomerado globular assumirá a forma de uma esfera reluzente com centenas de milhares de estrelas.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Porque zumbem os cabos de alta tensão?

Com certeza que já lhe aconteceu, num passeio solitário pela floresta ou numa estrada pouco movimentada, ouvir um som pouco natural juntando-se ao canto das aves e o resfolegar das folhas das árvores: um zumbido estranho. Um sussurro eléctrico que parece vir do próprio ar. Com efeito. Nos dias húmidos ou chuvosos, esse ruído torna-se mais audível. Quase incómodo, diríamos. Mas, o que é exactamente esse zumbido que interrompe o silêncio e a paz da natureza?O SUSSURRO ELÉCTRICOEmbora nem sempre tenhamos consciência dele, os cabos de alta tensão costumam omitir um leve zumbido. Por vezes, é algo tão suave que se perde no próprio ruído ambiente, sendo, por isso, muito difícil ouvi-lo numa rua movimentada ou no meio da cidade. No entanto, sobretudo quando o silêncio reina ou nos dias húmidos, torna-se evidente, como um “zzzzz” constante.Se quiser ouvi-lo em alto e bom som, deve posicionar-se perto de uma torre eléctrica ou em algum local onde os cabos se aproximem do solo, como acontece em subestações ou em instalações urbanas. Nunca falha: o ruído não pára. Mas, a que se deve? A resposta envolve simplesmente o comportamento dos electrões quando percorrem grandes velocidades.Não, os cabos não estão partidos, nem existe uma fuga ou uma avaria perigosa. Muito pelo contrário, o zumbido é um sinal de que tudo está a funcionar correctamente, embora com um pequeno acompanhamento sonoro que tem um nome específico: efeito coroa.A FAÍSCA INVISÍVELNão devemos, porém, equivocar-nos: o efeito coroa não é uma faísca como as que saltam quando ligamos um equipamento em mau estado, nem uma descarga que salta entre cabo danificados. Na verdade, é um efeito muito mais subtil.Quando um cabo conduz electricidade com voltagem muito alta, o campo eléctrico em seu redor é tão forte que pode começar a ionizar a atmosfera à sua volta. O que significa isso? As moléculas da atmosfera, sobretudo o oxigénio e o nitrogénio, começam a adquirir carga eléctrica, transformando-se em iões. Isto não acontece de forma explosiva, mas como uma espécie de “neblina eléctrica” quase invisível que envolve o cabo.É um processo no qual se libertam pequenas quantidades de energia sob a forma de luz ultravioleta, calor e som – e é exactamente esse som que ouvimos, como se a própria atmosfera “vibrasse” em volta do cabo. Em condições normais, o efeito é mínimo, mas se o ar estiver húmido, haverá mais partículas de água na atmosfera, facilitando a ionização. É por isso que o zumbido é muito mais evidente em dias de chuva ou neblina.CABOS, FORMA E CLIMANem todos os cabos zumbem da mesma forma, pois a intensidade e frequência do som depende de vários factores. Um deles é a forma do condutor: os cabos com superfícies irregulares ou desgastadas tendem a gerar mais efeito coroa, porque o campo eléctrico é muito mais intenso nesses pontos.A tensão eléctrica também é importante. Quanto mais alta for a voltagem, maior a possibilidade de haver efeito coroa – é por isso que só ouvimos o zumbido em linha de alta ou extra-alta tensão e não nos cabos comuns das casas ou das ruas de uma cidade.E como é esse som? Por vezes, é um zumbido constante, noutras parece um crepitar suave. Tecnicamente, trata-se de uma descarga parcial, ou seja, não é uma explosão de electricidade, mas uma libertação mínima e controlada que não põe em risco a segurança do sistema nem das pessoas.ZUMBIDO E BOM FUNCIONAMENTOEmbora possa parecer contraditório, podemos estar tranquilos, pois o zumbido é um sinal de que tudo está bem. Dentro de certos limites, o efeito coroa é um fenómeno normal e esperado nos cabos de transmissão. As companhias eléctricas até omonitorizam para se assegurarem de que não está fora de controlo.Por exemplo, se detectarem um som excessivo ou variável, isso poderá indicar um problema, como um cabo danificado ou uma ligação solta. Regra geral, porém, esse murmúrio é como uma espécie de testemunho sonoro do fluxo de energia que mantém as nossas casas, ruas e cidades a funcionar.

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Hipercolesterolemia familiar: quando o colesterol alto é herdado

A maioria das pessoas associa o colesterol alto a uma alimentação não saudável e um estilo de vida sedentário – uma condição que evolui ao longo de muitos anos e com a qual só precisa de se preocupar à medida que envelhece.Mas nem sempre é assim. Em alguns casos, o colesterol alto não se deve aos hábitos de cada pessoa, mas à sua genética – uma doença chamada hipercolesterolemia familiar (HF).Reconhecer os sinais e sintomas do colesterol alto é essencial para tomar as medidas necessárias para geri-lo. A National Geographic falou com três cardiologistas para lhe dizer aquilo que precisa de saber sobre o colesterol alto herdado.O que é o colesterol — e porque é tão perigosoO colesterol é um composto gordo e ceroso de que todas as células do nosso organismo necessitam em doses múltiplas diárias para funcionar, explica Stephen Kopecky, cardiologista da Mayo Clinic e autor de Live Younger Longer.“As paredes das nossas células são feitas de colesterol, as nossas hormonas utilizam colesterol para se fabricarem”, diz Kopecky. “Um humano adulto tem cerca de 30 biliões de células no seu corpo e, basicamente, todas elas precisam de dezenas de milhares de doses de colesterol por dia. Por isso, há uma grande quantidade de colesterol a circular no nosso organismo – e é essencial.”A fim de ser transportado até às células, o colesterol é empacotado em partículas denominadas lipoproteínas, explica Gregory Katz, cardiologista na NYU Langone Health.A maioria das pessoas já ouviu falar no “colesterol bom” (lipoproteína de alta densidade, ou HDL) e no “colesterol mau” (lipoproteína de baixa densidade, ou LDL), que todos temos. Contudo, explica Katz, não é o colesterol em si que é bom ou mau – o termo refere-se à forma como o colesterol é empacotado e como é transportado pelo corpo.O colesterol HDL transporta o colesterol LDL para fora das artérias, levando-o até ao fígado onde é decomposto e excretado. No entanto, se existirem demasiadas lipoproteínas LDL a flutuar no organismo, estas podem ficar presas às paredes das artérias e causar inflamação. E as paredes das artérias não foram feitas para armazenar colesterol – é uma substância estranha, diz Kopecky.“Imagine que tem uma farpa na mão – a zona fica vermelha e quente. Passa-se a mesma coisa com o colesterol nas paredes das suas artérias”, diz Kopecky. “As paredes das artérias ficam mais quentes porque o corpo envia glóbulos brancos para o local a fim de eliminá-lo. Ao fazê-lo, pode romper o revestimento da artéria. E, se revestimento se romper, pode expor o sangue existente dentro dela. E o sangue pensa: ‘Ó meu Deus, a nossa artéria inteira está rota, vamos coagular.’ E, quando coagula, pode causar um ataque cardíaco ou um AVC.”O colesterol alto não costuma causar sintomas antes de atingir esse ponto, diz Katz, razão pela qual é tão perigoso. A maioria das pessoas descobre que tem colesterol alto através de análises de rotina.“Há ocasiões em que as pessoas vão um cirurgião ortopédico com lesões no tendão de Aquiles e descobrem, pela primeira vez na vida, que têm o colesterol alto”, diz Kopecky.Mas existe um subgrupo de pessoas cujo colesterol é tão alto que pode dar sinais através de depósitos nos tendões, sob a forma de manchas na pele semelhantes a placas, ou nos olhos, como um anel branco na fronteira entre a íris e a parte branca do olho, explicam Kopecky.Como descobrir se o seu colesterol alto foi herdadoFactores de estilo de vida como a falta de exercício físico, uma alimentação não saudável e obesidade são as causas mais comuns do colesterol alto. Isto costuma traduzir-se numa quantidade de colesterol total acima de 200 miligramas por decilitro de sangue, ou mg/dL. O nível de colesterol óptimo é cerca de 150 mg/dL.Quando o colesterol alto é causado pelo estilo de vida, é possível invertê-lo com escolhas mais saudáveis. Contudo, isso não é uma opção para as pessoas com hipercolesterolemia familiar, que pode manifestar-se se um ou ambos os progenitores tiverem uma mutação genética, explica afirma Ashish Sarraju, cardiologista da Cleveland Clinic. É extremamente importante diagnosticar a condição o mais cedo possível, pois existem coisas que pode fazer para impedir os piores desfechos.Algumas directrizes pediátricas recomendam a realização de análises ao colesterol em crianças entre os 9 e os 11 anos, caso os pais tenham HF, mas as crianças podem fazer análises ainda mais cedo em alguns casos, diz Sarraju. Ele recomenda consultar um especialista para receber recomendações individuais.Para os adultos, porém, “nunca é cedo demais para testá-lo”, diz Sarraju. Se tiver um historial familiar de colesterol alto, ataques cardíacos ou AVCs, mas ahaninguém tiver sido examinado em busca de uma condição como a HF, deverá fazer uma análise ao colesterol o mais rapidamente possível quando atingir a idade adulta.Devemos mencionar que uma grande parte das pessoas com HF também têm a lipoproteína(a) elevada, segundo a American College of Cardiology. A lipoproteína(a) é outra partícula que transporta o colesterol e causa doença cardíaca – e também é maioritariamente genética, explica Sarraju. A investigação sugere que os níveis elevados de lipoproteína aumentam o risco de doença cardíaca nas pessoas com HF.O que fazer se tiver herdado colesterol altoSe descobrir que tem HF, o seu médico deverá aconselhá-lo a prestar atenção aos seus hábitos alimentares e de exercício, diz Kopecky. Estas alterações de estilo de vida não irão afectar o seu colesterol LDL, porque o colesterol alto é causado pela genética, explica Kopecky. No entanto, um estilo de vida saudável reduz até 80 por cento o risco de problemas cardíacos, afirma.Katz diz que é boa ideia fazer análises ao colesterol todos os anos ou a cada dois anos e ponderar sobre medicação como estatinas – com base no seu nível de risco individual e no historial familiar.Um diagnóstico de HF poderá ser uma boa notícia porque acaba por prevenir os perigos representados pelo colesterol alto. “Na maioria dos casos, acho que o colesterol alto é uma batalha que se pode tratar e vencer”, diz Sarraju.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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A fraude da Lua e a nova vaga de colonização

Vou contar-lhe a minha história favorita sobre exploração lunar. Para a entender, terá de se transportar para a cidade de Nova Iorque em 1835. Os jornais eram então a força mais pujante de divulgação do conhecimento, mas também constituíam um pasto perigoso para vigaristas e outras pessoas sem escrúpulos.Em 1835, The New York Sun (sem ligação com o tablóide britânico) iniciou a publicação de uma série de seis artigos. Apresentados como relatórios das observações de um dos astrónomos mais conhecidos daquela época, deram a conhecer a um público extasiado as “descobertas” mais recentes: graças ao telescópio mais potente de sempre, Sir John Herschel conseguira ver montanhas, rios e canais na Lua. No segundo artigo, o jornal dava um passo em frente: Herschel conseguira avistar bisontes, cabras, zebras e unicórnios. A cada dia, mais nova-iorquinos compravam a publicação, desejosos de conhecer o admirável mundo novo.Nos artigos seguintes, The New York Sun ousou ir mais longe: anunciou o avistamento de um estranho hominídeo a que os sábios chamavam Homo vespertilio, o homem-morcego. E, por fim, deu conta de templos e monumentos, sinal evidente de que a civilização já chegara à Lua. Nesse ponto, o jornal assustou-se: a fraude atingira tal ponto que o público estava desesperado por saber mais. Por isso, o jornal anunciou a triste notícia de que o telescópio ardera inesperadamente. Mais tarde forçado a reconhecer a fraude, o jornal caiu em desgraça e o episódio tornou-se icónico dacredulidade humana.Nesta edição de Setembro, terá de acreditar que não lhe contamos uma fábula. Partimos em busca dos mais interessantes projectos para responder a questões práticas sobre a colonização da Lua. A aventura está a começar. E, desta vez, pode acreditar no que está a ler!

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