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6 descobertas arqueológicas que espantaram o mundo em 2025

Ao longo deste ano, a arqueologia foi reformulada por ferramentas científicas inovadoras. Sequenciamento de ADN antigo reconstruiu a genealogia de um egípcio que viveu quando as pirâmides começaram a ser construídas. Imagens de satélite captaram vestígios de enormes armadilhas de caça antigas espalhadas pelos Andes. E a cartografia subaquática mostrou-nos navios de guerra da Segunda Guerra Mundial afundados e descobriu um porto submerso que poderá conter pistas sobre o local de repouso de Cleópatra.No entanto, muitas das descobertas mais importantes de 2025 também vieram à superfície graças a escavações clássicas. No Belize, uma escavação numa pirâmide em Caracol desenterrou uma câmara contendo uma sepultura real maia. Nos arredores do Vale dos Reis, no Egipto, os arqueólogos descobriram o último túmulo perdido de um faraó da XVIII Dinastia.Analisadas em conjunto, estas descobertas indiciam quanto da história humana ainda permanece escondida – sob águas profundas, selvas densas e areias do deserto – à espera de alguém que as encontre. Aqui estão algumas das descobertas arqueológicas mais interessantes e excitantes de 2025.1. Um túmulo real no Belize poderá pertencer ao rei maia que fundou CaracolHá quase 40 anos que os arqueólogos Arlen e Diane Chase, da Universidade de Houston, escavam as estruturas maias de Caracol, nas selvas do actual Belize. Neste ano, anunciaram uma das suas maiores descobertas: um túmulo real com 1.700 anos, datado aproximadamente de 330-350 d.C. Eles crêem que tenha pertencido um dirigente conhecido: Te K’ab Chaak.Dentro do túmulo coberto por cinabre, os investigadores encontraram uma máscara mortuária feita de jade e conchas, com orelhas em jade, e os ossos de um homem idoso cujo crânio rolara para dentro de um recipiente cerâmico. Se o seu palpite estiver certo e os restos mortais pertencerem a Te K’ab Chaak, isso poderá significar que descobriram o fundador de uma dinastia maia que governou a cidade durante cerca de 500 anos. As descobertas feitas no sítio – mais especificamente, uma sepultura com restos mortais cremados e lâminas de obsidiana verde – também fornecem pistas sobre uma possível relação entre os maias que ali viviam na altura e a cidade distante, mas poderosa, de Teotihuacan.2. A busca por Cleópatra descobre um porto afundado ao largo da costa egípciaEntre a ascensão de uma dinastia maia à queda dos Ptolemeus no Egipto, os arqueólogos também fizeram uma descoberta que poderá ajudar a localizar o túmulo de Cleópatra. Há duas décadas que Kathleen Martínez, Exploradora da National Geographic, procura o local de repouso de Cleópatra – não em Alexandria, onde a maioria dos académicos pensa que ela está enterrada, mas num templo pouco conhecido nos arredores, chamado Taposiris Magna. A sua busca conduziu-a ao mar Mediterrâneo, onde ela e a sua equipa descobriram um porto submerso datado do tempo da rainha.Mergulhadores liderados por Bob Ballard, Explorador da National Geographic, cartografaram pavimentos polidos, torres altíssimas e âncoras sob as ondas. A descoberta, apresentada no documentário Cleopatra’s Final Secret, apresenta Taposiris Magna como um importante posto marítimo, além de centro religioso. Essa descoberta, diz Martinez, reforça a teoria segundo a qual Cleópatra poderá ter escolhido este local para o seu túmulo. Se os seus restos mortais se encontram algures ao largo da costa? É uma pergunta que só o desenrolar da exploração poderá responder.3. Naufrágios da Segunda Guerra Mundial revelam informações sobre a campanha mortífera de GuadalcanalAlém de procurar Cleópatra, Ballard também liderou uma expedição em águas profundas no Iron Bottom Sound, nas Ilhas Salomão, em Julho, para explorar navios naufragados da Segunda Guerra Mundial. O leito marinho daquela região é um cemitério solene para mais de cem navios aliados e japoneses destruídos durante a Batalha de Guadalcanal. Alguns não eram vistos desde a década de 1940. Durante esta expedição, Ballard e a sua equipa do E/V Nautilus utilizaram ROVspara examinar 13 naufrágios, incluindo o destroyerTeruzuki, da marinha imperial japonesa, e a proa despedaçada doU.S.S. New Orleans.A equipa também revisitou o cruzador australiano HMAS Canberra, afundado durante a catastrófica Batalha da Ilha de Savo e examinou os restos degradados do U.S.S. De Haven, um dos últimos navios perdidos na campanha de Guadalcanal. As explorações realçam a história táctica da Guerra do Pacífico e o seu custo humano: perderam-se mais de 27.000 vidas durante a luta de seis meses por Guadalcanal.4. A descoberta do túmulo perdido do faraó Tutmés IIEmbora a busca por Cleópatra continue, outro dirigente egípcio foi finalmente encontrado neste ano. O túmulo de Tutmés II, que escapou aos arqueólogos durante mais de um século, até uma equipa com elementos britânicos e egípcios anunciar a sua descoberta no passado mês de Fevereiro. Tutmés II, cuja esposa e meia-irmã era a famosa rainha (e, mais tarde, faraó por direito próprio) Hatshepsut, governou entre 1493 e 1479 a.C., no início da XVIII Dinastia.É o primeiro túmulo real descoberto perto do famoso Vale dos Reis desde o túmulo de Tutankhamon, nos arredores de Luxor. No seu interior, os arqueólogos encontraram paredes cobertas com hieróglifos e um tecto pintado representando o céu.5. Observando mais de perto mega-estruturas andinas que reescrevem a vida nas montanhas na antiguidadeOs seres humanos, construíram paisagens inteiras nos Andes a fim de coordenar o comércio, calcular tributos e capturar presas esquivas. No Peru, investigadores poderão finalmente ter resolvido o mistério de uma enorme “faixa com buracos” que se estende sobre uma montanha isolada chamada Monte Sierpe, ou “Montanha da Serpente”. Eles pensam que os cerca de 5.000 buracos seriam utilizados como mercado e sistema de contabilidade pelos povos Chincha e foram, posteriormente, ampliados pelos incas. As fotografias aéreas dos buracos também figuraram numa capa da National Geographic em 1933.Mais recentemente, os investigadores usaram drones para observar os buracos a partir do ar. O mapa possibilitado pelo drone e a análise de restos vegetais sugere que os poços contiveram, outrora, cestos de produtos e poderão estar associados a um método de contagem ancestral que utilizava cordas com nós, chamadas “khipus”.Mais a sul, na bacia hidrográfica do Rio Camarones, no Chile, imagens de satélite conduziram um arqueólogo até 76 estruturas de pedra em forma de V, que se pensa serem “chacu”, armadilhas de caça de grande dimensão. O povo antigo que ali viveu usava as muralhas de pedra com cerca de 150 metros de comprimento para conduzir vicunhas, animais de pequeno porte parecidos com lamas, até aos currais, onde seriam abatidos. Estas duas descobertas ilustram como as sociedades andinas moldaram a terra à medida das suas necessidades ao longo de gerações.6. O genoma egípcio mais antigo e mais completo alguma vez sequenciadoArqueólogos encontraram um vaso de cerâmica dentro de um túmulo aberto num monte de calcário na necrópole egípcia de Nuwayrat. Aninhado no seu interior, estava o esqueleto de um homem do Império Antigo, que viveu há cerca de 4.500 anos. Os cientistas recuperaram uma cápsula do tempo genética num dos dentes do homem, que nos proporcionou o mais antigo e mais completo vislumbre da genealogia de um antigo egípcio.A análise mostrou que 80 por cento do AND do homem vinha de grupos neolíticos do norte de África e 20 por cento de populações da Ásia Ocidental. Os cientistas também utilizaram uma digitalização 3D da cara do homemde Nuwayrat para reconstruir a sua possível aparência (mas deixando de fora a cor do cabelo e da pele, que consideraram aspectos mais especulativos.) No entanto, eles sublinharam que este indivíduo não representa todas as pessoas que viveram ao longo das margens do Nilo naquele tempo.Os investigadores não sabem por que razão o homem estava enterrado num vaso. No entanto, as lesões aparentes nos seus ossos sugerem que ele fazia muito trabalho repetitivo, numa postura dobrada, levando-os a deduzir que ele poderia ser um ceramista talentoso (e, provavelmente, não um construtor de pirâmides).Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Para lá dos Alpes: 7 estâncias de esqui alternativas para esquiar na Europa

Perante a diminuição de estâncias de esqui com chalets tradicionais e o aumento dos preços, viajar para os cantos mais distantes da Europa em busca de um local onde esquiar pode ser vantajoso. É frequentemente mais barato e os hotéis de luxo podem ter preços comparáveis aos alojamentos de baixo custo nas estâncias de esqui mais populares da Europa. Além de ser potencialmente mais barato, esquiar fora do circuito pode proporcionar uma experiência cultural rica, melhores rotas de voo, pistas com menos gente, dias com mais Sol e um acolhimento mais caloroso.1. Os PirenéusEstendendo-se ao longo de mais de 430 quilómetros, desde o sudoeste de França até ao noroeste de Espanha – com Andorra no meio –, os Pirenéus são o lar de dezenas de estâncias de esqui, grandes e pequenas. Os destaques vão para Baqueira-Beret, em Espanha, Soldeu, em Andorra, e Grand Tourmalete, em França – e todas são conhecidas por serem mais baratas do que os Alpes e por terem, frequentemente, mais neve, graças ao seu clima marítimo atlântico.2. Os CárpatosA segunda maior cordilheira da Europa estende-se ao longo de quase 1.500 quilómetros: começa na fronteira entre a Áustria e a Chéquia e forma um crescente sobre a Eslováquia, a Hungria, a Polónia, a Roménia, a Ucrânia e a Sérvia. É mais baixa do que os Alpes, mas possui um número muito respeitável de pequenas estâncias de esqui. Talvez a mais conhecida seja a familiar Jasná, na Eslováquia, a maior estância de esqui da Europa Central, com quase 50 quilómetros de pistas de ambos os lados do Monte Chopok e uma altitude máxima de 2.024 metros.3. As Montanhas EscandinavasErguendo-se sobre a Noruega, a Suécia e penetrando na Finlândia, esta cordilheira transfronteiriça tem picos que se erguem acima dos fiordes e pistas que levam os esquiadores a atravessar florestas cobertas de neve. Aquilo que falta às estâncias escandinavas em quilómetros é compensado pelas suas actividades fora das pistas, desde esqui de fundo e snowshoeing a sessões de pastoreio de renas organizadas por comunidades Sami locais e passeios de trenó puxados por huskies. Dirija-se (NR: há comboio nocturno desde Estocolmo) para norte, até Narvik, na região árctica da Noruega, para participar em actividades desde os picos até ao mar, regularmente iluminadas por auroras boreais.4. O CáucasoCerca de 60 por cento da Geórgia é coberta pelas imponentes montanhas do Cáucaso e as rotas de voo de Londres e Milãopara Tbilisi lançadas nos últimos meses tornaram o local mais acessível. A principal estância, Gudauri, foi desenhada pela Ecosign, uma empresa canadiana responsável pelos projectos de algumas das melhores estâncias do mundo. A apenas duas horas de carro da capital, está rodeada por picos com 5.000 metros e conta com cerca de 80 quilómetros de pistas até aos 3.276 metros de altitude – e promove-se como oferecendo o passe de esqui mais barato da Europa: seis dias por cerca de €110. Um pouco mais longe (a 9 horas de carro) Goderdzi, juntamente com a sua vizinha Tetnuldi, estão lentamente a conquistar a reputação de melhores destinos para esqui freeride na Geórgia.5. As Montanhas BalcãsAtravessando a região mais oriental da Sérvia e da Bulgária, as Balcãs são o lar de uma série de estâncias que estão a tornar-se mais populares enquanto destinos com pistas de esqui de alta qualidade, vida nocturna animada, comida saborosa e excelente hospitalidade. As estâncias búlguras mais populares são Borovets, Pamporovo e Bansko, que ocupam regularmente o topo da lista do relatório Post Office Travel Money Ski Report, sendo consideradas os locais mais baratos para esquiar na Europa, com pistas menos apinhadas e passes de teleférico, aluguer de equipamento de esqui e aulas mais baratos do que os Alpes.6. Serra NevadaA cordilheira andaluz é o lar de Mylhacén, o pico mais alto de Espanha continental, com 3.479 metros, bem como da estância de esqui mais meridional da Europa (igualmente chamada Serra Nevada). Como seria de esperar, dada a sua localização, a zona recebe muito mais Sol do que os Alpes, situados mais a norte, mas a sua altitude ajuda a garantir uma boa cobertura de neve entre Dezembro e Abril. O pólo principal, Pradollano, situa-se a 2.100 metros de altitude e a pista de aprendizagem a 2.700 metros, enquanto os 112 quilómetros de pistas da estância alcançam uns impressionantes 3.398 metros. A região acolhe frequentemente eventos desportivos internacionais, nomeadamente o Campeonato Mundial de Snowboard Cross, em Março de 2024. E para quem procura Sol, é uma combinação perfeita de esqui e praia, com a cidade à beira-mar de Málaga a apenas duas horas de carro.7. Os ApeninosSe procura pistas vazias, vistas estupendas e preços amigos dos bolsos, a nossa grande dica é a estância de esqui de Alto Sangro nos Apeninos italianos. Esta estância localiza-se na região central de Abruzzo e recompensa os esquiadores com descida após descida durante todo o dia, sem tempos de espera nas filas dos teleféricos. A única preocupação é o cansaço das suas pernas. Comparado com, por exemplo, os Alpes franceses na época alta, a maior estância de Abruzzo, Alto Sangro, cuja altitude máxima é 2.141 metros – é quase uma cidade-fantasma.Roccaraso, a vila mais próxima de Alto Sangro e nome pelo qual esta zona de esqui é frequentemente conhecida no local, é explorada por apenas uma operadora britânica. Os italianos vêm aqui esquiar no fim-de-semana, o que significa que os dias de semana são maravilhosamente tranquilos. Os residentes amigáveis e os preços baixos fazem com que seja fácil adorar Roccaraso. Os preços das viagens de avião para a cidade de Nápoles são mais baixos no Inverno e os hotéis locais são maioritariamente alojamentos pequenos de gestão familiar com boa relação qualidade/preço. Um café junto à pista custa €1 e um prato de massa ou polenta custa cerca de €12 — preços impossíveis de encontrar nos Alpes.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Fotogaleria: O nosso planeta visto de cima e por baixo

No início deste ano, dois amigos fotógrafos tinham acabado de fotografar o Grand Canyon e começaram a falar sobre os projectos criativos a que se poderiam dedicar em seguida. Don Pettit ambicionava exercitar a sua câmara em Madagáscar e enviou uma mensagem ao amigo Babak Tafreshi, enaltecendo a beleza daquele lugar.Babak não discordou: imaginou os famosos embondeiros, com os troncos grossos e ramos em filigrana, erguendo-se, hipnóticos, contra um céu escuro e salpicado de estrelas. Por isso, embora se sentisse cansado de tantas viagens, embarcou num voo de Boston para Paris e depois noutro para Antananarivo, a capital de Madagáscar, onde pernoitou antes de alugar um automóvel e conduzir até ao reino distante dos embondeiros – uma estrada de terra batida revestida por dezenas destas árvores ancestrais.A viagem de Don Pettit foi mais simples: flutuou de um compartimento para outro a bordo da Estação Espacial Internacional, dirigindo-se às janelas de onde conseguia avistar o mundo.Durante a sua missão de sete meses a bordo da Estação Espacial Internacional (EEI), Don, astronauta há quase 30 anos, colaborou com Babak, fotógrafo e explorador da National Geographic, num projecto para fotografar os mesmos locais ou fenómenos a partir de duas perspectivas completamente diferentes – um fotógrafo cá em baixo, na Terra, e o outro flutuando  400 quilómetros acima dela. Juntos, organizaram dez sessões fotográficas em quatro continentes. O resultado é um álbum de recortes celeste do nosso planeta, com cenas fascinantes que nos fazem flutuar enquanto mantemos os pés assentes na Terra.A dupla conheceu-se pouco depois da primeira campanha de Don na recém-construída EEI, em 2003. Fotógrafo amador desde o sexto ano de escolaridade, Don levara as suas câmaras digitais e utilizara materiais recolhidos na estação para montar um suporte para a câmara capaz de lhe proporcionar a imobilidade necessária para capturar o céu nocturno sem rastos de luz estelar.Nessa época, Babak trabalhava como editor na revista de astronomia iraniana Nojum. Começara a fotografar na adolescência, concentrando-se no céu nocturno e nas maravilhas naturais que se tornam visíveis quando não há poluição luminosa. Assim que as fotografias de Don chegaram à Terra, Babak enviou-lhe um e-mail de felicitações. Não tardaram a tornar-se amigos por correspondência.Anos mais tarde, quando esta troca de cartas deu origem a um projecto fotográfico, Don e Babak pensaram que seria útil optar por diferentes abordagens para construir narrativas visuais sobre a Terra. Don, em particular, sentia o dever de partilhar o seu ponto de vista privilegiado com os seus companheiros humanos à superfície do planeta. “Queremos partilhar estas imagens com aqueles que não possuem os recursos para andarem em órbita”, disse.Ao longo do projecto, a dupla esforçou-se por sincronizar as sessões fotográficas, algo que exigiu um enorme esforço de planeamento. Precisavam de ter em consideração a mecânica orbital. Do seu poleiro, a bordo da EEI, Don dava a volta ao globo a cada 90 minutos, correndo entre o nascer e o pôr do Sol. A trajectória da Estação Espacial também era importante. Quando a dupla começou a discutir potenciais zonas de interesse, Babak mostrou-se cheio de ideias. “Recomendei a Islândia, por exemplo”, recorda. Mas a EEI nunca sobrevoa a Islândia, respondeu Don. Os problemas terrestres também influenciaram o projecto. Certa vez, Don sugeriu algumas regiões aparentemente fotogénicas a centenas de quilómetros de altitude, mas estas estavam localizadas junto das fronteiras de países em conflito como a Índia e o Paquistão ou as Coreias do Norte e do Sul. “Por isso, eu não podia viajar para lá, por motivos de segurança”, lembra Babak.Enquanto isso, Don tinha de cumprir os seus deveres de astronauta. “Quando estamos numa Estação Espacial, temos um dia preenchido”, contou este astronauta, que já soma quase seiscentos dias no espaço, divididos por quatro missões. “Temos de encontrar um furo no horário para podermos correr até à cúpula e tirar fotografias.”Em certas ocasiões, o universo facilitou-lhes a vida. Um cometa, de visita vindo dos confins do Sistema Solar, apareceu uma semana depois de Don entrar em órbita. Babak observou o objecto luminoso em Porto Rico, mas Don “tinha a melhor perspectiva”, sem a atmosfera enevoada da Terra e as suas nuvens incómodas pelo meio. Pouco depois, uma enorme aurora apareceu no céu sobre a casa de Babak Tafreshi, e os fotógrafos captaram o evento com poucas horas de distância entre si, no melhor sincronismo de todo o projecto. No que diz respeito às místicas luzes verdes das auroras boreais, dois pontos de vista são melhores do que um. “Se olharmos para a mesma onda a partir da órbita, podemos ver que é, na verdade, uma forma oval”, contou Don. É como se eles tivessem revelado a sua verdadeira natureza.Embora Don fosse poupado às dificuldades que podem arruinar o dia de um fotógrafo em campo, as suas câmaras avariavam-se de vez em quando devido ao constante bombardeamento de radiação cósmica e, em certas ocasiões, alguns artefactos do quotidiano invadiram furtivamente as fotografias. Certa vez, enquanto Babak analisava as imagens das Maldivas obtidas por Don no oceano Índico, reparou numa mancha verde intrigante na água – seria uma inflorescência de algas? “Fiquei entusiasmado até receber as fotografias seguintes e perceber que a mancha se deslocava velozmente”, disse Babak. Afinal, era uma máquina de levantamento de pesos, reflectida nas janelas da Estação Espacial. “Todos os membros da tripulação fazem exercício nesta máquina durante 90 minutos por dia”, disse Don. Ele pedia aos colegas o favor de desligarem as luzes e treinarem às escuras durante alguns minutos. Nem todos acediam ao pedido.Don e Babak acreditam que a fotografia espacial é melhor quando feita por pessoas. Existem muitos satélites que captam imagens da Terra a partir da sua órbita, mas falta textura a essas fotografias. Don pode jogar com a luz e com as sombras, criando um retrato mais interessante. E uma vista orbital da Terra tem mais significado quando existe uma emoção real por detrás dela. Karen Nyberg, astronauta reformada da NASA, disse-me que gostava de fotografar os sítios onde sabia que estavam os seus entes queridos. “Eu passava por cima de Houston, ou por cima da zona norte do estado de Nova Iorque quando eles lá estavam, e sentia-me ligada a eles por me encontrar apenas a 400 quilómetros de distância, directamente por cima deles”, disse.Ao longo de mais de duas décadas de amizade, Don e Babak só se encontraram pessoalmente meia dúzia de vezes. Comunicam sobretudo através de mensagens de texto e correio electrónico. Disseram-me que não falam sobre as suas vidas pessoais, nem se tornam demasiado filosóficos, apesar da natureza do seu trabalho. As conversas são típicas da sua arte, discutindo valores de abertura (f-stops) e software de tratamento de imagem. Mesmo assim, não são só parceiros de um projecto fotográfico. Quando Babak Tafreshi foi roubado na Sicília e perdeu a maior parte do seu equipamento, escondeu os pormenores deprimentes de Don porque não queria preocupá-lo. Don fez troça dele, em tom de brincadeira, dizendo-lhe que deveria ter mais cuidado com o sítio onde guarda o passaporte, que também fora roubado.A sessão fotográfica de Madagáscar foi a última antes de Don Pettit regressar à Terra. A região tem pouca luz artificial, por isso a fotografia dependia do alinhamento dos corpos celestes – em noite de Lua cheia – para iluminar uma paisagem envolvida pela noite. Babak instalou-se no meio do mato, captando o brilho da Via Láctea no céu imaculado. “Foi surreal”, disse. A noite serena era pontuada pelos murmúrios nocturnos de animais selvagens, que permaneciam invisíveis, e de aldeãos que passavam perto dele, em carroças puxadas por mulas.Vista lá de cima, a Terra é um mundo brilhante com uma atmosfera delicada num vazio escuro. Cá de baixo, é um emaranhado de flora, fauna e humanidade que, tanto quanto sabemos, não existe em mais lado nenhum. Os dípticos resultantes mostram a Terra como ela verdadeiramente é – igual a qualquer outro planeta, mas é também o único lar que temos:Artigo publicado originalmente na edição de Novembro de 2025 da revista National Geographic.

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Como a equipa de “Avatar” criou o mundo fantástico de “Fogo e Cinzas”

Não é segredo que o mundo fantástico de Pandora, criado pelo aclamado cineasta e Explorador da National Geographic James Cameron, espelha o planeta Terra e imagina que os seus habitantes têm uma relação mais harmoniosa com o seu ambiente. E agora que Avatar: Fogo e Cinzas já está em exibição nos cinemas, os espectadores irão encontrar novos e excitantes clãs e animais. Uma criatura intrigante do filme é utilizada como meio de transporte por um novo clã chamado Vendedores de Vento. O ser semelhante a um dirigível – conhecido como Medusóide – plana no céu com as suas asas translúcidas abertas, enquanto transporta os seus preciosos passageiros.“É basicamente um navio pirata suspenso numa alforreca gigante”, diz Dylan Cole, o designer de co-produção do filme que ajudou a criar esta peculiar forma de vida.Embora as criaturas dos filmes sejam fictícias, o processo de lhes dar vida é mais científico do que possa pensar. Saiba como os artistas responsáveis pelo filme criaram as criaturas bizarras e frequentemente bioluminescentes do mundo de Pandora, em Avatar.O processo de construir um mundo novo As figuras principais de Avatar são uma espécie extraterrestre chamada Na’vi, que têm uma relação funda com o mundo natural. Eles desenvolvem frequentemente ligações próximas com as criaturas à sua volta – e a Medusóide é a mais recente.Enquanto parte da equipa que lhes dá vida, Cole pega nas ideias de Cameron e ajuda-as a transformarem-se em criações plenamente formadas. Por vezes, Cameron “tem uma visão desfocada”, diz Cole. “O nosso trabalho é focá-la.”No início, a equipa não sabe ao certo o que pretende. “É como fazer o retrato de um dos filhos dele sem nunca o ter conhecido”, diz ele. É a intuição que os guia até ao produto final.Felizmente, a natureza é a melhor das inspirações. Copiar o mundo natural é “uma estratégia que funciona há muito tempo”, diz Leif Ristroph, físico experimental da New York University, que não participou no filme, mas baseia frequentemente as suas investigações em organismos vivos. “Podemos olhar para a natureza para alargar o tipo de soluções com que podemos sonhar.”Embora Avatar seja ficção científica, os designers tentam ver o seu mundo como um sítio real, pegando em pedaços da Terra e reimaginando-os ou dando-lhes um novo contexto. “É muito arrogante pensar que, num desenho feito numa tarde, podemos fazer melhor do que milhões de anos de natureza”, diz Cole.Nos filmes, a equipa quer que tudo pareça o mais realista possível, o que significa procurar inspiração em organismos bizarros que possam emprestar os seus atributos às criaturas. Criar designs baseados em investigação é algo importante para Cameron, um aventureiro intrépido, e não admira que muitos animais de Pandora tenham sido influenciados pela vida marinha – afinal, Cameron já visitou o ponto mais profundo do oceano.Criando a MedusóideA Medusóide é uma medusa bioluminescente comcerca de 150 metros, que produz gás de hidrogénio para flutuar e tem tentáculos pendurados para se alimentar, à semelhança de uma caravela-portuguesa. Como o seu objectivo no filme é transportar as gôndolas do Clã Tlalim – os Vendedores de Vento – pelo céu, os designers deram à Medusóide velas em forma de laço para que as pessoas dos clãs conseguissem conduzi-la.Para controlar a Medusóide, os Tlalim fixam cordas a nervuras nas suas velas. Sabendo que os Na’vi – os povos de Pandora – considerariam demasiado cruel perfurar o corpo de um animal, Cole incorporou nódulos semelhantes a espinhos nas velas para servirem de suporte de fixação.A Medusóide é rebocada pela raia do vento, outra criatura de aspecto marinho. “Basicamente, pegámos na ideia de um choco e demos-lhe um corpo cheio de gás”, diz Cole. “Tem um manto fino em volta do corpo que se move daquela forma sinusoidal [semelhante a uma onda].”Novas formas de voarDe todas as criaturas que poderiam inspirar a Medusóide voadora, as alforrecas podem parecer uma escolha estranha, uma vez que derivam com a corrente, exercendo pouco controlo sobre o seu destino. Embora as aves sejam uma inspiração mais óbvia para o voo, muitas criaturas voam à sua própria maneira, diz Ristroph. Os líquidos e os gases são ambos fluidos, por isso seguem as mesmas leis da física. “Se misturarmos nadar com voar, conseguimos ver uma criatura a nadar e interrogarmo-nos: poderá essa mesma estratégia ou uma estratégia semelhante ser utilizada para voar?”“Na água, podemos diminuir essa gravidade ajustando a capacidade de flutuação, por isso, fazer algo voar debaixo de água um passo em direcção a voar no ar”, prossegue Ristroph.No âmbito da sua própria investigação, Ristroph criou uma máquina de voo que imitava o movimento de uma alforreca para gerar força de sustentação – e funcionou. “Tem as mesmas propriedades de estabilidade, o que significa que a nave não se vira com tanta facilidade”, afirma.As primeiras ideias dos investigadores são frequentemente refreadas por aquilo que é possível no mundo real. As experiências científicas são “consideravelmente constrangidas pela gravidade, física e matemática envolvidas”, diz Ristroph. “Temos umas boas barreiras de protecção.”Cole tem as suas próprias barreiras para garantir que os espectadores se identificam com a história. “Não podemos ser demasiado extraterrestres, porque temos de nos identificar com eles. Se as personagens parecerem demasiado estranhas, as pessoas não conseguem compreender as suas vidas, lutas e sucessos e o filme não funciona.”Além de assegurar que as pessoas gostam do filme, Cole espera que a empatia pelo mundo mítico de Pandora tenha impacto no mundo real. Há tanta coisa em Pandora que é inspirada por ecossistemas, criaturas e comunidades reais do nosso próprio planeta e os designers querem que essas representações inspirem um sentimento de admiração pela natureza em geral.“Ao apaixonarem-se por Pandora, estão também a apaixonarem-se pela Terra”, diz ele, “e a interessarem-se pelo nosso mundo e pela conservação do nosso ambiente”.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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A origem dos cânticos de Natal

Como acontece com a própria celebração do Natal, o acto de celebrar musicalmente este período é algo que vem de tempos anteriores ao cristianismo. A palavra inglesa “carol”, que designa todo e qualquer tipo de hino e cançoneta natalícia, vem do francês “carole”, classificativa de um tipo de música dançada em círculo, rodeando locais sagrados. Antes de homenagearem o menino Jesus, estas cantigas marcavam o Solstício de Inverno, o dia com menos luz do ano e que habitualmente calha no início da mais fria das quatro estações – e perto do 25 em que o cristianismo decidiu assinalar no calendário a natividade. Além da data, também o folclore pagão foi adaptado nos primórdios da nova religião. Parte dele já vinha das Saturnálias romanas, como aqui descrevemos; mas desde o século V, temos aquela que é a primeira canção natalícia de que existe registo: “Veni redemptor gentium”. Santo Ambrósio é o seu autor e destinou-o como uma melodia a servir os momentos de oração das comunidades monásticas. Não podemos considerá-la uma canção de Natal pela intenção, mas a sua letra anuncia a vinda de um redentor, que é Cristo, e como tal, o seu período de habitação é sem dúvida o Natal. Começa logo a marcar uma posição sobre a tremenda alegria da chegada de Jesus:“Vem, Redentor da TerraE mostra-nos o teu nascimento virginalDeixa que todas as eras de adoração se apaguemO teu nascimento propicia o Deus de todos” Quando, nos séculos IX e X, o cristianismo se espalha para o Norte da Europa, acontece um fenómeno que acompanha a fusão entre o paganismo e a religião cristã. Melodias do solstício são recauchutadas com letras celebrando o Menino Jesus. Eram cantadas dentro das igrejas e nas ruas, provavelmente à saída das missas de Natal.Em França, as ordens monásticas da região de Cister, apreciavam as artes e principalmente a música como uma forma de servir a Deus, de celebrá-lo. Esta era a visão da figura maior desta ordem, São Bernardo de Claraval, que com outros monges e intelectuais franceses, como Abelardo ou Adão de São Víctor, desenvolvem os primeiros cancioneiros de música religiosa, incluindo a natalícia.São Francisco de Assis, no século XIII, ajuda a popularizar o hábito de cantar no Natal e o mundo anglo-saxónico transforma a visão de Cister, da música ao serviço da religião, num hábito que os crentes abraçam todos os Natais. Em Inglaterra principalmente, mas na Alemanha também, o cântico natalício servirá como uma ligação popular de novos ramos do cristianismo como o luteranismo e o anglicanismo, derivados da Reforma Protestante, transformando a figura de Jesus em algo muito mais próximo das pessoas, contrariamente à visão elitista da Igreja Católica Apostólica Romana.Os primeiros cânticos de Natal popularesAinda assim, parece óbvio que quem compôs a maior parte dos cânticos tradicionais que hoje conhecemos não foram figuras religiosas. Músicos populares recolhiam estas canções a partir do folclore das populações, como as cantigas que acompanhava as tarefas diárias, ou então aquelas escritas para serem cantadas porta-a-porta por grupos de cantores amadores.A recolha destas canções foi feita pela primeira vez por John Audelay: a colectânea reunia 25 temas, alguns deles ainda hoje parte do nosso cânone, como “Christ was born on Christmas day”, “Good Christian men rejoice” ou “Good king Wenceslas”. Embora não integrem este cancioneiro, outras melodias natalícias terão tido origem por volta deste período. A famosa “12 days of Christmas” será talvez do século XVI, embora haja um consenso entre os historiadores que terá passado por várias mutações até chegar à versão actual. A enumeração das várias prendas, por exemplo, inclui várias espécies de aves. Tal leva a crer que a canção terá começado como um jogo de memória; “Deck the halls” começou em Gales com o título “Nos Galan”, mas só se terá tornado natalícia no século XIX, com a sua lírica original a ser adaptada às festividades; e “God rest you, merry gentlemen” foi composta em Londres algures durante o século XVI, embora tenha sido registada pela primeira vez no século seguinte num livro de danças – o que implica que, algures, era bailada e a coreografia se perdeu pelo caminho. A adopção do cântico natalício pelas religiões reformistas recebeu um golpe em 1647, quando a guerra civil inglesa foi vencida por Oliver Cromwell, levando os puritanos ao poder. O Natal foi completamente proibido, visto como um resquício pagão que era necessário apagar da estrita observação cristã, mas a resposta popular foi contundente. Continuou a celebrar-se o Natal às escondidas, com nova canções sendo compostas para relembrar o brilho de Natais passados que o governo de Cromwell queria eliminar. Quando, em 1660, Cromwell é deposto e a monarquia é reinstalada em Inglaterra, regressa também a celebração. Os séculos XVIII e XIX reforçam a popularidade da música de Natal e quando, em 1833, William Sandys publica The Christmas Carols, fica estabelecido o cânone da música natalícia, com muitas das canções acima referidas a serem incluídas, permitindo que chegassem até hoje às nossas vozes. É também no século XIX que “We wish you a merry Christmas” e “Silent night” são compostas, esta última com origem alemã.Por cá, na Península IbéricaAinda que muitas destas canções sobrevivam hoje em versões contemporâneas, em vários estilos (nos últimos anos, cantar a cappella tem-se tornado extremamente popular, muitas vezes através de versões natalícias; vozes como Michael Bublé têm feito carreira com um repertório de natividade), os cenários descritos e temas continuam a ser os mesmos dos inícios da cristandade: a anunciação; o nascimento de Jesus; a visita dos Reis Magos; a adoração dos pastores.A tradição é celebrada na maioria dos países cristãos, desde as Filipinas à Polónia, passando pela Grécia e pela Ucrânia. Mesmo em Natais menos frios, como na Austrália e Nova Zelândia, existe o hábito de cantar à luz das velas nas noites que precedem e sucedem o dia 25 de Dezembro. Na Península Ibérica, as várias diferenças culturais deram origem a diferentes formas de cantar o Natal. Em Espanha, são populares os Villancicos, inspirados nas danças medievais; em Portugal, o mote é a nossa versão. Poetas como Camões usaram a forma – mas aplicando a temáticas nada natalícias:Enforquei minha Esperança; Mas Amor foi tão madraço, Que lhe cortou o baraço.

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Asfalto à base de algas? Provavelmente ,o futuro também passará por aí.

Todos sabemos que o asfalto é utilizado para pavimentar estradas e ruas, além de aeroportos (cobrindo pistas e plataformas), campos, pistas de atletismo ou ciclovias, com o objectivo de criar superfícies duráveis, seguras e impermeáveis que melhorem o conforto do tráfego (embora também seja utilizado para impermeabilizar telhados, canais e outras estruturas civis). No entanto, nem todos sabem exactamente de que é feito ou como é formado, nem quais são as suas propriedades. Muito menos se tem alguma desvantagem.Esta substância preta e viscosa provém do petróleo bruto. Entre 5 a 10 % é composta por betume, que funciona como "cola" para unir todo o material. O restante, cerca de 90 a 95 %, são agregados, que podem ser partículas sólidas como cascalho, areia, pedra triturada ou pó mineral. São utilizados para dar resistência e estrutura ao pavimento. Por vezes, são ainda adicionados aditivos ou modificadores, como borracha reciclada, antioxidantes ou fibras, para melhorar as suas qualidades.Um dos pontos fortes do asfalto é que é económico; é mais barato de produzir do que outros materiais, como o betão. Além disso, a sua flexibilidade permite deformá-lo sem que se parta facilmente. Repará-lo também não é nenhum mistério, e o facto de ser reciclável é um aspecto a ter em conta, agora que o mundo procura a maior sustentabilidade possível. No entanto, desgasta-se bastante rápido e é muito sensível às temperaturas, além de se deteriorar com a humidade e as chuvas. Um problema que este asfalto à base de algas não apresenta. Com pouco mais de 20% de algas, o pavimento seria neutro em carbonoUma equipa de investigadores liderada por Elhan Fini desenvolveu um aglutinante elástico e sustentável feito de óleo de algas, com base num estudo que descreve como os óleos derivados de algas microscópicas poderiam substituir parte do aglutinante à base de petróleo utilizado no asfalto convencional. As superfícies patenteadas com esta alternativa seriam mais flexíveis, duradouras e ecológicas.Fini afirma que “os compostos derivados de algas podem melhorar a resistência à humidade, a flexibilidade e o comportamento de autocura do asfalto, o que potencialmente prolonga a vida útil do pavimento e reduz os custos de manutenção. A longo prazo, o asfalto de algas poderia ajudar a criar estradas mais sustentáveis, resilientes e respeitadoras do ambiente”.Como o asfalto convencional é derivado do petróleo, a sua produção emite poluentes. Com base nessa descoberta, os investigadores utilizaram modelos computacionais para analisar os óleos de quatro espécies de algas. O objectivo era identificar candidatos que se pudessem misturar bem com os sólidos do asfalto e manter a sua funcionalidade em condições de congelamento.Uma espécie destacou-se significativamente: a microalga verde de água doce Haematococcus pluvialis. O seu óleo mostrou maior resistência à deformação permanente em condições de tráfego simulado. Também ofereceu melhor protecção contra danos relacionados com a humidade, um factor-chave na formação de buracos. Para testar o seu potencial, os investigadores submeteram amostras de asfalto enriquecido com algas a cargas de tráfego repetidas e ciclos de congelamento-descongelamento projectados para imitar as condições reais em climas frios.Os resultados surpreenderam os investigadores, uma vez que o pavimento fabricado à base de algas apresentou uma melhoria de até 70 % na recuperação da deformação em comparação com o asfalto "tradicional", que utiliza um aglutinante convencional de petróleo bruto. Além disso, os especialistas estimam que substituir apenas 1% do aglutinante derivado do petróleo por material derivado de algas poderia reduzir as emissões líquidas de carbono do asfalto em 4,5%.Se fosse realizada uma substituição de aproximadamente 22%, o pavimento asfáltico poderia, em teoria, tornar-se neutro em carbono. Os investigadores afirmam que esta tecnologia inovadora permitiria criar estradas de maior desempenho sem um grande custo adicional, ao mesmo tempo que reduziria as emissões de carbono. Todas as descobertas deste projecto, financiado pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, estão publicadas na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering.Existem outras alternativas ao asfalto convencional, como o asfalto ecológico, que é obtido misturando o tradicional com plásticos reciclados ou borracha de pneus. Desta forma, reduz-se o resíduo e melhora-se a resistência. O problema é que o custo de sua produção é variável. Há também o concreto, muito utilizado em estradas de tráfego intenso. A sua principal desvantagem é que, apesar de ser resistente, durável e suportar bem o calor, é mais caro e demorado de instalar.Outras opções são os pavimentos, que são fáceis de reparar e visualmente atraentes, mas não são adequados para grandes auto-estradas. No processo de elaboração das misturas asfálticas mornas ou frias, utiliza-se menos energia e também se reduzem as emissões, mas requerem adaptação técnica. Existem muitas alternativas e, dependendo do caso, algumas podem ser melhores do que outras.

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“52 Blue”, a mais solitária das baleias

Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos da América tinham um particular interesse na detecção de submarinos inimigos, o que levou a um investimento considerável nesta área. É nesse contexto que é criada uma extensa rede de hidrofones: o SOSUS (Sound Surveillance System). No final da década de 1980, a monitorização sonora das águas do oceano Pacífico por parte da Marinha americana ainda era feita com regularidade.Pese embora o seu intuito primário, este sistema registava uma grande panóplia de sons diferentes, tanto de origens tanto humanas como naturais. Dos sons emitidos, um dos mais comuns era expectável: as canções de várias espécies de baleia, que lhes permitem comunicar a centenas de quilómetros de distância. Para garantir este alcance, a maior parte das espécies de baleia que recorre a este tipo de comunicação usa frequências muito graves, entre os 15 hertz e os 25 hertz.Os responsáveis pela monitorização ficaram, portanto, bastante confusos quando detectaram um sinal a 52 hertz, claramente estruturado (e portanto alheio a fenómenos aleatórios). Sem uma explicação satisfatória, a gravação ficou, durante alguns anos, perdida nos arquivos da Marinha. Com o fim da Guerra Fria, no entanto, esta situação alterar-se-ia.A mais solitária baleia do mundoSem a expectativa de hostilidades ou espionagem soviética, o SOSUS deixou de fazer sentido e acabou por ser desmantelado. As suas gravações, até então secretas, foram parcialmente tornadas públicas. Foi nesta altura, em 1992, que o cientista William Watkins e a sua equipa sediada no Woods Hole Oceanographic Institute (WHOI) se depararam com as gravações misteriosas, identificando-as como pertencendo com elevado grau de certeza a uma baleia. No entanto, o facto de estarem a ser emitidas a 52 hertz não encaixava nem com qualquer das espécies de baleias de barbas (Mysticeti, o grupo que usa este tipo de comunicação e em que se incluem, por exemplo, as baleias-azuis), que usam frequências muito mais baixas, nem com outros grupos, como os Odontoceti, que recorrem a pulsos rápidos a frequências bem mais elevadas como sonar.Os investigadores colocaram então três hipóteses: poderia ser uma baleia com algum tipo de deformação no aparelho vocal que lhe alterava a “voz”; pertencer a uma espécie ainda por descrever e corresponder às vocalizações de vários indivíduos distintos;  ou, finalmente, ser um híbrido entre duas espécies, nomeadamente uma baleia-azul (Balaenoptera musculus) e uma baleia-comum (Balaenoptera physalus), o que explicaria o padrão nada usual em que cantava. A partir de 1995, foram mais longe: tentaram monitorizar especificamente este sinal, com sucesso. Uma coisa tornou-se clara: não só as vocalizações pertenciam a um único indivíduo, como nunca obtinham resposta. A “baleia dos 52 hertz” cantava sozinha no oceano.Mais de 30 anos depoisEstas baleias são animais de vida longa, e, embora o seu canto permaneça por descodificar (ou talvez não – houve em 2010 registos de outra possível fonte ao largo da Califórnia, embora não tenha voltado a aparecer mais tarde), tem sido registado na rota migratória geralmente utilizada pelas baleias-azuis no Pacífico Nordeste, entre a costa do Alasca e da Califórnia. Para mais, ao longo dos anos, a frequência a que canta mudou ligeiramente (para cerca de 50 hertz), o que seria coerente com um macho em maturação. Um adulto de qualquer uma das espécies a que presumivelmente pertence pode viver quase um século, o que pode significar que esta baleia estará só agora a entrar na sua meia-idade, tendo a possibilidade de viver ainda durante algumas décadas.Mais recentemente, uma equipa de um documentário, com o objectivo de encontrar o “52 Blue” – nome atribuído ao animal – filmou, ao largo da Califórnia, um híbrido de baleia-azul e baleia-comum. Será que, finalmente, temos uma “cara” para juntar à solitária canção que soa no Pacífico há quase 40 anos?

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Havia três – ou doze – reis magos?

Poucas cenas no imaginário cristão são tão icónicas como os três viajantes ajoelhados diante do menino Jesus, com os seus camelos a esperar pacientemente enquanto oferecem ouro, incenso e mirra. No entanto, esses visitantes – chamados de sábios, astrólogos ou reis – continuam a ser das figuras mais misteriosas do mundo bíblico.O Evangelho de Mateus, a única fonte canónica que os menciona, fornece detalhes mínimos sobre quem eles eram ou o que os levou a empreender uma longa viagem para o oeste. Ao longo dos séculos, contadores de histórias, teólogos e artistas tentaram preencher as lacunas. Como resultado, os Magos são das figuras mais elaboradas da tradição cristã, inspirando tudo, desde dramas litúrgicos medievais até pinturas renascentistas.O que são magos – e o que a Bíblia realmente diz?Mateus refere-se aos três homens que visitam Jesus como magos (em grego, magoi). Séculos antes, o historiador grego Heródoto usou o termo para se referir a uma casta sacerdotal da Pérsia que interpretava sonhos. Autores clássicos como Xenofonte e Estrabão usaram-no para descrever especialistas religiosos. O termo era regularmente associado ao zoroastrismo e, no século I d.C., o mundo mediterrâneo de língua grega também usava a palavra de forma mais ampla para se referir a astrólogos ou praticantes de conhecimento esotérico.No Evangelho de Mateus, os magos “do Oriente” chegam a Jerusalém após observarem uma estrela nascente que sinaliza o nascimento de um novo rei. A referência à estrela sugere fortemente que Mateus os via como astrólogos. Os Magos consultam o rei Herodes, que fica perturbado com a notícia, e depois seguem a estrela até Belém. Lá, encontram o menino Jesus, oferecem presentes de ouro, incenso e mirra e partem “por outro caminho” após receberem um aviso em sonho.Notavelmente, Mateus não identifica a terra natal dos Magos, não diz que reis, não descreve o seu modo de viagem e não especifica o seu número. Mais tarde, a tradição cristã inferiu que eram três por causa dos três presentes. Mas nas primeiras interpretações cristãs que sobreviveram, os Magos podiam ser tão poucos quanto dois ou tantos quanto doze.Relatos cristãos primitivos sobre os “magos”Como o relato bíblico é tão sucinto, os primeiros cristãos procuraram elaborar sobre quem eram esses visitantes misteriosos. Uma das fontes mais ricas foi a Revelação dos Magos, um texto apócrifo preservado num manuscrito siríaco do século VIII que foi traduzido para o inglês em 2010. Nesta versão, os Magos são originários de uma terra distante chamada “Shir” – um local que alguns intérpretes associam a regiões a leste da Pérsia, chegando até à China. Eles são descendentes do patriarca bíblico Sete, o terceiro e menos famoso dos filhos de Adão e Eva, que confiou aos seus descendentes uma profecia secreta de que um dia uma estrela de luz divina apareceria e revelaria o Salvador do mundo. Na história, que é contada da perspectiva dos Magos, a estrela torna-se um pequeno ser luminoso (provavelmente Jesus, embora isso nunca seja explicitamente afirmado) que fala com eles e os guia, transformando a viagem numa peregrinação visionária, em vez de uma caminhada puramente física. Os Magos acabam por regressar a casa, onde evangelizam sobre Jesus na sua terra natal.Brent Landau, autor da primeira tradução para o inglês da Revelação dos Magos e professor associado de Estudos Religiosos na Universidade do Texas em Austin, disse que o texto “não é simplesmente uma fan fiction criada para entretenimento”. O autor parece acreditar que, uma vez que Jesus pode aparecer a qualquer pessoa, em qualquer lugar, em qualquer momento, isso significa que, potencialmente, todas as revelações religiosas da humanidade se baseiam em aparições de Jesus. Portanto, o autor tem uma perspectiva relativamente incomum sobre as religiões não cristãs em comparação com outros escritos cristãos antigos, que tendem a ser muito mais negativos em relação às religiões de outras pessoas.Entretanto, a Lenda de Afroditiano, do século III, transformou os Magos em embaixadores reais que não só visitaram o menino Jesus, como também levaram um retrato dele para um templo de Hera na Pérsia.Três reis... ou dois... ou doze?A maioria dos pormenores agora associados aos Magos desenvolveu-se gradualmente ao longo dos séculos.De acordo com Raymond Brown, autor de The Birth of the Messiah (O Nascimento do Messias), a ideia de que os Magos eram reis provavelmente vem das primeiras leituras cristãs de Isaías 60:3-6 (“As nações virão à tua luz... trarão ouro e incenso”) e Salmos 72:10 (“Que os reis de Társis... tragam presentes”). Citando versículos adicionais da bíblia hebraica, o escritor cristão norte-africano Tertuliano escreveu que “o Oriente geralmente considerava os Magos como reis” e transformou os astrólogos em monarcas. No século VI, era dado como certo em todo o mundo cristão que os Magos eram reis.O número de Magos também variava de acordo com a região. Apenas dois Magos aparecem na imagem mais antiga deles nas catacumbas de São Pedro e São Marcelino, enquanto quatro são retratados num fresco do século III em Santa Domitila, e 12 são mencionados nos textos siríacos do século XIII, o Livro da Abelha e a Revelação dos Magos. O número foi fixado em três na Igreja Ocidental no século VI, tanto porque três presentes são mencionados em Mateus, quanto porque o padrão triádico se encaixava bem com a ênfase cristã em desenvolvimento na Trindade e nos números simbólicos.Os nomes Melchior, Gaspar e Baltazar aparecem em textos latinos do Ocidente cristão, com a primeira referência encontrada no início da Idade Média, em Excerpta Latina Barbari. Antes disso, as fontes cristãs mais antigas, escreve Brown, nomeiam-nos Hormizdah, rei da Pérsia; Yazdegerd, rei de Saba; e Perozadh, rei de Sheba (confusamente, os estudiosos tendem a ver Saba e Sheba como o mesmo lugar). Um texto cristão etíope conhecido como Livro de Adão e Eva chama-os de Hor, rei dos persas; Bassanater, rei de Saba; e Karusudan, rei do Oriente.Os seus animais – normalmente camelos – entraram na história por convenção artística e pela pragmática do comércio antigo. As representações romanas das embaixadas orientais frequentemente mostravam camelos porque, como escreveu Sarah Bond, os camelos eram regularmente usados para transporte e até mesmo para serviço militar. (Restos osteoarqueológicos de camelos foram encontrados em locais tão distantes quanto a Grã-Bretanha romana.) Os primeiros artistas cristãos, familiarizados com esses modelos e munidos de uma referência aos camelos em Isaías 60:6, relacionaram visualmente os Magos aos enviados diplomáticos da Arábia ou da Pérsia.Colectivamente, essas elaborações míticas mostram como as comunidades cristãs criaram uma história que falava às suas próprias esperanças e preocupações – para alguns, os Magos eram “encarnações da realeza global”, diz Eric Vanden Eykel, autor de The Magi: Who They Were, How They’ve Been Remembered, and Why They Still Fascinate, “para outros, astrólogos cuja experiência científica atesta a revelação de Deus; e para outros ainda, santos missionários cuja fé precede a dos apóstolos”.Os Magos continuam a ser fascinantes porque andam à procura de algo maior. Na narrativa sucinta de Mateus, eles observam um sinal no céu, interpretam-no e partem para uma terra distante em busca de significado. Em tradições posteriores, tornam-se reis, sábios, místicos, missionários e até visionários que encontram a luz divina de maneiras que vão além da experiência humana comum.

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Porque Edimburgo é o derradeiro destino para os amantes de livros

É uma noite escura e sombria no Grassmarket de Edimburgo, mas o ambiente no piso superior da Behive Inn é tudo menos triste. A sala aconchegante por cima do pub está à pinha, com filas de cadeiras desemparelhadas a chiar sob o peso de um público ansioso diante de um palco vazio. O ambiente é quente e caloroso, com um cheiro ténue a cerveja e casacos húmidos atirados para cima das cadeiras e o murmurinho de conversas animadas.Estou aqui para participar na Visita dos Pubs Literários de Edimburgo, um passeio nocturno pela vielas sinuosas e tabernas consagradas do Centro Histórico gótico que dão vida ao espantoso legado literário desta cidade. Edimburgo tornou-se a primeira Cidade da Literatura da UNESCO há 21 anos, para celebrar a abundância de escritores que aqui encontraram inspiração ao longo dos séculos. As vielas sombreadas alimentaram a imaginação de Robert Louis Stevenson e JK Rowling conjurou o mundo de bruxas e feiticeiros de Harry Potter nos cafés da cidade.Um homem com a cara redonda e um cantil de álcool na mão sobe para o palco. Apresenta-se como Clart – gíria escocesa para ‘lama’ – e declara que o pub com 400 anos no qual os encontramos foi, outrora, uma taberna barulhenta, um local de paragem para “serventes de estrebaria e soldados, amantes e advogados, poetas e prostitutas”. No século XVIII foi também um dos pousos preferidos do poeta mais acarinhado da Escócia, Robert Burns, acrescenta ele, dando outro golo do cantil. E é então que a discussão começa.“Está a transmitir uma ideia completamente errada”, grita um homem com óculos de aros grossos que se encontra ao fundo da sala. A multidão cala-se. Todos os olhos se viram para o homem, enquanto ele inicia uma defesa apaixonada de Burns, um génio literário, ouvimos nós, cuja poesia, prosa e preservação da língua escocesa o colocaram no panteão dos heróis nacionais da Escócia. Este homem pertencia aos salões da sociedade educada, não às tabernas desordeiras do centro histórico. “Não pode estar à espera de que esta boa gente acredite que estes bebedouros sujos frequentados por vagabundos tenham qualquer coisa a ver com os melhores escritores da sua época”, diz ele. Mas Clart sorri. Está sim. E vai prová-lo.Tanto Clart (nome real: Paul Murray) como o seu antagonista, Riley Stewart, são, evidentemente, actores – “divertidos, selectivos e completamente parciais”, como Paul admite com um sorriso quando saímos da Beehive Inn para as ruas empedradas, molhadas e escorregadias do Grassmarket. Durante quase sete séculos, esta praça acolheu um mercado movimentado. As forcas que aguardavam os criminosos também ficavam aqui. Actualmente, a praça é mais conhecida pelos seus pubs animados, à sombra do Castelo de Edimburgo, cujos holofotes que iluminam as muralhas fazem os chuviscos brilhar.Subimos Victoria Street, com o seu passeio empedrado e montras pintadas com cores vibrantes. Dizem que este emaranhado de cafés coloridos e lojas de artesanato inspirou Diagon Alley, a rua secreta do mundo de magia do Harry Potter. Daqui, desaparecemos através de uma arcaria em pedra estreita e subimos uma escada escondida que nos leva à Royal Mile de Edimburgo.Esta é a via principal do centro histórico, uma rua pavimentada com pedra e revestida por prédios medievais, pubs apinhados e imensas lojas de recordações. É uma das zonas turísticas mais movimentadas da cidade, sobretudo em Agosto, quando o Festival Fringe de Edimburgo atrai multidões. Em noites de Inverno como esta, porém, quando o frio aperta e a chuva se infiltra nas pedras da calçada, a cidade atrai os visitantes para dentro de portas para encontrar calor num whisky. Ou talvez numa boa história.Afastamo-nos da Royal Mile e entramos numa viela enfiada entre uma loja de doces e uma loja que vendetweed fabricado nas Hébridas. Paul diz-me que o centro histórico está cheio de ruelas como esta, um labirinto de passagens estreitas pelo meio de prédios, como marcadores de livros enfiados entre as páginas de um romance lido e relido. Afastam-nos das ruas principais de Edimburgo e levam-nos para pátios escondidos e recantos escuros, onde os pobres da cidade outrora viviam uns em cima dos outros. Paul explica que foi ali, em 1771, nas “passagens cheias de micróbios” do centro histórico, que nasceu um dos maiores escritores da Escócia.Na Jolly Judge, uma taberna antiga e movimentada no meio dos prédios, Paul e Riley contam como Sir Walter Scott ascendeu desde as suas origens humildes, não só para moldar as tradições literárias da Escócia, mas também a sua identidade cultural, desde o romance das Terras Altas enevoadas ao reavivar do tartan como símbolo de orgulho do legado escocês. “Ele também conseguia beber mais do que toda a gente”, acrescenta Paul com um sorriso. Posto isto, os nossos guias-actores retomam a sua discussão sobre aquilo que verdadeiramente inspirava os escritores mais aclamados da cidade – terão sido os grandes ideais do Iluminismo ou o alvoroço das tabernas? Dou um golo na minha cerveja e bebo-a toda de uma só vez.Depois de terminar a minha bebida, entramos noutra viela e damos por nós num pátio com um candeeiro em ferro forjado no meio. À nossa esquerda, encontra-se uma townhouse do século XVII, com a sua fachada em pedra lavrada manchada por séculos de fuligem e chuva. Em cima da porta, uma placa em madeira mostra uma figura dourada sentada numa secretária, de pena em punho, cujas letras proclamam The Writers’ Museum.O candeeiro lança uma luz suave sobre as lajes escorregadias e vejo uma inscrição gravada sob os meus pés: ‘Não existem estrelas tão belas como os candeeiros de Edimburgo’. Em baixo dela, um nome e uma data: Robert Louis Stevenson (1850-1894). Avançando ao longo do pátio, cada laje tem um nome diferente. William Dunbar. Dorothy Dunnett. Muriel Spark. “Bem-vindo a Makars’ Court”, diz Paul, em voz baixa. “Para se qualificar a ter o seu nome numa laje, são necessárias duas coisas. Ser um escritor escocês. E estar morto.”Sob a luz enevoada do candeeiro, os nossos guias contam a história de Dr Jekyll e Mr Hyde, da autoria de Stevenson, a história gótica na qual as experiências de um médico de renome libertam um alter-ego assassino que não ele consegue controlar. Diz-se frequentemente que Stevenson baseou a sua história em Deacon Brodie, um fabricante de armários do século XVIII e vereador respeitável da cidade durante o dia, que liderava gangues de bandidos em Auld Reekie à noite: “Um verdadeiro vilão com uma natureza dupla de Edimburgo”, diz Riley.Mas Paul apressa-se a realçar que a descrição inquietante de Stevenson sobre a dualidade do homem foi tão inspirada pela Edimburgo do seu tempo como por qualquer figura individual. Esta é uma cidade de contradições acentuadas, onde a grandiosidade encomendada da abastada Cidade Nova Georgiana se erguia ao lado do labiríntico centro histórico medieval.Foi aqui que a pobreza e o crime infectaram nas sombras e, por vezes, de forma bastante literal, sob a superfície.Em baixo da terraNa manhã seguinte, estou cinco níveis abaixo das ruas de Edimburgo, em baixo da South Bridge, no centro histórico, num mundo que esteve praticamente esquecido durante cem anos. As velas tremeluzem contra as paredes de pedra húmidas e sua luz projecta sombras inquietas no piso irregular. Mais à frente, o meu guia, Craig Collinson, traça uma rota pelas criptas estreitas, com o cabelo grisalho a cair sobre os ombros. “Há pessoas em Edimburgo que continuam sem saber que estes sítios existem”, diz-me, com o seu sotaque de Edimburgo a dar um tom caloroso ao frio das criptas.As Criptas Subterrâneas de Blair Street foram descobertas acidentalmente na década de 1980 pelo antigo jogador de rugby Norrie Rowan, enquanto este limpava detritos em baixo do seu pub. Desde então, a arqueologia montou uma história que nunca fora escrita: a descoberta de lamparinas a petróleo e cadinhos noutra câmara sugerem que poderia ser uma oficina subterrânea; noutra, pilhas de conchas de ostra e vidro de garrafa preto sugerem encontros de um clube boémio do século XVIII (do género que Robert Burns apreciava particularmente).Viro uma esquina apertada na passagem e baixo-me para passar sob um lintel de madeira velho, entrando na câmara seguinte, onde Craig nos aguarda. Estamos mesmo em baixo de South Bridge e não se ouve nem um burburinho do trânsito louco da rua. Depois, Craig corta o silêncio com uma história.“No início do século XIX, ladrões de sepulturas entravam nos kirkyards [cemitérios das igrejas] de Edimburgo, na calada da noite, para desenterrarem cadáveres recentes e os venderem à faculdade de medicina”, começa. “Mas dois homens foram mais longe. William Burke e William Hare fizeram um acordo com um certo Dr. Robert Knox, um anatomista da universidade, comprometendo-se a entregar-lhe 16 corpos. Assassinaram-nos todos. Craig deixa as palavras a pairar no ar. Depois acrescenta, calmamente: “precisavam de um sítio secreto, um sítio fresco para esconder os corpos durante alguns dias. É possível que estejamos agora nesse sítio.”Robert Louis Stevenson inspirou-se nesta história de fantasmas da vida real para escrever o seu conto O Ladrão de Cadáveres. “Ele estava fascinado por este contraste de luz e escuridão, com o facto de o bom Dr. Knox conseguir lidar com criminosos como Burke e Hare”, diz Craig. Dois anos mais tarde, Stevenson transporia esse mesmo fascínio pela dualidade humana para Dr. Jekyll e Mr. Hyde. “É uma metáfora da Edimburgo antiga, onde um verniz de respeitabilidade mascarava frequentemente todo o tipo de depravação.”Quando subimos das criptas, deparamo-nos com uma manhã fria e límpida. Os espigões escurecidos pela fuligem do centro histórico perfuram um céu sem nuvens, silhuetas austeras contra o brilho azul. Edimburgo sempre foi uma cidade de contrastes: de civilidade e pecado, grandiosidade e decadência, luz e sombra. O inspector Rebus de Ian Rankin deambula por uma cidade moderna, cuja fachada turística esconde um submundo próspero. Trainspotting, de Irvine Welsh, arrasta os leitores para longe do centro polido de Edimburgo para as ruas decadentes do porto de Leith. É esta dupla personalidade que incendeia a imaginação de autores desde Stevenson até aos dias de hoje.dicas extra1. Edimburgo tem imensos monumentos construídos em homenagem a grandes homens da literatura, mas as escritoras foram ignoradas durante muito tempo. Para uma perspectiva actualizada, pegue num exemplar de Where are the Women? A Guide to an Imagined Scotland, um guia que homenageia as suas mulheres esquecidas.2. O Festival Internacional de Literatura de Edimburgo é o sonho dos amantes de literatura, mas é realizado em Agosto, o mesmo mês em que decorre o Festival Fringe, e a época mais cara e agitada para visitar a cidade. Se quiser uma alternativa mais calma, experimente o Scottish International Storytelling Festival, em Outubro.3. A frondosa Stockbridge é o lar de algumas das melhores livrarias independentes de Edimburgo. A galardoada Golden Hare Books foi fundada por um antigo director do V&A, e a Rare Birds Book Shop é a única livraria da Escócia inteiramente dedicada a autoras femininas.4. Se for ao Castelo de Edimburgo, planeie a visita de modo a assistir ao disparo do One O’Clock Gun. Tradição desde 1861, continua a ser um espectáculo explosivo, que ocorre quase todos os dias. Reserve o seu bilhete com antecedência a fim de garantir a entrada.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Patagónia: O lugar mais bonito do mundo

Pode ouvir todos os episódios do programa “Em Terra de Ninguém” na sua plataforma de podcast favorita aqui: Spotify | Apple Podcasts. Cheguei à Patagónia em Outubro, quando o Sul ainda recuperava do seu Inverno e a paisagem começava a abrir espaço para a estação seguinte. A primeira impressão é simples: um território imenso, difícil de medir e ainda mais difícil de comparar com qualquer outro lugar do planeta. A escala é real. As distâncias são longas e o clima muda sem aviso e a sensação de fronteira é sempre provisória. A Patagónia reparte-se entre a Argentina e o Chile e ocupa mais de um milhão de quilómetros quadrados. Atravessa desertos frios, planícies vazias, cordilheiras recentes, fiordes escavados pelo gelo e um conjunto de ecossistemas que sobreviveram a ciclos de glaciação e a variações climáticas que deixaram marcas visíveis. Em Outubro, o degelo acelera, os rios ganham caudal e os ventos de oeste retomam a intensidade que molda grande parte da paisagem. O Perito Moreno, um dos glaciares mais estudados do mundo, mantém um avanço relativamente estável e permite observar, a curta distância, o encontro entre gelo e água num lago com trinta mil hectares. A cada ruptura, ouve-se o som seco de placas que se partem e tombam no Canal de los Témpanos. A cor azulada do gelo profundo explica-se pela forma como os cristais compactados absorvem quase todo o espectro da luz. Um laboratório natural, a Patagónia reparte-se entre a Argentina e o Chile e ocupa mais de um milhão de quilómetros quadrados.Aqui tive a oportunidade de fazer o mini-trekking autorizado na superfície do glaciar. Piso irregular, grampos nos pés, vento lateral constante e o som de água a correr por fendas estreitas. No final, os guias serviram um pequeno copo de uísque com fragmentos de gelo retirados ali mesmo, compactados há centenas de anos. O contraste entre o álcool e o frio tornou-se apenas um detalhe. O que ficou foi a perceção do tamanho daquela estrutura e da força que ainda mantém.Mais a norte, El Chaltén tornou-se uma base para caminhadas e estudos sobre geomorfologia, meteorologia e dinâmica de geleiras suspensas. O Fitz Roy impõe-se como referência visual pela forma vertical das suas torres graníticas, esculpidas durante milhões de anos por erosão glaciar. Em Outubro, o degelo acelera, os rios ganham caudal e os ventos de oeste retomam a intensidade que molda grande parte da paisagem. Por aqui caminhei por trilhos de dificuldade baixa e média, em zonas de lagos que se formaram com o degelo. Os percursos estavam bem marcados e acessíveis a quem estivesse em forma. O terreno alternava entre bosque, zonas de rocha exposta e margens de água onde o vento mudava de direcção a cada curva. Outubro traz algum degelo extra, o que tornava a cor dos lagos mais evidente.Do lado chileno, o Parque Nacional Torres del Paine oferece uma combinação rara de montanha, lagos e uma fauna que se adaptou a condições severas. Em Outubro, os guanacos deslocam-se em grupos maiores, os condores circulam em altitude à procura de correntes térmicas e os pumas são mais visíveis nas zonas de transição entre estepes e bosques. O clima mantém-se imprevisível: sol, chuva e neve podem intercalar-se no mesmo dia, reflexo directo da proximidade entre o Pacífico, a cordilheira e o gelo continental.Aqui, geólogos investigam o recuo do Campo de Gelo Patagónico Sul, climatologistas analisam o impacto dos ventos e das correntes oceânicas e biólogos monitorizam espécies que dependem de habitats frágeis.A subida até às Torres del Paine foi feita com o meu guia, Fernando, que conhece o trilho como quem conhece o corredor de casa. Saímos cedo, por volta das sete, com tempo fresco e o céu parcialmente limpo. O percurso começou suave, depois tornou-se mais inclinado à medida que nos aproximámos do último quilómetro, aquele que obriga a subir por um campo de rocha solta até à lagoa final. Fernando ia ajustando o ritmo e explicando o vale, as zonas onde a erosão é visível e a razão pela qual o vento entra ali em rajadas. Chegar foi um momento cinematográfico. Teve esforço, tempo contado e a imagem directa das torres reflectidas na água cinzenta. Fiquei uma hora em silêncio, a contemplar esta criação perfeita. Nunca vira nada tão imponente. Fiquei hospedado no The Singing Lamb em Puerto Natales, um albergue modesto numa cidade pequena, organizada em redor da frente marítima e usada como base para quem entra no parque. O cheiro a café acabado de fazer dava conta do ambiente, e notei a lareira acesa no canto, com uma chama viva de quem conforta quem por ali se instala. Em Outubro já havia movimento, mas ainda se notava o fim da época fria. As ruas eram curtas e as casas baixas e os cafés funcionavam como pontos de encontro entre guias, viajantes e trabalhadores locais. A baía permanecia quase sempre agitada e o horizonte parecia cortado em duas partes: o canal e, ao fundo, a linha irregular das montanhas. Puerto Natales funcionou como centro logístico: onde dormi, onde jantei e onde preparei cada saída para as Torres.O percurso até às Torres del Paine começou suave, tornando-se mais inclinado à medida que nos aproximámos do último quilómetro, aquele que obriga a subir por um campo de rocha solta até à lagoa final, contemplada em silêncio.A Patagónia continua a ser estudada como um laboratório natural. Geólogos investigam o recuo do Campo de Gelo Patagónico Sul, climatologistas analisam o impacto dos ventos e das correntes oceânicas e biólogos monitorizam espécies que dependem de habitats frágeis, como o huemul e a raposa cinzenta. A conservação tornou-se um tema central, com áreas protegidas que formam um corredor cada vez mais contínuo entre Chile e Argentina, essencial para manter populações estáveis de grandes carnívoros e herbívoros.Dizer que é o lugar mais bonito do mundo não é uma tentativa de romantizar esta paisagem, é uma constatação frequente entre viajantes, investigadores e guias locais. A beleza está ligada ao real: às forças geológicas que ainda estão em movimento, ao clima que molda a vida e à sensação de que o planeta, neste canto do Sul, mostra o que ainda permanece intacto. Outubro revelou-me um território vivo, rigoroso, em transformação constante, onde a escala humana se ajusta sem protesto ao que o mundo sempre foi.

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Neve e silêncio

Um caminhante avança no silêncio gelado arrastando a sua pulka, um trenó concebido para transportar mantimentos e equipamento durante expedições em terrenos nevados. Esta forma de viajar, tão exigente quanto austera, permite-lhe entrar nas paisagens mais remotas do Ártico, onde a pegada humana é quase inexistente.Kungsleden estende-se por cerca de 440 quilómetros no norte da Suécia, atravessando alguns dos cenários mais selvagens do continente europeu. Durante o Inverno, as temperaturas podem descer abaixo dos -30°C e o dia dura poucas horas. No entanto, todos os anos, aventureiros de todo o mundo aceitam este desafio, combinando desporto, aventura e uma procura de uma ligação profunda com a natureza mais pura. Aqui não há estradas, nem electricidade, nem sequer um abrigo quente – apenas neve e silêncio.

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Primeira Praia, por Paul Salopek

Paul Salopek, jornalista premiado e explorador da National Geographic Society, embarcou numa viagem de cerca de 39.000 quilómetros no âmbito do projecto Jornada pelo Mundo – Out of Eden Walk. Seguindo as pegadas dos nossos antepassados humanos, envia-nos esta crónica a partir do Alasca. Shishmaref, Alasca, EUA: 66° 15' 47" N, 166° 02' 28" W “Mostravam-se absortos e desconfiados, como se respeitassem uma trégua periclitante. Pareciam encontrar-se num estado de vigilância imprevidente e desamparada. Como homens a pisar uma camada de gelo fino.”  Cormac McCarthy, A Travessia (trad. Relógio d’Água)A praia foi, outrora, uma ponte. Isto foi há muito tempo. É uma história antiga.Trinta e seis milhares de anos antes da memória humana, a água da Terra congelou, formando sótãos de gelo. Foi um período de glaciação. Os mares encolheram. E uma vasta rampa de rocha emergiu quando as ondas recuaram, ligando a Eurásia às Américas. Pradarias germinaram sobre a terra nova – Beríngia. Imagine um Serengeti fresco. Proto-cavalos martelaram sobre ela. E bisontes gigantes também. Panthera speleae, leões das cavernas maiores do que ursos-pardos, perseguiram rinocerontes míopes. Elefantes peludos atravessaram, andando pesadamente. Algumas destas criaturas pereceram ao longo de um labirinto de trilhos deixados por animais selvagens. Os seus ossos mineralizados sobressaem actualmente do solo permanentemente gelado do Alasca. É aqui que Tyler Weyiouanna os encontra. Ele transforma-os em peças de joalharia.“Encontramos presas de mamute erodidas na praia”, disse Weyiouanna, um artista inupiat da aldeia costeira de Shishmaref, cuja pequena grelha de ruas de lama e casas semelhantes a caixotes estão viradas para as ondas cor de aço do Estreito de Bering, atrás das quais, a escassos cerca de 150 quilómetros de distância, a Rússia se agacha, invisivelmente. “Parecem pedaços de troncos ou paus castanhos.”Timidamente, Weyiouanna pegou num anel que esculpiu a partir de uma presa fossilizada. Colocou o pequeno e fascinante disco na palma da minha mão. Quente ao toque. Polido como vidro. O osso petrificado era leitoso como o fumo de uma fogueira ao luar. A última vez que um ser humano viu um mamute vivo foi, possivelmente, há 10.000 anos, pouco antes de o clima global voltar a aquecer, inchando os oceanos e afundando novamente as estepes entre a Sibéria e o Alasca. Teria o anel de Weyiouanna sido esculpido a partir de um colosso desgrenhado ferido com uma lança pelas mesmas pessoas que eu ando a seguir há uma dezena de anos? Teria eu caminhado 27.000 quilómetros para segurar este eco nómada na minha mão?Os seus ossos mineralizados sobressaem actualmente do solo permanentemente gelado do Alasca. É aqui que Tyler Weyiouanna os encontra. Ele transforma-os em peças de joalharia.Sentado na mesa de jantar de Weyiouanna, senti subitamente o shhh-shhh-shhh das gramíneas Leymus arenarius a roçar em calças justas de cabedal. Eu conseguia ouvir os gritos distantes dos caçadores interrompidos pelos ventos cortantes. E depois a corneta final a anunciar um gigante derrubado. Fez um ligeiro barulho entre as chávenas de café lascadas, antes de morrer e partir para o Além.Tenho caminhado continuamente desde que saí de África em 2013, a caminho da Terra do Fogo.Estou a reconstituir as deambulações épicas dos nossos antepassados da Idade da Pedra, os primeiros Homo sapiens que caminharam rumo aos horizontes do mundo. A invasão da Ucrânia pelo senhor Putin bloqueou a minha rota através da Sibéria. É por isso que, quando Clifford, o ágil avô de 83 anos de Weyiouanna, caçador reformado de caribus, revirou a sua casa exígua em Shishmaref para me mostrar uma herança de família, um cinto em pele de animal cosido para a sua avó por parentes inupiat de Chukotka, olhei para as missangas azuis brancas e vermelhas desgastadas com anseio. Com pesar.“Não me lembro de quando o recebemos”, disse Clifford, que nasceu dentro de uma tenda a 6 de Junho de 1942, um dia infestado de insectos na tundra estival. Ele franziu o seu rosto enrugado, concentrando-se. “Talvez nos anos 30? Ou 40? As pessoas ainda atravessavam o estreito de barco à vontade nessa altura.”Também eu tinha dado à costa, outra relíquia fora da época, nas praias cinzentas geladas de Shishmaref, vindo da Ásia.Não chegara ali através de uma ponte de terra do Pleistocénico, mas a bordo de um navio cargueiro que atravessara o Oceano Pacífico vindo do Japão. Em Anchorage, comprei um bilhete para viajar num avião comercial até Nome. E dali, enfiei-me num monomotor. Ainda não sei bem porquê.Eu queria, acho eu, deixar a marca simbólica da minha bota na soleira gelada do novo continente. Para mim, o Estreito de Bering era mais do que um ponto de apoio geográfico – uma divisória que, finalmente, me introduziu na fase americana da minha vida a pé. Assinalou uma fronteira mais profunda do tempo, um portal de volta à paisagem da memória. Uma noção difusa de estar em casa. Andei longe, deambulando, durante mais de 12 anos. E a aldeia varrida pelo vento de Shishmaref revelou-se um sítio perfeito para o regresso. A comunidade indígena partilhava as obsessões geminadas da minha longa viagem: enraizamento e inquietude. Habitada há pelo menos 400 anos, a aldeia de caçadores-recolectores dos tempos modernos vivia os seus últimos dias. Shishmaref estava a cair no mar de Chukchi.“É sobre isso que todos os jornalistas que aqui vêm escrevem”, disse Darlene Olanna, uma funcionária do governo reformada da aldeia. “Somos uma espécie de cartaz das alterações climáticas.”O degelo do permafrost, a subida dos níveis do mar, o aumento da intensidade das tempestades – todos atrelados ao motor do aquecimento global – condena as pequenas ilhas de barreira que sustentam postos avançados como Shishmaref. Os inupiat residentes construíram um quebra-mar em redor da sua fundamental pista de aterragem. Não está a funcionar. As casas estão a desmoronar nas ondas. Daqui a 30 anos, dizem os especialistas, a ilha terá praticamente desaparecido, em baixo de água.Falando sobre o barulho de uma casa cheia de netos a brincar, as gargalhadas maníacas dos desenhos animados que passavam numa televisão grande, numa sala de estar com equipamento de caça, brinquedos, tachos e panelas, volumes de cigarros Marlboro e bolachas de água e sal da marca Sailor Boy empilhados nos cantos, como se fosse um acampamento de caça – Olanna interrogou-se sobre quando seria a inevitável evacuação. O assunto foi discutido exaustivamente. Nos concelhos da aldeia, a votação a favor do realojamento era renhida e amargurada. Um eventual realojamento, caso sequer obtivessem os fundos governamentais para tal, demoraria anos. Muitos preferiam ficar com os seus mortos enterrados. Com uma escola secundária que foi renovada em 2022. Junto a costas conhecidas.Neste aspecto, todos somos habitantes de Shishmaref. Este tipo de decisões aguarda centenas de milhões de pessoas.Habitada há pelo menos 400 anos, a aldeia de caçadores-recolectores dos tempos modernos vivia os seus últimos dias. Shishmaref estava a cair no mar de Chukchi.Cerca de 600 pescadores, caçadores, operador de buldózer, professores, enfermeiros e artesãos inupiat vivem na ilha despojada de árvores de Shishmaref, chamada Sarichef, ou Qigiqtaq em idioma inupiat. Dormi em cima de um colchão de espuma na escola da aldeia. Não conhecia vivalma. Isto foi uma fonte de ansiedade inicialmente. Porém, ao caminhar pelas ruas estreitas, passando pela mercearia gerida por membros da tribo com o seu solitário pimento verde fresco dentro de uma redoma de vidro, como se fosse um ovo Fabergé, e o posto dos correios, com os seus avisos afixados sobre a proibição de caçar ursas polares com crias e as peles gordas dos bois almiscarados a esvoaçarem em suportes instalados na praia para secarem – a praia selvagem, estrondosa e prateada dos confins das Américas – fui recebido em todo o lado com bondade. Isto, devo dizê-lo, foi um aspecto familiar enquanto caminhei sobre a Terra, sobretudo entre os curadores menos abastados do nosso lar planetário. Era fácil uma pessoa sentir-se humilde em Shishmaref.Os inupiat caçam ugruk, ou focas-barbudas, morsas, caribus, coelhos, patos, gansos e, ocasionalmente, ursos-polares. (Embora estes últimos predadores estejam a desaparecer com o gelo marinho.) Pescam peixe-prateado (família Osmeridae), peixe-espada-branco, arenque, bagre, linguado e salmão. Colhem bagas selvagens na tundra. (Os locais onde existem arbustos com bagas são ferozmente guardados durante a época da colheita.) As tradicionais casas enterradas no solo foram há muito substituídas por casas modulares, embranquecidas pelo clima e dependentes de um gerador comunitário a gasóleo enquanto fonte de electricidade. Mesmo assim, a vida no Árctico continua a ser implacável. A neve do Inverno empilha-se até alcançar dois metros de profundidade. Os dias de Dezembro mergulham em 21 horas de escuridão. À semelhança de caçadores-recolectores de qualquer parte do mundo, as famílias empilham os seus detritos domésticos mesmo à porta de casa: ferramentas partidas, hastes de animais ensanguentadas, trenós puxados por cães abandonados, snowmobiles avariados. (“Para chegar a casa do Clifford, vire à esquerda naquela moto-quatro amarela velha…”) Nos velhos tempos, os resíduos eram orgânicos e decompunham-se. Agora duram para sempre.Os concheiros dos quintais de Shishmaref vão esperar pelas espátulas de futuros arqueólogos subaquáticos. Tal como esperam, há pelo menos 14.000 anos, os acampamentos paleolíticos dos descobridores originais do Alasca, actualmente submersos sobre cem metros de água salgada. Os seus barcos feitos de pele deslizaram junto às costas em estado bruto da América do Norte, pensam agora os arqueólogos, ultrapassando as primeiras pessoas que chegaram através da ponte terrestre. Eles eram um povo da água. Remaram ao longo de uma auto-estrada de kelp desde a Califórnia.No Árctico, a neve do Inverno empilha-se até alcançar dois metros de profundidade. Os dias de Dezembro mergulham em 21 horas de escuridão.E foi assim, olhando para os dedos cobertos de cicatrizes deixadas pelo trabalho de Gary Sockpick, o companheiro de Darlene Olanna, um lacónico caçador de morsas de Shishmaref e um artista que esculpe brincos estupendamente belos com o marfim das suas presas, que me lembrei da tenacidade e da resistência de Sedna, a deusa inupiat das criaturas marinhas.O destino de Sedna foi duro.Prometida a um caçador fanfarrão que veio a revelar-se uma ave costeira disfarçada, ela implorou ao seu pai que a salvasse da ilha do seu esposo emplumado e de uma dieta interminável à base de peixe. O pai de Sedna concordou, embora cautelosamente. No entanto, o pater familias perdeu a coragem quando o homem-pássaro gerou uma enorme tempestade com as suas asas, ameaçando virar o seu caiaque. Num desfecho inteiramente convincente, o pai atirou Sedna borda fora para apaziguar o marido furioso. O velho até cortou os dedos da filha, que se agarrava, desesperada, ao barco. Cada dedo transformou-se nos animais marinhos dos quais os inupiat dependem actualmente para sobreviver: focas, morsas, peixes e baleias. Ainda hoje Sedna governa os animais, o que significa que salvaguarda o universo dos Inupiat, a partir do fundo do Estreito de Bering.Sockpick debruçou-se sobre uma mesa de jogo na sua casa em Shishmaref, bebericando latas de Coca-Cola sob o seu bigode grisalho e soprando os espíritos divinos destes animais para fragmentos de osso poluído. Esfregou tinta da China nas delicadas gravuras utilizando um palito. Era uma espécie de homenagem. Mãos que tinham disparado espingardas. Esquartejado focas. Fiquei horas a observá-lo.Porque fazia arte? Perguntei-lhe finalmente.“Para pôr comida na mesa”, respondeu Sockpick instantaneamente. Permitiu-se sorrir por um breve instante.Eu também sorri, olhando pela janela pintalgada pela chuva acima da sua secretária. Gramíneas, arbustos de camarinhas-pretas e salicórnia estendiam-se irregularmente até uma enseada do cinzento Estreito de Bering. O estreito estava em movimento. Nós estávamos em movimento. Toda a acção era adoração. Nunca tem de haver sítios estranhos nos trilhos rumo a sul.O projecto Jornada pelo Mundo – Out of Eden Walk é liderado por Paul Salopek, Explorador da National Geographic. A National Geographic Society tem sido a principal patrocinadora da viagem desde 2013. Acompanhe-a em @outofedenwalk e receba novas histórias na sua caixa de correio subscrevendo a newsletter aqui.

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Falamos-lhe, hoje, sobre a tripofobia

Nota prévia: A leitura deste artigo não substitui a consulta de um profissional de saúde especializado.Algumas fobias podem parecer irracionais para quem não sofre, principalmente porque o objecto do medo não parece representar uma ameaça directa para a vida do doente. No entanto, isso não as torna menos dolorosas. É o que demonstra a tripofobia, um tipo específico de aversão que, embora seja certamente uma das mais peculiares, estima-se que cerca de 16% da população mundial possa sofrer dela. Nesta condição, o simples olhar para um objecto que contenha algum tipo de padrão geométrico repetitivo, especialmente pequenos buracos, pode provocar um profundo desconforto com fortes respostas físicas e emocionais. Os buracos causados pela erosão marítima na rocha marinha, o centro do girassol onde se encontram as sementes, a estrutura dos favos de mel dentro de uma colmeia ou a textura dos corais são exemplos comuns desta situação. O QUE É A TRIPOFOBIA E QUAIS OS SEUS SINTOMAS?Esta perturbação provoca um medo ou repulsa extremos ao olhar para qualquer objecto que tenha um padrão visual constituído por figuras geométricas repetitivas e aglomeradas, especialmente pequenas protuberâncias ou buracos, embora isso possa variar de caso para caso.A tripofobia só começou a ser reconhecida de forma generalizada em 2009, quando um caso foi divulgado nas redes sociais e ganhou particular visibilidade. Este facto despertou o interesse de especialistas nas áreas da psicologia e da neurociência, que começaram a tentar compreendê-la e estudá-la. Ainda assim, o seu conhecimento é muito limitado e, por isso, não é considerada uma fobia diagnosticável pela comunidade científica. No entanto, sabe-se que afecta pessoas de todas as idades e sexos, embora a maioria das fobias específicas tenda a afectar mais as mulheres. Os seus principais sintomas são também variáveis, assim como a sua intensidade, embora, regra geral, tendam a assemelhar-se aos de uma perturbação de ansiedade. Se não forem devidamente tratados, os sintomas podem manter-se ao longo do tempo. Falamos de:Aumento do ritmo cardíaco;Taquicardia; Pele ruborizada; Suores; Náuseas; Tremores; Desmaio.AS CAUSAS: PORQUE É QUE ALGUMAS PESSOAS DESENVOLVEM TRIPOFOBIA?Até à data, não foram efectuados estudos suficientes para determinar uma causa única totalmente relacionada com a tripofobia. No entanto, dado que a maioria das fobias tem a sua origem na crença de que uma situação ou objecto pode causar a morte ou a doença, alguns especialistas consideraram que poderia resultar da associação destes padrões com animais venenosos e potencialmente mortais, como alguns tipos de cobras, aranhas ou mesmo sapos, bem como vermes ou insectos, animais que podem produzir repulsa. Este facto tem fomentado a ideia de que os sintomas da tripofobia surgiriam como uma espécie de mecanismo de defesa contra possíveis ameaças presentes na natureza, e que eles próprios produzem alguns dos tipos de fobia mais reconhecidos. De acordo com o estudo realizado em 2013 pelos investigadores Arnold Wilkins e Geoff Cole, da Universidade de Essex, ao observar este tipo de imagens, os indivíduos com tripofobia aumentavam a frequência cardíaca e apresentavam um aumento da actividade cerebral na área do cérebro que processa a visão. Estes especialistas foram os primeiros a analisar a perturbação de forma mais abrangente, realizando um estudo com 286 indivíduos adultos. Outras teorias consideram ainda que o cérebro necessita de maior oxigenação quando processa imagens com estes padrões, o que pode provocar no corpo humano uma sensação semelhante à ansiedade e ao desconforto visual. Esta explicação é apoiada por um estudo científico de 2015, também liderado por Arnold Wilkins, que sugere uma ligação directa entre estes padrões encontrados na natureza e a matemática, uma associação anteriormente conhecida. Em todo o caso, as evidências ainda são insuficientes para fazer um diagnóstico claro e sugerir tratamentos, que por enquanto se limitam a oferecer soluções destinadas a aliviar os sintomas produzidos pela tripofobia. A terapia ou o uso de certos medicamentos que reduzem a ansiedade são alguns exemplos.Resta acrescentar que, recentemente, uma equipa de cientistas igualmente da Universidade de Essex associou a exposição a informações e imagens alusivas à tripofobia na Internet ao agravamento desta condição.

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A Inteligência Artificial pode prolongar a nossa vida: 100 especialistas explicam como

Estamos num momento anómalo da história. Pela primeira vez, o número de pessoas com mais de 65 anos é superior ao de crianças com menos de 5 anos.Este facto representa uma série de desafios que a humanidade nunca enfrentou e que levam ao desenvolvimento de novas formas de compreender como o ser humano envelhece e, acima de tudo, como fazê-lo de forma saudável para prolongar ao máximo a independência das pessoas.O problema, afirmam mais de 100 investigadores de diferentes centros num artigo da revista Aging, é que, à medida que os anos passam, somam-se à bagagem doenças crónicas relacionadas com a idade. A lista dessas doenças é cada vez mais longa, pelo que concentrar-se em encontrar a cura para cada uma delas, embora seja valioso, está longe de ser o ideal. Segundo eles, o enfoque mais interessante seria retardar ao máximo o aparecimento de todas as doenças, concentrando-se na sua raiz primária: o envelhecimento.E neste ponto, afirmam os especialistas, a Inteligência Artificial tem um papel fundamental. Graças a ela, é possível avançar em diferentes campos relacionados com a gerontologia, uma vez que as técnicas actuais geram quantidades de dados incompreensíveis para os humanos. Mas uma IA bem treinada pode analisar os grupos de dados em dias e extrair padrões que podem ser usados para futuras descobertas.ÁREAS EM QUE A IA PODE SER DE GRANDE AJUDAActualmente, em laboratórios de todo o mundo, existem algoritmos de aprendizagem automática, métodos de aprendizagem profunda e sistemas de análise de macrodados que estão constantemente a analisar os resultados de experiências. Graças a eles, foram encontrados genes e moléculas que se activam ou desactivam com o passar do tempo e que permitem desde diagnosticar doenças até prever os resultados de um tratamento específico.Além disso, esses algoritmos também permitem analisar milhares de imagens de microscópio e notar mudanças minúsculas que até mesmo olhos experientes podem deixar passar. Desta forma, ao combinar diferentes técnicas, a IA pode identificar biomarcadores que prevêem o aparecimento de distúrbios e doenças relacionados com a idade. Além disso, também é utilizada para observar biomarcadores terapêuticos, que são aqueles que aparecem quando se aplicam novas técnicas que prometem retardar ou aliviar os sintomas do envelhecimento e estão relacionados com o prolongamento da esperança de vida saudável.Por outro lado, a IA está a ser uma ferramenta fundamental para o chamado "reposicionamento de medicamentos". Graças à capacidade de analisar a estrutura de milhares de moléculas e os seus locais de ligação, a IA é capaz de encontrar novas opções terapêuticas para um medicamento que já se sabe ser seguro. Fazendo uma comparação um pouco grosseira, imaginemos que, em vez de moléculas, estamos a trabalhar com chaves e fechaduras. Anteriormente, tínhamos de testar uma a uma as fechaduras nas quais uma chave poderia encaixar até encontrar a correcta. Agora, a IA analisa todas as combinações possíveis de chaves e fechaduras e apresenta as opções mais prováveis, facilitando o processo.PORQUE EMPREGAR TANTO ESFORÇO NO COMBATE AO ENVELHECIMENTO?Segundo explicam os autores, existe uma grande semelhança entre os processos que levam ao envelhecimento e aqueles relacionados ao aparecimento de tumores. Portanto, o estudo de ambos os ramos da biomedicina poderia convergir num ponto sinérgico e favorecer o desenvolvimento de novos medicamentos com dupla finalidade: retardar o aparecimento do cancro e dos sintomas da idade.Isto é especialmente interessante quando se considera que uma pessoa de 60 anos tem aproximadamente 40 vezes mais possibilidades de desenvolver cancro do que uma de 20, sendo a idade o principal factor de risco. Desta forma, pretendem que a abordagem da medicina mude de paradigma e passe de curar a doença para garantir a saúde durante o maior tempo possível com uma manutenção adequada. Além disso, do ponto de vista populacional, essa abordagem é muito mais sensata para os governos, indicam os autores do artigo. Eles apontam a urgência de realizar reformas sistémicas para aliviar os encargos decorrentes do envelhecimento da população. Encargos que, segundo as previsões, só vão aumentar nos próximos anos. Por isso, a IA pode facilitar esse processo e ajudar a desenvolver desde técnicas de manutenção adequadas até novas intervenções específicas para cada grupo de pessoas, permitindo focar na expansão da sua esperança de vida saudável.

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Alpes: Descobrem "auto-estrada" de dinossauros de há 210 milhões de anos

A história mais antiga do planeta não se encontra em manuscritos antigos nem nas profundezas da terra. Às vezes, ela aparece sob o Sol, numa parede rochosa vertical, à espera de ser redescoberta. E foi isso que aconteceu neste caso, quando o fotógrafo da natureza Elio Della Ferrera descobriu uma verdadeira auto-estrada de pegadas de dinossauros do Triássico, a maior já encontrada na Europa. Existem milhares de pegadas deixadas por bandos de dinossauros.A descoberta ocorreu na remota Val di Fraele, na região da Lombardia, dentro do Parque Nacional do Stelvio, numa paisagem alpina que em breve receberá os Jogos Olímpicos de Inverno de 2026 e os Jogos Paralímpicos de Milão-Cortina no próximo ano. Mas muito antes dos atletas olímpicos, criaturas gigantescas percorreram estas montanhas há mais de 200 milhões de anos.UMA DESCOBERTA QUE NINGUÉM ESPERAVAEnquanto fotografava a fauna alpina, Della Ferrera observou com seus binóculos uma série de depressões alinhadas numa parede rochosa quase vertical. Movido pela curiosidade, o que ele encontrou foi totalmente inesperado: aquelas depressões eram uma sucessão de pegadas fósseis de dinossauros, algumas com até 40 centímetros de diâmetro, com dedos e garras perfeitamente delineados.No dia seguinte, ele entrou em contacto com o paleontólogo Cristiano Dal Sasso, do Museu de História Natural de Milão. Depois de receber e examinar as primeiras imagens – dessas sombras petrificadas –, Dal Sasso não hesitou: certificou que as impressões eram pegadas de dinossauros, dando à descoberta a primeira validação científica.UMA PAISAGEM CONGELADA NO TRIÁSSICODe acordo com as análises geológicas iniciais, as pegadas estão incrustadas na chamada Dolomia Principale, uma formação de rochas sedimentares que data do Noriano (227-205 milhões de anos). Naquela época, os Alpes não existiam como os conhecemos hoje. A zona era uma plataforma costeira tropical banhada pelo oceano Tetis, com extensas planícies lamacentas ideais para capturar as pegadas dos animais.Com o passar dos milénios, esses sedimentos macios endureceram e, devido à colisão das placas euro-asiática e africana que originou os Alpes, foram elevados e rodados, transformando-se de solo em paredes rochosas quase verticais a mais de 2.400 metros de altitude. E lá, intactas, ficaram as pegadas.QUEM DEIXOU ESTAS PEGADAS?A maioria das pegadas pertence a prosaurópodes, grandes dinossauros herbívoros precursores dos gigantescos saurópodes do Jurássico, como o Brontossauro. Trata-se de animais bípedes de pescoço longo e cabeça pequena e, segundo os especialistas, um dos candidatos mais prováveis a protagonista destas pegadas é o Plateosaurus engelhardti, cujos esqueletos foram encontrados na Suíça e na Alemanha e que era capaz de atingir 10 metros de comprimento.Além disso, algumas pegadas mostram vestígios das extremidades dianteiras, o que indica que os animais, em determinados momentos, paravam e apoiavam as patas dianteiras no solo. Também foram identificados sinais de movimentos sincronizados em paralelo, o que sugere um comportamento social em manadas, algo incomum para este período.UM SÍTIO DE PROPORÇÕES COLOSSAISOs dados são surpreendentes. Há muitas, muitas pegadas. O sítio estende-se por quase cinco quilómetros, distribuído entre sete cumes da cordilheira Cime di Plator e Cime Doscopa, nas proximidades dos lagos de Cancano. E foram identificados pelo menos 30 pontos de afloramento com densidades de até seis pegadas por metro quadrado. As estimativas preliminares apontam para vários milhares de pegadas individuais. Só na chamada "camada 0" existem cerca de 2.000 pegadas fósseis perfeitamente conservadas, nas quais se podem observar até detalhes anatómicos extraordinários, como impressões de garras e dedos.Devido à inacessibilidade do terreno, o estudo do sítio será realizado através de tecnologia de teledetecção, drones e fotogrametria, o que permitirá documentar cada pegada sem danificar o local e garantir a sua preservação a longo prazo, de acordo com responsáveis do Museu de História Natural de Milão.

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COMETA ‘3I/ATLAS’: O RARO VISITANTE INTERESTELAR QUE PASSOU PELA TERRA (VÍDEO)
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Cometa 3I/Atlas faz maior aproximação à Terra esta sexta-feira
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Descoberto planeta em forma de limão
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Os sinais mais claros até agora de possível vida extraterrestre foram detetados num exoplaneta
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HAP-alpha: Alemanha apresenta o seu primeiro avião solar

A Alemanha está prestes a dar um passo decisivo na corrida para dominar as plataformas aéreas solares de grande altitude. E grande parte do mérito é do Centro Aeroespacial Alemão, que já confirmou que este inovador avião solar não tripulado de grande envergadura passou com sucesso em todos os testes em terra.Este acontecimento é fundamental para que o projecto esclareça as últimas dúvidas antes do seu primeiro voo oficial, que está prestes a ocorrer após anos de desenvolvimento e investigação, além da devida validação técnica de todo o trabalho realizado.EFICIÊNCIA E DESIGN MILIMETRADO PARA CRIAR UMA AERONAVE DE VANGUARDAApresentamos-lhe o HAP-alpha. Este é um avião tão atraente quanto curioso. Tem uma envergadura de 27 metros e um peso total de apenas 138 quilogramas. Portanto, estamos a falar de uma aeronave que combina as dimensões de um avião comercial com a extrema leveza de uma estrutura projectada quase ao limite do possível.A missão da aeronave, de acordo com o comunicado publicado no site do Centro Aeroespacial Alemão, também conhecido como DLR, é cobrir o espaço intermediário que fica livre entre os satélites e as demais naves que voam a altitudes mais baixas. Nesse local, o avião é capaz de permanecer semanas, até meses, sobre a mesma área, permitindo realizar observações fundamentais para aplicações civis e de segurança.Portanto, o HAP-alpha é um veículo aéreo capaz de rastrear rotas marítimas, monitorizar incêndios florestais, inundações ou superfícies geladas a partir das alturas, pelo que as suas utilizações são amplas e têm potencial para serem, além disso, estratégicas.Os testes mencionados foram realizados no Centro Nacional de Testes para Sistemas de Aeronaves Não Tripuladas, localizado na cidade alemã de Cochstedt. Aí, os investigadores do DLR montaram o avião pela primeira vez na sua configuração completa e submeteram-no a condições que simulavam as exigências de uma operação de voo.Durante os testes, os engenheiros verificaram a resposta da aeronave, recolheram dados sobre o seu comportamento em terra e confirmaram que os sistemas eléctricos, os sistemas de controlo e as comunicações funcionavam correctamente. Além disso, tudo foi feito alimentando o avião apenas com os seus próprios sistemas e utilizando a mesma ligação de rádio que seria utilizada num voo real.De acordo com as informações divulgadas pelo DLR, um dos aspectos mais delicados do programa foi validar a estabilidade estrutural do projecto. Já na Primavera deste ano, o avião conseguiu passar nos testes de vibração estática. Graças aos seus sensores de alta precisão, confirmou-se que a estrutura flexível da asa pode suportar as tensões previstas sem comprometer a segurança.A própria descolagem do HAP-alpha foi concebida para proteger ao máximo a sua estrutura. Durante os testes, as asas e a cauda foram apoiadas para não se dobrarem nem sofrerem tensões desnecessárias. O avião permaneceu preso através de um sistema especial que só o liberta quando colocado na posição exacta para descolar. A partir daí, é libertado de forma controlada e levanta voo, para depois pousar suavemente sobre patins, sem precisar de usar o motor.Todo o desempenho desta aeronave se baseia em gastar o mínimo de energia possível. Para isso, o avião voa muito devagar. Isso é possível graças à sua enorme asa, projectada para mantê-lo no ar com muito pouco esforço. Os painéis solares produzem a electricidade necessária para movê-lo e alimentar os sistemas durante horas ou dias.É por isso que cada peça é calculada ao milímetro, pois neste tipo de veículos aéreos qualquer grama a mais ou a menos pode fazer a diferença. E esse mesmo cuidado aplica-se aos instrumentos que se encontram a bordo do HAP-alpha. O avião transporta sensores muito avançados, como uma câmara de alta resolução e um radar, cada um pesando menos de 5 kg. Este avião precisa de ser tão leve que mesmo alguns gramas a mais podem afectar a sua capacidade de permanecer no ar por longos períodos de tempo.O VOO SOLAR QUE ABRE O CAMINHO PARA A OBSERVAÇÃO DO FUTUROO projecto, que arrancou em 2018, não se limita apenas ao design do avião, mas também inclui a estação de controlo terrestre, os sensores de observação e os procedimentos necessários para operar missões que podem prolongar-se por várias semanas.Sabe-se que este tipo de plataformas solares aéreas despertou um forte interesse de diferentes indústrias. Isso deve-se à sua capacidade de permanecer quase imóvel na estratosfera por muito tempo, tornando-se uma alternativa aos satélites tradicionais mais flexível e, em alguns casos, mais barata.Em relação aos primeiros testes de voo, o Centro Aeroespacial Alemão afirma que eles serão realizados em baixa altitude e, aos poucos, o avião irá subindo mais alto. Cada etapa será supervisionada e avaliada por especialistas e, se tudo correr como esperado, o HAP-alpha poderá demonstrar até onde a engenharia pode chegar quando a prioridade número um é a eficiência absoluta.

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Fotografar ‘rãs galáxia’ tem um custo elevado, alerta um estudo recente

O nome da rã galáxia (Melanobatrachus indicus) deriva da sua pele escura, que é adornada com manchas brilhantes azuladas que lembram as estrelas no firmamento. Uma característica que, noutras espécies, poderia ser um sinal de toxicidade, mas que, neste caso, acredita-se que funcione como uma ferramenta de comunicação.O seu tamanho, o último ramo da sua linhagem evolutiva, mal ultrapassa o de uma unha.A rã galáxia habita apenas as selvas de Kerala, na Índia, embora isso possa ser por pouco tempo. O motivo? A irresponsabilidade dos fotógrafos e influenciadores que invadem o seu habitat para fotografá-la.É o que afirma um grupo de conservacionistas da Sociedade Zoológica de Londres, que alerta para o desaparecimento de populações inteiras após as incursões dos fotógrafos. Algo que está a levar a uma situação crítica uma espécie endémica que, por si só, já se encontrava em vias de extinção. Segundo o investigador Rajkumar K P, a beleza destes anfíbios está a tornar-se o seu pior inimigo.No início de 2020, o investigador localizou sete exemplares desta espécie, mas a crise sanitária provocada pela COVID-19 impediu-o de realizar um acompanhamento exaustivo. Quando pôde regressar à zona após a pandemia, deparou-se com um panorama desolador: os habitats das galácticas rãs tinham sido sistematicamente destruídos por influenciadores e profissionais que procuravam a imagem perfeita, sem se preocuparem com o equilíbrio biológico do local.Impacto ambiental"O enorme tronco que estava no local foi deslocado e quebrado", afirmou Rajkumar ao The Guardian. Um facto de importância vital, uma vez que os troncos caídos das árvores servem de refúgio para estas rãs contra predadores e intempéries. Além disso, a vegetação circundante, sob a qual costumavam depositar os seus ovos, tinha sido pisoteada.Os rastreadores locais puderam atestar que vários grupos de fotógrafos chegaram ao local para tirar fotos da rã galáxia, não hesitando em remexer sem qualquer cuidado os troncos à procura de exemplares escondidos debaixo destes. Ao encontrá-los, graças ao seu carácter extremamente dócil,  manipularam-nos sem usar luvas de protecção e sem levar em conta que esses seres são muito sensíveis e respiram através da derme, o que provavelmente fez com que tivessem absorvido toxinas mortais.Um desses rastreios revelou que um fotógrafo roubou vários exemplares e levou-os para um "tronco bonito coberto de musgo" para tirar uma foto melhor. O resultado? Dois deles morreram no mesmo dia.Consequências científicasDepois de várias tentativas, os investigadores da Sociedade Zoológica de Londres não conseguiram detectar novamente a presença desses anfíbios na área. Isso está a gerar frustração pelo ataque cometido contra uma espécie tão vulnerável que, como se não bastasse, é a última representante de sua linhagem evolutiva.Portanto, da próxima vez que virmos uma imagem da rã galáxia nas redes sociais ou de qualquer outro belo animal em vias de extinção, talvez devêssemos nos perguntar: valeu mesmo a pena tirar a foto?

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Existirá alguma evidência histórica da Estrela de Belém?

A história da Estrela de Belém é uma das cenas mais reconhecíveis do imaginário cristão: uma estrela brilhante que cintila sobre o sítio onde nasceu uma criança, conduzindo visitantes misteriosos vindos do Oriente até ao berço de um rei recém-nascido. O Evangelho de Mateus, o único livro da Bíblia que menciona o evento, descreve uma estrela que apareceu no céu a oriente e chamou a atenção de “magos” (provavelmente sacerdotes-astrólogos da Babilónia ou da Pérsia) e foi-se deslocando à sua frente até parar no sítio onde Jesus se encontrava.O episódio é narrado rapidamente, mas as poucas linhas que lhe são dedicadas deram origem a dois milénios de especulação. O que terão visto os magos? Terá havido algum evento astronómico que corresponda à descrição de Mateus? Estudiosos, astrónomos e teólogos propuseram uma grande variedade de respostas, desde cometas a supernovas ou um alinhamento planetário.A teoria do cometaUma das explicações mais antigas é também a mais intuitiva: os cometas podem ser espectaculares e amplamente visíveis. Na antiguidade, as pessoas costumavam interpretar os cometas como sinais de acontecimentos importantes. O cometa Halley, por exemplo, apareceu em 12-11 a.C. e novamente em 66 d.C.. O seu aparecimento a 26 de Agosto de 12 a.C. ficou registado no Livro de Han, um livro astronómico chinês. O historiador romano Dião Cássio associou o aparecimento do cometa Halley sobre Roma à morte do General Marco Agripa.Quando o teólogo Orígenes de Alexandria, do século III, tentou explicar os movimentos invulgares da Estrela de Belém, escreveu que deveria ser “classificada como os cometas que por vezes ocorrem, ou meteoros ou estrelas com barbas ou em forma de frasco...”O problema é que a cronologia não é compatível com o reinado de Herodes o Grande, que morreu em 4 a.C., algo explicitamente mencionado em Mateus. Se presumirmos que a cronologia do Evangelho está aproximadamente correcta, o Halley – o único candidato plausível para a teoria do cometa – apareceu demasiado cedo para ser relevante para o nascimento de Jesus.Mais importante, Mateus descreve a estrela como algo que os magos viram “nascer” e que mais tarde viram “parar” sobre uma casa em particular.Os cometas não se comportam assim: o seu movimento é suave e previsível.É interessante relembrar que, para os leitores da antiguidade, os cometas eram geralmente considerados arautos de desastre, não de sorte. O historiador judaico Josefo escreveu sobre um cometa que passou sobre Jerusalém antes da sua destruição na primeira Guerra Judaica. E Suetónio comenta que o aparecimento de um cometa levou um supersticioso Nero a mandar executar várias figuras importantes do seu império. Se a Estrela de Belém fosse um cometa, escreve Raymond Brown, autor de O Nascimento do Messias, é difícil imaginar que os magos tivessem seguido um mau presságio até Belém.A teoria da supernovaOutra possibilidade dramática é os magos terem assistido a uma supernova – a explosão de uma estrela, suficientemente brilhante para ser visível durante o dia – ou de uma, menos intensa, nova, que também produz um aumento súbito impressionante na luminosidade de uma estrela.Os astrónomos chineses, que mantinham registos cuidadosos remontando a 1000 a.C., registaram um possível cometa com cauda no ano 5 a.C. e uma possível nova ou supernova em 4 a.C.. Ambas as datas são promissoras: ocorreram numa janela temporal plausível para o nascimento de Jesus e os últimos anos de Herodes.Contudo, o encaixe continua a não ser perfeito. Uma supernova ou uma nova seriam visíveis para todas as pessoas, não apenas para os astrónomos. Mas Mateus não nos dá qualquer indicação de que Herodes ou os habitantes de Jerusalém tivessem reparado numa luz invulgar no céu. Herodes pareceu surpreendido com a chegada dos magos e deve ter-lhes perguntado em privado sobre quando a estrela aparecera. Além disso, tal como acontece com os cometas, as supernovas também não “param” sobre uma casa.A hipótese da nova é bem-sucedida devido ao aspecto dramático da imagem. O bispo cristão Inácio de Antioquia, do início do século II, descreveu a luz da Estrela de Belém como “para além de qualquer descrição” e excedendo todas as outras estrelas – um sinal celeste digno do nascimento de um rei.A teoria da conjunção planetáriaA explicação moderna mais popular é que a Estrela de Belém fosse, na verdade, uma conjunção de dois ou mais planetas no céu nocturno. A teoria remonta ao astrónomo Mash’allah, do século VIII, cuja história astrológica se baseou numa teoria babilónica anterior, segundo a qual os acontecimentos importantes e as mudanças de poder são previstas por conjunções de planetas no céu. Ele afirmou que três acontecimentos importantes – o Dilúvio, o nascimento de Jesus e o nascimento do profeta Maomé – foram precedidos por conjunções de Saturno e Júpiter.Grant Mathews, professor de física teórica na Universidade de Notre Dame, estudou alinhamentos planetários ocorridos na altura aproximada do nascimento de Jesus (8-4 a.C.). Ele reparou que, no dia 17 de Abril do ano 6 a.C., houve um alimento especial do Sol, da Lua, Júpiter, Saturno, e o equinócio da Primavera na constelação de Carneiro, e Vénus na constelação adjacente de Peixes. Este alinhamento específico de planetas (com Mercúrio e Marte em Touro) foi tão invulgar que só voltará a acontecer em 16.213 d.C.Cada um dos corpos celestes envolvidos nesta conjunção planetária tinha um significado específico para os astrónomos da antiguidade. Júpiter estava associado aos reis e sugeria um governante quando se encontrava com o Sol. Interpretadas em conjunto, disse Mathews, as conjunções destes planetas em Carneiro, que estava associado à Judeia, teriam sugerido o aparecimento de um novo governante nessa região.Um alinhamento planetário poderá perfeitamente ter motivado a viagem especial empreendida pelos magos e, ao contrário de uma supernova, uma conjunção planetária não é particularmente brilhante. Isto poderá explicar por que só os magos estavam interessados na estrela.Milagres e símbolosPor fim, muitos intérpretes cristãos argumentaram que a Estrela de Belém não foi um fenómeno natural, mas um milagre. O bispo João Crisóstomo, do final da antiguidade, pensava que a estrela deveria ter sido milagrosa porque não se comportara como uma estrela normal, parando sobre uma casa. Orígenes também comparou a estrela com o pilar de fogo sobrenatural que conduziu Israel através do deserto.Outros estudiosos pensam que a história da Estrela de Belém é um recurso literário. Robyn Walsh, professora associada de Novo Testamento na Universidade de Miami, disse: “A narrativa da estrela em Mateus é menos sobre astronomia e mais sobre simbolismo literário e teológico… os presságios celestes eram uma característica típica das biografias de heróis, imperadores e deuses.” Virgílio escreveu que uma estrela incandescente conduziu Eneias até ao local onde Roma viria a ser fundada. Comentadores antigos referiram que os nascimentos de Alexandre o Grande e Augusto foram anunciados por presságios astrológicos. Para Mateus e os seus leitores da antiguidade, a estrela seria um recurso literário familiar, comunicando que o nascimento de Jesus tinha implicações cósmicas: os céus estavam a proclamar um novo rei.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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A dieta nórdica pode ajudá-lo a dormir melhor e a viver mais tempo

Quando pensamos em zonas geográficas conhecidas pelas suas dietas saudáveis, costumamos lembrar-nos dos países mediterrânicos. Mas a dieta nórdica é outra concorrente digna ao título de melhor dieta do planeta, uma vez que os padrões de alimentação tradicionais das pessoas que vivem na Dinamarca, na Islândia, na Finlândia, na Noruega e na Suécia proporcionam muitos dos mesmos benefícios para a saúde.“É basicamente a prima do clima mais frio da dieta mediterrânica”, diz Dawn Jackson Blatner, nutricionista dietética certificada sediada em Chicago e autora de The Superfood Swap. “É muito parecida, mas inclui mais alimentos que existem nos climas frios.”Criada por um grupo de nutricionistas, cientistas e cozinheiros em 2004, a “nova dieta nórdica” baseia-se em alimentos locais e sazonais, com uma forte ênfase na saúde, no sabor e na sustentabilidade.“A dieta nórdica não é uma epifania sobre a alimentação saudável – tem muito em comum com outros planos alimentares que promovem a saúde”, diz David L. Katz, especialista em medicina preventiva, antigo presidente da American College of Lifestyle Medicine e co-autor de How to Eat. “Todas as boas dietas incluem alimentos de verdade, sobretudo vegetais. A dieta nórdica é uma variante do mesmo tema. Os seus benefícios para a saúde traduzem-se em longevidade e vitalidade em geral.Com efeito, na edição de Outubro de 2025 do European Journal of Nutrition, investigadores analisaram 47 estudos sobre resultados de saúde associados à dieta nórdica. As pessoas que aderiram mais ao estilo de alimentação nórdico apresentaram uma diminuição de 22 por cento no risco de morte prematura por qualquer causa, menos 16 por cento de risco de morte por doença cardiovascular e menos 14 por cento de risco de morte causada por cancro, face aos que aderiram menos.Aquilo que faz com que esta dieta seja tão protectora para a saúde é a combinação dos seus alimentos anti-inflamatórios e antioxidantes, juntamente com os seus elevados conteúdos de fibra e gorduras saudáveis. “É uma dieta de alta qualidade que funciona a todo o vapor”, diz Katz.Como é a dieta nórdica?A dieta nórdica é uma abordagem alimentar maioritariamente baseada em vegetais, com destaque para a fruta (sobretudo bagas, como mirtilos, framboesas e arandos-vermelhos, bem como pêras e maçãs), tubérculos (como beterraba, batata, nabo, pastinaga e cenoura) e crucíferas (como a couve-flor e o repolho). Também inclui cereais integrais (centeio, cevada e aveia), peixes gordos (salmão, arenque, sardinha e cavala), leguminosas (lentilhas, feijões e ervilhas), frutos secos e sementes.Estes alimentos são frequentemente confeccionados com temperos como salsa, endro, mostardas, rábanos, vinagre e/ou cebolinho e com óleos saudáveis para o coração como óleo de canola.A dieta nórdica também inclui lacticínios com baixo teor de gordura como skyr, um iogurte islandês rico em proteína, e kefir, uma bebida láctea fermentada.Por outro lado, os ovos e as carnes magras, como bisonte, veado e rena são consumidos com moderação e os alimentos adoçados com açúcar e altamente processados são evitados, mas não excluídos. À semelhança da dieta mediterrânica, a dieta nórdica não proíbe determinados alimentos. É mais um estilo de alimentação flexível do que uma dieta estruturada.Os benefícios da dieta nórdica para a saúdeA dieta nórdica não está tão bem estudada como a dieta mediterrânica, mas as evidências científicas que defendem os seus benefícios têm vindo a aumentar. Com efeito, estudos concluíram que uma adesão elevada à dieta nórdica está associada a uma diminuição dos riscos de doença cardíaca, AVC e diabetes tipo 2, bem como do colesterol LDL, apolipoproteína B e tensão arterial sistólica.Por exemplo, um estudo publicado em 2017 no European Journal of Clinical Nutrition concluiu que os dinamarqueses de meia-idade com uma elevada adesão à dieta nórdica, apresentavam um risco significativamente inferior de sofrer um ataque cardíaco num período subsequente de 13,5 anos. Em seguida, um estudo publicado numa edição de 2024 da Scientific Reports concluiu que as pessoas com maior adesão à dieta nórdica tinham menos 58 por cento de possibilidades de desenvolver esteatose hepática não-alcoólica, face às pessoas com menor adesão. E um estudo publicado em 2025 na Frontiers of Endocrinology concluiu que as pessoas que seguiam estritamente a dieta nórdica tinham menos 58 por cento de probabilidades de desenvolver diabete tipo 2.A dieta também tem vantagens no dia-a-dia. Um estudo realizado em 2022 concluiu que a dieta nórdica melhorava a qualidade do sono, enquanto outro estudo concluiu que as mulheres mais velhas que praticavam a dieta nórdica tinham melhores resultados em termos de desempenho físico – incluindo um teste de caminhada de seis minutos, flexão de bíceps e levantarem-se de uma cadeira. Estas conclusões levaram os investigadores a concluir que o estilo de alimentação poderá ajudar a diminuir o risco de incapacidade na velhice.Embora não pretenda ser uma dieta para perder peso, poderá ter esse efeito. Uma análise a sete estudos sobre o assunto concluiu que as pessoas que praticaram a dieta nórdica sentiram melhorias no seu peso corporal.Uma vantagem adicional: à semelhança de outras dietas de base vegetal, a dieta nórdica poderá ser especialmente saudável para o planeta. “Uma coisa boa da dieta nórdica é que reforça a saúde do ambiente com alimentos da estação cultivados localmente”, diz Laura Chiavaroli, professora assistente no departamento de ciências nutricionais da Universidade de Toronto. Os alimentos locais requerem menos transporte e, consequentemente, produzem menos gases com efeitos de estufa. E “as leguminosas e os vegetais têm uma pegada ambiental mais baixa”, acrescenta ela.Efeitos anti-inflamatórios e outras razões pelas quais a dieta nórdica funcionaAquilo que torna a dieta nórdica benéfica para tantos problemas de saúde diferentes é a sua quantidade de alimentos anti-inflamatórios e ricos em antioxidantes. Isto é importante porque a inflamação é a principal via para desenvolver as principais doenças crónicas, comenta Katz.“Os componentes da dieta nórdica, sobretudo os frutos e os vegetais, são fontes ricas em antioxidantes”, diz Chiavaroli. Além disso, os cereais integrais, os frutos, os vegetais e as leguminosas da dieta são boas fontes de fibra, contribuindo para a saciedade e promovendo o crescimento de bactérias saudáveis no intestino, acrescenta Chiavaroli.Cereais integrais como o centeio e a cevada possuem um índice glicémico mais baixo, que ajuda a regular o nível de açúcar no sangue, observa Andrea Glenn, dietista certificada e professora assistente de nutrição na New York University. E os ácidos gordos ómega-3 presentes nos peixes gordos são benéficos para a saúde do coração e do cérebro, diz Blatner.Além disso, a dieta nórdica ajuda a equilibrar os níveis hormonais, sobretudo a insulina, hormonas do stress como a epinefrina, a norepinefrina e o cortisol e [hormonas reguladoras do apetite como a] a grelina e a leptina”, diz Katz.Com efeito, esta dieta é um exemplo de que a soma dos seus ingredientes é maior do que as partes. “Aquilo que torna a dieta nórdica tão saudável é que tem muitas coisas a trabalharem em conjunto – é, provavelmente, uma combinação de alimentos que reduz a inflamação e o risco das principais causas de morte”, diz Joan Salge Blake, dietista e professora de nutrição clínica na Universidade de Boston e apresentadora do podcast Spot On!, sobre saúde e nutrição.Outra potencial vantagem: muitos alimentos da dieta são baratos. O óleo de canola, por exemplo, é mais barato do que o azeite (que é um ingrediente principal da dieta mediterrânica), e os tubérculos também costumam ter preços acessíveis, comenta Glenn.No que diz respeito a ingredientes que tendem a ser mais caros, como o peixe, pode optar por versões enlatadas ou congeladas. “Quando os alimentos marinhos e os vegetais são congelados, já foram limpos cortados e estão prontos a cozinhar, o que diminui o desperdício alimentar”, diz Salge Blake. “É como ter a [chef norte-americana] Rachael Ray no seu congelador.”Independentemente de onde viva, mesmo que não seja no norte ou num clima frio, pode adaptar a dieta de modo a fazê-la funcionar. Se não conseguir encontrar arandos-vermelhos, por exemplo, pode consumir outras bagas. Se não houver um pão de centeio nórdico tradicional no seu supermercado, procure outro tipo de pão de centeio integral com sementes. Também pode privilegiar as tostas de centeio em detrimento das bolachas de água e sal normais. O importante é dar prioridade a alimentos integrais ou minimamente processados, diz Glenn.“Existe muito espaço para variar entre estas escolhas de alimentos”, diz Katz. Independentemente da forma como o fizer, acrescenta, “os benefícios de comer bem traduzem-se em mais anos de vida e mais vida nesses anos”.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Adeus, relógios atómicos; olá, relógios nucleares?

Relógios, como os chapéus, há muitos. A classificação pode ser feita de acordo com o seu mecanismo (de corda manual ou automáticos, de quartzo a pilha, solares, atómicos ou "inteligentes"), a forma como mostram as horas (analógicos, digitais ou híbridos), e até mesmo pelo seu design (de pulso, de bolso, desportivos, para mergulho, de aviador, de parede ou de Sol).É provável que já tenha tido um analógico (ponteiros) ou digital (números), pois eram os mais comuns antes do surgimento dos smartwatches, como o Apple Watch ou o Pixel Watch da Google.Se o que procura é grande precisão, os relógios atómicos são os melhores. Medem o tempo usando a frequência de ressonância dos átomos (geralmente césio), aproveitando o facto de essas vibrações serem extremamente estáveis e imunes a factores externos. São a base do GPS e da hora oficial mundial. Os modelos mais modernos podem até ser controlados remotamente, recebendo sinais para se actualizarem automaticamente, como os relógios de pulso.No entanto, os relógios atómicos podem ser superados muito em breve pelos relógios nucleares. Uma equipa da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) descobriu um método para construir de forma mais simples relógios nucleares baseados em tório. Este avanço pode transformar a navegação, as comunicações e até mesmo as viagens ao espaço profundo.Os relógios nucleares podem acabar com a navegação GPS por satéliteUm relógio nuclear é um tipo de relógio experimental de altíssima precisão que mede o tempo usando transições energéticas dentro do núcleo de um átomo, em vez de usar elétrons (relógios atómicos actuais). O núcleo do átomo é muito mais bem isolado de perturbações externas, como campos eléctricos ou magnéticos, temperatura e vibrações, por isso seria mais estável e mais preciso. Em teoria, poderia perder menos de um segundo em milhares de milhões de anos.Actualmente, os relógios nucleares não são usados de forma prática, mas estão a ser activamente investigados. Está a ser estudado o tório-229 (Th-229), um isótopo radioactivo do elemento tório, que é único por ter um estado nuclear de energia muito baixa que pode ser manipulado com luz ultravioleta. Por esse motivo, tornou-se a base para o desenvolvimento de relógios nucleares ultraprecisos e uma ferramenta tão interessante quanto promissora para detectar matéria escura.O método descoberto pelos investigadores da UCLA substitui anos de engenharia complexa de cristais por um processo industrial muito acessível: a galvanoplastia. Este processo, também chamado de electrodeposição, é um processo electroquímico que reveste um objecto metálico com uma fina camada de outro metal usando corrente eléctrica, melhorando a sua resistência à corrosão, durabilidade e condutividade estética para aplicações em joalharia, automóvel, electrónica e muito mais.A descoberta baseia-se no marco alcançado pela equipa no ano passado, quando se tornou a primeira a conseguir que os núcleos de tório radioactivo absorvessem e emitissem fotões como os electrões. Este avanço abriu as portas para relógios nucleares muito precisos, mas também trouxe um obstáculo: o tório-229. Este isótopo tão necessário existe quase exclusivamente no urânio de grau militar, e há apenas cerca de 40 gramas disponíveis em todo o mundo.A técnica original, além de exigir quantidades significativas de miligramas de tório, também precisava de cristais de fluoreto altamente especializados que levaram anos para serem aperfeiçoados. Eric Hudson e os seus colegas, físicos da UCLA, desenvolveram um método que utiliza aproximadamente 1.000 vezes menos tório e evita completamente esses cristais: galvanizando uma camada microscópica de tório sobre aço inoxidável utilizando uma variação de uma técnica de joalharia inventada no século XIX.Os investigadores descobriram que estimular o núcleo do tório não exigia qualquer transparência por parte de cristais frágeis. "Levou cinco anos para descobrirmos como cultivar os cristais de fluoreto e agora descobrimos como obter os mesmos resultados com uma das técnicas industriais mais antigas e usando mil vezes menos tório", explicou Hudson. O investigador acrescenta que "o produto final é basicamente uma pequena peça de aço, muito mais resistente do que os cristais frágeis".Como mencionámos acima, os relógios nucleares de tório podem tornar os relógios atómicos obsoletos, pois oferecem uma resiliência extraordinária, estabilidade a longo prazo e uma precisão sem precedentes. Acredita-se que algum dia eles poderão substituir os relógios das redes eléctricas, torres de telefonia móvel, redes de radar e satélites GPS. O maior interesse, sem dúvida, tem a ver com a navegação sem satélites, pois se os sinais de GPS forem interrompidos, a maior parte da infra-estrutura de navegação actual entraria em colapso.Como se não bastasse, alguns especialistas afirmam que este avanço também poderia ampliar os limites da física e da exploração: "Os relógios nucleares de tório também poderiam revolucionar as medições da física fundamental... e poderiam ser úteis para estabelecer uma escala de tempo para todo o Sistema Solar", afirmou Eric Burt, da NASA JPL.A investigação foi publicada na revista Nature e contou com a colaboração da Universidade de Manchester e da Universidade de Nevada Reno, bem como do Laboratório Nacional de Los Alamos, da Johannes Gutenberg-Universität Mainz, da LMU Munich e da Ziegler Analytics.

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As Saturnálias, um Natal antes do Natal?

Envolve amigos e familiares sentados em torno de uma mesa onde comida e bebida são centrais. Nalgum momento, os convivas trocam prendas. Porque é considerada uma celebração de paz e boas intenções, os conflitos são menorizados e até aqueles que habitualmente estão numa situação complicada durante o resto do ano encontram algum tipo de conforto neste dia. Estamos a falar do Natal, certo? Não, se recuarmos até à Antiguidade clássica. Referimo-nos às Saturnálias, que como o nome indica era uma festa dedicada ao deus Saturno.Entre outras coisas, esta celebração representava a abundância, a riqueza, o tempo e a liberdade – ocorrendo à volta do Solstício de Inverno.As suas raízes pagãs são, portanto, evidentes. Apesar de celebrar o fim das plantações agrícolas iniciadas no Outono, durante as Saturnálias era explicitamente proibido trabalhar – e aos escravos era dada uma liberdade temporária para festejar.No auge destas celebrações (que chegavam a durar uma semana) instalava-se na capital Roma, defronte do templo dedicado ao deus que as inspirava, um ambiente especial. Todas as outras cidades do Império, no entanto, tinha a sua própria versão destas celebrações.O significado das Saturnálias Como em muita da sua mitologia, os romanos inspiraram-se na civilização grega. Na Grécia Antiga, várias festividades agrícolas ocorriam com o mesmo propósito, celebrando a fertilidade da terra e também o fim de um longo período de trabalho, permitindo aos agricultores uma pausa de descompressão.A Kronia, um festival ateniense, é talvez a que mais se aproximam em ideia, se bem que não em calendário. Desenrolava-se entre Julho e Agosto e durante vários dias, com banquetes e convívio entre pessoas de classes sociais distintas. Era, portanto, um dos poucos momentos em que escravos e donos se sentavam lado a lado à refeição. O nome,esse, invoca também o correspondente grego de Saturno, Kronos, o deus do tempo e pai de deuses da Era Dourada como Zeus, Hades ou Poseidon. A própria intenção de criar, por um curto período de tempo, igualdade entre todos os convivas, seguia também as boas intenções dos desígnios dos deuses da mitologia grega de criar uma sociedade perfeita, pura e imune às más intenções do pior do espírito humano.FONTES ESCRITASAs origens históricas das Saturnálias foram referidas por várias fontes – entre elas famosos escritores latinos como Luciano, Catão o Velho ou Catulo. Porém, as descrições dos eventos que nelas decorriam são abundantes. O poeta Marcial, por exemplo, dedicou vários epigramas humorísticos à época saturnália. Num deles, escreve a Sextiliano, um amigo, o seguinte: “O prato que me oferecerias de presente, Sextiliano, deste-o à tua amante (…) As tuas amantes começam a não te dar encargos, já que as manténs à minha custa”. Numa referência mais ambígua, o escritor latino dedica um epigrama a um enchido afirmando que “a salsicha que te chega a meio do Inverno já eu a recebi nos sete dias da Saturnália”. O carácter mordaz e até humorístico destes poemas mostra a maneira libertina com que a festividade era encarada.O programas das festas A Saturnália começava, de forma séria, com uma cerimónia religiosa defronte do templo de Saturno, seguida de um banquete aberto aos habitantes da cidade. Os serviços públicos e negócios fechavam para que todos pudessem participar.As normas sociais tornavam-se mais fluidas: jogos de sorte, habitualmente proibidos, aconteciam à vista de todos, embora fosse evitado o uso de dinheiro. As apostas deviam ser feitas com nozes, fruto associado à era dourada de Saturno. Os dados eram de osso, embora mais tarde tenham aparecido alguns de materiais mais nobres como o ouro ou o marfim.Os códigos de vestuário eram também menos estritos neste período. Em vez das habituais togas brancas, os membros da alta sociedade envergavam vestimentas coloridas, mais confortáveis, e o chapéu cónico habituado ofertado aos escravos romanos libertos, num sinal de equilíbrio entre os mais favorecidos e aqueles que, habitualmente, eram restringidos à periferia social de Roma. Pelas ruas da cidade, nos interiores das casas, escutava-se “Io Saturnalia”, invocação do ambiente festivo, emocional, celebração da presença do deus Dionísio e o seu espírito de libertinagem nos dias da festa.Uma figura tradicional e cobiçada na Saturnália era a do “Rei da Saturnália”, que obtinha o poder absoluto sobre todos os convivas na casa onde governava e a festa acontecia. Gritava ordens sem nexo que todos deviam cumprir: insultarem, dançarem nus, atirarem água fria a um convidado defronte de todos ou criarem um improvisado jogo da apanhada entre todos.A referência ao título real, e o facto de esta figura não surgir – ou pelo menos ser referida com este nome – antes dos tempos imperiais leva a crer que talvez fosse uma forma satírica de tratar o antigo período monárquico da História romana. Podemos admitir, porém, que este papel é um gozo com qualquer exercício de poder tirano do que os imperadores romanos, com a concentração quase total de poder nas suas mãos, eram o exemplo acabado.A troca de prendas era outra tradição, já mencionada nos epigramas de Marcial em cima. O poeta clássico faz na sua poesia variadíssimas sugestões sobre prendas apropriadas: porcos, incenso, pombas, lamparinas, dados de marfim ou estatuetas, o que nos dá uma visão daquilo que os romanos valorizavam ou consideravam adequado aos ritos de festa.Embora Marcial sugerisse que se devia oferecer o que se tinha de melhor, e que qualquer prenda era uma boa prenda – e muitas delas eram sorteadas – incluia na sua lista anéis de ouro, mas destinava-os a Senadores ou membros da Classe Equestre, os dois grupos mais afluentes da sociedade romana. Como em qualquer festa romana, o álcool tornava-se indispensável. Sobretudo o vinho era visto como um grande lubrificante social e revelador de qualidades e talentos escondidos entre os homens. Normalmente misturado com água, e ocasionalmente mel e especiarias, era servido numa grande taça de onde os foliões retiravam o doce néctar em copos individuais. Todos se serviam desta taça, ricos ou pobres, e até mesmo alguém como Catão o Velho, famoso por ser avarento, reservava barris extra de vinho para os empregados das suas quintas durante o festival.O verdadeiro espírito do Natal ANTES DO NATAL?Foi, de facto, nas Saturnálias que teve origem o Natal? A pergunta é difícil de responder. Desconhecemos o dia concreto do nascimento de Jesus, mas a tentativa, no século IV por parte do Papa Júlio I, de colar esse evento ao período das Saturnálias leva a crer que talvez estivesse a fazer algo que aconteceu com a Páscoas ou o Dia de Todos os Santos: enxertar celebrações católicas num calendário pagão ao qual todos estavam já habituados e que seguia também festividades naturais. Assim, a conversão dos fiéis ao novo calendário religioso tornar-se-ia mais simples.No entanto, e durante a Idade Média, ambas as tradições correram paralelas. No centro da Europa, a época de Natal era marcada pelos mesmo banquetes e festas que vimos nos romanos e, em países como a França e a Suíça, era eleito nas aldeias um rapaz que recebia o título de “Bispo por um dia”, lembrando o Rei da Saturnália.Ainda que no século XIX tenha havido um esforço, principalmente a partir da Inglaterra vitoriana, de retirar esse carácter festivo ao Natal, transformando-o numa celebração familiar, alguns dos seus costumes mantêm-se ainda hoje, como por exemplo a oferta de prendas, a festa que celebra a ligação humana entre pessoas e em rituais tão simples como acender uma vela, para recordar os que não estão ou simplesmente invocar um ambiente de calma e luz nos lares.

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Fãs celebraram em todo o mundo 250.º aniversário do nascimento de Jane Austen
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Fãs celebraram em todo o mundo 250.º aniversário do nascimento de Jane Austen
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Em Inglaterra, nos passos de Jane Austen e… Mr. Darcy
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França celebra 250 anos de Jane Austen; fãs franceses partilham fantasias de 'Orgulho e Preconceito'
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O tecto de África

O Kilimanjaro, com os seus 5.895 metros, é a montanha mais alta de África e um dos vulcões mais emblemáticos do mundo. Ao contrário de outros grandes picos, não exige conhecimentos técnicos de alpinismo, o que o torna um desafio acessível (embora exigente) para caminhantes determinados.A rota Machame, conhecida também como a “Rota do Whisky”, é famosa pela sua beleza cénica e variedade de ecossistemas, e o acampamento Shira marca uma transição fundamental na ascensão: a partir daqui, os caminhantes já sentem o rigor da altitude, mas também a recompensa de estar mais perto do topo de África. Nesta imagem, vemos a luz violeta banhar as encostas vulcânicas e a tingir o céu com matizes que só podem ser apreciados a altas altitudes, onde o ar é mais rarefeito e o tempo parece desacelerar.

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Uma espécie recém-descoberta de louva-a-deus dança como uma serpente para evitar morrer após o acto sexual

As fêmeas de louva-a-deus são famosas por comerem os seus parceiros durante ou após o acto sexual. Agora, descobriu-se uma espécie de louva-a-deus anão, na qual os machos evitam este destino com uma dança sofisticada.Durante esta dança de amor, o macho mexe o seu abdómen de várias formas: por vezes, sinuosamente como os anéis de uma serpente; outras espasmodicamente, como a cauda de uma cascavel. Este comportamento singular inspirou o seu nome comum em inglês – louva-a-deus com cauda de serpente – e ajudou os investigadores a identificarem-no como uma espécie nova, conforme relatado na revista Ethology, Ecology & Evolution.“Estávamos cientes de que alguns louva-a-deus anãos faziam exibições de cortejamento”, diz Roberto Battiston, Curador Naturalista do Museo di Archeologia e Scienze Naturali “G. Zannato”, em Montecchio Maggiore, em Itália e co-descobridor da nova espécie. “Mas nunca vimos nada como isto.”Os misteriosos louva-a-deusExistem cerca de 2.500 espécies conhecidas de louva-a-deus, segundo o biólogo Christopher Oufiero, chefe do Laboratório de Louva-a-Deus da Universidade de Towson, no estado americano de Maryland.“Quando a maioria das pessoas pensa nestes insectos, pensa no louva-a-deus típico, que é grande e verde, mas há muita diversidade neste grupo”, diz Oufiero, que não participou na nova descoberta. “Os louva-a-deus têm algumas das mais diversificadas estratégias de camuflagem do reino animal, imitando folhas, paus, flores e musgo, entre outras coisas.”Esta diversidade estende-se para além da aparência, afectando também o comportamento – pelo menos, o pouco que se sabe. Apesar de os insectos serem relativamente grandes e carismáticos, grande parte do comportamento do louva-a-deus, sobretudo no que diz respeito ao acasalamento, permanece envolto em mistério.“Os louva-a-deus são bastante bons em não serem encontrados. É isso que eles fazem”, diz Lohitashwa Garikipati, doutorando no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, que não participou na nova descoberta. “Por essa razão, não costumam ter um comportamento ou ecologia facilmente observável.”A descoberta do Ameles serpentiscauda começou com um encontro fortuito no Verão de 2024. Enquanto estava de férias numa praia isolada na Sardenha, uma ilha italiana no mar Mediterrâneo, Oscar Maioglio, colega de Battiston, avistou alguns louva-a-deus anãos nuns arbustos a cerca de uma dezena de metros da orla costeira. Achou que se pareciam com o Ameles andreae, uma espécie conhecida de louva-a-deus anão, mas as suas asas eram mais pequenas do que seria de esperar. Intrigado, recolheu alguns indivíduos para analisar no seu laboratório.Battiston diz que é difícil distinguir uma espécie de louva-a-deus anão de outra, porque os insectos têm apenas cerca de 2,5 centímetros de comprimento e diferentes espécies podem ter aparências semelhantes. Mas quando ele e Maioglio viram os espécimes a acasalar, souberam que estes louva-a-deus não pertenciam a qualquer outra espécie conhecida.“Neste estudo, vemos que as espécies de louva-a-deus anão têm diferentes ‘linguagens de amor’, processos de cortejamento singulares, nos quais movem partes do seu corpo de diferentes formas”, diz Battiston. “Cada espécie evoluiu uma forma diferente de comunicar, o que é incrível para insectos que são maioritariamente solitários.”A descoberta suscita mais perguntasAs asas pequenas e a dança de cortejamento serpentina dos espécimes recolhidos sugeria fortemente que pertenciam a uma espécie singular e nunca documentada. As análises genéticas confirmaram essa suspeita.“É bom ver que os autores fizeram uma abordagem integrativa, combinando filogenética, morfologia [forma e função do corpo] e comportamento para identificar uma nova espécie”, diz Oufiero.Uma das principais perguntas em aberto diz respeito à função destes processos de cortejamento. Será que ajudam a fêmea a reconhecer o macho como membro da sua espécie? Será que distraem ou “encantam” a fêmea para que o macho possa aproximar-se dela em segurança? Seja qual for o significado mais profundo, os cientistas teorizam que a dança de cortejamento diminui o risco de o macho ser comido pela fêmea após o acasalamento. E parece resultar: os investigadores não observaram canibalismo sexual entre os Ameles serpentiscauda observados em laboratório.“Ainda não sabemos como, nem porquê, se desenrolou a selecção deste processo de acasalamento”, diz Garikipati. “Mas acho que isto é uma pista interessante, que nos diz que estes pequenos animais são, provavelmente, muito mais complexos do que pensamos. Mostra-nos que os louva-a-deus são capazes de muito mais do que praticar canibalismo.”Battiston concorda. “Existem tantas áreas para estudar no comportamento dos louva-a-deus – o seu comportamento durante o cortejamento, a sua camuflagem, as suas capacidades de caça, a forma como vêem o mundo”, diz ele. “Os louva-a-deus são uma espécie de tigres dos nossos jardins. Mas sabemos tudo sobre os tigres e nada sobre os louva-a-deus.”Existe alguma urgência por trás da ânsia de Battiston em aprender mais sobre o Ameles serpentiscauda. Tanto quanto ele e os seus colegas sabem, a nova espécie vive apenas numa área limitada a algumas centenas de metros ao longo da costa da Sardenha. A maior parte do seu habitat situa-se numa zona protegida. No entanto, o aumento do turismo e o excesso de consumo da erva de pasto por ovelhas e cabras poderá ameaçar a existência da espécie.Enquanto coordenador da Lista Vermelha dos louva-a-deus da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Battiston ajuda a avaliar o estatuto de conservação das espécies de louva-a-deus em todo o mundo. Para assegurar o futuro do Ameles serpentiscauda, ele e os seus colegas propuseram que a IUCN o classificasse como “em vias de extinção” e recomendasse medidas mais estritas para preservar o seu habitat.“Segundo a minha experiência, estamos a perder mais espécies do que estamos a descobrir”, diz Battiston. “Por isso, espero que consigamos proteger esta”.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Estas plantas conseguem aquecer-se a si próprias – e os cientistas descobriram finalmente porquê

Quando a noite cai na Amazónia, pinhas cheias de sementes que sobressaem das plantas emitem um chamamento para os besouros locais virem polinizá-las. Esse chamamento assume a forma de luz infravermelha, irradiada à medida que as plantas aumentam a sua própria temperatura.Estas plantas, chamadas cicadáceas, conseguem aquecer-se até uns incríveis 15 graus Celsius acima da temperatura ambiente. Os cientistas relataram pela primeira vez, na revista Science, que a luz infravermelha emanada por esse calor atrai besouros polinizadores e que este é um dos sinais mais antigos de polinização.“É, sem dúvida, surpreendente”, diz Joe Parker, biólogo evolutivo da Caltech, que não participou no estudo. “É um daqueles sistemas magníficos que, quando delineados desta forma, nos fazem pensar: claro, é assim; é tão perfeito; claro que a natureza iria desenvolver esta solução e tudo se encaixa lindamente.”A luz infravermelha é invisível a olho nu, por isso poderá parecer um mecanismo vulgar para atrair polinizadores. No entanto, os investigadores dizem que esta via para a polinização é anterior ao desenvolvimento da visão a cores na história evolutiva.“Estes animais têm um mundo completamente escondido, que utilizam para encontrar as plantas e, basicamente, facilitar a evolução da vida na Terra”, diz Nicholas Bellono, co-autor do estudo e biólogo na Universidade de Harvard.Encontrando o caminho na floresta húmida Quando Wendy Valencia-Montoya, autora principal do novo estudo, viveu numa tenda na Amazónia peruana para um projecto de licenciatura de seis meses, perdia-se frequentemente na floresta. Ficava maravilhada com a forma como os besouros Rhopalotria furfuracea conseguiam encontrar tão facilmente o seu caminho até às discretas cicadáceas, que parecem palmeiras pequenas ou fetos com folhas largas e troncos castanhos, mas são parentes das coníferas. As pinhas reprodutivas das plantas e os besouros que as polinizam são pequenos e difíceis de encontrar para quem não sabe o que procurar.“Eu já estava interessada na forma como os insectos, sendo tão pequenos conseguem encontrar tão bem o seu caminho”, diz ela. “E depois vemos uma pinha e, no dia seguinte, vemos que todos os insectos estão lá. Achei aquilo bastante mágico.”Quando começou a trabalhar no laboratório de Bellono como aluna de doutoramento em Harvard, Valencia-Montoya quis investigar a forma como aqueles besouros encontravam o seu caminho até às cicadáceas, que são “fósseis vivos”, representando a mais antiga linhagem de plantas que produzem sementes através da polinização por animais.Graças às evidências fósseis, os cientistas sabem que os besouros polinizam as cicadáceas pelo menos desde o início do período jurássico, há cerca de 200 milhões de anos, quando os dinossauros caminhavam sobre a Terra. Desta perspectiva, compreender como as cicadáceas atraem os besouros é uma forma de viajar ao passado e sondar as origens da própria polinização.Estudos anteriores já tinham determinado que as cicadáceas possuem uma grande variedade de capacidades de aquecimento: alguns indivíduos aquecem cerca de 3 graus Celsius, enquanto os mais ambiciosos aumentam a sua temperatura mais de 14 graus Celsius. Esta variação na mesma espécie de planta indica que a alteração da temperatura não é um mero subproduto de um processo metabólico normal, mas um sinal para atrair os besouros. Alguns insectos, incluindo estes besouros, até se especializaram em polinizar plantas cujas temperaturas se situam num determinado intervalo.“Acreditamos que os insectos também conseguem distinguir essas diferentes temperaturas. Por isso, poderá ser algo que eles vão aprendendo: ‘ah, esta é uma planta e aquela outra planta’”, diz Valencia-Montoya.Mas o mistério que Valencia-Montoya queria investigar era se os besouros reagiam especificamente às alterações no calor – ou a outra coisa – emitida pelas pinhas.Fazendo experiências com besouros e cicadáceasOs cientistas fizeram experiências comportamentais com os besouros Rhopalotria furfuracea no Centro Botânico de Montgomery, na Florida. Inicialmente, descobriram que as pinhas de cicadácea macho – que estão cheias de pólen – aquecem e arrefecem primeiro. As pinhas fêmea, que recebem o pólen, iniciam o seu processo cerca de três horas depois, criando uma trajectória bem coreografada para os besouros seguirem entre elas.Experiências subsequentes mostraram que os besouros preferiam as partes mais quentes das pinhas cheias de pólen, sugerindo que o calor poderia estar a orientar os insectos. Mas os cientistas suspeitavam de que poderia haver uma característica específica do calor a atrair estes besouros.Quanto mais um objecto aquece, mais luz infravermelha transmite. Sentir esta luz é diferente de sentir o calor através do toque ou da convecção.Para distinguir essa diferença, os cientistas instalaram modelos de cicadáceas criados por uma impressora 3D num ambiente de laboratório controlado e fizeram uma série de experiências. Por exemplo, cobriram os modelos de cicadáceas com película aderente, que é praticamente transparente para a luz infravermelha, colocando-a cerca de um centímetro acima da superfície da réplica, e continuaram a observar que os besouros eram mais atraídos pelas plantas macho e fêmea mais quentes do que pelas plantas à temperatura ambiente.Embora investigações prévias tenham documentando a existência de outras plantas que se aquecem a si próprias, a teoria em vigor defende que esta capacidade seria útil em ambientes frios, para resistir à geada ou até para aquecer os insectos polinizadores, diz Bellono. “Não existiam evidências concretas de que fosse um sinal para a polinização”.Uma ligação pré-históricaOs cientistas decidiram, então, investigar mais a fundo e a uma escala mais pequena, em busca daquilo que estava a acontecer ao nível molecular e que permitia aos besouros detectarem a luz infravermelha das plantas.Nos neurónios das antenas dos besouros, encontraram variantes de um gene chamado TRPA1. Investigações anteriores descobriram que este gene específico era importante para as serpentes sentirem a luz infravermelha, ajudando-as a encontrar predadores, e para os mosquitos, que procuram seres humanos e outros animais para morder.A ligação surpreendeu Valencia-Montoya. Os insectos divergiram das serpentes há mais de 400 milhões de euros na história evolutiva, mas os mesmos genes ainda funcionam de forma semelhante nos besouros e nas serpentes. “A natureza parece reciclar os mesmos intervenientes moleculares e voltar a utilizá-los”, diz ela.Os cientistas já sabiam que alguns besouros sentem a radiação infravermelha, como os coleópteros do género Melanophila, que conseguem detectar a luz infravermelha emitida por incêndios a quilómetros de distância. Contudo, este é o primeiro estudo a mostrar a base molecular e celular da capacidade de detecção de luz infravermelha em qualquer espécie de besouro.E o que dizer sobre a variação de cor nas pinhas das cicadáceas? Depois de investigarem as sensibilidades ópticas dos besouros e a variedade das cores das pinhas, os investigadores concluíram que os besouros não seriam capazes de distingui-las correctamente apenas através da cor no meio da floresta húmida.Levando esta ideia um pouco mais longe, os investigadores vasculharam bases de dados de plantas vivas e das suas cores, bem como registos fósseis, e determinaram que, quanto maior a diversidade cromática numa família espermatófita, menos provável seria essas plantas conseguirem aumentar a sua própria temperatura e vice-versa. Além disso, a diversificação dos besouros parece anteceder o aparecimento das abelhas, das borboletas e de outros polinizadores que vêem a cores e evoluíram ao mesmo tempo que as plantas angiospérmicas modernas.Os besouros poderão ter sido criadores de tendências na área dos infravermelhos Uma vez que estes besouros amazónicos são nocturnos, faz sentido que tenham uma forma não-cromática de encontrar as cicadáceas. Os besouros também põem os ovos na estrutura da pinha, o que significa que o ciclo de desenvolvimento do insecto está associado a estas plantas. “Por isso, sem besouros não haveria plantas e sem plantas não haveria besouros”, diz Valencia-Montoya.Embora este estudo tenha mostrado a importância da luz infravermelha na polinização pela primeira vez, outros sinais previamente conhecidos emitidos pelas cicadáceas — como o odor – ainda desempenham um papel na atracção dos besouros. A curtas distâncias, o odor pode não ser tão útil como a luz infravermelha para encontrar os pontos de entrada nas pinhas, o pólen e outras recompensas, mas, mesmo assim, atrai os polinizadores. Valencia-Montoya e os seus colegas esperam vir a testar formalmente as possíveis interligações entre o calor, a humidade e o odor destas plantas em estudos futuros.O estudo também levanta a possibilidade de existirem outros sistemas ecológicos da natureza que recorram a alterações térmicas e pistas sensoriais infravermelhas e ainda não tenham sido documentados, diz Parker.Com cerca de 400.000 espécies conhecidas actualmente – e estas são apenas as que foram descritas e designadas até à data –, os besouros representam cerca de um quarto de todas as espécies de animais conhecidas. Tendo em conta a longa história evolutiva, faz sentido que os besouros tenham sido os precursores da detecção de infravermelhos para fins de polinização, diz Parker.“Se existir algum organismo que possa ter participado nesta trama e conseguido sintonizar-se de modo a receber este tipo de informação emitida pelas plantas, para utilizá-la como pista sensorial, é muito provável que tenha sido um besouro”, diz ele.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Besouro-bombardeiro: um insecto com uma arma secreta poderosa

Os besouros-bombardeiros têm a infame capacidade de sintetizar e explodir jactos rápidos de um líquido escaldante e malcheiroso através do seu traseiro. Estas emissões fedorentas podem matar outros insectos ou assustar potenciais predadores, levando-os a afastarem-se.Foram estas “bombas” químicas que deram origem ao seu nome: besouro-bombardeiro. Contudo, não existe apenas um tipo: na verdade há mais de 500 espécies de besouro-bombardeiro no planeta, maioritariamente do género Brachinus, e mais de 40 espécies só nos EUA.Estes besouros vivem em muitos ecossistemas diferentes, desde florestas a pradarias e desertos. A maioria é do tamanho de uma unha da mão e muitos destes insectos têm abdómens escuros com patas, cabeças e antenas avermelhadas.Arma secretaAs emissões do bombardeiro variam desde secreções lentas a explosões rápidas, suficientemente quentes para queimarem e mancharem a pele humana. Esta defesa cáustica irrita os olhos e o sistema respiratório dos predadores, podendo infligir uma incapacidade dolorosa, mas temporária.Por vezes, as suas emissões explosivas até podem salvar-lhes a vida depois de terem sido engolidos. Temos conhecimento, por exemplo, de rãs que regurgitaram um bombardeiro depois de se aperceberem de que os insectos não eram exactamente saborosos.Criar uma bomba química escaldante dentro do organismo não é tarefa fácil. Estes escaravelhos minúsculos utilizam uma rede interna sofisticada, composta por reservatórios e câmaras para sintetizarem as suas emissões em segurança.O poder explosivo do besouro deriva principalmente da mistura de dois compostos químicos – hidroquinona e peróxido de hidrogénio, mais conhecido como água oxigenada – que são armazenados em reservatórios separados no abdómen. Em seguida, os químicos passam por uma válvula antes de se encontrarem numa câmara especial, onde se juntam a uma enzima que catalisa a reacção. Isto cria gases que se expandem rapidamente, emitindo calor.Os besouros conseguem abrir e fechar rapidamente as válvulas desta reacção, suficientemente depressa para produzir até 500 emissões explosivas num segundo. O insecto também pode apontar a sua emissão química na direcção da presa, utilizando o seu traseiro como uma espécie de pistola de água.Um enigma evolutivoO besouro-bombardeiro tem fascinado muitas pessoas, incluindo Charles Darwin, que disse que um deles disparou “ácido” para dentro da sua boca – aparentemente, Darwin segurou num besouro com os dentes, sem saber das suas emissões fedorentas, enquanto recolhia outro espécimen no campo. No entanto, os insectos também suscitaram o interesse dos criacionistas, que argumentaram que esta habilidade complexa não poderia ser explicada através da famosa teoria da evolução de Darwin.Os biólogos, por outro lado, mantêm a opinião de que as emissões explosivas do besouro deverão ter evoluído gradualmente. Teorizam que a enzima que permite a reacção dos dois precursores químicos fosse mais fraca inicialmente e se tenha tornado mais especializada e eficaz ao longo do tempo, como se tem verificado com outras enzimas catalisadoras.À semelhança de outros insectos alados, os besouros podem voar para longe do perigo, mas, ao contrário das abelhas ou das libélulas, as asas dos besouros encontram-se guardadas sob uma carapaça rígida e têm de ser desdobradas antes de levantar voo, algo que não acontece instantaneamente. Se o canhão químico do besouro-bombardeiro não for suficiente para afastar imediatamente os predadores, poderá comprar-lhes tempo precioso para fugirem.Há décadas que os cientistas tentam desenredar a química interna do besouro-bombardeiro. Uma vez que a emissão do besouro contém químicos chamados benzoquinonas, a hipótese prevalecente é que estes besouros poderão usar hidroquinonas – os blocos construtores da sua carapaça – para biosintesizar os ingredientes necessários para as suas secreções explosivas. No entanto, um estudo publicado em Maio de 2020 confirmou que um dos ingredientes químicos derivava, inesperadamente, de vias completamente diferentes, sintetizado a partir do m-cresol, o mesmo composto explosivo presente no alcatrão mineral.Ciclo de vida e dietaDurante o acasalamento, o besouro macho deposita um saco de esperma no tracto reprodutivo da fêmea, onde os ovos são fertilizados. Embora as escolhas possam diferir consoante as espécies, as fêmeas de besouro-bombardeiro costumam pôr os seus ovos em vegetação húmida e em decomposição, onde as suas larvas semelhantes a vermes eclodem.As larvas passam por uma série de mudas enquanto crescem, antes de alcançarem a fase adulta. Chegadas à idade adulta, sobrevivem apenas algumas semanas e costumam preferir alimentar-se de insectos jovens, embora também comam detritos. O besouro-bombardeiro consegue navegar e caçar presas através de uma combinação de visão e tacto, utilizando as antenas e os pêlos sensíveis que revestem o seu corpo para captar vibrações.Em termos ecológicos, funcionam como predadores e necrófagos, mas o facto de consumirem detritos faz com que também ajudem a decompor a vegetação. Muitas espécies de bombardeiros preferem micro-ambientes húmidos e podem ser frequentemente encontrados em baixo de troncos e de folhas mortas.Todos os besouros-bombardeiros pertencem a uma de duas subfamílias de besouros denominadas Brachininae e Paussinae, com mais de 50 géneros na totalidade.O estatuto de conservação do besouro-bombardeiro não foi avaliado e ele não costuma ser considerado vulnerável. A ordem dos besouros, Coleoptera, é a mais diversificada do mundo dos insectos, com mais de 350.000 espécies.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Dentro do mundo sofisticado dos funerais viking

A primeira imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em vikings, poderá ser a de um guerreiro barbudo empunhando um machado, mas por trás de todo o sangue e glória, existe uma cultura que ainda está envolta em mistério, sobretudo no que diz respeito à morte.Para os nórdicos, o Além não era um sítio único e unificado. Era composto por diferentes mundos espirituais. Alguns guerreiros mortos em combate iam viver para Valhalla, ou Valhöll em Nórdico Antigo, também conhecido como “o salão dos mortos”. Ali, os guerreiros lutavam e comiam interminavelmente, enquanto esperavam que o deus Odin os chamasse para o Ragnarök, o fim catastrófico do mundo. Outros guerreiros viviam em Folkvangr, o “campo do exército”, governado pela deusa Freya. O Além mais comummente retratado era Hel, um submundo frio e enevoado governado pela deusa Hela. Ao contrário do inferno cristão, o Hel não era um espaço de castigo, mas de estagnação. As crenças viking estavam imbuídas de uma forte noção de wyrd, ou destino, controlado pelas nornas, três tecelãs míticas que teciam o destino dos deuses e dos seres humanos.Estes mundos do Além nem sempre eram o destino final depois da morte, pois os vikings acreditavam que a alma não era singular e poderia ser fragmentada: uma parte poderia permanecer no monte funerário, enquanto outra poderia juntar-se aos antepassados e uma terceira parte poderia renascer num descendente. Aquilo que é claro é que os vikings demonstravam uma preocupação constante com uma transição suave entre esta vida e a próxima.Uma variedade de práticas funeráriasOs vikings desenvolveram ritos funerários complexos em torno destas crenças. Sítios arqueológicos espalhados pela Escandinávia e mais além revelam um conjunto de costumes funerários, embora os investigadores ainda estejam a tentar completar o quadro.A característica mais notável dos ritos funerários viking é a sua grande diversidade. Tanto a inumação como a cremação são comuns, mas os investigadores suspeitam que possa ter havido outras práticas, mais difíceis de averiguar, como espalhar cinzas ou depositar corpos na água.Um elemento notável dos enterros viking é o monte construído sobre o local da cremação. Estes montes assumiam todos os tamanhos e formatos. O chamado Monte Real era gigante, enquanto outros mal eram perceptíveis. Os montes poderiam estar sozinhos na paisagem ou formar conjuntos. Alguns estavam assinalados com menires ou rodeados por círculos de rochas e outros não dispunham de qualquer decoração.Em baixo dos montes, os mortos eram postos a descansar, juntamente com alguns pertences que deveriam acompanhá-los para lá do túmulo – roupa, armas previsões para a viagem que tinham pela frente, animais sacrificados e, ocasionalmente, seres humanos sacrificados.No entanto, não existe nenhum padrão constante na forma como os bens funerários eram colocados nas culturas viking, embora a sua intencionalidade seja evidente. Os itens poderiam ser colocados junto à cabeça, aos pés ou ao lado do corpo e a inclusão ou posicionamento de objectos como armas, ferramentas ou restos de animais variava frequentemente segundo a região, o período cronológico e o estatuto ou género do falecido.Navegando para o alémO barco funerário destaca-se como uma das práticas mais típicas dos vikings, embora não fosse a mais comum. As evidências arqueológicas mostram que este tipo de enterro envolvia rituais elaborados, que duravam provavelmente dias ou até anos. As cerimónias deveriam incluir grandes quantidades de álcool, música, sacrifício de animais e, por vezes, até a violação e sacrifício de pessoas escravizadas.Em alguns casos, havia exibições de armas e eram recitados feitos heróicos para homenagear o morto. Sopravam-se cornos e os skalds (poetas) actuavam. Segundo Ahmad ibn Fadlan, um viajante e diplomata do Califado Abássida que assistiu a um funeral viking no século X, os enlutados bebiam bastante e cantavam. “Porque eles [bebem] desenfreadamente, dia e noite, e, por vezes, um deles morre com o copo de vinho na mão.”Uma pira funerária A cremação, que exigia um calor intenso, era uma prática funerária comum na época viking e construir uma pira funerária capaz de arder a temperaturas elevadas era uma competência valorizada. O fogo propriamente dito era fundamental para o ritual: simbolizava a energia poderosa necessária para libertar a alma do falecido e muitos acreditavam que o fumo transportava a alma para o Além. As cremações costumavam ser realizadas no local onde o corpo seria enterrado ou perto deste. Os montes funerários eram mais do que meros memoriais. Simbolizavam frequentemente estatuto e designavam a propriedade da terra.Estudos arqueológicos revelaram que os funerais em barcos viking incluíam frequentemente pormenores muito para além de uma simples inumação. Um dos navios funerários viking mais impressionantes encontrado até à data é o Oseberg, na Noruega. Enterrado em 834 d.C. em baixo de um monte, continha os restos mortais de duas mulheres, que ali foram depositadas, no seu descanso eterno, com sumptuosos bens funerários e um grande número de animais sacrificados: pelo menos 15 cavalos e seis cães decapitados e a cabeça de um boi colocada em cima de uma cama. Foram colocados mais animais sacrificados em redor do barco.Entalhes pormenorizados na proa e na popa do navio representam serpentes entrelaçadas e figuras mitológicas, simbolizando protecção para o morto na sua viagem até ao Além: a colocação de restos de animais, como cavalos, cães ou bois, era altamente ritualizada, reflectindo crenças no papel por eles desempenhado enquanto guias espirituais, ou sacrifícios para assegurar uma passagem segura para o outro mundo. Bens funerários, como armas de fabrico requintado com incrustações decorativas e peças importadas, eram dispostas com cuidado – em alguns casos, alinhadas com os pontos cardiais, indicando um simbolismo cósmico. A postura dos corpos, sentados ou deitados com os braços estendidos, parece simular um estado de prontidão para viajar ou comandar, reforçando o tema da viagem para além da morte.Havia navios funerários de todos os tamanhos e formatos. Por vezes, era construído um monte em cima deles. Em alguns casos, em vez de enterrar um barco inteiro, alguns pedaços de madeira provenientes de embarcações eram colocados no túmulo ou eram dispostas pedras à superfície de modo a sugerir o formato de um barco. Os corpos eram enterrados numa variedade de posições: sentados, deitados de lado ou, ocasionalmente, posicionados como se estivessem a segurar o leme de um navio. Enterros personalizadosAs tradições funerárias viking atraíram muita atenção da parte dos arqueólogos devido aos seus impressionantes montes e embarcações funerárias. Contudo, compreender o significado destas tradições continua a ser um desafio para os investigadores. Com base em análises recentes da antiga tradição literária nórdica, dados etno-históricos e evidências arqueológicas, o arqueólogo Neil Price propôs uma interpretação original que tenta explicar o facto de não existirem duas sepulturas viking exactamente iguais.Price sugere que os funerais viking eram espectáculos personalizados, moldados pela história do falecido. Numa cultura com uma tradição oral rica – na qual as sagas, os versos skáldicos e os Edda (uma colecção de poemas e prosa) preservaram a história e os mitos – os funerais poderiam ser um derradeiro acto narrativo.Os bens funerários aludem frequentemente a essas narrativas. Foram encontradas peças de um jogo semelhante a xadrez em alguns enterros, provavelmente simbolizando a mente estratégica do falecido ou as suas capacidades enquanto guerreiro. Noutras sepulturas, bens importados, vidro franco ou moedas árabes sugerem ligações comerciais de longa distância. No navio funerário de Gokstad, descoberto na Noruega, datado do século IX d.C., escudos e até uma tenda foram enterrados com o morto, assinalando a sua habilidade marcial e prontidão para a vida no Além. Price argumenta que, embora haja uma tendência geral, cada enterro conta com um acontecimento singular com a intenção de homenagear o falecido.Os navios SalmeAlgures entre 650 e 750 d.C., um bando de guerreiros de Mälaren, da região centro-leste da Suécia, partiram numa expedição pelo Mar Báltico. Chegaram à ilha de Saaremaa, localizada num estreito essencial para as rotas marítimas. Não sabemos se a viagem foi empreendida com objectivos militares ou diplomáticos, mas aquilo que aconteceu na costa estónia foi inegavelmente violento: muitos vikings perderam as suas vidas. Os sobreviventes arrastaram dois navios ao longo de algumas centenas de metros rumo ao interior, onde se encontra a actual aldeia de Salme. Enterraram-nos ali, a pouco menos de 40 metros um do outro, e, com eles, os corpos de mais de 40 camaradas mortos.A maioria dos homens eram altos e jovens, em média com 1,73 metros de altura, e muitos tinham marcas de feridas causadas por lâminas. Uma análise de ADN revelou que quatro dos mortos eram irmãos. Em Salme I, sete homens foram provavelmente colocados numa posição sentada; em Salme II, 34 foram empilhados em quatro camadas, algumas das quais separadas por areia.Os funerais foram realizados com um espantoso nível de formalidade. Isto indica que os mortos foram enterrados em conformidade com os costumes vikings, sem preocupações de que os bens funerários pudessem ser saqueados por inimigos. A inumação ordeira e ausência de saque sugere que os sobreviventes tiveram tempo de se dedicarem aos seus ritos sem temerem interrupções.Os navios Salme são a mais antiga evidência arqueológica de navios escandinavos usados para a guerra na região oriental do Báltico. Os navios foram construídos com tábuas sobrepostas, fixadas com rebites de ferro. Os escavadores recuperaram mais de cem pontas de seta à volta do casco, muitas das quais estavam presas na madeira do navio – proporcionando raras provas físicas de uma batalha naval.Espadas e sacrifícios deSalmeOs corpos dos guerreiros foram cuidadosamente colocados no interior dos navios e cobertos com grandes escudos redondos de madeira e tecido (provavelmente cortado das velas). As espadas dos falecidos foram colocadas a seu lado; algumas foram dobradas ritualmente. Os bens funerários foram colocados ao lado dos mortos e eram maioritariamente de estilo escandinavo. Incluíam pentes ornamentados em haste de veado, pequenos cadeados, contas, pendentes feitos de caninos de ursos, placas de bronze e ferro e pontas de seta. Também foram encontrados restos de ossos de vários animais sacrificados durante o funeral, nomeadamente ovelhas, porcos, vacas e vários cães. Um dos cães foi decapitado, enquanto o outro foi cortado ao meio.Os navios viking de SaaremaaEm 2008, trabalhadores que abriam valas para instalar cabos eléctricos na aldeia de Salme, na ilha estónia de Saaremaa, encontraram ossos humanos e alguns objectos que não conseguiram identificar. Inicialmente, pensaram que fossem os restos mortais de um soldado morto durante a Primeira Guerra Mundial. Contudo, a arqueóloga Marge Konsa apercebeu-se de que eram muito mais antigos, remontando à época viking. Estudos mais aprofundados revelaram os restos de um navio, actualmente conhecido como Salme I. Dois anos mais tarde, o arqueólogo Jüri Peets encontrou um segundo navio viking enterrado a pouco menos de 40 metros de distância. Os dois navios chegaram à Estónia há cerca de 1.300 anos, transportando guerreiros que nunca regressaram a casa.Igualmente descobertas nos navios de Salme, espalhadas entre os corpos, havia mais de 300 peças de um jogo chamado hnefatafl. Trata-se de um jogo de estratégia semelhante ao xadrez. As peças eram feitas de osso de baleia e marfim de morsa. Uma das peças é particularmente interessante. Foi encontrada em Salme II e fora colocada dentro ou junto à boca de um dos esqueletos mais decorados. Essa peça representa o “rei” no hnefatafl. Os investigadores presumem que tenha sido um gesto deliberado, com a intenção de realçar o estatuto elevado deste indivíduo em relação ao resto do grupo.Estudos em cursoO jogo de tabuleiro viking hnefatafl tem uma conotação inegavelmente militar. Jogado num tabuleiro quadrado, coloca uma força defensiva mais pequena, liderada por um rei posicionado no centro, contra um grupo maior de atacantes. O objectivo era conduzir o rei em segurança até à borda do tabuleiro sem ser capturado pelo inimigo. O jogo não era um mero entretenimento: reflectia tácticas de batalha e poderá ter sido utilizado como ferramenta para ensinar raciocínio estratégico. Foram encontrados tabuleiros e peças em enterros de indivíduos do estatuto elevado, sugerindo que a mestria do jogo estava associada à liderança a inteligência e à habilidade marcial. O “rei” encontrado no enterro de Salme II poderia ser um aviso, simbolizando as consequências desastrosas do fracasso na guerra. Neste caso, o rei vencido nunca alcançou a borda do tabuleiro.De entre os milhares de sepulturas da época viking que se conhecem actualmente, os navios de Salme destacam-se pela riqueza de informação que nos proporcionam, não só devido à forma como aqueles guerreiros morreram, mas pela forma como foram enterrados. Os arqueólogos continuam a estudar meticulosamente os navios de Salme e têm feito novas descobertas, como as 50 sepulturas viking desenterradas na aldeia dinamarquesa de Åsum em 2024. Analisando artefactos, restos de esqueletos, contextos funerários, experiências de combate e memórias culturais de guerreiros viking, trazem à superfície as formas sofisticadas como estas sociedades homenageavam e recordavam os seus mortos.Preparando-se para uma longa viagemA ilustração acima representa um enterro típico num navio viking, seguindo o modelo do famoso sítio de Oseberg, na Noruega. O navio encontra-se “atracado”, com uma corda presa a uma pedra, simbolizando a forma como estaria seguro estivesse a flutuar na água. Os arqueólogos desenterraram os restos mortais de 15 cavalos e seis cães no local. Os animais foram sacrificados ou decapitados ritualmente para ajudar a libertar a alma do falecido. Em seguida, os seus restos foram colocados no interior do navio, ao lado do corpo de uma mulher de estatuto elevado, uma segunda mulher e uma colecção luxuosa de bens funerários. O navio inteiro foi posteriormente enterrado em baixo de um grande monte. Os arqueólogos continuam a não saber se o monte foi construído antes ou depois da realização dos rituais funerários.Esta reportagem foi publicada na edição de Novembro/Dezembro de 2025 da revista História da National Geographic (EUA).

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CSI Cretácico: Uma quinta com fósseis de répteis dá-nos novas pistas sobre como os dinossauros morriam

Num luminoso dia de Abril de 2023, Hannah Maddox conduziu 13 horas desde Knoxville, no Tennessee, até um posto de investigação do Serviço Geológico dos Estados Unidos no Parque Nacional dos Everglades, junto à saliência meridional do estado da Florida. A sua missão era simples: recolher 30 tegus argentinos, pretos e brancos, mortos e congelados, abatidos selectivamente no âmbito de um esforço para conter a propagação destes lagartos invasores. No ano seguinte, repetiu a viagem para recolher outros 30.“Fiz duas piscinas de ida e volta até aos Everglades”, diz, rindo-se. “E agradecemos-lhe por isso”, diz a paleoecologista Stephanie Drumheller-Horton, que pediu a Maddox, uma aluna de pós-graduação da Universidade do Tennessee, que fosse buscar os tegus.Os tegus são animais de estimação adoráveis, mas membros destrutivos da comunidade dos Everglades. “Comem tudo o que apanham, incluindo grupos de animais protegidos”, diz Drumheller-Horton. No entanto, não foi o apetite dos répteis que os tornou interessantes para ela.O tegu cumpre dois requisitos para uma experiência invulgar que Drumheller-Horton e Maddox estão prestes a iniciar em Knoxville. Em primeiro lugar, a adorável espécie invasora tem um “formato de lagarto bastante genérico”, diz Drumheller-Horton e, em segundo, está disponível. Ela não queria matar animais para realizar os estudos e os investigadores do USGS concordaram em congelar, armazenar e doar os animais mortos.Num dia húmido de Maio, eles colocaram os lagartos mortos, a descongelar, numa caixa de pouco maior do que um caixão, uma estrutura de madeira tratada com cerca de 60 por 120 centímetros de comprimento, revestida com tela de arame. Desde então, à medida que as estações se sucedem, Drumheller-Horton e os seus alunos têm estado a ver as criaturas desfazerem-se – um processo que nunca tinha sido estudado tão de perto anteriormente. Estes tegus irão ajudar a responder a uma pergunta científica essencial: como se decompõem os répteis?É uma grande lacuna no nosso conhecimento sobre o inexorável programa de reciclagem da natureza, o qual tem grandes ramificações: fisicamente grandes, mas também cientificamente grandes. Uma descrição pormenorizada da forma como os lagartos contemporâneos se decompõem também poderá contribuir para revelar como os lagartos antigos se tornaram fósseis.Os répteis em decomposição poderão resolver vários dos maiores mistérios da paleontologia, desde a razão pela qual alguns fósseis conservam tecidos moles frágeis que, de outra forma se deveriam ter decomposto, até porque tantos dinossauros perderam a cabeça ou assumiram a clássica “pose de morte” – uma posição relativamente comum na qual a cabeça do dinossauro ou da ave se arqueia violentamente para trás e a cauda se encurva sobre o corpo. Há décadas que esta posição alimenta debates vigorosos e os investigadores já apresentaram inúmeras explicações para o fenómeno, desde a força da água deslocando-se sobre a zona, até condições neurológicas ou contracção de ligamentos. Saber como o animal ficou nesta posição pode fornecer pistas sobre a forma como morreu.Drumheller-Horton suspeita que não exista uma explicação que exclua as restantes para algumas destas perguntas em aberto. Enquanto experimentalista, porém, ela acha que a melhor forma de compreender o processo de morte dos répteis poderá ser vê-lo desenrolar-se em tempo real.A morte dos répteis continua a ser um mistérioSabemos, em traços largos, como a matéria vegetal se decompõe, como uma série de vermes, escaravelhos, milípedes, bichos-de-conta e outros insectos separam tudo em pedacinhos. Depois, os fungos e outros micróbios encontram, consomem, digerem e reutilizam as moléculas de nitrogénio e carbono, disponibilizando-as para outras plantas e animais. Também conhecemos a sequência geral de como os seres humanos se decompõem e como isso se alinha com a estação da morte, a disponibilidade de insectos e o clima. Os antropólogos forenses fizeram esse trabalho de descodificação de um cadáver em decomposição para aprender como, quando e onde uma pessoa morrera – e se ocorrera algum crime.Grande parte do trabalho inicialmente desenvolvido na área envolveu experiências nas quais porcos em decomposição eram deixados em ambientes naturais para apodrecerem. Ao longo do último meio século, estudos mais pormenorizados emergiram de “Quintas de Corpos”, centros de investigação onde os cientistas estudam a decomposição de corpos de dadores humanos. O primeiro foi o Centro de Antropologia Forense da Universidade do Tennessee, criado no início da década de 1970. Actualmente, existem muitos, inclusive o Laboratório de Antropologia Forense, em Coimbra.Mas sobre répteis? Os cientistas sabem muito pouco, diz Drumheller-Horton. Seja qual for a teoria que proponham sobre a decomposição dos répteis – incluindo dos dinossauros –, é derivada de trabalhos realizados com mamíferos. “É tudo focado nos mamíferos”, afirma, ligeiramente desesperada. “O que não tem problema nenhum. Eu compreendo. Vivemos na época dos mamíferos.”No entanto, como é evidente, os mamíferos e os répteis não são biologicamente idênticos e esse foco estreito deu origem a pontos cegos na investigação, nomeadamente no conhecimento da forma como o organismo se decompõe. Há algumas décadas, muitos cientistas presumiam que tecidos moles como o sangue, o músculo e a pele se degradavam demasiado depressa para serem preservados durante a fossilização. Isso mudou em 2005, quando a paleontóloga Mary Schweitzer, da Universidade Estadual da Carolina do Norte, relatou a identificação de vasos sanguíneos num fóssil de T. rex. Esse trabalho deu origem a uma busca por tecidos moles preservados e fomentou o interesse científico na forma como estes se alteravam durante a fossilização.Ainda hoje, “em paleontologia, na maioria das vezes, encontramos as partes duras” da criatura, diz Drumheller-Horton. “Começamos por aí, em vez de vermos como o tecido mole interagia efectivamente com aquilo.”A sua experiência com os tegus em decomposição explora a questão a partir de outro ângulo, acompanhando as alterações dos tecidos moles – e todos os outros tecidos – à medida que os répteis mortos se decompõem. Segundo ela, isto poderá ajudar a mostrar o estado final dos tecidos moles nos fósseis antigos.Schweitzer acha que as experiências como da quinta de corpos de tegus são fundamentais para resolver o mistério dos tecidos moles. “Há uma série de factores em jogo que não temos capacidade para testar no registo fóssil”, afirma, que podem ser explorados numa experiência em tempo real como a realizada por Drumheller-Horton.De dentadas a enterros No início, em 2017, a caixa negra dos répteis em decomposição foi um obstáculo para Drumheller-Horton.Durante a maior parte da sua carreira científica, o seu trabalho não se focara na decomposição recente, mas na tafonomia, a disciplina que estuda como as coisas vivas se tornam fósseis, nome derivado da palavra grega para “enterro”. Nas comunidades da paleontologia, ela tornara-se uma especialista sobre dentadas em fósseis, revelando quem caçara quem, e utilizando esse conhecimento para identificar novas espécies. “É uma boa forma de falar sobre alimentação e comportamento e como reconstruímos as cadeias alimentares e coisas desse género”, diz ela.Em 2017, recebeu, subitamente, um telefonema do paleontólogo Clint, do Levantamento Geológico do Estado de Dacota do Norte. “Ele disse-me: quero convidá-la para trabalhar num projecto, mas não lhe posso dizer o que é antes de aceitar”, recorda. “Alguém mordeu alguém”, pensou para si própria.E era verdade: alguém mordera Dakota, um dinossauro com bico de pato bem preservado chamado Edmontosaurus, descoberto em 1999 com vestígios de pele e unhas, na formação de Hell Creek, no estado do Dacota do Norte. Os seus tecidos moles excepcionais inseriram Dakota na categoria dos fósseis raros conhecidos como “múmias de dinossauro”, na qual impressões fossilizadas da pele ou outros vestígios de tecidos moles envolvem o esqueleto do animal. O fóssil também preservara marcas reveladoras de dentadas na cauda e no braço.Quando Drumheller-Horton entrou em cena, descobriu provas daquilo que os antropólogos forenses chamam uma lesão de “degloving” (“descalçar uma luva”), que significa que a pele fora esfolada e virada do avesso. A dentada também chegara ao osso. Por fim, ela descobriu evidências de que, pelo menos, dois predadores tinham deixado a sua marca em Dakota.Em seguida, os cientistas examinaram um pé que parecia suspeitamente esvaziado – sobretudo tendo em conta quanta massa muscular o dinossauro precisaria de ter para se pôr em pé e correr a quase 50 quilómetros por hora. A pata de dinossauro esvaziada parecia familiar, semelhante aos fenómenos de esvaziamento que elas já tinham observado em corpos humanos na Quinta de Corpos da universidade, causada por microrganismos durante a decomposição. Isso significava que, não só alguém tentara comer Dakota, como era provável que, após a morte, Dakota tivesse ficado exposta aos elementos durante um período de tempo considerável. Até à data, a maioria dos paleontólogos teorizavam que os tecidos moles só ficavam conservados se o dinossauro morto fosse enterrado ou se secasse imediatamente após a morte, impedindo os micróbios de devorarem as partes moles. Contudo, a pele de Dakota não estava inteiramente decomposta.“Foi isto que manteve esta discussão viva”, diz ela. “Nós usamos um termo, múmia de dinossauro, que faz com que pareça existir apenas uma receita. Agora estamos a perceber que existem várias maneiras diferentes de obtermos pele de dinossauro … bem conservada”.Boyd comenta que, nos anos volvidos desde a publicação dos resultados sobre Dakota em 2022 foram realizadas mais análises – incluindo TACs –, sugerindo que tecidos moles como a pele podem ser mineralizados juntamente com o osso na presença de óxido de ferro. “Esses tecidos poderão mais comuns do que nos apercebemos no registo fóssil”, afirma. Mas alguém que esteja a tentar preservar um animal com a pele fina e que esteja concentrado nos ossos poderá, inadvertidamente, remover a pele para lá chegar. “É muito difícil reconhecermos o que existe antes de o destruirmos”, diz Boyd.Durante o processo de revisão por pares do seu primeiro artigo sobre Dakota, outros investigadores criticaram a equipa por citar estudos de decomposição de mamíferos para sustentarem novas ideias sobre a “mumificação” de répteis. “Eles diziam que precisávamos de mais trabalho fundacional sobre a decomposição dos lagartos”, diz Drumheller-Horton. “Mas não o temos.”Pelo menos, ainda não. Mas Drumheller-Horton diz que aqueles tegus mortos em decomposição numa encosta do Tennessee poderão vir a preencher algumas lacunas.Construindo uma quinta de corpos de répteisA experiência decorre no topo sossegado de uma colina rodeada por pinheiros altos, situada atrás dos campos de investigação agrícola da universidade. “Somos os inquilinos menos exigentes de sempre”, diz ela. “A nossa filosofia é: não mexam, não aparem a erva”.A caixa com o conjunto original de 30 tegus tornou-se a “caixa de Verão”, enquanto o segundo conjunto de 30 lagartos mortos e congelados obtidos por Maddox em Fevereiro de 2024 povoaram a “caixa de Inverno”. Na Primavera de 2025, elas alargaram o seu conjunto de animais em decomposição, acrescentando-lhe quatro aligátores – um com cerca de 3,5 metros de comprimento, tão grande que teve direito à sua própria caixa – e dois crocodilos anões desmembrados. Os aligátores vieram de um caçador do estado da Geórgia e os crocodilos doados morreram de causas naturais num jardim zoológico.Os répteis em decomposição raramente estão sós. Uma aluna de pós-graduação chamada Hannah Noel, que trabalhava com a microbióloga ambiental Jennifer DeBruyn, vai recolhendo esfregaços de pele e amostras do solo para estudar alterações microbianas e geoquímicas. Todas as semanas, Drumheller-Horton sobe ao topo da colina e corta um dedo da pata de um tegu para medir alterações na pele, na unha e nos tecidos. As amostras são imediatamente ultracongeladas, para evitar a degradação, antes de serem analisadas. Por fim, os dedos são cortados em fatias finas e estudados, a fim de determinar a ordem da decomposição dos tecidos.Owen Singleton, um investigador licenciado da equipa, tem estado a observar as diferenças entre as caixas e descobriu, sem grande surpresa, que os tegus da caixa de Inverno “não estavam a purgar” as entranhas tão depressa como os de caixa de Verão, que tinham sido auxiliados pela actividade dos insectos. Como tal, a decomposição activa – a parte na qual os micróbios internos digerem um organismo de dentro para fora – está a demorar mais tempo e a destruir mais pele. Também observaram que a decomposição demora mais tempo nos crocodilianos, provavelmente devido ao seu enorme tamanho.Pistas sobre a pose de morte dos dinossauros e outros mistériosExiste também a questão da “pose de morte” e das suas origens. Na caixa de Verão, Maddox observara que a pele desidratada parecia puxar a cabeça dos tegus para trás e levantar as suas caudas, sugerindo uma explicação quase mecânica para a pose. (Não encontraram as mesmas evidências na caixa de Verão, o que insinua, mas não prova, que a pose de morte pode ser mais comum em dinossauros que morram em condições quentes.) O próprio processo de decomposição poderá ter contribuído para a forma fossilizada final do dinossauro, mas não da maneira que os cientistas acreditavam antigamente – nomeadamente, removendo os tecidos moles.Observações preliminares estão a esclarecer outros mistérios. As cabeças dos tegus estão a desarticular-se – os ossos estão a cair – mais depressa do que o resto do corpo, em parte porque os insectos têm melhor acesso às cabeças. “Os insectos não dão muito valor à pele. Querem os tecidos moles que se encontram sob esta, por isso vão aproveitar as aberturas naturais do corpo”, diz Drumheller-Horton. “Ou seja, os olhos, o nariz, a boca.”Além disso, as cabeças dos répteis são compostas por um puzzle de ossos que se mantém agregado por tecidos moles e não está fundido numa única massa, como os crânios humanos, o que significa que podem desfazer-se mais facilmente. Essa questão da decomposição rápida pode ajudar a explicar por que alguns fósseis de dinossauro perfeitamente conservados não têm, frequentemente, cabeça.No entanto, em termos gerais, as observações preliminares da experiência não apontam para respostas definitivas sobre as múmias de dinossauros e outros enigmas fósseis, contestando a ideia de que conhecemos o processo. Estão a revirar a ideia de que um processo pode explicar como e quando encontramos fósseis da maneira como os encontramos. “Mas isso é apenas ciência”, diz Drumheller-Horton. “Quando respondemos a uma pergunta, aparecem mais 30 perguntas às quais temos de responder.”O próximo passo do projecto será aumentar, literalmente, a escala, para além das caixas actualmente empoleiradas em cima da colina. “Adoraríamos explorar uma série de outros lagartos”, diz ela, “uma série de crocodilos, tartarugas ou aves e ver o que acontece”. Num futuro próximo, ela vai conduzir colegas e alunos até ao topo da colina para abrir as caixas, agacharem-se, tentarem não respirar muito fundo e cortarem alguns dedos dos répteis para monitorizar a forma exacta como as criaturas se decompõem.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Marco para a conservação do lince-ibérico: conseguem criar embriões desta espécie em laboratório

Aos poucos, o lince-ibérico (Lynx pardinus) está a tornar-se um daqueles casos em que podemos ver em primeira mão o enorme potencial que os humanos têm quando trabalham juntos pelo bem comum.Há apenas 20 anos, restavam apenas 100 exemplares daquele que era considerado o felino mais ameaçado do planeta pela União Internacional para a Conservação da Natureza. Mas a cada ano o censo desses animais foi aumentando e agora estima-se que cerca de 2.000 desses majestosos animais habitam as florestas de toda a Espanha e cerca de 350 em Portugal.Mas, apesar das muitas alegrias, existe um problema muito grave que ameaça a sobrevivência do lince, consequência da escassa população de algumas décadas atrás. Como havia tão poucos animais, a variabilidade genética do grupo actual é muito pequena. Isso significa que a maioria dos linces tem um certo grau de parentesco próximo. Por isso, os conservacionistas estão preocupados porque os linces podem sofrer problemas relacionados com a endogamia.Felizmente, uma equipa de investigação do Museu Nacional de Ciências Naturais (MNCN), do Conselho Superior de Investigação Científica (CISC) e da Faculdade de Veterinária da Universidade Complutense de Madrid (UCM) conseguiu aplicar uma técnica de fertilização in vitro e desenvolver embriões de lince em laboratório. Tudo isto a partir de óvulos retirados de fêmeas mortas em acidentes rodoviários e espermatozóides preservados em nitrogénio líquido. Um feito notável que abre mais uma janela no futuro outrora nebuloso do lince-ibérico.GARANTINDO O FUTURO DA ESPÉCIE ATRAVÉS DA FECUNDACÃO IN VITRO"A nossa investigação traz novas opções para o programa de conservação do lince, pois torna possível a reprodução de animais que não tiveram essa oportunidade, por exemplo, porque morreram prematuramente ou porque têm problemas de comportamento e não acasalam", afirma Eduardo Roldán, investigador do CSIC no MNCN e co-director da investigação. Isto, somado ao sémen armazenado nos biobancos, permite garantir que, caso ocorra uma catástrofe que extermine grande parte da população, será possível contar com novos embriões de linces geneticamente distintos entre si.Mas ainda há muito trabalho pela frente para a equipa. Como indica Ana Muñoz Maceda, autora principal do trabalho. "Agora precisamos desenvolver métodos para transferir esses embriões para fêmeas receptoras, o que sem dúvida contribuirá para aumentar a diversidade genética desta espécie".Ou seja, agora precisam conseguir introduzir esses embriões numa fêmea de lince em idade reprodutiva para garantir que a técnica seja viável e que, de facto, esses embriões possam ser levados a termo. Felizmente, trata-se de uma técnica semelhante à que é realizada em humanos desde os anos 1970, quando um casal que deseja engravidar recorre à fertilização in vitro. Por isso, adaptá-la aos felinos deve ser relativamente simples.O MAIS COMPLICADO É OBTER OS ÓVULOS DO LINCEUma curiosidade do estudo é que a época do ano parece ser um factor vital para o sucesso da reprodução. Como destaca María Jesús Sánchez Calabuig, professora da UCM e co-directora da investigação: "Tivemos mais sucesso quando os óvulos foram recolhidos no Outono e Inverno, que é a época em que os linces se reproduzem. O sucesso obtido, no entanto, está longe de ser ideal, pois é menor do que o que obtemos com gatos domésticos, espécie que usamos como modelo". Por isso, eles precisam continuar a aprimorar a técnica para conseguir criar um número maior de embriões viáveis.Assim, o resto das pessoas interessadas na natureza poderemos continuar a deleitar-nos com notícias como o nascimento dos primeiros linces nascidos em liberdade em Múrcia, o avistamento de um lince branco em Jaén ou a curiosa peregrinação de Secreto, o lince-ibérico que percorreu a distância entre Sevilha e Lleida.Todas estas notícias são fruto de vinte anos de acções conservacionistas e políticas ambientais. Vinte anos de trabalho que estão a dar frutos e que dão esperança tanto ao emblemático felino. Ao adicionar a ferramenta da fertilização in vitro a este arsenal de recuperação de espécies, espera-se "complementar os esforços de conservação e garantir a sustentabilidade genética a longo prazo do lince ibérico", indica Sánchez Calabuig. Esta técnica, é claro, pode ser adaptada a outras espécies, o que com o tempo permitirá retirar das listas de espécies ameaçadas outros membros tristemente famosos das mesmas.

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O que acontece quando um país perde a maioria dos seus lagos?

Numa tarde poeirenta de Agosto, na Anatólia, Niğmet Sezen e Ali Erefe estavam à beira de uma doca em betão com vista para campos de cardos secos e vegetação rasteira, enquanto um vento quente assobiava na planície. Lá ao fundo, havia dois objectos azuis-celeste empoleirados no meio do campo, quase demasiado longe de Niğmet e Ali para eles conseguirem vê-los nitidamente. Mas eles sabiam exactamente o que estavam a ver: barcos a remos abandonados, no meio de uma enorme pradaria, que, até recentemente, fora um lago.O lago de Marmara ocupou, em tempos, uma área de 44,5 quilómetros quadrados na província de Manisa, no sudoeste da Turquia. Os turistas vinham de todo o país para andar de barco nas suas águas, que estavam povoadas por quase 20.000 aves – pelicanos-brancos, gaivinas-dos-pauis, corvos-marinhos, flamingos. Em 2011, porém, o lago começou a secar. Em 2021, perdera 98 por cento da sua área de superfície, dizimando o ecossistema local que dependia da água.Niğmet e Ali são ambos da aldeia de Tekelioğlu, que confinava com o lago. Niğmet pescava nas suas águas, recorda, e comia aquilo que capturava. Aprendeu a nadar no lago de Marmara, quando era criança. A última vez que ali nadou foi em 2018. “Tenho imensas saudades”, diz Ali. “As crianças novas da aldeia não sabem nadar.”Marmara é apenas um dos lagos icónicos da Turquia que estão a desaparecer rapidamente após anos de práticas agrícolas destrutivas e construção de represas. Até à data, 186 dos 250 lagos secaram nos últimos 50 anos, muitos deles encolhendo rapidamente ao longo da última década – um gigantesco desastre ecológico e uma ameaça existencial que não mostra sinais de abrandar. Cerca de 1,5 milhões de hectares de terras húmidas também secaram ao longo desse período. Um relatório recente da ONU relata que a Turquia corre o risco de sofrer uma seca grave até 2030 e que 88 por cento do país corre riscos de desertificação.Alguns lagos encolheram o suficiente para revelar maravilhas arquitectónicas previamente escondidas debaixo de água, incluindo a basílica bizantina deSão Neófito, recentemente visitada pelo papa Leão XIV aquando da sua recente visita à Turquia.As causas são maioritariamente de origem humana e exacerbadas pela seca: há décadas que a água do lago é desviada por barragens para culturas sedentas e projectos de mineração. Por exemplo, parte daquilo que condenou o lago de Marmara foi a abertura, há mais de uma década, de barragem de Gördes, que redireccionou água para fins de rega agrícola. Agora o lago está seco e não há chuva suficiente para voltar a enchê-lo.À medida que os corpos de água doce da Turquia se evaporam – deixando para trás poeiras tóxicas e terra salinizada –, as espécies endémicas também desaparecem. A perda de lagos destrói os ecossistemas delicados em seu redor e tem um impacto negativo nas fontes de alimento e nos padrões de voo das aves migratórias.Há muitos anos que havia sinais de que o lago de Marmara corria perigo. Dicle Tuba Kılıç é o presidente do Conselho de Administração da Doğa Derneği (Associação da Natureza, em inglês), uma organização que trabalha para proteger zonas de biodiversidade essenciais na Turquia, incluindo habitats de aves e terras húmidas ameaçadas. Em 2006, a organização fez uma análise às ameaças enfrentadas pela biodiversidade da Turquia e viu claramente que sítios como o lago de Marmara corriam o risco de secar. Quando a situação acelerou, em 2021, iniciaram uma campanha de comunicação para espalhar a palavra e promover a consciencialização através de comunicados de imprensa, podcasts, redes sociais e da rede pública de televisão.“O consumo de água nunca diminuiu e a agricultura aumentou. E foi por isso que perdemos tantos lagos e terras húmidas”, diz Dicle. “Toda a agricultura começou por usar a água dos lençóis freáticos, que também não será suficiente a longo prazo. Portanto, isto é uma situação de catástrofe, é uma crise hídrica.”Alguns lagos não secaram completamente, mas estão a caminho disso.O lago Eğirdir, na Região dos Lagos, recuou, tornando-se propenso a inflorescências perigosas de algas e mucilagem. O lago Van, o maior corpo de água da Turquia, já encolheu, revelando lixo fabricado pelo homem, resultado de anos de poluição, bem como ruínas antigas que estavam submersas. O lago Seyfe tinha a maior população de flamingos da Turquia, com mais de 200.000 aves, mas recentemente foi aprovado um projecto para construir uma mina de ourojunto ao lago cada vez mais encolhido, apesar de ser um santuário protegido. O lago Sal (Tuz Gӧlü) também tinha uma população de flamingos, mas tornou-se um cemitério quando secou, com o seu leito ressequido coberto pelas carcaças das aves mortas. Na bacia de Konya, no centro da Anatólia,o consumo ilegal e exaustivo do lençol freático está a provocar dolinas enormes. A leste, o lago Kuyucuk encontra-se no limite e as suas populações endémicas de aves – incluindo patos-de-rabo-alçado e patos-ferrugíneos – estão a sofrer com isso.As sementes desta catástrofe foram semeadas há muito tempo, quando a Turquia começou a construir barragens na década de 1950. “Foram iniciados projectos de irrigação de grandes dimensões que faziam parte da agenda de desenvolvimento da Turquia; os projectos de irrigação, as barragens e os canais de rega levam a água das barragens para as terras agrícolas”, diz Uygar Ӧzesmi, fundador da Good4Trust.org, uma organização que promove a sustentabilidade ecológica e um modelo alternativo para a economia de consumo. “Por isso, é um legado daquilo a que podemos chamar a época das barragens.”Essa época prolongou-se até há cerca de dez anos e, embora tenha abrandado, ainda não acabou. Aquilo que está a acontecer aos lagos deve-se, parcialmente, à maturação das represas. A construção de represas perturba os sistemas fluviais e interrompe as suas ligações às terras húmidas, o que faz com que estas sequem aos poucos.“Construímos barragens, sejam sistemas estas permanentes em betão ou temporários, feitas em terra, durante a época da rega e todas estas intervenções hidrológicas pretendem recolher água para fins de irrigação. Quando o fazemos, temos de assegurar o fluxo ambiental exigido pela natureza. No entanto, na maioria dos casos, para satisfazer as necessidades de rega, o fluxo ambiental não é assegurado”, diz Eren Atak, gestor do Programa de Água Doce do World Wildlife Fund (WWF) na Turquia. A organização começou a prever o desastre dos lagos há mais de 20 anos, quando muitos deles começaram a secar de forma dramática. Observaram a tendência que transformava terras húmidas em terras agrícolas, bem como a utilização ineficiente de irrigação por inundação para regar os campos e as projecções das alterações climáticas e da seca para o futuro.Cerca de 77 por cento da água utilizada na Turquia é consumida pela agricultura e as práticas do país têm-se tornado menos sustentáveis e mais exigentes em termos hídricos, segundo Atak e o governo turco. Historicamente, eram cultivadas culturas que exigiam menos quantidade de água – como grão, lentilhas ou trigo –, mas muitos agricultores passaram a plantar culturas mais sedentas, como milho, beterraba e abacate.“Os sítios onde se costumava cultivar grão e lentilhas já não cultivam grão”, lamenta o Dr. Erol Kesici, membro aposentado do corpo docente da Faculdade de Pescas de Eğirdir da Universidade de Süleyman Demirel e fundador do Su Enstitüsü (Instituto da Água). “O grão vindo do Canadá custa 50 liras, mas se tentamos comprar grão cultivado aqui, não conseguimos comprá-lo por 150 liras.”“Para agravar ainda mais o problema, os agricultores abrempoços ilegais para aceder ao lençol freático, em busca de mais fontes de água para os seus campos, à custa das terras húmidas à sua volta. Se os lagos e as terras húmidas não forem alimentados pela sua fonte natural, irão diminuir. Juntando isto à seca persistente que se faz sentir na Turquia, a situação deteriora-se rapidamente. E quando os lagos secarem, diz Uygar Ӧzesmi, “isso significa basicamente morte, não é?”Também existem poucas restrições impostas à mineração na Turquia, uma actividade que exige uma grande quantidade de água doce para funcionar. Em Julho, a Grande Assembleia Nacional Turca aprovou uma proposta que abriu olivais e terras de pasto protegidas à actividade mineira.“Poluímos milhares de litros de água para extrair um grama de ouro”, diz Erol Kesici.Embora os números sejam particularmente desastrosos na Turquia, o problema é global. Em 2023, cientistas da Universidade da Virgínia, publicaram um relatório mostrando que mais de 50 por cento dos maiores lagos e reservatórios naturais do mundo estão a perder água. Segundo esse relatório, cerca de um quarto da população mundial vive na bacia de um lago que está a secar. O mar Cáspio, o mar de Aral, o lago Mead, o Grando Lago Salgado (Great Salt Lake), e muitos outros, em todo o mundo, encolheram de forma significativa, conduzindo a um aumento da aridificação da zona em redor, causando a evaporação de mais água. A qualidade da água diminui, as algas tóxicas florescem e a vida selvagem morre, tudo num ciclo drástico de retroalimentação.Depois de o lago de Marmara secar, a criação de animais na região colapsou. Incapazes de se sustentarem através da agricultura, da pesca ou do turismo, os aldeões começaram a partir. Um homem que permaneceu na aldeia mostrou-nos fotografias do lago no seu telefone: numa dela, está a levantar dois peixes gigantes em frente à vasta massa de água azul, onde agora não existe nada. O edifício branco desgastado que alojava a cooperativa dos pescadores e o mercado do peixe, na margem do lago, foi abandonado, bem como as ruínas de alguma civilização antiga que aqui prosperou há alguns anos. Junto à estrada, ainda existem sinais advertindo os condutores de que estão a entrar na zona da água, cujas letras estão cinzentas, desbotadas pelo Sol. Mas não há água. A sua ausência é palpável, física.Niğmet e Ali sobem até ao cimo de uma torre de observação de aves, a partir da qual se observava todo o lago. Os cartazes que mostram algumas das antigas aves endémicas do lago ainda se encontram na base da estrutura. Lá do alto, ambos tem uma vista perfeita do que foi outrora o lago de Marmara. Ficam ali em silêncio, observando esta terra alterada e vazia.Niğmet tem sido gravemente afectada pelo desaparecimento do lago. Mas ainda tem esperança – tem de ter. A esperança é um baluarte contra o desespero.Observando o leito vazio do lago, “sinto-me morta por dentro”, diz Niğmet. “Os lagos secam e, hoje, isso é um problema nosso. Amanhã é um problema do mundo.”Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Peixe "ilusionista"

Pertencente à família Tetraodontidae, o Canthigaster papua é um peixe de águas tropicais, associado aos recifes de coral, pois prefere a abundância de corais e rochas para se abrigar.Espalhou-se por várias geografias, desde as Maldivas até ao leste da Nova Guiné, passando pelas Filipinas, Palau, a Grande Barreira de Coral e a Nova Caledónia. Embora seja inofensivo para os seres humanos, pode insuflar-se como mecanismo de defesa para afastar os predadores.

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Auto-estrada azul, por Paul Salopek

Paul Salopek, jornalista premiado e explorador da National Geographic Society, embarcou numa viagem de cerca de 39.000 quilómetros no âmbito do projecto Jornada pelo Mundo – Out of Eden Walk. Seguindo as pegadas dos nossos antepassados humanos, envia-nos esta crónica a partir do alto-mar, a caminho da América do Norte. “O mar nunca muda.”Apresento-lhe Wojciech Lechowski. Capitão mercante da costa báltica da Polónia. Irónico. Amigável. Corpulento e de ossos largos, aparentando estar fora de forma, como os oficiais dos navios ficam depois de passarem anos no mar. Lechowski é propenso a este tipo de declarações olímpicas. É um tique de comando lacónico.O que ele quer dizer é o seguinte:Num dia, o vento sopra; no dia seguinte, as ondas do oceano ficam maiores. As correntes do giro subpolar, no oceano Pacífico, rodam apenas numa direcção: em sentido horário. A 50 graus de latitude norte, os tons cinzentos do Árctico – céus metálicos e mares de grafite junto às ilhas Aleutas –congelam todas as outras cores da natureza e irão, provavelmente, fazê-lo até ao fim dos tempos. Contra estas forças primevas de água salgada, os problemas dos humanos parecem volúveis, instáveis, efémeros, insignificantes, até absurdos. O mar nunca muda.Há três décadas, quando Lechowski era um cadete de bochechas macias, os navios cargueiros empregavam pessoas com títulos como “operador de rádio” e “carpinteiro”. Agora, a vida no mar mudou completamente. Foi digitalizada, automatizada e contentorizada. A bordo de navios gigantescos, como aqueles que Lechowski comanda, a tecnologia reduziu o tamanho das tripulações para metade, de mais de 40 para cerca de 25. As comunicações instantâneas alcançam agora todos os horizontes. As grandes empresas comerciais, os reguladores governamentais e até um agricultor ansioso de Hokkaido que está a enviar uma paleta de carne Wagyu para a Califórnia, conseguem facilmente descobrir a posição de qualquer cargueiro no mar, quase ao milímetro, via satélite.Esses indivíduos até poderiam ser capazes de indicar a posição do capitão Lechowski neste preciso instante: em pé, na ponte de comando do Maersk San Vicente, um navio porta-contentores da classe NeoPanamax, que se encontra atracado em Yokohama, no Japão. (Atracado ao cais MC4, para ser mais exacto.) Espreitando por uma janela envidraçada, Lechowski beberica lentamente café de uma caneca branca. Faz tudo assim: de forma calculada, deliberada, cautelosa, como se estivesse a equilibrar o peso morto do navio de 112.224 toneladas sobre os seus ombros. Muito lá em baixo, desdobra-se o convés do navio. Tem um comprimento igual à altura da Torre Eiffel.Gruas de pórtico carregam e descarregam centenas de contentores. Estas unidades de carga semelhantes a caixotes e do tamanho de carruagens de comboio, são empilhadas em torres de 17 contentores nos porões de carga. Exactamente 4.439 contentores, cheios de produtos de consumo, bens pessoais, matérias-primas e componentes de fabrico que ultrapassam a nossa imaginação, irão atravessar o oceano Pacífico rumo à América do Norte. A operação de acondicionamento é complexa e incrivelmente rápida, uma tarefa que demora poucas horas. O computador de bordo ergue uma montanha cúbica de carga numa ordem exacta, para mais tarde ser desmontada, de forma igualmente meticulosa, nos vários portos que se sucederão – Canadá, China, Coreia do Sul e, daqui a dois meses, Japão (de novo). As gruas das docas inclinam-se a uma altura de 30 andares no céu. Abanam contentores de 20 toneladas como se fossem construções de legos.Sou menos do que uma reflexão tardia neste bailado rodopiante, titânico e sobrenatural: um jornalista que atravessa o planeta a pé, deslocando 80 quilogramas de massa a bordo de um navio. Há 13 anos, parti a pé da Etiópia para reconstituir os caminhos percorridos pelos nossos antepassados nómadas da Idade da Pedra. Faço entrevistas. Tomo nota daquilo que vou vendo pelo caminho. Agora que cheguei à última orla da Ásia, acabou-se a terra firme. Por isso, estou a apanhar uma boleia para as Américas a bordo do Maersk San Vicente. As excentricidades da minha viagem não impressionam particularmente Lechowski. Todo o tipo de idiotice é levado pela maré. O mar nunca muda.“Pode usar o nosso ginásio”, diz-me, sem a menor ponta de sarcasmo, “para se manter em forma”.De há três décadas para cá, a vida no mar mudou completamente. Foi digitalizada, automatizada e contentorizada.Olhem para o navio.Pintado do mesmo tom de azul que as piscinas, o casco do navio ergue-se sobre as docas de Yokohama como um maremoto de aço. Em cima das grades do convés, há outra muralha de contentores empilhados: cor-de-laranja, cinzentos e vermelhos. E depois, a uma altura ainda maior: a casa do leme envidraçada que é o gabinete flutuante de Lechowski. Semicerro os olhos e ergo-os na sua direcção. O meu capacete de plástico amarelo – um equipamento de segurança exigido pelas autoridades portuárias japonesas – cai da minha cabeça e rodopia no cais de betão.Segundo os mais recentes critérios da engenharia, o Maersk San Vicente é apenas um navio porta-contentores de média dimensão. No entanto, a sua escala – a imensidão fantástica, desproporcional, digna de Willy Wonka, da sua construção – é impossível de apreender com naturalidade.O navio mede 300 metros desde a proa até à popa, cerca de quatro quarteirões urbanos. Se fizer oito circuitos à volta do seu convés, terá completado uma corrida de cinco quilómetros. A sala das máquinas é uma caverna inundada de luz aberta dentro do casco, tão espaçosa como o hangar de um avião comercial. O motor possui um propulsor tão grande como um autocarro escolar. Cada um dos nove pistões do motor é tão alto como um silo de cereais e pesa mais de cinco toneladas. À velocidade máxima, o Maersk San Vicente gera 49.558 cavalos de potência. (Alexandre conquistou a Eurásia com uma cavalaria composta por apenas 6.000 cavalos.) A âncora do navio é mais pesada do que dez automóveis. E por aí adiante.O Maersk San Vicente pertence à segunda maior empresa de navegação do mundo, a A.P. Moller-Maersk, com sede em Copenhaga, sendo por ela operado. É um de pelo menos 57.000 navios mercantes que navega actualmente pelos oceanos.Esta frota internacional – navios porta-contentores, graneleiros, petroleiros, barcaças rebocadas – funciona como os glóbulos vermelhos do corpo económico do planeta. Noventa por cento de todas as mercadorias comercializadas além-fronteiras deslizam sobre a enorme membrana que separa dois fluidos: a água do mar e o ar. Quase todas as coisas importadas que comemos, vestimos, conduzimos, com que decoramos a nossa casa, nos entretemos, nos medicamos, onde enterramos os nossos mortos, que cobiçamos e desprezamos, chegam à nossa vida através de cargueiros. Sem esta caravana aquática, a nossa cultura de consumo contemporânea iria estagnar, encolher e, simplesmente, colapsar.Contudo, os 1,9 milhões de marinheiros que mantêm esta vasta correia de transporte da globalização em movimento permanecem anónimos, não recebendo qualquer reconhecimento, sendo praticamente invisíveis. Onde estão os filmes de sucesso cuja história decorre na casa do leme? Onde estão as cantigas de marinheiros dos porta-contentores? Os livros campeões de vendas sobre a marinha mercante? Os memes náuticos?“Os meus amigos, da minha terra, ainda me perguntam se vejo piratas”, diz John Cruz, o cortês imediato do Maersk San Vicente. Cruz coloca uma mão sobre um dos olhos, imitando a pala de um pirata. “É de doidos. Ninguém compreende o nosso mundo.”Cruz é um romântico. Quatro dias depois de sairmos de Yokohama, leva-me até à ponte de comando lateral do navio, um passadiço exposto bastante acima do convés. Com os braços afastados, como se estivesse no cume de uma montanha, o cabelo empurrado para o lado por ventos de 30 nós, ele segura num sextante antiquado que foi buscar a uma gaveta. Quer mostrar-me como os marinheiros de outrora utilizavam o Sol na navegação celestial. É um gesto de memória, um piscar de olhos a uma tradição náutica anterior ao radar meteorológico Doppler, à gestão corporativa, à navegação por GPS, às mensagens trocadas através do Facebook e à fantástica máquina de karaoke que ecoa na sala de recreio da tripulação. Mas esta nostalgia é supérflua. Porque a magia da água impera. O mar nunca muda.“Os meus amigos, da minha terra, ainda me perguntam se vejo piratas”, diz John Cruz, o cortês imediato do Maersk San Vicente. “É de doidos. Ninguém compreende o nosso mundo.”Nessa noite, no meu camarote espartano, fico acordado – a ouvir.Milhares de contentores esfregam-se uns nos outros dentro dos porões. Gemem e guincham contra as divisórias de aço numa sinfonia lúgubre, de baixos decibéis, à medida que o navio avança sobre uma planície de água. Talvez fosse este o som de um grupo de dinossauros.Os cartazes de segurança de banda desenhada do Maersk San Vicente mostram mulheres marinheiras. (Não corram nas escadas!) Os vídeos de treino também incluem, respeitosamente, mulheres. Os avisos afixados na sala de convívio da tripulação – uma sala de estar pequena onde é possível encontrar maionese da marca Majesty dos Emirados, doce de groselha Sun Dip do Paquistão, bolachas de água e sal Skyflakes fabricadas nas Filipinas e embalagens paleolíticas de Nutella italiana – advertem severamente contra práticas de assédio sexual.No entanto, não há mulheres a bordo do cargueiro.Com efeito, apenas 7 por cento da força laboral da A.P. Moller-Maersk é feminina. E parece que até este número desolador é uma pequena vitória. Apesar de anos de falta de mão de obra e esforços de recrutamento direccionados, menos de 2 por cento dos marinheiros da indústria mundial são mulheres. Proporcionalmente falando, existem mais mulheres a martelar ferro, no ofício da metalurgia, do que tripulantes da marinha mercante aos solavancos no mar. Tradições enraizadas, problemas de segurança, discriminação de género teimosa: o oceano continua a ser um enclave profundamente masculino.Vinte e um homens operam o Maersk San Vicente.As suas idades variam entre os 20 e os 50 e tal anos. Os seus passaportes reflectem a mudança que a indústria sofreu no pós-guerra, passando a recrutar em geografias onde a mão-de-obra era barata: Filipinas, Índia, Polónia, China. A tripulação poliglota comunica na mesa da messe em Seaspeak, uma versão nómada e abreviada de inglês. (Sendo eu um nómada com alianças questionáveis, sinto-me em casa ao lado deles.) Assinam contratos de trabalho com três a nove meses de duração. O ambiente no qual vivem a bordo é menos parecido com um acampamento de homens destemidos do que com uma estação espacial arregimentada. Trabalham, dormem e descontraem dentro de uma enorme fábrica – um armazém – que exige atenção e manutenção constante. As horas do despertar são rigidamente marcadas pelos turnos. O pequeno-almoço é servido às 7h30, o almoço às 11h30 e o jantar às 17h30. Têm direito a duas pausas para café. Conversam com os seus entes queridos através de ligações de WiFi via satélite, mas não podem ver filmes em streaming nem jogar videojogos. Os corredores beges dos conveses dos alojamentos são limpos e permanecem constantemente iluminados. A ordem e os bons modos são cumpridos. A princípio, suspeito que o fazem por eu ser jornalista. Ou talvez devido à educação cultural asiática. Mas dificilmente poderia ser de outra forma. O preço de cometer um erro no mar é quase tão grave e irreversível como em órbita. Eles vivem com o patrão.Na sala de convívio da tripulação, é possível encontrar maionese da marca Majesty dos Emirados, doce de groselha Sun Dip do Paquistão, bolachas de água e sal Skyflakes fabricadas nas Filipinas e embalagens paleolíticas de Nutella italiana. Apresento-lhe Dan John Caballero.Vinte e nove anos. Forte. Motivado. Tão sem rodeios que chega a parecer brusco. É o segundo oficial do Maersk San Vicente. “Quero ser capitão muito em breve”, diz-me, sem rodeios. “Tenho sonhos.”No início da sua carreira, Caballero foi obrigado a abandonar um cargueiro em chamas. Ele lembra-se do fumo e de gritar. E de mergulhar a partir das grades do convés como se mergulhasse do cimo de uma falésia…. Caindo, caindo e caindo até às ondas tumultuosas lá em baixo. Este desastre aconteceu num navio mais antigo, com outra empresa, noutro oceano. Anda a escrever um livro sobre o sucedido. Escreve as palavras no ecrã luminoso do seu smartphone durante as pausas do brutal torno do meio, que dura desde a meia-noite até às 4h00. A cada 12 minutos, um alarme automático soa na ponte de comando escurecida. O som alto abala a escuridão calma do oceano. Caballero levanta-se do lugar do capitão para desligá-lo, uma vez após outra, pressionando um botão vermelho. Serve para manter o homem que se encontra de vigia alerta durante a noite. Caballero é de Cebu, o porto filipino onde Fernão de Magalhães cravou uma cruz antes de ser morto por um golpe desferido por um sabre filipino. Derivado da palavra cebuana sugbú, o nome da cidade significa “mergulhar na água”.Ou apresento-lhe Sagar Pandey.Durante uma década, Pandey filmou anúncios e séries televisivas em Mumbai. Depois, o COVID acabou com os biscates de videografia. O pai era marinheiro. Por isso, aos 25 anos, Pandey enveredou pelo negócio da família. O acordeão da sua testa toca uma canção triste de frustração ao recordar o sucedido.Acompanho Pandey no seu turno. É um marujo encarregado da manutenção do navio: intenso, magro e brincalhão; fala com um tom rápido e divertido. Nas costas das suas jardineiras, o seu nome está escrito com um $ em vez de um S.O navio enorme é umlabirinto de solidão.A sua super-estrutura – seis conveses de corredores revestidos por portas de camarotes, uma cozinha, salas de reuniões para os oficiais, uma lavandaria, uma “loja de bordo” rudimentar que vende refrigerantes e batatas fritas com desconto – dá lugar apassagens industriais vazias, serpenteantes, com tubos de vapor e cabos eléctricos. O tecto acima dos porões de carga fechados é tão alto que desaparece na escuridão. Correntes de âncoras com elos do tamanho do meu corpo encontram-se enroladas e guardadas dentro de cacifos que poderiam facilmente alojar um edifício de dois pisos. Tudo está pintado com cores divertidas: vermelho-sangue, verde-lima, branco-cal. Os tripulantes vestem jardineiras azuis-escuras. Os seus capacetes de plástico são amarelo-fluorescente. É como deambular num quadro elementar de Mondrian que abana subtilmente sob os nossos pés.Pergunto a Pandey sobre os Himalaias de carga que viajam a bordo. É impossível evitar ideias apocalípticas: quanto tempo poderíamos nós, os 22, sobreviver, longe de terra firme, a bordo de um navio do tamanho de um arranha-céus, carregado com toneladas de possibilidades intermináveis – quem sabe, até contentores refrigerados com champanhe? Ou prateleiras com kiwi? Ou paletas de iPhones? Ou carregamentos de areia para gato?“Temos um manifesto”, diz Pandey, encolhendo os ombros, “mas quem quer saber disso? O nosso trabalho é só transportar as coisas”.Ouço esta resposta da boca de outros membros da tripulação. Como se fossem entregadores de encomendas, preocupam-se com o processo.Pandey remove tinta estalada do convés com um descascador a motor. A ferramenta eléctrica faz girar uma escova com agulhas de aço a até 5.000 rotações por minuto, raspando estridentemente as superfícies de metal, naquilo a que Pandey chama “a interminável guerra de um marinheiro contra a ferrugem”. Pandey aplica o seu peso sobre a ferramenta. Faíscas voam. Eu observo-o. Olhando para a sua silhueta contra o horizonte cinzento impecável do Pacífico, ele poderia ser um dos argonautas de Jasão. Ou um monge a bordo da barca de São Brandão. Ou um navegante do Holocénico a remar sobre as ondas geladas da Beríngia. A única profissão humana mais antiga do que esta é a caça-recolecção. Pandey ainda faz filmes: publica no YouTube diários de viagem endiabrados sobre as suas estadias nos portos do Vietname, da Malásia, do Panamá. Graças à eficiência da contentorização, as licenças para ir a terra encolheram de dias para horas.O navio enorme é um labirinto de solidão. A sua super-estrutura dá lugar a passagens industriais vazias, serpenteantes, com tubos de vapor e cabos eléctricos.“As pessoas da minha terra não compreendem os sacrifícios. É como se fosse um filme para eles: Ena, que giro! Olha as tempestades! Mas não é giro. Pode ser bastante duro”, diz ele. “Não vemos a nossa família durante meses. Há tipos neste navio que têm filhos com um ou dois anos. Eu vejo os vídeos deles. Os miúdos desatam a chorar.”Pandey pega num balde e numa escova. Reveste o convés de metal acabado de polir com um verniz sintético, à base de polímero. A substância reconstrói-se quimicamente se for arranhada ou corroída. Os marinheiros chamam-lhe tinta “auto-regeneradora”.Nunca encontraremos o navio mais antigo.Os artefactos que flutuam raramente duram – pelo menos, não à escala das primeiras migrações humanas. Até há pouco mais de um século, a maioria dos navios eram em madeira. Apodreciam até ficarem reduzidos a átomos. Há cerca de 50.000 anos, por exemplo,o Homo sapiens, navegou até à Austrália. Ninguém consegue imaginar como. Talvez numa jangada de bambu. O mesmo raciocínio se aplica os primeiros povoadores das Américas durante um degelo interglaciar ocorrido há mais de 15.000 anos. Um conjunto crescente de provas aponta para dispersões costeiras nas margens ocidentais do continente, talvez inicialmente através de embarcações cobertas com peles, semelhantes aos caiaques dos Inuit.“Sabemos que as pessoas faziam e utilizavam embarcações há 13.000 anos devido à presença dos restos mortais de uma pessoa desse período na ilha de Santa Rosa, no arquipélago das Channel Islands, ao largo da costa do sul da Califórnia”, escreve Jennifer Raff em Origin: A Genetic History of the Americas. “Seria necessária uma embarcação para ali chegar naquela época.”Svante Pääbo, o eminente paleogeneticista sueco, tem as suas próprias perguntas sobre estes mistérios. Dizem respeito às correntes da mente.Os nossos antepassados pré-humanos mais próximos, os neandertais, ficaram perplexos nas praias durante centenas de milhares de anos – é esta a opinião de Pääbo – sem imaginarem, nem se atreverem a atravessar o mar aberto. O Homo sapiens, por outro lado, deve ter utilizado cavalos para levar troncos para dentro de água e remou até horizontes desconhecidos. “Foram os seres humanos totalmente modernos que iniciaram esta coisa de se aventurarem no oceano, até sítios de onde não se vê terra”, diz o galardoado com o Prémio Nobel. “Parte disso é tecnologia, evidentemente: é preciso ter navios para fazê-lo. Mas também existe, como gosto de pensar ou de dizer, alguma loucura. Está a ver? Quantas pessoas devem ter zarpado e desaparecido no Pacífico antes de encontrarem a Ilha da Páscoa? Quer dizer, é ridículo. E por que haveria alguém de fazer isso? Seria pela glória? Pela imortalidade? Por curiosidade?”O Maersk San Vicente é um burro de carga do comércio. Também é uma máquina do tempo.Durante a nossa travessia de 11 dias do Pacífico Norte, atravessamos 17 fusos horários. O que significa isto? Significa que os relógios se tornam instrumentos idiotas. Significa que o próprio tempo se dissolve. Significa que o sono se vai esvaindo.“Não vemos a nossa família durante meses. Há tipos neste navio que têm filhos com um ou dois anos. Eu vejo os vídeos deles. Os miúdos desatam a chorar.”(Sagar Pandey, marujo)Deambulo pelos corredores do navio durante horas. Confuso, de olhos sonolentos, esgotado no meio de uma névoa de neurónios avariados. O meu córtex parietal, o quadrante do meu cérebro associado à percepção do tempo, estica-se como borracha aquecida em quatro direcções.Primeiro, o meu corpo está sincronizado com a hora do Japão. (GMT +9.) Depois, a minha mente está associada a uma avalanche de comunicações profissionais durante o “período diurno”– telefonemas, e-mails, mensagens de texto – relacionadas com o meu destino final, o Alasca. (GMT -9.) Existe ainda a força palpável de uma bolha cronológica chamada “horário do navio”. Segundo cálculos que só ele compreende, o capitão Lechowski adianta os relógios do navio pressionando um botão na ponte. No quarto dia que passamos no mar, ele comprime uma tarde, retirando-lhe três horas; no sexto dia, ele adianta os relógios mais duas horas, etc. Desta forma, a tripulação mantém turnos de trabalho equitativos, à medida que engolimos fusos horários na nossa viagem rumo a leste, em direcção à alvorada. Por fim, temos a realidade diáfana do “tempo natural”. Espreitemos por uma escotilha: a luz ou escuridão marcam a hora, o minuto e o segundo que deslizam sob a quilha na nossa longitude. Numa manhã, estamos no horário das Filipinas. Duas tardes mais tarde, estamos no horário de Vanuatu. Deslizando sobre a Linha Internacional de Data, a 180 graus de longitude, ondulando de pólo a pólo a leste do Hawai, regressamos a ontem.“Sete fusos para leste. Onze fusos para oeste”, graceja Lechowski sobre as suas viagens no Pacífico. “Calculo que já devo estar quatro dias mais novo.”“Foram os seres humanos totalmente modernos que iniciaram esta coisa de se aventurarem no oceano, até sítios de onde não se vê terra”, diz Svante Pääbo, o eminente paleogeneticista sueco que ganhou um Prémio Nobel. Apresento-lhe Ricardo Pascual.Ele mede a vida com um relógio de cozinha. Nascido na pobreza na cidade de Cabanatuan, nas Filipinas, Pascual, de 49 anos, acumula mais de 20 anos como cozinheiro no mar. O seu pai vendia pastéis de peixe e pevides de abóbora salgadas nas esquinas do bairro. A vida no mar conseguiu elevar Pascual à classe média.“Olhe, não é fácil”, explica ele na cozinha de bordo, onde se ouvem os Bee Gees numa aparelhagem à moda antiga e um rolo de massa desliza, para a frente e para trás, em cima de um balcão, marcando o tempo com períodos de 19 segundos, no meio de ondas de três metros. “Temos de satisfazer gostos diferentes. Os indianos não comem carne de vaca, por isso acrescentamos peixe. Nada de porco para os muçulmanos. Temos de saber como misturar ervas e especiarias, sobretudo para os indianos e os europeus. Temos um tipo que é vegetariano”.Coroado com um chapéu de cozinheiro, Pascual detém a segunda posição mais importante a bordo do navio, a seguir ao capitão: oficial da moral. A comida é um refúgio no mar, o grande mitigador. Ele improvisa constantemente novas refeições para lutar contra a rotina. (Enquanto diz isto, despeja uma lata de leite condensado em cima de pedaços de ananás e peito de frango que cozinham em lume lento, preparando um pininyahang manok.) Pascual tem a expressão reservada de um homem profissionalmente endurecido por poucos louvores. Ele deixa restos de salada e bolo. De manhã, o bolo desapareceu.O mar nunca muda.A comida é um refúgio no mar, o grande mitigador. O cozinheiro de serviço improvisa constantemente novas refeições para lutar contra a rotina.Ou apresento-lhe Ramesh Kumar, de 38 anos, o operador de máquinas barbudo do Maersk San Vicente.“Eu conheço a sua terra”, digo-lhe, porque acabo de descobrir um facto improvável: há muitos anos, enquanto me arrastava pela Índia, avistei a terra natal de Kumar, no Thar, um vasto deserto onde as poucas estradas se desenrolam entre tórridos ventos loo, camelos de olhar fixo e dunas de poeira cor de osso.“A sério?”, pergunta Kumar, fingindo interesse.“É espantoso, não é?” Insisto. “Imagine – quais seriam as probabilidades de nós os dois nos conhecermos aqui no meio do Pacífico?”“Sim.”Kumar é um racionalista. Um filósofo. Uma espécie de médico. Passa os seus dias em baixo do convés, fazendo palpitar o coração, com diversas câmaras, do navio. “Na sala das máquinas, temos de saber ouvir”, diz ele. As máquinas têm a sua própria linguagem, a sua própria música: no meio dos tremores ensurdecedores das válvulas, bombas, pistões e volantes de inércia, uma nota em falso anuncia problemas. “Foi a falta de água em casa que me fez vir para aqui”, diz Kumar sobre a sua fuga das secas cada vez mais graves da sua árida terra natal. “E foi esta água toda que me permitiu voltar”.Duas décadas a ganhar salários a trabalhar no mar financiaram a abertura de uma oficina de automóveis de gestão familiar na Índia. Ele espera entregar definitivamente os seus protectores auriculares daqui a cinco anos e ir afinar motores no Thar. Pelo caminho, perdeu os funerais de dois avós e o casamento da irmã.“Noventa por cento daquilo que tenho neste mundo, ganhei-o através deste trabalho”, diz Kumar, friamente. “Mas também perdi muitas coisas. É a vida.”“Sete fusos para leste. Onze fusos para oeste. Calculo que já devo estar quatro dias mais novo.”(Wojciech Lechowski)A marinha mercante continua a ser uma abstracção para os seus consumidores globais.É raro os navios cargueiros entrarem a todo o vapor nos cabeçalhos dos jornais, seja como desastres noticiosos ou amostras de políticas de maior escala. Como os engarrafamentos causados pela COVID. (“Alguns navios ficaram duas ou três semanas à espera de ancorar em Los Angeles”, recorda Lechowski.) Ou as guerras das tarifas de Trump. (Os portos norte-americanos estão actualmente a lidar com declínios comerciais de dois dígitos). Ou os efeitos de dezenas de milhares de motores navios gigantescos na crise climática. (À semelhança de muitas empresas globais de transportes de mercadorias, a Maersk comprometeu-se a reduzir as emissões de gases com efeitos de estufa.) No entanto, o governo norte-americano, afirmando que a crise climática é uma farsa, conseguiu recentemente penetrar nas brechas dos mecanismos internacionais reforçados de aplicação da lei.O Maersk San Vicente desliza rumo a leste sobre o giro subpolar.A corrente contrai-se, como um músculo gigante, no Pacífico Norte, acrescentando mais um ou dois nós à velocidade do navio. O capitão Lechowski “super abranda” os motores em direcção a Prince Rupert, no Canadá. Raramente ultrapassamos os 14 nós, um pouco mais de metade da velocidade máxima do navio. Isto cumpre dois propósitos: reduzir os poluentes e diminuir para apenas 250.000 dólares a factura de combustível deste bunker que atravessa o Pacífico.Certa noite, passamos por uma galáxia de navios chineses de pesca de arrasto de lula. Os potentes holofotes do convés dos navios capturam as suas presas e iluminam as ondas com um estranho tom de verde. A frota de pesca – composta por um grande número de navios – apresenta-se espalhada na escuridão, como uma cidade flutuante.Avançamos sobre o monte marinho de Daiichi-Kashima, um pico que se ergue 3,5 quilómetros acima da planície abissal do oceano – um vulcão afogado. Neste local, a placa do Pacífico desliza sob o manto terrestre à velocidade de um palmo por ano, desencadeando sismos frequentes.Passamos mais um dia a atravessar um funil de fumo cinzento no horizonte setentrional: está a arder um navio porta-contentores de pavilhão liberiano, que transportava 3.000 automóveis. A tripulação abandonou o navio. Outros cargueiros que navegam nas proximidades vão em seu socorro.Avistamos baleias. Aves pelágicas. Uma lua cheia amarela nasce sobre o mar cor de carvão, com o seu brilho reluzindo nas ondas como obsidiana polida.A sul das Aleutas, outra lua nasce durante o dia: uma enorme bola de golfe branca instalada sobre um altíssimo tee quadrangular. A bola é um radar marinho secreto dos EUA: o SBX-1. O tee é uma plataforma petrolífera reaproveitada com propulsão autónoma. A estrutura ergue-se 70 metros acima das ondas.“Não emite qualquer som no espectro de rádio e não aparece no AIS”, diz o imediato Cruz, referindo-se ao sistema de localização global que os navios têm de utilizar a fim de evitarem colisões. Ele suspeita que o radar está a monitorizar o lançamento de foguetes na Coreia do Norte.“Noventa por cento daquilo que tenho neste mundo, ganhei-o através deste trabalho. Mas também perdi muitas coisas. É a vida.”(Ramesh Kumar, marujo)“Não nos aproximamos”, murmura o capitão Lechowski, semicerrando os olhos atrás dos binóculos.Na noite do nosso décimo dia no mar, entramos, finalmente, em águas canadianas.Na ponte de comando, escura como breu, de Lechowski, os ecrãs do radar mostram nébulas electrónicas a aparecer e desaparecer. Sistemas estelares e constelações explodem, dissolvem-se e voltam a surgir nos monitores digitais, um cosmo desenhado por seres humanos que cintila mesmo em baixo dos olhos dos oficiais na ponte. Homens que a seca e a pandemia juntaram. Que a necessidade e o acaso juntaram. Os pontos brilhantes são o topo de milhares de ondas do oceano que reflectem os sinais electromagnéticos do navio. As ondas são passadas a ferro e alisadas pela enorme proa do navio. Nem conseguimos senti-las. Nós viemos prontos para arrasar.A National Geographic Society, empenhada em divulgar e proteger as maravilhas do nosso mundo, financia o explorador Paul Salopek e o projecto Out of Eden Walk desde 2013. Explore o projecto aqui. Siga Paul no Instagram e no X (Twitter). Paul Salopek nasceu nos Estados Unidos da América e foi criado no México. Enquanto escritor e jornalista, visitou mais de 50 países e ganhou dois Prémios Pulitzer pelas suas reportagens sobre a genética humana e a guerra na República Democrática do Congo. Paul já trabalhou como pescador comercial nos oceanos Atlântico e Pacífico, como mineiro de ouro na Austrália, e geriu um rancho de gado no México. Recebeu uma Bolsa Nieman na Universidade de Harvard e leccionou jornalismo na Universidade de Princeton.

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Como decorar a casa de forma sustentável para a quadra festiva? A Sara e a Trisha respondem.

Seja a névoa que se segue a um feriado ou a loucura de comprar presentes em cima da hora, a quadra festiva pode ser um remoinho de consumo. Os resíduos domésticos aumentam entre o Advento e o Ano Novo e um dos maiores culpados podem ser as decorações festivas. Balões de utilização única, confetti, faixas e outras decorações tornam-se lixo e libertam microplásticos, que são uma preocupação crescente para a saúde humana e o ambiente.Mas quem quer pensar em microplásticos quando já está preocupado com obrigações ou cheio de espírito natalício? Até o consumidor com mais consciência ambiental poderá ficar aborrecido com isto.Os cientistas dizem que as decorações festivas merecem ser levadas a sério e que pode ser fácil fazer escolhas mais sustentáveis – por isso, perguntámos-lhes o que fazem.Conversámos com Sara Silva, toxicologista e investigadora de microplásticos na Universidade de Ciências da Saúde, em Lisboa. Durante o Verão, o grupo de investigação de Silva escreveu uma carta argumentando que as decorações deveriam ser consideradas uma fonte grave de poluição por plásticos e incluídas nas negociações em curso para criar um tratado global sobre o plástico. Também falámos com Trisha Vaidyanathan, directora científica da Beyond Plastics, cuja investigação se foca em saúde e poluição por plástico.As respostas foram editadas para fins de clareza e comprimento.National Geographic (NG): Por que razão esta época do ano é tão prejudicial para o ambiente?Sara Silva (SS): Glitter, confetti, balões, a neve falsa que abunda durante o Natal, lanternas de plástico – tudo isto foi intencionalmente concebido para ser pequeno e facilmente disperso. Quando são libertados, estes enfeites são quase impossíveis de recolher e muito difíceis de reutilizar ou reciclar. Por isso, nestas épocas festivas, costumamos ver surtos de plástico no ambiente.Rebentar cem balões, por exemplo, pode libertar até 33 milhões de microplásticos, que é algo que as pessoas podem não ter em mente. E o glitter não está apenas nas decorações, mas também… nos brinquedos das crianças. Isto pode levar à ingestão destas partículas porque as crianças põem tudo na boca.Trisha Vaidyanathan (TV): Queremos comprar mais e mais coisas para criar aquele ambiente festivo no nosso próprio mundo ou comprar presentes para os outros. O plástico pode ser injectado de uma forma desnecessária – e nem sempre foi assim.Quer seja algo uma peça descartável, os embrulhos que utilizamos para os nossos presentes ou decorações de mesa de utilização única… tudo é um reflexo do grande problema [os plásticos].NG: Tendo em conta o foco da vossa investigação, mudaram a forma como decoram a vossa casa para a quadra festiva?TV: Sim, é claro que penso nisso de forma diferente. Penso: ‘valerá a pena ter este homem de neve em plástico em cima da minha lareira, se ele vai durar mais tempo do que eu?’ Esta maneira de reenquadrar as coisas ajuda frequentemente, alterando o nosso estado de espírito para: ‘será que isto me vai trazer assim tanta alegria que vale a pena durar centenas de anos?’No ano passado, fiz flocos de neve com papel velho que já não estávamos a usar… foi muito divertido. Tive a ajuda dos meus primos e da minha família e pusemos os flocos de neve nas janelas da casa.SS: Sim, claro que tento ser mais consciente nas minhas escolhas.[Procuro] grinaldas feitas de papel – gosto de artes manuais, por isso faço algumas. Procuro ideias no YouTube e experimento fazê-las com papel. Estou sempre à procura de novas ideias de decoração.Também leio os ingredientes [quando compro enfeites], para ver se têm polímeros [plástico]… Tento prestar atenção a isso. E tento dar essa informação à minha família!“Quando são libertados, estes enfeites [Glitter, confetti, balões, neve falsa] são quase impossíveis de recolher e muito difíceis de reutilizar ou reciclar. Por isso, nestas épocas festivas, costumamos ver surtos de plástico no ambiente.” (Sara Silva)NG: Já achou difícil ou constrangedor conversar com outras pessoas sobre escolhas mais sustentáveis?SS: Os meus pais são um pouco mais tradicionais no que diz respeito à enfeites, por isso podem ser mais difíceis de convencer. Mas como estão fartos de me ouvir, deixam-me organizar a decoração da casa. Os meus amigos aceitam melhor as minhas sugestões… estão mais receptivos a fazer mudanças.TV: Acho que devo ter-me tornado mais irritante [para a família e os amigos] desde que trabalho nesta área. Mas eu acho que conversarmos com a nossa comunidade é uma forma simpática de o fazer, partilhando o nosso conhecimento, em vez de esperarmos que o leiam na Internet ou algo do género.É importante manter o foco no facilitismo dos resíduos de plástico. Existem coisas que vamos guardar para o resto da vida e talvez transmitir à geração seguinte, mas a verdadeira questão é todo o plástico que vamos deitar fora passado um ou dois anos, ou um dia, ou alguns minutos depois, no caso do papel de embrulho.NG: Existem alguns enfeites específicos que evitem sempre?SS: Se brilhar, costuma ter glitter… e o glitter não só é feito de microplásticos como costuma estar revestido com metais, o que pode aumentar a sua toxicidade.E a neve falsa também é feita de microplásticos, literalmente. A maioria das pessoas não sabe que está a espalhar microplásticos nas lojas e nas suas casas para fins decorativos… Eu não uso neve falsa. Tento fazer essas alterações [nos meus hábitos].TV: Os fios brilhantes costumam ser feitos de PVC [cloreto de polivinilo], que é um dos plásticos mais nocivos… o cloreto de polivinilo é uma enorme fonte de preocupação para a saúde. Os blocos de construção do plástico de PVC são carcinogénicos.E a neve falsa que pomos nas janelas – eu cresci na Califórnia e nós fazíamos isso porque não tínhamos neve verdadeira – é feita de polímeros sintéticos, outro tipo de plástico.O papel de embrulho é algo a que também tenho prestado atenção ultimamente. Embora pareçam papel, muitos papéis de embrulho não são recicláveis porque estão cobertos por uma camada fina de plástico… sobretudo se tiverem glitter ou elementos de alumínio.Além disso, os recipientes que utilizamos para comer ou beber [podem libertar microplásticos]… como um eggnog quente numa caneca de plástico. É algo que me preocupa muito [pela minha saúde].“Os fios brilhantes costumam ser feitos de PVC, que é um dos plásticos mais nocivos… o cloreto de polivinilo é uma enorme fonte de preocupação para a saúde. Os blocos de construção do plástico de PVC são carcinogénicos.” (Trisha Vaidyanatha)NG: No passado mês de Julho, a Sara e três outros cientistas escreveram uma carta, apelando à inclusão das decorações de plástico no Tratado sobre o Plástico das Nações Unidas, que ainda está a ser negociado. Sara, porque achou que era importante incluir as decorações? E porque é importante regulamentar?SS: Vimos que a proposta actual não era muito ambiciosa em termos de peças de decoração. Só referia os balões… e não mencionava a maioria dos plásticos decorativos que utilizamos.Se este tratado global seguir em frente e incluir esta fonte de plástico não essencial – porque não temos de acabar com as decorações de Natal, evidentemente, poderemos ter decorações, mas sem materiais [de microplástico] – será realmente possível fazer esta mudança e reduzir as decorações de plástico.TV: Tenho sempre o cuidado de esclarecer que, embora cada pessoa se deva sentir capacitada a dar o seu melhor e encontrar formas de mitigar [a poluição de plástico], devemos estar zangados com as pessoas que causaram este problema. Este problema foi causado por empresas que vendem enormes quantidades de plástico que conseguem produzir a baixo custo. Precisamos de melhores regulamentos que mantenham essa produção sob controlo e colocar o ónus nas empresas para inverter esta crise.NG: Tem algum conselho para alguém que queira fazer escolhas mais amigas do ambiente nas suas decorações natalícias, mas que não saiba por onde começar?SS: Comece por tentar aos poucos. Não tem de mudar a sua vida e a sua rotina inteira. Até pode ser ano após ano: tente mudar algumas coisas já e talvez mudar outras no próximo ano.E há imensas ideias giras no YouTube e no Pinterest – tente ser criativo!TV: Existem tantas alternativas às decorações em plástico que vemos nas lojas. Eu não faço grandes comemorações natalícias, mas celebro o Diwali [festa religiosa hindu] em Outubro com a minha família. Começámos a usar diyas em plástico e luzes LED e deitávamos sempre tudo fora porque se avariavam ou se perdiam. Acabámos por comprá-las todos os anos porque parecia mais barato, mas, provavelmente, podemos voltar a usar velas, que é como deveria ser.No ano passado, fiz grinaldas de laranja desidratada para a nossa casa e podemos decorar com pinhas, velas de cera de abelha, paus de canela, arandos e grinaldas de pipocas – todas estas coisas existem e já foram usadas no passado. Nós é que temos dificuldades em lembrarmo-nos delas quando estamos diante de uma exposição gigantesca e colorida de peças de plástico produzidas em massa.Não foi assim há tanto tempo que o plástico não era tão omnipresente nas nossas vidas. Por isso, também não foi assim há tanto tempo que conseguíamos ter experiências festivas alegres sem todo este plástico. Temos apenas de nos lembrar quais são as alternativas.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Será que os antigos romanos abandonavam mesmo as pessoas com deficiência?

Existe a percepção popular de que os gregos e os romanos da Antiguidade estavam tão concentrados na força e no poder que abandonavam bebés e membros da sua comunidade portadores de deficiência, deixando-os morrer.Segundo Plutarco, filósofo e biógrafo do século I d.C., os espartanos apresentavam os seus recém-nascidos a um conselho de anciões a fim de serem avaliados. Os bebés que eram considerados “de baixa condição ou deformados” eram expostos aos elementos, para morrerem.Durante os quase dois milénios que se seguiram, tem havido uma percepção generalizada de que as pessoas da Antiguidade tinham atitudes mais brutais para com as pessoas com deficiência. Segundo Martina Gatto, investigadora associada da Universidade de Roma, as consequências deste mito foram graves: sociedades posteriores justificaram a prática de eugenia e o extermínio de pessoas com deficiência, argumentando que os antigos gregos faziam o mesmo. Num discurso proferido em 1929, por exemplo, Hitler louvou a eugenia espartana e a sua política de infanticídio selectivo, aclamando Esparta como “o estado racial mais puro da história”. Como a classicista Debby Sneed, da California State University, em Long Beach, disse à revista Science em 2021, a ideia “foi utilizada para alguns fins bastante nefastos.”No entanto, um corpo crescente de evidências arqueológicas revela que a realidade histórica poderá ter sido diferente do mito. Desde esqueletos encontrados numa cidade romana que mostram como os cidadãos ajudaram pessoas com deficiência a fugirem de um terramoto a enterros dignos de bebés com deficiência, uma nova e mais complexa narrativa começa a emergir.Ajuda durante um desastreUm relatório recentemente publicado sobre escavações relacionadas com mortes causadas por um terramoto na cidade romana de Heraclea Sintica, no sudoeste da Bulgária, sugere que, em vez de abandonarem as pessoas diferentes em momentos de crise, os membros da comunidade trabalhavam activamente para salvar aqueles que não conseguiriam escapar sozinhos de situações perigosas. O estudo, publicado no Journal of Archaeological Science, da autoria das cientistas búlgaras Viktoria Russeva e Lyuba Manoilova, examinou os restos mortais de seis indivíduos que ficaram presos numa cisterna durante um terramoto ocorrido no século III d.C.A descoberta é interessante porque é a primeira vez que se encontram vítimas de um terramoto no local. A análise antropológica dos restos humanos, alguns dos quais estavam apenas parcialmente intactos, revelou que alguns indivíduos padeciam de uma malformação congénita. Utilizando métodos de reconstrução osteobiográfica inventados por Saul e desenvolvidos por outros, como Lauren Hosek e John Robb, as autoras do estudo determinaram que todos os indivíduos (com a possível excepção de um esqueleto que estava gravemente danificado) “eram provavelmente do sexo masculino”. Dois indivíduos eram mais jovens (18 a 20 anos), e os restantes eram mais velhos, com 25 a 35 anos quando morreram.A análise antropológica revelou que um dos indivíduos mais jovens (2N) “padecia de uma condição grave”. Um dos outros indivíduos que ficara preso na cisterna parecia ter lábio leporino. Os restos do indivíduo 2N revelaram uma “variedade de características patológicas”, que seriam graves por si só, mas em conjunto, sugerem uma doença genética rara denominada síndrome de Apert. A síndrome de Apert causa a fusão prematura das placas cranianas, levando a uma formação óssea atípica no rosto, nos pés e nas mãos. Estas diferenças seriam evidentes à nascença e poderiam causar dificuldades na alimentação, na respiração e, possivelmente, na audição, impedimentos na fala e até cegueira. É improvável, escreveram Russeva e Manoilova, que este jovem conseguisse trabalhar e ele até poderia ser ridicularizado devido às suas diferenças físicas. “Aplicando designações modernas, este indivíduo poderia ser considerado uma pessoa com deficiência” e dependeria consideravelmente dos outros, concluem.A localização dos seis restos mortais encontrados na cisterna sugeriu às autoras do estudo que o pequeno grupo estaria a tentar escapar do terramoto quando morreu. “É possível”, escreveram, “que uma das outras vítimas do terramoto encontradas na cisterna estivesse a acompanhá-los e a tentar ajudar a pessoa com deficiência a sobreviver ao desastre”. Embora o estudo incida sobre uma pequena amostra de pessoas, desafia os pressupostos modernos sobre o valor das pessoas com deficiência no mundo antigo.Cuidando de bebés com diferenças físicasE o que dizer sobre os gregos que, segundo Plutarco, teriam descartado bebés com deficiência como este? Mais uma vez, tanto as evidências arqueológicas como literárias sugerem algo diferente. Num artigo publicado na revista Hesperia em 2021, Debby Sneed argumentou que existem evidências generalizadas de que os “pais, parteiras e médicos gregos tomavam frequentemente medidas activas e extraordinárias para ajudar e atender às necessidades dos bebés nascidos com uma série de incapacidades congénitas e físicas”.Sneed referiu evidências encontradas em várias escavações onde foram descobertos restos mortais de bebés que revelaram que, em vez de serem abandonadas, os bebés com deficiência pareciam ter recebido cuidados até morrerem devido a causas naturais. No caso de um bebé com diferenças nos membros superiores encontrado no Poço dos Ossos da Ágora, em Atenas (século II a.C.), ele fora tratado da mesma forma que muitos outros bebés cujos restos mortais foram sepultados naquele local.O local contém os restos mortais de mais de 450 bebés que morreram demasiado cedo para receberem um enterro formal, mas que receberam cuidados antes das suas mortes. Listron, Rotroff e Snyder, as arqueólogas que publicaram o primeiro estudo completo sobre os restos mortais, descrevem as dimensões dos ossos deste bebé em particular como “sugestivos de uma grave anomalia do crescimento que provocou atrofia dos membros.” Esta anomalia teria sido evidente à nascença. Um segundo bebé com deficiência, que morreu com entre 6 e 8 meses, também foi depositado no poço. Listron, Rotroff e Snyder comentaram que a criança, que tinha hidrocefalia, “recebera cuidados durante o período em que teria ficado progressivamente mais debilitada…”Sneed menciona estes exemplos, o uso de biberões enquanto dispositivos de apoio para bebés com deficiência, e diversos exemplos literários de indivíduos com deficiência que sobreviveram até a idade adulta enquanto provas de que os antigos gregos não costumavam abandonar crianças com deficiência, deixando-as morrer. Embora muitos bebés morressem novos e tanto os gregos como os romanos expusessem os bebés aos elementos, o abandono era motivado por vários factores complicados, muitos dos quais eram de origem económica.É incorrecto, diz ela, sugerir que a exposição dos bebés aos elementos fosse motivada primariamente pela sua aparência e deficiência perceptível. Pelo menos um médico grego antigo, escreve Sneed, “valorizava suficientemente os indivíduos com problemas congénitos como pé chato e diferenças nos membros para dedicar tempo de estudo e cuidar deles durante o seu crescimento.”Cuidados, não crueldadeO que tudo isto sugere é que o infanticídio e o abandono não eram a atitude típica perante a deficiência e a incapacidade na Grécia e na Roma antigas. Não há dúvidas de que alguns bebés eram expostos à nascença – tal como acontecia noutras sociedades – e que os filósofos antigos valorizavam muito a sua própria ideia de perfeição física. Alguns autores, como Platão e Aristóteles, escreveram sobre sociedades imaginárias nas quais não existiam deficiências. Mas na prática, e no mundo real, as crianças com deficiência eram criadas e acompanhadas até à idade adulta.A descoberta recente na Bulgária mostra que um bebé que era visivelmente diferente à nascença recebeu cuidados da sua família durante a idade adulta e que, em momentos de catástrofe, algumas pessoas do mundo romano continuavam a ajudar os seus familiares e vizinhos com deficiência. Em vez de abandonar um parente deficiente, cuja incapacidade o abrandava, este grupo esforçou-se para incluí-lo e protegê-lo.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Aquilo que podemos aprender observando 100.000 animais com um nível de pormenor inacreditável

Um satélite recentemente transportado para o espaço por um foguete da SpaceX assinala um passo essencial na monitorização de vida selvagem com um nível inédito de pormenor.O Projecto ICARUS (International Cooperation for Animal Research Using Space – Cooperação Internacional para a Investigação Animal Usando o Espaço) irá monitorizar milhares de animais, desde mamíferos a insectos, em tempo real. O lançamento de Novembro constitui uma fase de teste para um satélite novo e mais ágil, desenvolvido depois de o programa ter feito uma pausa de três anos. Um segundo satélite será lançado em Março, em coordenação com a National Geographic Society. Existem planos para mais lançamentos no futuro.Os cientistas que trabalham no projecto dizem que este não só lhes dirá mais sobre as deslocações dos animais, mas também como essas deslocações podem ajudar a prever tudo, desde a meteorologia à propagação de doenças.“Acho que precisamos de um novo sistema de observação terrestre para a vida”, diz Martin Wikelski, director do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha e explorador da National Geographic Explorer.Wikelski está entusiasmado com a procura de respostas para a longa lista de perguntas que há muito o incomodam, nomeadamente: O que terá acontecido aos 3.000 milhões de aves canoras que parecem ter desaparecido da América do Norte? E o que sentem os animais que os alerta para um desastre iminente? Ainda mais excitante, diz ele, são as respostas para as perguntas que ele e os seus pares ainda nem se lembraram de fazer.“Sabemos que nos dará informações fantásticas”, afirma.O ICARUS 2.0 receberá uma actualização mais leve e mais eficienteA primeira versão do Projecto ICARUS assumiu a forma de uma antena a bordo da Estação Espacial Internacional. Lançado para o espaço em 2020, foi um empreendimento que demorou oito anos, diz Wikelski. Em apenas um ano, a antena observou centenas de animais de 15 espécies diferentes. Os cientistas descobriram que os maçaricos-de-bico-virado, uma espécie de ave, consegue voar, sem interrupções, desde a América Central até ao Texas, e que os cucos podem sobrevoar o Oceano Índico desde a Índia até África.No entanto, quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022, o Projecto ICARUS fez uma pausa devido ao fim de um programa espacial cooperativo entre a Alemanha e a Rússia.“A guerra foi terrível e ainda é, mas fez os nossos engenheiros trabalharem ainda mais arduamente no novo sistema”, afirma.“A antena anterior era um monstro”, diz Wikelski, referindo-se ao seu tamanho original. O novo sistema do ICARUS mede apenas 10 centímetros de comprimento.Está inserida num satélite em forma de caixa – adequadamente chamado CubeSat – que Wikelski descreve como sendo do tamanho de um frigorífico (“um frigorífico europeu”, esclarece). Ele diz que os satélites futuros serão ainda mais pequenos, aproximadamente do tamanho de uma caixa de sapatos.Durante o período de teste deste novo satélite, Wikelski e a sua equipa irão assegurar-se de que o satélite orbita ao longo de um trajecto viável em volta do planeta e que se se liga correctamente aos computadores instalados em Terra.“É quase como um digitalizador com uma única linha de sensores. Vai de pólo a pólo, varrendo todos os cantos da Terra, ao longo de, aproximadamente, um dia, diz Wikelski.Se tudo correr como planeado, a sua equipa planeia lançar outro satélite financiado pela National Geographic Society na Primavera. Em 2027, planeiam ter seis satélites ICARUS a monitorizar animais.Como irá o projecto monitorizar milhares de animaisOs dispositivos alimentados por energia solar usados pelos animais, que transmitirão dados ao Projecto Icarus, pesam entre três e quatro gramas e está a ser desenvolvido um dispositivo com um grama – o peso de um clipe. Para além de registar as coordenadas GPS de um animal, os dispositivos também podem monitorizar a sua saúde, medindo a sua temperatura corporal, e condições ambientais como humidade, pressão atmosférica e aceleração.Ter um dispositivo de monitorização leve e não-invasivo é essencial. Se os animais monitorizados sentirem algum impacto negativo devido ao seu peso ou formato, isso poderá resultar no envio de informações incorrectas sobre a saúde e as deslocações de uma espécie em particular.“Já monitorizámos melros e aves canoras ao longo dos últimos 10 a 15 anos e sabemos que se reproduzem bem”, diz Wikelski. “As aves com um dispositivo sobrevivem um pouco melhor – não sabemos porquê. Talvez os predadores não gostem deles”.Wikelski diz que, no próximo ano, ele e os seus colaboradores planeiam anilhar e monitorizar continuamente entre 5.000 e 10.000 animais, podendo vir a anilhar até 100.000 animais.Wikelski vê potencial no projecto muito além de aprender as rotas e os calendários das migrações dos animais.Por exemplo, poderão os grifos-dos-Himalaias que voam junto aos picos de 8.000 metros da cordilheira contribuir para monitorizar condições meteorológicas perigosas e dar informações aos alpinistas do Evereste? Poderão as cabras que pastam nas encostas do vulcão Etna, em Itália, detectar sinais de uma erupção iminente? Ou poderá o comportamento de diferentes populações de aves de todo mundo ajudar os epidemiologistas a monitorizarem a gripe das aves?Wikelski acha que esta nova e ambiciosa tecnologia tem potencial para responder a todas estas questões.“Pensamos que a informação vai ser tão valiosa que as agências de seguros governamentais irão utilizá-la”, diz Wikelski.E ao vermos quão valiosos os animais são para tantos sistemas do nosso planeta, o investigador espera que nos sintamos motivados para os proteger melhor: “se as pessoas perceberem quão importantes os animais são, ganharão um novo apreço por eles”.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Desporto e saúde cardíaca

Em cardiologia , o “não invasivo” é a tendência da moda. O seu ícone é um elemento-chave: o transcateter. Este pequeno tubo, com menos de dois milímetros de diâmetro, protagoniza uma revolução impulsionada pela progressiva miniaturização dos dispositivos que é necessário implantar e pelas técnicas de imagiologia cada vez mais avançadas, que permitem um apoio visual preciso.O transcateter é introduzido através da artéria femoral, com uma pequena incisão na virilha, e permite alcançar o coração para colocar stents na artéria coronária, tratar arritmias, reparar válvulas ou até mesmo substituí-las.Para a directora do Instituto Cardiovascular do Hospital Clínico, Marta Sitges, trata-se de uma verdadeira mudança de paradigma: “As peças que utilizamos para reparar são cada vez mais pequenas.” Até podemos inserir chips no coração que funcionam como um pacemaker. A redução das intervenções a uma incisão que, por vezes, permite realizar o procedimento de forma ambulatória implica menor risco e menor tempo de recuperação.” Desde que foi implantada a primeira válvula transcateter em França há 25 anos, estas cirurgias não têm parado de crescer: hoje, num hospital como o Clínico, são realizadas 250 TAVI (implantação da válvula aórtica transcateter) por ano, a operação mais frequente.O que determina que a mesma doença seja tratada com um procedimento transcateter percutâneo, com uma operação robótica ou de coração aberto? “Há casos em que não há dúvida, mas muitas vezes é preciso discutir com a equipa e calcular a melhor opção para o paciente. Obviamente, as intervenções transcateter têm um risco menor e são menos agressivas, mas, por vezes, abrir tem a vantagem de ver mais além e poder antecipar o que pode acontecer posteriormente”, explica Sitges.A idade é determinante: “Há idosos para os quais a operação de coração aberto representaria um risco acrescido; por outro lado,  no caso a que a vossa equipa assistiu com o Da Vinci, provavelmente decidiu-se este procedimento porque se tratava de um paciente de 43 anos e a cirurgia oferecia melhores opções em termos de resultado e durabilidade, e o robot permitia um acesso minimamente invasivo e muito seguro.”Se a válvula cardíaca deste paciente não tivesse falhado agora, mas sim dentro de alguns anos, talvez o seu cardiologista pudesse mostrar-lhe o que estava a acontecer e como iria resolver o problema, mostrando-lhe uma cópia virtual do seu próprio coração. Ainda não estão nas consultas, mas já existem gémeos digitais cardíacos que permitem verificar como a medicação afecta ou como evoluirá uma cardiopatia congénita. Mariano Vázquez, investigador do Centro de Supercomputação de Barcelona (BSC) e um dos seus fundadores, assegura que “se converterá na nova ressonância magnética: os cardiologistas pedirão réplicas virtuais do coração como exame médico para determinar o diagnóstico e o tratamento”.Vázquez foi pioneiro ao começar a trabalhar num gémeo digital do coração em 2005. Depois de conseguir um coração médio saudável, ele e a sua equipa modelaram diferentes doenças prevalentes, como o enfarte do miocárdio ou a insuficiência cardíaca, geraram uma população virtual com base em dados reais e realizaram um ensaio clínico. “Queríamos demonstrar que esta ferramenta é tão fiável como os ensaios clínicos convencionais, é mais rápida e mais económica, e não recorre a animais de laboratório”, salienta.Agora, esta tecnologia desenvolvida no BSC chegou ao mercado através de uma start-up, a ELEM Biotech, da qual Vázquez é um dos directores. Até ao momento, já foram realizadas cerca de seiscentas personalizações de corações de pacientes. A equipa trabalha com hospitais para estudar a evolução de doenças cardíacas congénitas e com a indústria farmacêutica para realizar estudos sobre a segurança e eficácia de alguns tratamentos. Dentro do grupo privilegiado de quem tem acesso a essa personalização estão os atletas de elite.“O atleta profissional tem um talento excepcional e é preciso tratá-lo como se fosse um Fórmula 1 para que possa dar o seu máximo”, defende Gil Rodas assim que chega à cidade desportiva Joan Gámper. Responsável desde 2017 pela área médica do Barça Innovation Hub, do FC Barcelona, Gil Rodas acompanha-nos hoje aos espaços onde são realizados os exames para que possamos testemunhar o reconhecimento cardiológico da primeira equipa de basquetebol do Barça.De vez em quando, pára, olha para nós e deixa escapar frases que revelam o seu entusiasmo em relação ao futuro: “Estamos a caminhar para a personalização dos treinos, da dieta e da higiene do sono.” E adianta que já dispõem de análises genéticas dos seus atletas que lhes permitem prever susceptibilidades a doenças. “Com este conhecimento tão preciso, podemos desenvolver estratégias preventivas”, assegura.Chegamos ao consultório onde a cardiologista desportiva María Sanz de la Garza examina o coração dos jogadores. “Como se sente no treino? Bem? Notou alguma dor no peito ou falta de ar?”, pergunta a Juan Núñez, o base de 1,94 metros de altura da equipa.Além de uma avaliação física, os jogadores realizam um ecocardiograma, um teste de esforço e uma anamnese para descartar problemas cardiovasculares. Seguem depois para os testes de desempenho e são submetidos a uma avaliação da composição corporal e a um plano nutricional. Uma equipa de médicos do desporto, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros além de cardiologistas, trabalha em estreita colaboração com o staff desportivo.Após a revisão de Núñez, entra na consulta o senegalês Youssoupha Birima Fall, o jogador mais alto da liga espanhola da época anterior. Mede nada menos do que 2,22 metros. As pernas sobressaem da marquesa. Sanz de la Garza, bem mais baixa, tem de ficar na ponta dos pés para colocar no peito do poste o dispositivo com o    qual fará o ecocardiograma. Youssoupha tem um coração, literalmente, enorme. Se o coração de uma pessoa média tem o tamanho de um punho, o de um desportista pode ser 60% superior. Faz sentido, porque quanto mais este músculo é exercitado, mais aumenta de volume. Mas aqui acresce o facto de o volume deste órgão estar em consonância com o tamanho corporal.Cada desporto molda o corpo de uma maneira diferente, e também o coração. Um centrocampista enfrenta corridas explosivas e longas, quase como um atleta dos 100 metros. Por isso, os seus corações são semelhantes, enquanto os ciclistas, que fazem mais exercício de resistência, são os desportistas com o coração mais volumoso.E que diferenças existem entre homens e mulheres? Para começar, elas têm o ventrículo direito menor, embora a resposta ao exercício seja igual em ambos os sexos, diz a cardiologista do desporto. Outra singularidade é que, segundo revelou um trabalho do qual ela é co-autora, as mulheres desportistas têm menor risco de desenvolver fibrilhação auricular, provavelmente porque os estrogénios têm uma função protectora. Paradoxalmente, esses mesmos estrogénios, que caem abruptamente na menopausa, predispõem-nas a maior risco de doença cardiovascular. Adaptação de artigo publicado originalmente na edição de Novembro de 2025 da revista National Geographic.

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Cinco horas com Da Vinci

Quase todos os procedimentos para reparar o coração são realizados abrindo o esterno, o osso longo e plano que fecha a caixa torácica, e trabalhando directamente sobre o órgão. São as chamadas operações de coração aberto. É um método muito invasivo e implica uma recuperação longa. Como se isso não bastasse, existe o risco, embora mínimo, de que o esterno não cicatrize bem ou infecte, ou de que surja alguma complicação grave que exija nova cirurgia. Também podem deixar como sequela dores crónicas.“Com a cirurgia robótica, conseguimos facilitar a recuperação do paciente”, diz o cirurgião Daniel Pereda. Neste tipo de intervenções, são feitos pequenos acessos através das costelas, nos quais são introduzidos os braços do Da Vinci, manobrados pelo cirurgião a partir de uma consola num canto da sala. No “campo” – a gíria médica da área da mesa de operações –, a tocar no paciente e a manejar esses instrumentos está Elena Sandoval.No ecrã que se encontra numa extremidade da sala, a operação é acompanhada ao vivo. A concentração é máxima. Pereda controla com os pés e as mãos a câmara e três instrumentos em simultâneo. Começa com a circulação extracorporal; o sangue deixa de passar pelo coração até que este, pela acção de uma solução que se administra chamada cardioplegia, pare de bater. Para os neófitos, é um dos momentos mais dramáticos da intervenção. Então, Pereda “entra” com o robot pelo coração através da caixa torácica e atravessa o pericárdio para trabalhar numa das cavidades e reparar a válvula que não funciona. Move as mãos na consola, e o Da Vinci reproduz os seus movimentos. O coração estará parado durante cerca de 50 minutos.Para Pereda, “a sensação é como se ficasses minúsculo, entrasses no corpo do paciente e trabalhasses com as mãos de forma natural”. Algumas horas depois, a equipa começa a coser e a cauterizar. Não falta muito para que a cirurgia termine. A coreografia médica avança de forma ritmada. Uma das enfermeiras envia a mensagem à família do paciente: “Correu tudo bem.”Nesta operação, Daniel Pereda controlou o robot a partir da consola e Elena Sandoval ficou ao lado do paciente. O processo começou às 7 horas da manhã e terminou às 12 horas. Lembramos-lhe os momentos-chave da empreitada.Adaptação de artigo publicado originalmente na edição de Novembro de 2025 da revista National Geographic.

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Greve gerais: Uma muito breve história

Um instrumento de luta política e social, a greve geral do dia de hoje foi convocada, como não o era desde os tempos da troika, pelas duas principais centrais sindicais do país: a CGTP e a UGT.Ao contrário do que possa parecer, muito antes de haver as noções de esquerda e direita, dicotomia ideológica saída da Revolução Francesa, já existiam paralizações equivalentes às greves dos dias de hoje. No longínquo ano de 1152 a.C., artesãos que trabalham na Necrópole Real de Deir el-Medina viraram as costas ao trabalho e vieram embora da construção. O motivo radicava em algo familiar: o faraó Ramsés III não cumpriu com o pagamento dos salários e estes artífices especializados, cientes de que as suas habilidades não eram possuídas por mais ninguém (e também de que Ramsés III vivia obcecado com os preparativos da sua morte), recusaram-se a trabalhar. O faraó cedeu e pagou-lhes. para lá do tempo dos faraósNão é por acaso que direito à greve é um dos mais discutidos, e poderosos, da história do trabalho. Afinal, procura regular relações de poder. Durante muitos séculos, o trabalho foi visto como uma oferta divina e, nas sociedades feudais, entre as quais as que vigoraram na Europa desde a Idade Média até à Revolução Francesa, trabalhar era uma benesse oferecida pelos privilegiados aos restantes, que deviam estar agradecidos. No entanto, a tensão entre a opressão dos privilegiados e a exploração dos camponeses nunca foi de fácil resolução. O grande problema de campesinato foi a sua dificuldade em reunir um número suficiente de indivíduos para se fazer ouvir. Um descontente é simplesmente murmúrio, mas 500 já fazem um ruído difícil de ignorar.Nos momentos em que, como classe, os servos da gleba e os trabalhadores de baixa classe se conseguiram reunir, a Europa foi atravessada por revoltas violentas que causaram mortos em ambos os lados. As Jacqueries, em França, e a revolta de Wat Tyler, em Inglaterra, são dois exemplos famosos de como a crise do final do século XIV, em grande parte derivada da mais mortífera epidemia de Peste Negra de que temos registo, explodiu sem qualquer hipótese de ser parada por desejos divinos; e perante a falta de outros instrumentos, a violência tornou-se no único recurso dos que se sentiam desagradados com as suas condições laborais. A Revolução Industrial e a consciência de classeÉ a Revolução Industrial que traz a greve como alternativa à revolta armada. A consciência de todos os trabalhadores fabris, iguais no seu tormento e agrupados nos mesmos espaços, tornou muito mais fácil e imediata a ideia de parar a produção simplesmente pela recusa de trabalhar.A palavra inglesa “strike”, designando estas acções, refere-se a uma das primeiras instâncias em que o operariado agiu não apenas determinado em não trabalhar, mas também em impedir os outros de o fazer. No porto de Londres, destruiu (em inglês, “struck”) os mastros onde se acoplavam as velas dos barcos mercantes, interrompendo assim o fluxo comercial. Em Portugal, usamos “greve”, que vem, como muitos outros termos e noções históricas, de uma inspiração francesa. “Gréve” baptizava o cascalho nas margens de um rio, e no Sena pariense, um local em particular, la Place de la Gréve, era escolhido pelos descontentes e irritados como local de reunião para discutir os seus problemas com os patrões e o seu emprego.A greve ficou assim associada a um grupo de operários que está de braços cruzados num local, sem trabalhar. O grande legado das greves nos séculos XVIII e XIX está na sua capacidade de mobilizar os trabalhadores para alcançar os seus objectivos. A reacção do habitual lado mais forte da equação foi muitas vezes de intimidação e de exercer a sua influência junto de sucessivos governos próximos dos motores da economia para que o próprio Estado acabasse com as greves. A polícia e o exército foram muitas vezes os braços armados desta resistência. Tal como podemos verificar se pegarmos na primeira greve geral moderna (já lá vamos).É possível encontrarmos exemplos de greves gerais noutros períodos históricos. Roma, por exemplo, concebia o conceito informal de secessio plebis (a retirada da plebe), em que os cidadãos da cidade se retiravam da cidade e deixavam os patrícios, as classes mais altas da sociedade romana, entregues ao seu próprio destino. Era um conceito dos tempos monárquicos, uma tentativa de equilibrar a relação de poderes entre mais ricos e pobres. Roma fechava efectivamente, porque não existia ninguém para trabalhar; e em 1835, a cidade de Filadélfia parou também graças a um ensaio de greve geral por melhores salários e uma jorna diária de trabalho de dez horas – ambos os objectivos foram alcançados. Mas foi em 1842 que Inglaterra viveu o primeiro exemplo deste movimento que conseguiu uma expressão nacional. A primeira Greve Geral modernaUma depressão económica atingiu os ingleses e a primeira tentativa das fábricas e patrões de diminuir custos passou pelo despedimento de trabalhadores ou cortando a talhe de foice os seus salários. Boa parte destas indústrias encontravam-se no centro de Inglaterra, em regiões mineiras como o Lancashire, o Staffordshire e York, e estas medidas algo draconianas afectaram quase um milhão de trabalhadores. Estes eram sinais de que o cidadão comum pouco contava na grande arquitectura económica da nação. No entanto, o móbil da revolta foi a recusa da Câmara dos Comuns, a mais representativa do parlamento britânico, passar um gigantesco pacote de medidas relativas ao alargamento do direito ao sufrágio entre os cidadãos mais pobres. Era literalmente gigantesca, um calhamaço com 300 quilogramas e 3,3 milhões de assinaturas de gente comum do Reino Unido. A proposta foi rotundamente rejeitada de goleada.À frustração popular, o poder político respondeu: e então? A população contra-respondeu com fúria. Os mineiros de carvão do Staffordshire reuniram-se em plenário e juraram não voltar a trabalhar até verem os seus salários repostos e as suas condições de trabalho melhoradas – algo só possível se o rejeitado pacote laboral passasse nos Comuns. Entusiasmados com a vontade férrea dos colegas, trabalhadores de outros sectores juntaram-se-lhes na vontade de parar a produção do mais representativo sector económico britânico: a indústria. De Manchester a Preston, a grande máquina britânica parou, com todos os sectores que lhe estavam associados, desde os apanhadores de algodão até mecânicos de moinhos a participarem. Grandes comícios de trabalhadores foram realizados a 7 de Agosto, confirmando a acção ilegal e, no dia seguinte, de fábrica em fábrica, um grande magote proletário foi chamando os colegas a juntarem-se a uma grande marcha que se dirigia às principais cidades do coração industrial do Reino Unido, como Preston e Manchester. Em vários casos, entraram em fábricas e forçaram a paragem das máquinas. Em Preston, por exemplo, esta acção levou a confrontos com as forças policiais, daí resultando quatro mortos. Noutras cidades, os confrontos levaram a mais vítimas mortais.Esta, aliás, foi a reacção generalizada do governo de Robert Peel a esta inesperada contestação organizada. Era inegável que este movimento, apesar de ter surgido espontaneamente, estava organizado, com decisões tomadas em plenários gerais reunindo todos os trabalhadores, mas baseados em decisores locais. Numa estranha antecipação histórica, seria exactamente o modelo preconizado mais tarde por Karl Marx nos seus escritos sobre a luta laboral. Peel pediu ao seu ministro da Administração interna, James Graham, que resolvesse a questão e este, expedito, fundiu militares e polícias numa força cuja única intenção seria dispersar a greve por quaisquer meios necessários. Mais de 1.500 grevistas foram presos, incluindo aqueles vistos como líderes do movimento, e com isto, a grande contestação social foi-se diluindo. Para servir de exemplo a todos os que tentassem algo de semelhante, o governo chegou a planear um julgamento em Londres, a céu aberto, com todos os envolvidos. No entanto, alguém chamou à atenção de que, assim sendo, ficaria implícito de que tal demonstraria também uma capacidade organizativa por parte dos trabalhadores que não importava salientar. Seria muito mais proveitoso apresentar a Greve Geral de 1842 como o movimento espontâneo de um punhado de maltrapilhos.Demoraria mais de 30 anos, até 1871, até os sindicatos fossem reconhecidos legalmente. O impacto da greve geral de 1842 foi óbvio: devidamente organizada, a força proletária era extremamente eficaz na exigência dos seus direitos. E hoje ainda será?

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Quem foi Nostradamus – e por que razão as suas previsões ainda nos entusiasmam?

O que nos reserva o futuro… e como acabará o mundo? São perguntas tentadoras – para as quais, há muitos séculos, o médico e autoproclamado profeta Nostradamus sempre afirmou conhecer as respostas. As suas famosas previsões eram desde confusas a assustadoras e os seus acólitos acreditam que algumas delas, feitas no século XVI, ainda hoje se aplicam. As suas alegadas profecias para 2025 incluíram guerras longas, uma peste e uma bola de fogo que poderia destruir a Terra.Com efeito, Nostradamus é tão conhecido pelas suas previsões que o seu nome é mencionado em 1672 num dos primeiros usos documentados da palavra “prognosticação” em língua inglesa.Mas o homem que alguns consideram um profeta não era um ser divino. Era um médico, ervanário e autor de carne e osso, cujas previsões ousadas o tornaram conhecido na tumultuosa Europa renascentista. Apresentamos-lhe Michel de Nostradame, mais conhecido como Nostradamus.Quem foi Nostradamus?Michel de Nostradame nasceu em Saint-Rémy-de-Provence, em França, em Dezembro de 1503. (Os historiadores discordam quanto à data exacta.) Os seus pais eram o filho de um notário e a filha de um proeminente médico local. Nostradame casou-se duas vezes durante a vida e teve oito filhos.A França renascentista, como o resto da Europa, esteve imersa em conflitos religiosos durante o seu tempo de vida e isso exerceu um impacto considerável no jovem Nostradame. A sua família era judaica, mas converteu-se ao catolicismo quando a Provença se tornou parte do Reino de França em 1486. Embora os judeus tivessem um longo passado na região, no final do século XV, as autoridades disseram-lhes que, ou se convertiam, ou seriam expulsos, por isso, Michel foi criado como católico.O jovem Nostradame estudou latim, grego, hebraico e medicina antes de frequentar a Universidade de Avinhão, ainda durante a adolescência. Terminou o bacharelato em medicina na década de 1520, embora a sua faculdade tenha encerrado devido à peste bubónica, enquanto ele ainda era aluno.Médico da peste e a inquisição Depois de concluir os seus estudos formais, Nostradame passou algum tempo a viajar por França para estudar plantas medicinais e tratar vítimas da peste, uma das doenças mais temidas da época.Os historiadores acham que ele foi expulso da Universidade de Montpellier, onde estudou em seguida, por ter praticado o ofício “manual” de ervanário, e discordam quanto à possibilidade de ele ter regressado para terminar o doutoramento.Praticar medicina na França renascentista significava tratar doenças como a peste. No entanto, a medicina da época também envolvia práticas actualmente consideradas não-científicas, como alquimia, astrologia e profecia. Estas práticas não conseguiram salvar a mulher de Nostradamus, cujo nome se perdeu no tempo, nem os seus dois filhos. Morreram na década de 1530, provavelmente de peste. Devastado, o médico também enfrentava outros problemas. Em 1538, foi ouvido a condenar a execução de uma estátua religiosa – palavras que lhe valeram uma acusação de heresia e o levaram a ser arrastado e apresentado à Inquisição em 1538. Uma acusação de heresia teria destruído a sua reputação localmente e uma condenação significaria execução. Contudo, o tribunal absolveu-o e ele voltou a viajar, especializando-se no tratamento da peste.Alguns dos remédios de Nostradame parecem ter funcionado, pois ele foi sempre encontrando trabalho. O sucesso de alguns dos seus remédios dependia, possivelmente, de práticas de higiene como recomendar beber água potável. Outros, como os seus comprimidos de rosas, baseavam-se no uso de ervas e flores. A sua prática poderia também envolver alquimia, astrologia e outras práticas esotéricas actualmente consideradas não-científicas. No entanto, os seus pacientes ficaram suficientemente satisfeitos com os resultados para espalharem palavra sobre as suas competências. Científicos ou não, os métodos utilizados pelo médico para tratar a peste tornaram-no conhecido em França ao longo da década seguinte – e tanto o seu trabalho, como a sua obra escrita, começaram a ganhar fãs em sítios importantes.As previsões poéticas de NostradamusO médico e astrólogo francês, cujo nome foi amplamente latinizado como Nostradamus, começou a escrever almanaques anuais na década de 1550, baseados na sua suposta “habilidade” de fazer previsões acertadas sobre os eventos e as condições meteorológicas do ano seguinte. Estas publicações, baratas e populares, tornaram-se conhecidas pelos seus prognósticos poéticos e apresentaram Nostradamus a um público mais vasto.A fama de Nostradamus conquistou-lhe alguns clientes de estatuto elevado, ansiosos por uma previsão pessoal e política. Em 1555, ele previu que um “jovem leão” – designação que se pensava ser um código alusivo ao brasão de armas do rei Henrique II de França— morreria em combate e, no ano seguinte, a rainha de França, Catarina de Médici, e o seu filho, Charles IX, visitaram o profeta.Quando Henrique II morreu efectivamente no dia 10 de Julho de 1559, devido a um ferimento sofrido num torneio de justa, o acontecimento gerou aquilo a que o historiador Denis Crouzet chamou“uma sensação de catástrofe iminente”.A linguagem vaga e floreada do médico protegia-o a si próprio e à pessoa no centro da profecia de erros, humilhação e acusações de charlatanismo, contribuindo para a sua reputação e mistério ao longo do tempo. Como Michelle Pfeffer, da Universidade de Oxford, escreveu para The Conversation, a astrologia e a prognosticação eram comummente praticadas na altura e particularmente populares entre as elites.Naquela época, a Europa já era dominada por conflitos religiosos e sociais, à medida que a Reforma ia criando tensões entre católicos e protestantes, a desigualdade social causava agitação e as profecias e os boatos chamavam a atenção do público. Muitas destas divergências deram lugar a conflitos, incluindo guerra civil, durante a vida de Nostradamus.Criticado por católicos e protestantes, Nostradamus defendia as suas profecias, publicando um grande livro cheio delas e continuou a publicar os seus populares almanaques, mesmo depois de ser preso durante um curto período por publicar o seu trabalho sem autorização da igreja. Morreu no dia 1 de Julho de 1566, provavelmente de gota. Os historiadores e o público discutiram sobre os milhares de previsões que ele fez ao longo da sua vida – e, aparentemente, validaram-nas – desde então.O que Nostradamus previu — e o que aconteceu de verdadeEmbora a aparente previsão de Nostradamus sobre a morte de Henrique II lhe tenha conquistado fama em vida, o seu nome persistiu graças a outras profecias que alguns acreditam ter-se concretizado.Talvez a mais espantosa tenha sido a previsão específica de que, por volta de 1558, “O Senado (Parlamento) de Londres irá condenar o seu rei à morte”. Em 1649, aconteceu exactamente isso: Carlos I foi decapitado por traição após um conflito com o Parlamento que acabou por dar origem a uma guerra civil em Inglaterra.“Como até os cépticos terão de reconhecer, foi uma afirmação notável”, escreveu o biógrafo Ian Wilson. Na mesma profecia, Nostradamus previu que Londres seria “incendiada por bolas de fogo em três vezes vinte mais seis”. Em 1666, ocorreu efectivamente um incêndio em Londres, destruindo enormes parcelas da cidade.As pessoas da época não se tinham esquecido das profecias de Nostradamus – e não pararam de procurar acontecimentos que pudessem corresponder à sua concretização nos anos que se seguiram. Os fãs do médico que via o futuro atribuíram tudo desde a revolução francesa (“um casal” que resultará em “tempestade–fogo–sangue”), a ascensão de Napoleão (um imperador “porque custará bastante caro ao Império”), e a ascensão de Hitler (“o maior inimigo de toda a raça humana”) a Nostradamus.Contudo, muitos dos seus prognósticos vagos também não se tornaram realidade e existe uma longa história de figuras políticas e culturais que reinterpretaram e até interpretaram mal Nostradamus para reforçar os seus próprios objectivos.Alguns dos que não tiveram pudor em utilizar as profecias de Nostradamus a seu favor foram os líderes do Terceiro Reich. O propagandista Joseph Goebbels incorporou as profecias na sua propaganda, utilizando-as para semear dúvidas e angariar apoio para o esforço de guerra nazi. Nostradamus também foi invocado por grupos extremistas, tornando-se um veículo de transmissão de ideologias.Também se atribuem a Nostradamus previsões sobre o fim do mundo, mas essa profecia ainda não se tornou realidade. Ele profetizou que, em Julho de 1999, “viria do céu um grande Rei de terror”. As suas previsões alimentaram o medo do juízo final e as preocupações com a forma como o suposto bugY2K iria afectar os sistemas informáticos aumentaram.O astrónomo francês continua a ser interpretado, lido e estudado por pessoas interessadas em profecias e prognosticação.Mais de 500 anos após a sua morte, Nostradamus continua a entreter e a confundir – e continua a haver muitas pessoas interessadas nas suas profecias. “A profecia continua a moldar as esperanças e os medos de indivíduos, grupos, estados e de todo mundo em relação ao futuro”, escreveu o historiador Stephen Bowd na Encyclopedia of Millennialism and Millennial Movements. Afinal, quem não quer conhecer o futuro – ou achar que é possível fazê-lo?Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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A ternura dos gigantes

No Parque Natural de Cabárceno, na Cantábria, uma cria de hipopótamo aconchega-se ao corpo da mãe numa cena que transmite ternura e confiança. A fotógrafa Marina Cano captou este momento íntimo em que o pequeno, ainda inseguro no seu ambiente, procura refúgio no calor do contacto materno.Apesar da sua aparência dócil, os hipopótamos são animais territoriais e surpreendentemente velozes, capazes de defender ferozmente os seus filhotes contra qualquer ameaça. Na água, a mãe protege o seu bebé de correntes, machos dominantes e predadores, uma prova de que, mesmo entre gigantes de mais de uma tonelada, a ternura também tem lugar.

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A aldeia de artistas do sul de França com um castelo e uma biblioteca na padaria

Foi o escritor francês Jean Giono quem disse que a Provença esconde os seus mistérios atrás do óbvio e isto aplica-se perfeitamente a esta aldeia em pedra de Luberon. Há algo que nos surpreende assim que chegamos: uma impactante obra do artista contemporâneo Andrew Herzog, uma estrutura lenticular reflectora com mais de dois metros de altura, que apresenta um tipo de letra inspirado nas tabuletas das ruas francesas. Dependendo do ponto de observação, é possível ler “here” ou “ici”, em inglês ou em francês (“aqui”, em português). A paisagem rural estende-se até ao horizonte, com o Monte Ventoux desenhado ao fundo.UM CAMPUS RURALPara começar a caminhar pelo centro histórico de Lacoste é preciso entrar pelo Portal de la Garde, da Idade Média. Aos poucos, iremos perceber que esta aldeia não é uma aldeia, mas um campus universitário para estudantes internacionais de arte e design, criado pela Savannah College of Art and Design (SCAD).As suas origens remontam a 1970, quando Bernard Pfriem criou uma faculdade de artes. E foi (e é) graças ao trabalho de conservação empreendido pela faculdade que a aldeia conseguiu ultrapassar a maldição de algumas outras localidades do conselho: muito bonitas, mas incómodas para a vida moderna, condenadas a ficarem vazias e em ruínas. No entanto, agora e aqui – here ou ici –, cada casa antiga foi restaurada com toda a consciência. Postigos e portadas em bleu charrette, o chamado azul provençal, assinalam as casas reabilitadas que são utilizadas como espaços deste campus universitário tão especial. E a poucos passos de distância da shopSCAD Lacoste e da Maison 79, encontra-se a Boulangerie, a biblioteca mais bonita do sul de França. DE PADARIA A BIBLIOTECA DE ARTEConstruída com a omnipresente pedra dourada local de Luberon em 1780, a antiga padaria foi, durante muito tempo, o ponto de encontro dos aldeões e trabalhadores da pedreira. Ainda hoje se conseguem ver, semi-apagadas, as letras que dizem boulangerie. A sua localização central permitia o encontro de residentes vindos de todas as direcções e de todas as áreas da comunidade. A estrutura de três pisos, situada no entroncamento de duas vias principais, funciona agora como a biblioteca da SCAD Lacoste e alberga mais de cinco mil volumes especificamente relacionados com os programas de estudo da faculdade.Uma escada organiza os diferentes espaços de estudo e dá acesso às diferentes secções: crítica de cinema, ensaios de arte, pintura contemporânea, arquitectura clássica, design pop, desenho com aguarela… Só fazem falta os croissants e as baguetes crocantes.No entanto, muito antes da Savannah College of Art and Design aqui chegar, Lacoste serviu de refúgio para outros artistas. Como se pode ler na página de Internet do campus, “desde o século XV que os artistas peregrinam até Lacoste só para contemplar a pureza da sua luz”. Um deles foi o Marquês de Sade, que três séculos depois daqueles primeiros artistas, conheceu bem o efeito cromático da lavanda, pois estas terras eram-lhe familiares. Aqui, here ou ici – era o seu refúgio preferido quando as coisas não corriam bem na conturbada Paris da sua época. O Château de Lacoste é actualmente propriedade de Pierre Cardin, que consolidou as ruínas e restaurou dois pisos. Trata-se, de certa forma, de uma arquitectura que exprime decadência controlada.A MEMÓRIA DE SADE“A cova, uma vez coberta, será semeada, para que depois, ao encontrar-se o terreno da dita cova novamente guarnecido e a floresta coberta como estava antes, as marcas do meu túmulo desapareçam da superfície da Terra cama [...]”, era o que dizia o testamento de Sade. Mas a posteridade não honrou o seu desejo: a sua silhueta contorna actualmente a porta de entrada do castelo, como uma memória indelével.O testamento prosseguia: “[...] assim como espero que a minha recordação se apague igualmente da memória dos homens, excepto dos poucos que continuaram a amar-me até ao último momento da minha existência, dos quais levarei para o túmulo uma recordação muito doce”. Um dos que continuou a amá-lo, mais ainda depois de morto, foi o teórico George Bataille, para quem o Marquês de Sade representava o mal nas letras. Para Apollinaire, ele era o homem mais livre. O artista Man Ray também o perseguiu e veio até Lacoste. Tirou algumas fotografias cujos negativos se encontram actualmente no arquivo do Centro Pompidou em Paris. Fotografar, é o que qualquer pessoa que visite esta aldeia de artistas quererá fazer.

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Os tubarões estão a prosperar em alguns parques marinhos – mas noutros não. Porquê?

Quando Simon McKinley mergulhou na água, tudo ficou escuro. Ele observara tubarões à superfície, mas agora – descendo gradualmente no seu mergulho – havia tantos tubarões-martelo-recortados a formarem cardumes que bloqueavam a luz do Sol. “Não conseguimos virar-nos para lado nenhum sem vermos um tubarão”, diz ele.McKinley, ecologista espacial da Fundação Charles Darwin, estava a fazer um levantamento sobre populações de tubarões nas ilhas isoladas de Darwin e Wolf, no arquipélago das Galápagos. “É um dos sítios com mais tubarões do mundo” diz ele. Isso também faz com que seja um ecossistema particularmente saudável, no qual a vida marinha pode prosperar.É uma de sete áreas marinhas protegidas (AMPs) da região oriental do Pacífico Tropical, entre o México e o Equador, que McKinley estudou para o seu novo artigo sobre a abundância de tubarões publicado recentemente na revista PLOS ONE e financiado pelo projecto Pristine Seas da National Geographic.As conclusões revelam um contraste acentuado. Em áreas isoladas e altamente protegidas, onde as leis contra a pesca são fortemente aplicadas, os tubarões estão a prosperar – mas nas áreas protegidas mais próximas da costa, onde se pesca mais, constatou-se uma falta preocupante de predadores. A diferença no número de tubarões demonstra que nem todos os parques são iguais, mesmo que assim o pareçam no papel.À medida que países de todo o mundo caminham rumo ao objectivo global das Nações Unidas de proteger 30 por cento do oceano até 2030, os autores do estudo dizem que os líderes da conservação têm de manter esta diferença em mente se quiserem implementar protecções com benefícios tangíveis para o oceano.O que os tubarões podem dizer-nos sobre um ecossistemaEnquanto “gestores do recife”, os tubarões mantêm os habitats saudáveis, comendo os peixes doentes ou as populações excessivas, impedindo que uma espécie em particular domine o ecossistema, diz McKinley.As AMPs são como os parques nacionais e têm diferentes regras no que se refere às actividades humanas permitidas. Nas zonas totalmente protegidas, como oSantuário de Fauna e Flora de Malpelo, na Colômbia, todas as actividades humanas são proibidas, enquanto algumas áreas protegidas permitem a pesca, como a Reserva Marinha de Galera-San Francisco, no Equador.Para determinar se estas regras variáveis afectavam os tubarões, os cientistas espiaram-nos utilizando dispositivos de vídeo não-invasivos, instalados a entre 20 e 24 metros de profundidade durante pelo menos cem minutos.Os cientistas, incluindo investigadores do Directório do Parque Nacional das Galápagos, da iniciativa Pristine Seas da National Geographic e de várias instituições regionais – utilizaram câmaras subaquáticas chamadas sistemas de vídeo subaquáticos remotos com isco (baited remote underwater video systems, ou BRUV) para observarem tubarões em sete parques marinhos, localizados no Equador, na Costa Rica, na Colômbia e no México. Estes dispositivos usavam óleo de peixe para atrair os predadores e os investigadores contavam quantos animais iam averiguar o saboroso petisco.Em AMPs de acesso difícil, que proíbem ou policiam estritamente a pesca – como nas ilhas das Galápagos, Malpelo, Clipperton e Revillagigedo –, os autores do estudo observaram constantemente um grande número de tubarões, diz McKinley. No entanto, as áreas situadas junto a locais com actividade humana – Machalilla, Galera-San Francisco e Ilha de Caño – contam uma história diferente. “Só vimos quatro indivíduos junto a mais de 30 dispositivos na orla costeira”, comentou, sobre o levantamento realizado nas três áreas.Embora Caño, na Costa Rica, esteja tecnicamente fora dos limites onde é permitido pescar, tem havido relatos de pesca ilegal dentro dos seus limites.Mais perto da costa, os tubarões correm riscos acrescidos de sofrerem devido a uma série de actividades humanas, como destruição de habitat, poluição e bancos pesqueiros junto à costa. “É mais fácil [e] mais barato pescar junto à costa do que ao largo da costa”, que pode ser muito perigoso, diz Samantha Andrzejaczek, cientista e investigadora da Estação Marinha Hopkins, em Stanford, que não participou no estudo.O estudo mostrou que, nas áreas mais distantes da costa, onde a interdição de captura é devidamente aplicada, havia mais populações de tubarões e peixes visíveis nas câmaras.“Estas AMPs altamente protegidas são totalmente eficazes para o restauro destes peixes de grande porte, que temos estado a eliminar de forma tão eficiente ao longo dos últimos cinquenta anos – ou mais – cem”, diz Rory Moore, coordenador de conservação da Blue Marine Foundation, que não participou no estudo.A principal influência na saúde desses ecossistemas era clara: a pesca.“As áreas marinhas protegidas que permitem a pesca não funcionam”, diz Enric Sala, co-autor do estudo e fundador do projecto Pristine Seas. Sala, que também é Explorador da National Geographic, acrescenta que apenas três por cento do oceano global está protegido.”Por que os parques marinhos são importantesUm terço dos tubarões, raias e quimeras estão ameaçados de extinção. Para protegê-los, os investigadores querem mais AMPs com regulamentos mais estritos. “Têm de ser devidamente aplicados”, diz Andrzejaczek. “Caso contrário, não servem para nada.”Muitas espécies de tubarão migram longas distâncias e é por isso que Sala diz que criar áreas protegidas no alto-mar, onde ninguém manda, também é importante.Para além daquilo que alguns cientistas consideram o imperativo moral de proteger espécies marinhas de desaparecerem, os estudos também sugerem que existem benefícios económicos em proteger as reservas marinhas de forma mais estrita.Espelhando o declínio dos tubarões e das raias, mais de um terço das espécies de peixe são pescadas em excesso, o que significa que não conseguem reproduzir-se suficientemente depressa para substituírem os peixes que são pescados. “É como ter uma conta bancária da qual toda a gente faz levantamentos, mas ninguém faz depósitos”, diz Sala. Uma área protegida funciona como uma conta de investimento com “juros compostos e gera lucros dos quais todos podemos beneficiar”, diz ele.Os pescadores também podem colher os benefícios das protecções quando “pescam mesmo ao lado da área marinha protegida, onde se verifica aquilo a que se chama efeito de transbordo”, e as populações de peixe estão a prosperar, diz Andrzejaczek.Estas vantagens já são visíveis em países da linha da frente da protecção oceânica, como Palau, Niue, Seychelles, Costa Rica, Colômbia, Chile e Gabão, que já implementaram protecções em 30 por cento das suas águas.“Estes líderes percebem que precisam de áreas altamente protegidas, se quiserem que as suas economias pesqueiras e costeiras tenham um futuro”, diz Sala. “Não temos de ser ricos para protegermos o oceano. Basta sermos espertos.” Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Mais cinco minutos

Os leões gostam de dormir e, por razões biológicas, têm dificuldade em activar-se rapidamente. Como gastam muita energia a caçar durante os seus períodos de vigília e podem dormir até 20 horas por dia, demoram algum tempo a ajustar a sua fisiologia.Este felino, que estica as patas, é uma leoa que pertence à população asiática da subespécie Panthera leo leo. Restam poucos exemplares em estado selvagem, embora na última década as suas populações estejam a recuperar lentamente nas florestas protegidas de Gir, no estado indiano de Gujarat.

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Como estão estas estâncias de montanha a minimizar o seu impacto ambiental

Com os Invernos a tornarem-se cada vez menos previsíveis nas montanhas de todo o mundo, as estâncias de esqui estão a procurar formas de assegurarem o futuro das suas temporadas. Muitas investiram no sentido de reduzirem as suas emissões de carbono e tornarem as actividades mais sustentáveis.Entretanto, nós, os turistas, podemos fazer muito mais do que aplaudi-las. A forma como nos deslocamos até uma estância de esqui tem um enorme impacto na pegada de carbono da nossa viagem – voar e apanhar táxis até lá pode representar 50 a 75 por cento das emissões totais de CO2. Por isso, o primeiro passo para mitigá-las é escolher uma estância acessível de comboio, numa rede ferroviária electrificada, movida a electricidade com baixas emissões de carbono, como acontece na Áustria, na Suíça ou em França. Ou abastecer um veículo eléctrico até ao máximo e conduzir até lá, sobretudo se recarregar a bateria em fornecedores de electricidade com baixas emissões de carbono. O custo de todo o nosso equipamento de esqui também é substancial em termos de emissões de carbono, podendo representar até 16 por cento da pegada de carbono das nossas férias, se comprarmos equipamento novo. Alugar tudo – incluindo fatos de esqui – reduz substancialmente este valor.Resumindo, as melhores práticas são alugar, viajar sobre carris e escolher estâncias que estejam empenhadas em proporcionar uma experiência de esqui mais sustentável, nomeadamente uma das que se seguem.Les Arcs, FrançaSituada a meia encosta no vale de Tarentaise, rodeada por alguns dos maiores nomes do esqui, Les Arcs ocupa uma excelente posição no que diz respeito aos transportes com baixas emissões de carbono. Não só é acessível através de comboio a partir da estação de Bourg-Saint-Maurice – o centro alpino francês, com ligações directas a Paris e Londres via Lille – como os hóspedes podem subir até à vila a bordo de um funicular. E os utilizadores das linhas ferroviárias principais recebem um bilhete grátis para a última etapa da viagem. A electricidade da estância é fornecida pela EDF, uma empresa de electricidade com baixas emissões de carbono, que usa sobretudo energia nuclear e renovável – e está a desenvolver a sua própria central hidroeléctrica. Até 2026, deverá satisfazer mais de 13 por cento das necessidades de energia da empresa de elevadores. A vila declarou uma moratória contra a construção de novos edifícios, preferindo apostar na remodelação dos existentes.Berkshire East, EUAÉ mais difícil tornar o esqui sustentável nos EUA. Poucas estâncias estão ligadas aos centros urbanos através de comboio – e as estâncias das Montanhas Rochosas encontram-se a centenas ou milhares de quilómetros de alguns dos seus principais mercados, sendo acessíveis apenas por avião. Existe também a questão do aumento explosivo das vendas de passes multi-estâncias, válidos para toda a temporada, que encorajam os turistas a viajarem ainda mais. Mesmo assim, a indústria tem vindo a fazer progressos e a minúscula Berkshire East, no estado de Massachusetts, está a liderar o caminho. Toda a electricidade dos seus elevadores e operações na montanha é actualmente produzida no local através de energia eólica e solar. A estância também se encontra apenas a um par de horas de Boston (se evitar o trânsito dos fins-de-semana), sendo, por isso, um destino viável para os aficionados do esqui vindos da cidade. É possível alugar veículos eléctricos em Massachusetts. Planeie a sua viagem tendo em consideração as estações de carregamento, consultando-as em apps como a Zap-Map ou a PlugShare.Zermatt, SuíçaPoucos inícios de umas férias de esqui estão à altura do drama estonteante da viagem em comboio de cremalheira até Zermatt. À medida que subimos a encosta íngreme do Vale Matter, a consciência de que a nossa viagem está a ser possibilitada por hidroelectricidade torna tudo mais emocionante. Os teleféricos, as pistas ferroviárias e os elevadores da estância usam todos a mesma energia com baixas emissões de carbono e a ausência de carros na vila irá certamente aumentar o prazer desta experiência de esqui. Zermatt também está a fazer um bom uso da energia solar – até porque a altitude de algumas das suas instalações torna as células fotovoltaicas até 80 por cento mais eficientes. Val d’Isère, FrançaRecentemente, a gigante Compagnie des Alpes, que gere zonas de esqui em doze estâncias francesas, incluindo Val d’Isère, calculou que as suas máquinas alisadoras de neve eram responsáveis por quase 80 por cento da sua pegada de carbono, devido aos milhões de litros de gasóleo que consomem. Por isso, na temporada de 2022-23, trocou toda a sua frota por veículos a HVO, um combustível fabricado principalmente a partir de resíduos de gorduras, incluindo óleo alimentar. E assim, num ápice, reduziu as suas emissões de CO2 em até 90 por cento. Val d’Isère, a elegante estância de esqui situada no topo do Vale Tarentaise, tem beneficiado disto. Outras credenciais ecológicas incluem um sistema de elevadores movido inteiramente a energia renovável e uma frota em rápida expansão de autocarros eléctricos para transportar os praticantes de esqui até aos principais pólos da montanha. Agora, tudo aquilo de que precisa é de uma ligação mais ecológica até à estação de comboio, em Bourg-Saint-Maurice, situada no fundo do vale, a 40 minutos de automóvel.Saint Anton am Arlberg, ÁustriaExiste uma estação de comboio mesmo no meio de Saint Anton am Arlberg, com ligações a Zurique e Innsbruck. Esta linha faz parte de uma rede ferroviária inteiramente movida a energia renovável. Junte a isto o número crescente de estações de carregamento para veículos eléctricos e verá que fazer uma viagem com baixas emissões de carbono até esta vila cheia de praticantes de esqui e de animação é, em teoria, facílimo. Quando lá chegar, verá que os projectos de eficiência energética diminuíram acentuadamente a pegada de carbono da própria estância. As centrais hidroeléctricas locais fornecem energia à vila e ao seu sistema de elevadores – e vários hotéis são aquecidos por um sistema de aquecimento comunitário à base de biomassa, que produz calor a partir de lascas de madeira e energia solar.Saas-Fee, SuíçaPequena e isolada, Saas-Fee é outra estância que depende fortemente da hidroelectricidade, que satisfaz todas as necessidades da vila e também fornece a maior parte da electricidade à sua empresa de elevadores. Quase tão impressionante é o seu projecto de aquecimento geotérmico comunitário. Actualmente, as suas 95 sondas geotérmicas fornecem calor a um hostel, a dois hotéis e ao centro comunitário da vila. Existem planos para levar o seu calor a 200 casas. A vila (quase) não tem carros: os visitantes têm de deixar os veículos num parque de estacionamento com vários pisos e andarem a pé ou utilizarem os autocarros eléctricos disponíveis. No entanto, farão um favor ainda maior ao ambiente se deixarem os automóveis em casa e apanharem o comboio até Visp (com ligações directas a partir de Paris e Genebra, entre outras) antes de apanharem um Postbus até Saas-Fee. Afinal de contas, os comboios da Suíça, tal como os austríacos, consomem apenas energias renováveis.Les Menuires, FrançaSituada acima da estação de comboio de Moutiers, na mesma linha que passa por Bourg-Saint-Maurice, Les Menuires tem credenciais de transporte ecológico – quando já lá estamos. Para chegar à estância, é necessário apanhar um autocarro ou um táxi, em vez de um funicular, para a última etapa da viagem. À semelhança de Val d’Isère, pertence à Compagnie des Alpes: os seus teleféricos utilizam energia renovável, os alisadores de neve consomem HVO, e o uso do software Snowsat ajuda a obter medidas exactas da profundidade da neve das pistas, tornando as operações de manutenção muito mais eficientes. Estima-se que estas decisões possam poupar até 8 por cento em combustível e 15 por cento na produção de neve artificial.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Desmontando cinco mitos sobre a fertilidade masculina

Entre 15% e 20% dos casais portugueses em idade reprodutiva têm problemas em conceber. Nos EUA, a estimativa é muito semelhante. Há apenas uma década, o foco incidia apenas sobre as mulheres. Os homens evitavam ir ao médico, dizem os especialistas em fertilidade ou se fossem arrastados pelas suas parceiras, rezavam silenciosamente para que o problema não fosse deles. Em muitos casos, é uma “questão de virilidade”, pois os homens misturam, erradamente, fertilidade e masculinidade, diz Stan Honig, urologista e chefe de medicina reprodutiva e sexual da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale.Agora as coisas começam a mudar. “Há mais homens a fazerem os tratamentos de fertilidade de que necessitam”, diz Leon Telis, director do programa de saúde masculina no Hospital Mount Sinai em Nova Iorque.Isto deve-se, em parte, ao facto de as opções de tratamento terem melhorado. E com um foco no decréscimo das contagens de espermatozóides em todo o mundo (por razões ainda desconhecidas), cada vez mais homens reconhecem o seu papel nos problemas de fertilidade e demonstram-se receptivos a receber cuidados médicos. Outra grande ajuda é o número crescente de kits de teste caseiros, que permitem aos homens recolher e avaliar o sémen no seu próprio quarto, em vez de folheando uma revista num laboratório. Alguns laboratórios também permitem testar as hormonas sexuais sem prescrição médica.“A forma como encaramos os pacientes é muito diferente agora, porque muitos chegam ao consultório e dizem que os seus resultados dos testes de espermatozóides são anormais e que talvez os seus níveis hormonais também sejam”, em vez de esperarem que o médico faça os testes, diz Honig. Em seguida, os médicos fazem mais avaliações no consultório até chegarem à raiz dos problemas de fertilidade e recomendarem tratamentos.Mesmo assim, apesar do referido aumento da consciencialização, os mitos e a desinformação sobre a fertilidade masculina abundam. Seguem-se algumas ideias erradas que os médicos especializados em saúde reprodutiva ouvem com frequência – inclusive da boca dos seus pacientes.Mito N.º 1: A maior parte dos problemas da infertilidade têm origem na mulherOs homens podem ser os únicos responsáveis pela infertilidade de um casal em apenas 20 por cento dos casos, mas contribuem para 30 a 40 por cento dos casos. “A sociedade actual já percebe melhor que o problema de um casal infértil pode estar no homem em até metade das ocasiões”, diz Telis.Algumas das questões mais comuns envolvem os espermatozóides, incluindo contagens baixas, capacidade natatória anormal ou formatos incorrectos. O valor considerado normal é cerca de 39 milhões de espermatozóides por ejaculação. “Dizem que basta um, mas eu digo que é preciso um exército funcional para conseguir que esse um chegue lá”, diz Honig, explicando que alguns ajudam-no a passar pelo muco cervical ou realizam outras tarefas.As condições biológicas, os problemas hormonais e outros factores também podem ter um impacto na fertilidade masculina. Os cientistas continuam a descobrir possíveis causas, nomeadamente condições genéticas raras ou alterações nos micróbios que vivem naturalmente nos genitais masculinos.Mito N.º 2: A idade do homem é irrelevanteEmbora homens famosos com mais de 70 anos que foram pais recentemente, como o médico Manuel Pinto Coelho ou Al Pacino, possam transmitir a ideia de que só as mulheres têm relógios biológicos, novos estudos mostram que os homens também os têm.No passado, os cientistas que estudavam o impacto da idade dos pais na fertilidade chegaram a conclusões mistas, em parte porqueas parceiras dos homens mais velhos também tendem a ser mais velhas.Para o novo estudo, investigadores de um grupo de clínicas de fertilidade europeias tiraram as mulheres da equação. Analisaram os homens submetendo-os a técnicas reprodutivas avançadas, utilizando óvulos doados por mulheres jovens. A maioria produziu espermatozóides de aspecto saudável e, subsequentemente, embriões com qualidade – mas as diferenças não tardaram a aparecer.As taxas de abortos espontâneos revelaram-se significativamente mais altas e as taxas de nascimento foram mais baixas em homens com mais de 45 anos, com 35 por cento dos procedimentos gerando um bebé, face a 41 por cento nos homens mais novos. Os investigadores apresentaram os seus resultados numa conferência médica realizada na Europa, mas ainda não publicaram o relatório completo numa revista médica revista por pares.Os testes convencionais não detectaram diferenças no número, concentração e capacidade natatória dos espermatozóides, mas o corpo da mulher parece ter detectado problemas após a implantação do embrião, diz Maria Cristina Guglielmo, co-autora do estudo e embriologista na Eugin Italy, que tem clínicas em toda a Europa. Uma das possibilidades é o corpo feminino ter descoberto interrupções no material genético dos espermatozóides, conhecidas como fragmentação de ADN, que são mais comuns em homens com mais de 40 anos.“O nosso estudo contesta o pressuposto tradicional de que o esperma dos homens mais velhos é suficientemente bom”, diz Guglielmo.Tal como uma mulher que pretenda ter filhos no futuro pode conservar os seus óvulos, alguns homens devem pensar em conservar o seu esperma, diz Mariabeatrice Dal Canto, bióloga na empresa de fertilidade e outra co-autora do estudo.Mito N.º 3: A testosterona é um tratamento de fertilidade eficaz para os homensOs testículos precisam de níveis elevados de testosterona para produzir espermatozóides. No entanto, tomar suplementos desta hormona aumenta os níveis de testosterona no sangue e isso faz com que os testículos abrandem a sua própria produção natural.“Tomar testosterona é a pior coisa que pode fazer se estiver a tentar engravidar”, diz Honig. “Baixa a contagem de espermatozóides, reduzindo-a, por vezes, a zero”. Os suplementos de testosterona são tão eficazes a baixar a testosterona que os investigadores estão a avaliar o seu potencial como parte de um tratamento de controlo concepcional para homens.Três meses depois de parar de tomar testosterona – o tempo que decorre entre a produção dos espermatozóides e a sua expulsão através do sémen ejaculado – os níveis costumam ter recuperado. Mas não para todos, sobretudo para atletas recreativos que ingerem grandes quantidades a fim de melhorarem o seu desempenho, cujos espermatozóides podem continuar a ter mobilidade reduzida.Os homens que tomam testosterona não costumam ter conhecimento desta ligação. É por isso que cerca de 15 por cento dos homens que já tomaram suplementos de testosterona se arrependem de o ter feito. “Não é invulgar eu atender dois ou três pacientes por semana que não sabiam que a testosterona que tomavam estava a desactivar a sua produção de espermatozóides”, diz Honig.Os homens que não produzem testosterona suficiente nos seus testículos podem beneficiar de outras formas de terapia hormonal. Hormonas como o citrato de clomifeno, hormonas folículo-estimulantes ou luteinizantes estimulam a produção de testosterona quando necessário. Oitenta por cento dos homens que ingerem uma combinação de fármacos hormonais melhoram os seus níveis de testosterona.Mito N.º 4: Existem terapias de fertilidade dirigidas às mulheresPara além da terapia hormonal, existem outros medicamentos que ajudam a fertilidade masculina, melhorando a libido ou abrandando a ejaculação precoce. Suplementos antioxidantes, incluindo licopeno, zinco, coenzima Q10 e vitaminas C, D e E aumentam a produção de espermatozóides.Se o problema for mecânico, os médicos podem fazer abordagens cirúrgicas para remover quistos, reparar canais, encolher veias dilatadas ou resolver outros problemas de canalização.Até tratamentos que se focam maioritariamente em mulheres podem melhorar os problemas de fertilidade masculina. No caso da fertilização in vitro, em que os óvulos são removidos e fertilizados fora do corpo, por exemplo, as taxas de gravidez aumentam significativamente quando o espermatozóide é inserido directamente no óvulo em vez de tentar chegar lá sozinho. Novos testes também podem avaliar o ADN de cada espermatozóide individual, a fim de seleccionar aquele que tem mais probabilidades de sucesso.Para além de aumentar as probabilidades de concepção, outra razão pela qual os homens devem ser avaliados por um médico quando têm dificuldades em conceber é que a infertilidade pode ser um sintoma de outros problemas de saúde, incluindo cancro testicular e hipertensão.Mito N.º 5: Os factores de estilo de vida não são tão importantes para os homensAs toxinas, sobretudo do álcool e tabaco, podem afectar gravemente a saúde dos espermatozóides. “O que eu digo aos pacientes é que qualquer coisa, desde que com moderação, não faz mal. Um copo de vinho ou uma cerveja algumas vezes por semana à noite, um cigarro ou um charro de vez em quando, não é um problema. Mas se fumar ou beber muito, parar pode fazer a diferença”, diz Honig.O tamanho do corpo e a actividade física também são importantes. Os homens com índices de massa corporal mais elevados têm mais probabilidades de ter problemas de mobilidade dos espermatozóides, o exercício físico aumenta a produção de espermatozóides, mas também aqui se recomenda moderação, uma vez que os treinos demasiado intensos podem afectar as hormonas.Estudos realizados com animais e seres humanos demonstraram que alguns químicos presentes no ambiente podem agravar a fertilidade masculina, incluindo os microplásticos, os ftalatos e o bisfenol A, mas alguns destes químicos são tão generalizados que pode ser difícil evitá-los.O velho ditado segundo o qual os homens devem evitar banhos de imersão e saunas está correcto. O esperma prospera a uma temperatura de 36,1º Celsius – é por isso que os testículos se encontram abaixo do corpo, que tem uma temperatura de 37º Celsius. O calor em excesso também é a razão pela qual não devem trabalhar com o computador ao colo.Quanto ao velho debate entre os boxers e as cuecas, os estudos não concluíram que a roupa interior tivesse algum impacto na fertilidade.O mais importante é reconhecer que os homens podem fazer muitas coisas para melhorar a sua fertilidade. “Há muita coisa que ainda não sabemos”, diz Telis. Aquilo que é evidente é que “os homens fazem parte de uma equipa e são tão importantes como as mulheres no que diz respeito à concepção”. Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Anatomia de um planeta habitável

Esta imagem de Sergio Díaz Ruiz mostra-nos uma forma alternativa de olhar para a nossa casa: o planeta Terra. As cores e as diferenças que se podem observar respondem mais a questões científicas do que artísticas e mostram-nos os contrastes térmicos e atmosféricos da superfície terrestre.A fotografia, originalmente intitulada Anatomia de um planeta habitável, recebeu o prémio Annie Maunder Award for Image Innovation na edição de 2024 do  concurso Astronomy Photographer of the Year.

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Olhares indiscretos

No Vale do Pó (também conhecido como Planície Padana), um par de libelinhas parece estar a posar para a câmara e a olhar directamente para o fotógrafo com os seus olhos verdes esbugalhados."As libelinhas estavam a descansar numa folha para secar as asas ao sol de Verão, antes de voarem para caçar insectos mais pequenos", diz Panizza. "É sempre um prazer observar e fotografar estes divertidos insectos", acrescenta o fotógrafo. As libelinhas podem ser encontradas, por exemplo, em ribeiros, poças e riachos. Não picam e são carnívoras.

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Mar de estrelas

SH2-308, a nebulosa que aparece nesta fotografia, é conhecida como Cabeça de Golfinho, e esta imagem de Xin Feng e Miao Gong mostra claramente porquê.Como quem brinca a encontrar formas nas nuvens, esta bolha de hidrogénio, que foi ejectada por uma estrela Wolf-Rayet (brilhante e maciça), faz lembrar, na sua tridimensionalidade, a cabeça de um cetáceo... embora não conheçamos nenhum golfinho a 5.000 anos-luz de distância!A fotografia ganhou o prémio “Sir Patrick Moore Award for Best New Artist” no concurso Astronomy Photographer of the Year 2024.

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Natação sincronizada

Embora seja sabido que os peixes se agrupam para se protegerem, conhece o delicado equilíbrio que deve existir num cardume para que este funcione?Os peixes destes grupos movem-se em sincronia, sem chocarem uns com os outros ou atrapalharem-se mutuamente.Um órgão sensorial, denominado linha lateral, capta as vibrações da água que lhes indica os movimentos dos seus companheiros e, graças aos seus olhos laterais, que lhes dão uma visão directa uns dos outros, são capazes de sincronizar os seus movimentos com os dos outros.

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Kiribati: um país a afogar-se

A República de Kiribati é uma nação insular independente composta por cerca de 33 atóis perto do equador, no Pacífico central. As ilhas estendem-se por cerca de 3,5 milhões de quilómetros quadrados de oceano, mas têm uma área terrestre total de apenas 800 quilómetros quadrados.O Atol de Tarawa, aqui representado, situa-se a meio caminho entre o Havai e a Austrália. Tarawa é constituída por uma grande lagoa rodeada por um recife em forma de V com cerca de 35 quilómetros de comprimento e é composta por mais de 30 ilhéus. Local de uma batalha brutal na Segunda Guerra Mundial, Tarawa está dividida em dois territórios, Tarawa Norte e Tarawa Sul.Tarawa do Sul é constituída por uma fina cadeia de ilhéus ligados por passadiços e alberga mais de metade dos 10.000 habitantes de Kiribati. O Aeroporto Internacional de Bonriki é a principal porta de entrada para o país e pode ser visto no canto inferior direito da imagem.O Kiribati é uma das nações mais baixas do mundo, com muitos dos atóis e ilhas de coral do país a elevarem-se a não mais de 2 metros acima do nível do mar, o que os torna extremamente vulneráveis à subida do nível do mar.De facto, Kiribati já sofreu danos crescentes devido a tempestades e inundações. Em 1999, duas das ilhotas desabitadas do país, Tebua Tarawa e Abanuea, desapareceram completamente debaixo de água.O relatório especial "Ocean and Cryosphere in a Changing Climate" sobre a subida do nível do mar afirma que o nível médio global do mar deverá subir entre 0,29 e 1,1 metros até ao final deste século. Embora isto possa não parecer muito, as pequenas nações insulares, incluindo Kiribati, enfrentarão consequências particularmente devastadoras.Pequenas alterações na subida do nível do mar não só causarão inundações, erosão, poluição do solo e degradação dos corais, como acabarão por reduzir ainda mais a área terrestre de Kiribati, deslocando muitos dos seus habitantes.

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National Geographic de Dezembro de 2025

Atapuerca, 40 anos de descobertas: Após quatro décadas de escavações, os achados paleontológicos desta serra de Burgos estão a reescrever a história da evolução humana. A descoberta de um novo fóssil de hominídeo, o mais antigo da Europa, confirmou a relevância deste lugar, o único do mundo que congrega vestígios de cinco hominídeos num curto espaço geográfico.As melhores fotos de 2025 da National Geographic: Durante o ano, os fotógrafos da National Geographic captaram milhares de fotografias, ajudando a construir uma percepção mais rica do que se está a passar no nosso planeta. A PHDA também afecta os adultos: As últimas investigações  sobre a perturbação de hiperactividade e défice de atenção estão a mudar a concepção sobre esta condição.Recordando Jane Goodall: Poucas figuras da história da conservação tiveram tanta influência como Jane Goodall. Após a sua morte, recordamos  seu trabalho com o arquivo da National Geographic. A vida pelos olhos dos insectos: Um fotógrafo japonês  modificou a sua câmara e revelou as cenas estranhas  e curiosas que mal se vêem  sob os nossos pés.

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As mães

Os mangustos-listrados (Mungos mungo) são conhecidos pelo seu comportamento social, formando comunidades de até quarenta indivíduos. E embora ocasionalmente os vejamos a procurar comida sozinhos – especialmente para pequenas presas, como insectos ou pequenos vertebrados –, o grupo é muito importante para eles.Sabe-se, por exemplo, que as fêmeas sincronizam os seus partos de modo a que todas as crias nasçam muito próximas e que as mães possam amamentar qualquer cria sem distinção. Também marcam o seu território, tal como os outros membros do grupo, pelo que cheiram todos ao mesmo!

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SábadoSábado
Polícia recupera cão encontrado a vaguear numa estrada em Ohio
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Polícia recupera cão encontrado a vaguear numa estrada em Ohio
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Veado resgatado após cair em lago gelado nos EUA
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Veado resgatado após cair em lago gelado nos EUA
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Pontaria cósmica: A história do meteorito que quase ia matando Ann Hodges

Depois de uma manhã de trabalho doméstico, a senhora Ann Hodges sentiu-se no direito de uma merecida sesta. Com 34 anos, a dona de casa de Sylacauga, Alabama, estendeu-se sobre o sofá, na protecção do seu lar.Pouco tempo teve para fechar os olhos e deixar-se levar, pois um enorme estrondo, acompanhado de uma dor lancinante, arrancou-a do seu descanso. No seu lado esquerdo, Hodges sentiu a aguda pontada de uma perfuração, uma mancha escura e vermelha espalhando-se no lado do corpo. Em cima, no tecto, um buraco rasgado; e a primeira razão que lhe ocorreu foi a explosão do aquecedor a gás. Reparando numa pedra do tamanho de uma meloa no chão, pensou numa brincadeira idiota de miúdos, um projéctil lançado com força e que, infelizmente, a atingira.A sua mãe, que se encontrava numa divisão lateral, acudiu ao ouvir uma comoção e encontrou a filha ferida e partiu imediatamente à procura dos culpados. Mas no exterior, apenas uma nuvem negra no céu se destacava do que era um resplandecente dia de final de Novembro. Foi confrontada então pelos olhos esbugalhados dos transeuntes. A verdade é que todas aquelas órbitas escancaradas acabavam de presenciar uma anormal fenómeno: uma bola de fogo e luz deixou o rasto castanho após furar o telhado da habitação. O susto foi tão grande que alguns julgaram tratar-se de um desastre de avião. No entanto, o que acontecera fora ainda mais espantoso.Uma probabilidade astronómicaUm meteorito é um pedaço sólido que se desprende de um bólide cósmico como um cometa, ou um meteoro. Quando o objecto entra ou passa demasiado perto da atmosfera terrestre, as forças de atrito ajudam que algumas poeiras ou rochas pequenas se libertem. Na sua maioria, estes pedaços desfazem-se gradualmente até desaparecerem em luz. Ocasionalmente, em raras alturas, essa amostra separada tem tamanho suficiente para resistir a todas estas forças físicas e chegar ao solo.Em 1992, por exemplo, o estado de Nova Iorque assistiu ao espectáculo de um carro perfurado por um uma pedra celeste; e em 2003, uma rocha pesando 18 quilogramas deu cabo de um telhado em Nova Orleães, embora sem vítimas a registar. Ainda recentemente, em 2013, tornaram-se virais as imagens de uma explosão nos céus da Rússia, justificada por um meteorito. Desde 1908, no mesmo país, a explosão de Tunguska ainda levanta dúvidas sobre a sua origem. O que acontecera à senhora Hodges fora uma daquelas coincidências cuja probabilidade matemática se escreve em demasiados zeros para ser credível. Um pequeno meteorito escapara a todas as forças físicas da atmosfera e chegara intacto ao solo. Escolhera, de todos os lugares, a anca desta mulher para se alojar, tornando-a no único ser humano que podemos comprovar ter sido atingido por um objecto cósmico. Ann Hodges não soube disto na altura, nem lhe terá parecido importante, pois toda a comoção em torno do acidente deixou-a tão ansiosa que foi obrigada a passou alguns dias no hospital. Os ferimentos, de acordo com os médicos, não eram graves, apenas um grande hematoma na perna, além da mão esquerda inchada. Na casa, a polícia encontrou uma rocha, que foi identificada por um geólogo que trabalhava numa pesquisa ali perto como um meteorito. A possibilidade entusiasmou a pequena comunidade e procedeu-se então ao transporte da preciosa carga até a base militar de Maxwell, a mais próximo de Sylacauga. Os físicos militares confirmaram a identidade espacial do objecto e enviaram-no, por isso mesmo, para o Instituto Smithsonian, um dos mais importantes repositórios de Ciência e História dos EUA. O Cosmo no tribunalO mais inacreditável é que a parte realmente estranha desta história ainda nem começou. O científico calhau, que não sente nem pensa, nem imagina que será o protagonista de uma imensa cruzada narrativa e jurisdicional. O Smithsonian quis ficar com ele, mas o estado do Alabama, ciente da sua importância história e potencial turístico, não viu isto com bons olhos e apelou até ao congressista que representava a área onde se localizava Sylacauga, Kenneth Roberts, para que forçasse o museu a devolvê-lo. Foi bem sucedido, mas agora, entramos no domínio pessoal. A casa da senhora Hodges não era sua propriedade e a senhoria que lhe alugava a morada, Birdie Guy, via-se agora a braços com o custo dos danos. Entretanto, a família Hodges tornara-se rapidamente célebre, o que não agradava nem a Ann nem ao marido, Hewlett, pessoas reservadas e que agora se viam diariamente rodeados por dezenas de jornalistas e muito mais curiosos, interessados em fotografá-los e questioná-los sobre o incidente. Birdie foi convencida então por aqueles em seu redor que sendo sua a casa, o meteorito também o era; e que havia muito dinheiro a ganhar com este, mais do que suficiente para cobrir o custo dos arranjos. Como tal, um processo em tribunal desenrolou-se pela posse do objecto. Os Hodges, surpreendidos, contra-atacaram com uma acção judicial reclamando pelos ferimentos causados em todo o acontecimento, mais o stress emocional. No final, as coisas resolveram-se fora das salas de audiências, com as partes chegando a acordo e a pedra na posse da família atingida.Ainda assim, o final da história não foi feliz para os Hodges. Ann teve um breve momento de celebridade, com aparições na capa da revista Time e em concursos televisivos como convidada-mistério, mas incapaz de entender como monetizar a sua recente fama, faz pouco dinheiro com a mesma. Chegou a receber uma oferta monetária de 5.500 dólares – muitíssimo dinheiro naquela altura – por parte do Instituto Smithsonian, mas não pôde aceitar porque foi feita no período em que a pedra não estava na sua posse mas sim na de Birdie Guy, durante o processo que opôs ambas. Separou-se do marido em 1964 e ambos concordaram que a súbita atenção do público, quebrando a sua rotina diária habitual, foi um factor importante. O desejo de ambos era que nunca lhes tivesse acontecido aquele acaso. Ann acabou por morrer devido a complicações de saúde renal aos 54 anos, em 1972.O meteorito de Hodges, como ficou conhecido, está hoje no Museu de História Natural do Alabama, para onde foi dado por Ann Hodges à revelia do marido. A única pessoa que ficou verdadeiramente feliz com toda esta história foi um agricultor chamado Julius McKinney.Ia ele feliz e contente para o trabalho quando encontrou um estranho pedaço rochoso que se desprendeu do mesmo corpo cósmico de onde saiu o meteorito que foi tema deste artigo. Sem qualquer obstáculo a prendê-lo, aceitou uma oferta do Smithsonian, a suficiente para comprar um carro e uma pequena quinta para a sua família. A moral da história é muito óbvia: se vir um meteorito voar na sua direcção, desvie-se – mais vale uma pedra a voar do que tê-la na mão.

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As duas independências de Timor-Leste

Timor-Leste. Foram necessárias duas afirmações da sua independência, do seu direito a existir como estado para que finalmente se destacasse a partir do mar que tem o seu nome. Hoje, contamos-lhe a história da primeira libertação, que ocorreu há precisamente 50 anos, e da segunda, há 23, que contou com o apoio da antiga força colonizadora.A História de TimorO arquipélago tem uma história antiga, que não difere da de outros da mesma região: povoado pelas deambulações melanésias a partir do Pacífico e depois evoluindo para um grupo de pequenas comunidades com cultura e leis próprias, na sua maioria orais. O interesse exterior nestas ilhas deveu-se principalmente à madeira de sândalo e foi por este motivo que, no século XVI, os portugueses aqui chegaram e criaram um entreposto comercial. Deve notar-se que durante vários séculos, a presença de Portugal em Timor foi residual, marcada pela disputa com os neerlandeses pelo seu domínio. Estes últimos instalaram-se naquilo que hoje é a Indonésia e a sua luta com as armadas portuguesas animou a região e levou a que os nossos exploradores fossem mudando o seu centro comercial de local em local até se fixarem finalmente, em 1769, naquilo que viria a ser Díli, a actual capital timorense.A negligência viria a ser a política comum de Portugal em relação à sua possessão na Oceânia. De facto, permaneceu esquecida praticamente até ao final da Segunda Guerra Mundial, com um investimento mínimo, e por vezes nulo, em infra-estruturas, saúde ou educação. O arquipélago era tão desprezado que a utilidade maior que lhe arranjaram foi como colónia penal para prisioneiros políticos desde 1892. A monarquia, acossada pelos anarquistas durante a sua fase final, passou uma lei condenando-os a trabalhos forçados no local mais isolado e temível do chamado Império Colonial Português. Esse desterro era Timor. O Estado Novo deu continuidade a essa tradição, instalando um campo de concentração na ilha de Ataúro, 22 quilómetros a norte da ilha de Timor, para onde despachou todo o género de divergentes políticos, entre comunistas e sindicalistas. Este é um capítulo de relação luso-timorense poucas vezes falado, mas que viria a contribuir decisivamente para a independência do país.As sementes da resistênciaTodos estes agitadores, no entanto, não deixaram a sua vontade rebelde na metrópole. Quando os japoneses invadiram Timor durante a Segunda Guerra Mundial, são eles quem forma a espinha dorsal da resistência ao invasor, apesar da ocupação; e no final de conflito, estes homens julgam-se no direito de exigir a Portugal, que se apresentou como neutro no conflito e esqueceu praticamente a sua possessão da Oceânia, pelo menos um grau de autonomia. Reclamavam, além deste esquecimento uma tremenda falta de investimentos nos cuidados básicos com a população e sentiam que a o único motivo pelo qual o governo português mantinha a ocupação era puramente por uma questão do velho orgulho imperial.O período pós-Segunda Guerra é marcado por todo o mundo por uma onda de auto-determinação das colónias europeias. Ali ao lado, na Indonésia, a independência em relação aos Países Baixos surge imediatamente em 1945; e por toda a região, uma após outra possessão ganha o direito a decidir o seu destino. Portugal tentou evitar isso, investindo nos negócios do território – principalmente o café ,– mas foi adiando o inevitável. O 25 de Abril de 1974 precipitou um abandono do mapa colonial português. Timor-Leste aproveitou os ventos da época para se declarar independente a 28 de Novembro de 1975, há 50 anos.Portugal, nesta altura já livre do Estado Novo, aceitou a independência do território e aprovou a criação de três partidos: a UDT (União Democrática Timorense); a ADT (que se transformaria mais tarde na FRETILIM); e a APODETI. Os dois primeiros integravam antigos resistentes à ditadura, inclinados à esquerda: a ADT contava nas suas fileiras com os futuros presidentes Mari Alkatiri e Ramos Horta e a UDT era formada e dominada por vários membros do clã Carrascalão, um dos mais emblemáticos da moderna história timorense.Já o APODETI, fundada por Arnaldo Reis Araújo, um criador de gado com um historial de colaboracionismo com os japoneses, diferia dos restantes partidos ao não querer a independência. Advogava uma integração na vizinha Indonésia como uma província autónoma. Apoiada por dinheiro indonésio, o partido teve pouca popularidade, mas através da manipulação, viria a dar munição aos vizinhos: numa das suas declarações, anunciou que 70% da população queria a integração, o que era falso. Mas a frase ficou e foi usada muitas vezes pela Indonésia como justificação do que se seguiria.E o que se seguiu não foi bonito: as forças que apoiavam a integração indonésia, que passaram a incluir um dos líderes da ADT, Francisco Cruz, recusaram os resultados de umas eleições que deran 55% dos votos à UDT e forçaram um golpe de estado.As forças portuguesas fogem para Ataúro e é a FRETILIM quem resiste e domina as forças de Cruz. Compreensivelmente chateadas pelo abandono de Portugal, declaram a independência unilateralmente. O governo português não aceita e, neste impasse, chegam aos EUA as palavras que mais assustam Henry Kissinger, na altura secretário de Estado: possível governo comunista.Ora, Kissinger deu ouvidos ao regime da Indonésia, um país que tinha virado um estado totalitário em 1966, depois de uma guerra civil que colocou no poder o general Suharto. Nesse ano de guerra, pelo menos 500 mil pessoas foram executadas ou foram dadas como desaparecidas. Não precisando sequer deste incentivo, a Indonésia faz a vontade a Kissinger e ocupa a ilha, onde fica durante 24 anos à revelia de resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) ordenando a sua expulsão e o fim da ocupação ilegal. O motivo dado foi o combate ao comunismo, o que levou a aplausos dos EUA.A ocupação indonésia... e o seu fimA saga da ocupação da Indonésia é uma incrível tragédia que muitas vezes se esquece porque nos tornámos insensíveis a estes eventos. Timor foi desculturalizada, como uma bárbara “indonesização” do país que foi desde o ensino obrigatório da língua até à conversão forçada ao Islão de uma população maioritariamente católica.Não sabemos o resultado efectivo da opressão estrangeira em Timor, mas alguns cálculos apontam para 250 mil vítimas mortais, além de outros milhares de cidadãos que guardam em si as marcas da tortura e da violência física e mental. Mulheres foram esterilizadas à força, o mundo rural foi transformado numa escola de como ser indonésio e evitar que os timorenses apoiassem a entretanto formada Resistência Timorense, nascida dos lutadores da FRETILIM.O movimento de resistência possuía fracos recursos materiais, mas era expedito e inteligente. Procurou apoios em instituições como a Igreja Católica, através da figura do bispo de Díli, Dom Ximenes Belo, e através de homens como Ramos-Horta, procurou o apoio de países aliados. Aqui, Portugal, como membro da na altura CEE, foi importante: o seu esforço foi tremendo, assentando em manifestações populares e na constante referência à situação timorense, não deixando que fosse esquecida. Xanana Gusmão, líder da FRETILIM preso pela Indonésia, passou ser um símbolo da resistência do povo timorense, com a sua cara a figurar em vários cartazes pró-independência. Em 1991, o massacre de duzentos timorenses no cemitério de Santa Cruz tornou-se na imagem de uma vergonha que já não se podia ignorar. As filmagens e fotografias feitas por Max Stahl, um jornalista britânico, plasmaram nos ecrãs mundiais o horror que acontecia num território esquecido e desconhecido longe nos mares do Pacífico.A reacção global foi o toque que faltava para que a comunidade internacional, incluindo os EUA, forçasse a Indonésia a resolver a situação. Foi assim que, em 1999, um referendo acordado entre Indonésia, Portugal e gerido pela ONU foi permitido em Timor. A escolha seria feita entre a independência e a continuação do domínio indonésio. Os partidários independentistas venceram, mas a reacção das forças pró-Indonésia, com o apoio do exército do país, tentou negar estes resultados, em sucessivos massacres e destruições que levaram à morte de dezenas de milhares de timorenses.As forças internacionais da ONU dominaram finalmente a situação e, em 2002, o primeiro governo constitucional de Timor-Leste tomou funções com a primeira constituição em vigor. Nesse mesmo ano, o país tornou-se membro da ONU e desde então, têm-se realizado eleições regulares, sem problemas, e a Repúblika Demokrátika Timór Lorosa'e (em tetum) mantém uma democracia relativamente estável... com os problemas habituais que um jovem país enfrenta.

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Por que razão as lagartixas de três patas não têm menos probabilidades de sobreviver

Juntamente com a mutação e a migração, a selecção natural é um dos mecanismos fundamentais da evolução, um processo através do qual a herança assinala o caminho rumo à sobrevivência. As diferenças de tamanho, cor, resistência ou comportamento entre indivíduos de uma mesma espécie determinam as suas probabilidades de sucesso. Quanto maior for a sua capacidade de adaptação, melhores são as probabilidades de sobreviver e deixar descendentes. Por outro lado, qualquer pequeno defeito poderá tornar-se uma desvantagem… ou, pelo menos, era isso que se pensava até à data.No mundo das lagartixas, estas alterações são muito evidentes, sendo a variação do comprimento das suas extremidades um dos exemplos mais paradigmáticos da sua capacidade de adaptação.Alguns estudos evidenciaram que esta variável tem uma relação estreita com a forma como diferentes espécies usam o seu habitat. Por conseguinte, até pequenas variações de comprimento em diferentes indivíduos podem influenciar o seu funcionamento biomecânico, a sua aptidão evolutiva e a sobrevivência das populações.As características favoráveis são transmitidas de geração em geração e as características que se tornam mais comuns vão moldando, de forma gradual, as populações. Seguindo esta premissa, um organismo menos beneficiado – por exemplo, com uma extremidade a menos – teria, teoricamente, menos probabilidades de sobrevivência.No entanto, para muitos biólogos que trabalham no campo, é surpreendente a frequência com que encontram espécimenes aparentando um bom estado de saúde, mas com as extremidades mutiladas ou até sem elas – condições que representam um desafio associado às expectativas da sua aptidão evolutiva. Não deveriam estes répteis ficar à margem da selecção natural? Quais as características adquiridas que os tornaram tão resistentes?Estará a selecção natural sempre omnipresente?Uma equipa de cientistas da Universidade de Chicago, liderada por James Stroud, estudou pormenorizadamente 58 espécies de lagartixas que tinham perdido algumas extremidades. O resultado, publicado na revista American Naturalist, lançou nova luz sobre um facto insólito: até que ponto a falta de uma extremidade pode ser um impedimento para algumas espécies.Todos os indivíduos, concluíram os investigadores, seguiam o mesmo padrão: as suas extremidades sararam e eles estavam perfeitamente saudáveis. “Os dados mostram que a população de lagartixas com três ou menos patas consegue correr e a sua sobrevivência é comparável com a das lagartixas que têm as extremidades intactas”, afirmam os autores do estudo, que se interrogam: estará a selecção natural sempre omnipresente, como Darwin a imaginou?María del Rosario Castañeda, professora assistente e directora da Colecção Zoológica Icesi de Cali, na Colômbia, explica à National Geographic alguns dos meandros deste estudo.National Geographic (NG): Como se estuda o movimento ou a sobrevivência de centenas de lagartos no seu ambiente natural? Qual a metodologia utilizada para acompanhar os animais e registar os seus comportamentos?María del Rosario Castañeda (MRC): Primeiro, é necessário fazer trabalho de campo durante muitos anos, e em diferentes sítios, a fim de incluir o maior número de espécies possível. Para tal, recorremos a diferentes estratégias, a principal das quais é a observação directa, na qual utilizamos vídeo para registar comportamentos. Quando a viagem de campo foi planeada para obter dados de desempenho (pois as observações são, frequentemente, fortuitas) já temos os equipamentos necessários para recolher provas que permitam quantificar esse movimento.Por exemplo, pomos os indivíduos a correr numa pista com uma superfície conhecida (ou seja, com uma textura e um diâmetro padrão, a fim de compararmos diferentes indivíduos e espécies) e filmamo-los, o que nos permite calcular a sua velocidade e manobrabilidade). A sobrevivência é avaliada através de amostras periódicas: os indivíduos são marcados aquando do primeiro encontro e as recapturas são registadas nas amostras seguintes, a fim de calcularmos a taxa de sobrevivência da espécie ao longo do tempo.NG: Como é possível que uma lagartixa com três patas consiga sobreviver – e até deslocar-se tão depressa como um saudável – na natureza?MRC: Essa é precisamente a coisa mais fantástica deste projecto! Quando falamos em selecção natural, a teoria enfatizou a forma como os fenótipos (ou morfologias) sub-ideais deveriam ter menos probabilidades de sobreviverem ou de se reproduzirem. Mas não é isso que os resultados nos dizem. Aquilo que vimos foi que os indivíduos com menos uma extremidade não apresentam necessariamente menor condição física, nem um desempenho reduzido, o que sugere que, de alguma forma, os indivíduos compensam essa falha e conseguem sobreviver sem problemas aparentes. Embora o tamanho da amostra seja limitado, parece que eles conseguem, de alguma forma, adaptarem-se a essas falhas.NG: O que nos ensina a resistência destes lagartos sobre a capacidade dos animais para se adaptarem a lesões ou condições extremas?MRC: Ensina-nos muito! Em primeiro lugar, convida-nos a reavaliar a ligação entre a forma e a função ideais. É verdade que algumas formas podem ser mais eficientes do que outras para determinada função, mas o leque de possibilidades não se limita ao preto e ao branco – inclui um amplo espectro de possibilidades.Por outro lado, recorda-nos que a selecção natural não actua sobre caracteres morfológicos isolados, mas que os indivíduos são um todo, razão pela qual medir uma única característica pode mostrar apenas uma visão parcial do cenário real. Por fim, há que referir que a adaptação, normalmente medida directamente em termos de desempenho, também envolve outras variáveis, como o comportamento. E isso pode funcionar como uma ferramenta essencial para exprimir a plasticidade necessária face a diferentes condições ambientais.“Se um animal conseguir ajustar o seu modo de vida para sobreviver à perda de uma extremidade, também pode modificar os seus hábitos ou horários de modo a adaptar-se às alterações climáticas.”NG: Se um animal consegue sobreviver com uma pata a menos, que outras capacidades ocultas poderão as espécies ter para se adaptarem às alterações climáticas ou à perda de habitat?MRC: Essa é a pergunta que todos fazemos. Quanto potencial têm as espécies para se adaptarem a condições menos ideais? Um aspecto que sobressai do artigo é que o comportamento, frequentemente ignorado nos estudos de selecção natural, pode desempenhar um papel fundamental na adaptação. Se um animal for capaz de ajustar o seu modo de vida para sobreviver à perda de uma extremidade, também poderá modificar os seus hábitos ou horários para se adaptar às alterações climáticas ou à degradação do seu habitat. O comportamento poderá ser a resposta imediata para enfrentar alterações rápidas no seu ambiente.NG: A sua investigação parte, basicamente, de uma pergunta: “será a selecção natural tão omnipresente como Darwin a imaginou?” Em princípio, a selecção natural não recompensa os indivíduos que apresentam uma desvantagem evolutiva neste modelo. A que acha que isto se deve? Estaremos diante de uma nova forma de compreender a evolução?MRC: Não creio que estejamos diante de um novo modelo. O que se passa é que estamos a constatar a necessidade de incluir outras variáveis que podem ser relevantes no modelo e que, até agora, tínhamos relegado para segundo plano. Talvez tenhamos simplificado um pouco o modelo de selecção natural das populações e creio que isso derive principalmente do facto de a simplificação permitir calcular e prever com mais facilidade o efeito da selecção natural numa população.No entanto, os resultados deste estudo mostram que a realidade é mais complexa: indivíduos com limitações morfológicas podem ser bem-sucedidos em matéria de sobrevivência e reprodução através de ajustes comportamentais ou diferentes estratégias de movimento. Os resultados também nos fazem pensar se a acção da selecção natural acontecerá sempre continuamente e com a mesma intensidade, o que nos obriga a considerar a possibilidade de um referencial teórico mais flexível e dinâmico.NG: Até que ponto é possível que algo tão dramático como a perda de uma extremidade se torne uma oportunidade evolutiva em vez de uma desvantagem?MRC: É uma boa pergunta. Teríamos de pensar num cenário onde essa perda representasse uma vantagem em relação a outros indivíduos sem ela; quando a reacção a essa perda impulsionasse o desenvolvimento de comportamentos ou adaptações que aumentassem a sobrevivência ou o sucesso reprodutivo do indivíduo.Se essas novas estratégias de compensação acabarem por conferir uma vantagem ao indivíduo ao longo do tempo, a selecção natural pode chegar a favorecê-las na população. Voltando à pergunta sobre a capacidade de adaptação dos seres humanos, podemos pensar na forma como uma perda significativa pode despertar ou potenciar capacidades como a resiliência ou a força de vontade. Neste caso, a capacidade de adaptação a essas novas condições extremas poderá ser considerada uma forma de adaptação que transforma uma desvantagem inicial numa oportunidade evolutiva.

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Uma antiga colónia de leprosos no Hawai oferece hoje um raro vislumbre da história

Pela primeira vez em mais de cinco anos, os viajantes vão poder regressar a um dos parques nacionais menos visitados dos EUA, situado no Hawai. Encerrado desde Março de 2020, o Parque Nacional Histórico de Kalaupapa está novamente aberto, embora com limitações rigorosas. Foi, entretanto, criada uma novíssima visita guiada, que proporciona um raro vislumbre de um poderoso capítulo da história do Hawai.Mesmo antes do encerramento devido à pandemia, Kalaupapa era histórica e estatisticamente um dos parques nacionais menos visitados dos EUA, devido à sua localização distante, dificuldades logísticas e financeiras de acesso, limitações estritas impostas aos visitantes e a sua situação singular de alojar “pacientes”.Quando a lepra, igualmente conhecida como doença de Hansen, eclodiu nas ilhas do Hawai em meados do século XIX, todas as pessoas que contraíram a doença – adultos e crianças – foram enviadas para Kalaupapa para viverem em isolamento forçado. Ao longo dos cem anos que se seguiram, mais de 8.000 pessoas morreram na distante costa setentrional de Molokaʻi, separadas das suas famílias.“Kalaupapa conserva as histórias das pessoas que viveram em isolamento depois de serem diagnosticadas com doença de Hansen”, diz Nancy Holman, supervisora do Parque de Kalaupapa. “Hoje em dia, continua a ser o lar de um pequeno número de pacientes residentes curados, cuja privacidade é protegida através das restrições impostas às visitas e à realização exclusiva de visitas guiadas.”Outrora um local de exílio e tragédia, o parque e os seus pacientes residentes esperam que a visita guiada renove a compaixão e a compreensão das pessoas, à medida que Kalaupapa entra neste novo capítulo da sua história.Uma breve história de KalaupapaEm meados do século XIX, a lepra começou a espalhar-se pelas ilhas do Hawai. As pessoas não sabiam muito sobre a doença naquela altura, mas a sua natureza contagiosa e frequentemente desfigurante despertou um medo generalizado. Reagindo a isso, o governo do Hawai enviou todas as pessoas que tivessem contraído lepra para isolamento forçado na Península de Kalaupapa.A geografia da península tornava-a o sítio perfeito. A base relativamente plana da península com 44 quilómetros quadrados penetra no mar sob falésias marinhas com mais de 900 metros de altura – algumas das mais altas do mundo e onde é extremamente difícil chegar. Ou, neste caso, de onde é extremamente difícil sair.Em 1865, o Conselho de Saúde do Reino do Hawai promulgou a Lei para Evitar a Propagação da Lepra. O Conselho começou a enviar pacientes para Kalaupapa em 1866. Os investigadores só desenvolveram métodos de tratamento eficazes depois da Segunda Guerra Mundial. O processo de isolamento forçado em Kalaupapa só terminou em 1969 e, nessa altura, já se tinham passado mais de cem anos e aproximadamente 8.000 pessoas, na sua maioria nativas do Hawai, tinham morrido no local.Quando o governo pôs fim ao isolamento forçado, em 1969, os agentes governamentais perguntaram aos pacientes se desejavam ali ficar ou partir e muitos deles – talvez surpreendentemente – escolheram permanecer em Kalaupapa. Mas havia boas razões para isso. Alguns já lá viviam há tanto tempo, tendo sido enviados para lá quando eram crianças ou jovens adultos, que aquele sítio se tornara o seu lar – em muitos casos, o único lar que conheciam. A doença de Hansen tem um estigma associado. Os pacientes que saíram de Kalaupapa enfrentaram, seguramente, desafios no mundo exterior.O acordo determinava que qualquer paciente que decidisse permanecer receberia apoio do Estado do Hawai para o resto da sua vida, e por isso, muitos ficaram. Actualmente, restam seis pessoas, com idades compreendidas entre os 80 e os 101 anos, cujo lar é Kalaupapa.visitas realizadas numa situação especialA Península de Kalaupapa tornou-se um sítio histórico nacional em 1980. Para além de preservar a história profunda e sombria do local, a sua missão era apoiar e partilhar as histórias de bondade e compaixão das pessoas que ali viveram, trabalharam e morreram, incluindo figuras históricas como o padre Damien, canonizado como santo pelo seu trabalho em Kalaupapa.Outra componente essencial do acordo feito com o Serviço de Parques foi apoiar os pacientes remanescentes, tanto em termos médicos como sociais, e proporcionar-lhes o direito de recusarem quaisquer visitas públicas a Kalaupapa. Desta forma, a privacidade dos pacientes residentes estaria salvaguardada e eles teriam controlo absoluto sobre quaisquer actividades comerciais desenvolvidas no parque.Foi por esta razão – juntamente com outros obstáculos logísticos que se seguiram à pandemia – que Kalaupapa continuou fechado durante tanto tempo. Os pacientes tinham apoiado todas as visitas anteriores e esperava-se que essa tradição se mantivesse. Foi necessário algum tempo para pôr tudo em ordem, mas agora, uma das pacientes remanescentes, Meli Watanuki, quer proporcionar ao público um novo olhar sobre o local com a sua visita guiada, chamada Visita dos Santos de Kalaupapa, inaugurada em finais do passado mês de Setembro.Trazida para Kalaupapa quando tinha apenas 18 anos, Watanuki completou 91 anos em Outubro de 2025. Ela diz que trazer novamente turistas à colónia irá assegurar que as gerações futuras conhecem toda a história de Kalaupapa. À semelhança do que sucede com muitos acontecimentos históricos, as histórias mais pequenas sobre comunidades, esperança, compaixão e bondade emergem frequentemente para contrabalançar histórias maiores sobre tragédia e maldade.“Aquece-me o coração ver os visitantes seguirem as pegadas dos santos e de tantos outros que vieram antes deles”, diz Watanuki. “Kalaupapa sempre foi um sítio de amor e de fé e é uma bênção poder partilhar novamente esse espírito.”‘Uma gaiola dourada’: uma mistura de esperança e tragédia na mesma visitaEntrar em Kalaupapa pode ser uma experiência confusa. Quando ali chegam, os visitantes não conseguem ignorar a beleza do local – falésias marinhas altíssimas, vistas belíssimas do oceano, uma aldeia aparentemente idílica e uma atmosfera calma e pacífica. Talvez até queiram mudar-se para lá ou, pelo menos, pensar nela como uma “gaiola dourada”, como me aconteceu aquando da minha primeira visita em 2013.A Visita dos Santos de Kalaupapa pretende captar esta dinâmica, partilhando ambos os lados da história: o bom e o mau. Visita sítios históricos fundamentais da península, que foi outrora uma comunidade cheia de vida com mais de 200 edifícios, incluindo habitações, um teatro, um bar, uma mercearia, uma bomba de gasolina, um aeroporto, cemitérios, um posto de correios, uma prisão e um farol.As interacções com os pacientes, incluindo Watanuki, são possíveis, mas não sãgarantidas devido à idade e às suas necessidades médicas.Actualmente, a visita começa no aeroporto de Honolulu, em O’ahu. Partindo dali, após uma apresentação, os visitantes fazem um voo com 30 a 45 minutos de duração até Molokaʻi e aterram directamente na Península de Kalaupapa para um dia inteiro de exploração, que dura mais de sete horas. No final da visita, apanham o voo de regresso para Honolulu.Quando este artigo foi escrito, os grupos de visitantes estavam reduzidos a um máximo de oito pessoas, devido a limitações da capacidade de transporte, disponibilidade dos vôos e ao facto de só haver meia dúzia de visitas guiadas por mês. Devido ao número limitado de lugares nas aeronaves que voam para Molokaʻi (nove), as poucas datas disponíveis para visitas (apenas quatro em Dezembro, por exemplo), as limitações da capacidade dos transportes em terra (máximo de 16 pessoas) e ao facto de a visita começar em Oʻahu, o preço é exorbitante: 540 euros por pessoa. Neste momento, visitar Kalaupapa parece estar reservado aos turistas endinheirados, mas isso não teve impacto na procura – as visitas estão esgotadas até ao final de 2025.No entanto, Randy King, fundador da Seawind Tours & Travel, a empresa que trabalha com Watanuki e ajuda a realizar as visitas, diz que as datas para 2026 serão anunciadas em breve e, se tudo correr bem, as visitas serão mais frequentes. Eventualmente, o ponto de partida passará a ser Molokaʻi, o que poderá diminuir o preço. Quando isso acontecer, os visitantes poderão voar para Kalaupapa a partir do aeroporto de Kaunakakai, no “cimo de Molokaʻi” ou na zona mais acessível da ilha, a norte das falésias marinhas da costa setentrional.Quanto àqueles que já visitaram Kaluapapa anteriormente e estão a pensar no que o futuro poderá trazer, não existem quaisquer planos para repor as opções de transporte mais acessíveis, nomeadamente a caminhada ou o transporte com mulas, que existiram no passado a partir do cimo de Molokaʻi. Os pacientes residentes que organizavam essas visitas já não o fazem.Se e quando as visitas a partir de Molokaʻi voltarem a estar disponíveis, os turistas devem concluir a experiência visitando o Museu de Molokaʻi, para conhecer a sua colecção sobre Kalaupapa, que inclui fotografias e documentos antigos, bem como o Miradouro de Kalaupapa, que proporciona uma ampla vista panorâmica da península desde o cimo das falésias.Independentemente do ponto de partida da visita, King recomenda que se prepare para um dia activo e emotivo.“Passar o dia em Kalaupapa vai afectá-lo”, diz King. “Há muita beleza, muita tristeza. Absorva tudo e imagine como seria quando ali viviam mil pessoas, quando todas trabalhavam juntas para criar um sítio maravilhoso onde viver. Sim, as pessoas foram obrigadas a ir para ali, mas encontraram uma forma de trabalharem juntas, de o transformarem no seu lar e esta é a história que nos inspira actualmente.”Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

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Imperadores romanos: as leis, as manias e os mitos mais insólitos

O Império Romano evoca imagens de poder militar, espectáculos de gladiadores e feitos de engenharia, mas, para os homens que governavam, a vida era complicada e repleta de riscos.Júlio César, cujas conquistas firmaram os alicerces para a ascensão do primeiro imperador, Augusto, não foi o único aspirante a tirano que morreu de forma violenta. Alguns imperadores governaram apenas durante poucas semanas, enquanto outros tiveram fins trágicos pela mão de guarda-costas e parentes da sua confiança.Para aqueles que sobreviveram, o estatuto imperial deu-lhes a oportunidade de satisfazerem os seus caprichos e exercerem o seu poder – e as suas obsessões eram frequentemente estranhas. Desde exilarem os seus próprios filhos a decretarem um imposto sobre urina, os imperadores de Roma aproveitaram ao máximo o seu controlo sem limites. Seguem-se alguns dos projectos mais ambiciosos, bizarros e egotistas nos quais embarcaram – e alguns dos finais mais desconfortáveis dos seus reinados.Augusto baniu a sua própria filhaEm 18 a.C., o imperador Augusto aprovou um conjunto de reformas morais conhecidas como Leis Julianas, com o objectivo de reavivar a virtude romana, recompensando o casamento e punindo o adultério. Pela primeira vez na história de Roma, a infidelidade tornou-se um crime público, em vez de ser um escândalo privado – crime esse que poderia ser penalizado com exílio e confiscação de propriedades. As leis serviam de modelo para a disciplina cívica, mas a vítima mais famosa foi a própria filha de Augusto, Júlia, cuja vida social glamorosa e visivelmente desenfreada não tardou a revelar-se uma vergonha pública. Autores antigos como Suetónio, Dião Cássio e Veleio Patérculo relataram que, quando Júlia foi considerada culpada de adultério, o pai exilou-a para a ilha desolada de Pandateria (a actual Ventotene). Segundo Suetónio, ela permaneceu ali durante cinco anos, antes de Augusto permitir o seu regresso ao continente. No entanto, ele nunca mencionava o seu exílio e sentia-se humilhado pelo seu comportamento. Quando uma das confidentes de Júlia, uma mulher liberta chamada Phoebe, se enforcou por volta da mesma altura, Augusto disse, alegadamente, que “preferia ter sido pai de Phoebe”.Embora Júlia tenha sido quem foi tratada de forma mais dura, o desejo de Augusto de controlar e moldar os membros da sua família não se ficou por ali. Segundo Suetónio, que escreveu a sua biografia dos doze césares aproximadamente um século após a morte de Augusto, o imperador tinha uma caligrafia muito peculiar. Era tão diferenciada que Augusto insistiu em ensinar os seus herdeiros a escreverem da mesma forma, treinando-os para “imitarem a sua caligrafia”. Este tipo de “micro-gestão da escrita”, escreveu Tom Geue, professor de Estudos Clássicos na Universidade Nacional da Austrália, “é exclusivo de Augusto” e uma prova de um desejo quase obsessivo de assegurar o seu legado, reproduzindo-se nos seus sucessores.Cláudio tentou mudar o alfabetoDa mesma forma que Augusto promulgou as leis da virtude, o imperador Cláudio (41-54 d.C.) também quis mudar os fundamentos da sociedade romana. Segundo Suetónio, ele tentou acrescentar novas letras ao alfabeto latino: o anti-sigma Ↄ, que soava como um bs ou ps; Ⱶ, meio H, que aparenta ter o som de uma vogal encurtada; e o digama Ⅎ, que soava como um “w.” Suetónio acrescenta que Cláudio até escreveu um livro para explicar a teoria por trás destas letras.Embora isto possa parecer ousado, as línguas antigas evoluíam e mudavam. Segundo o historiador Tácito, foi essa prática que levou Cláudio a tentar promover essa mudança. Tácito diz que, quando Cláudio “descobriu que nem a escrita grega tinha começado e acabado” ao mesmo tempo, decidiu desenhar “alguns caracteres latinos adicionais”. No seu livro Empire of Letters, a professora Stephanie Frampton, do MIT, explica que a introdução de novas letras por Cláudio foi vista como parte de uma tradição segundo a qual a linguagem e o alfabeto evoluíam ao longo do tempo.Embora exemplos das letras criadas por Cláudio tenham sido encontrados em descobertas arqueológicas, o seu esforço foi um fracasso. Suetónio diz que as letras caíram rapidamente em desuso. Nem o imperador de Roma conseguia mudar a forma como as pessoas escreviam.Nero obrigava as pessoas a ouvirem-no actuarEnquanto Augusto estava focado em gerir a sua casa e o seu império, Nero, que governou entre 54 e 68 d.C., estava mais interessado em festas e espectáculos. Destinado a uma vida na política, Nero ansiava por pisar os palcos. Além de escrever poesia e de participar em corridas de bigas, obrigava regularmente os seus súbditos a assistirem aos seus recitais de música. Segundo Suetónio, “ninguém podia sair do teatro enquanto ele cantava, nem pelos motivos mais urgentes”. Suetónio acrescenta que mulheres grávidas entraram em trabalho de parto e tiveram bebés enquanto ele actuava. Outras pessoas, cansadas de tanto o aplaudirem, tentavam fugir pelos portões trancados, que os transformavam literalmente num público cativo, arriscando-se a magoarem-se saltando os muros do teatro. Os mais desesperados, escreveu Suetónio, fingiam a sua própria morte a fim de serem levados para serem enterrados. É provável que esta história seja um exagero, mas é uma curiosidade deliciosa.Muitas outras histórias protagonizadas por Nero são menos encantadoras: as suas relações com as mulheres da sua vida são tingidas por violência. Quando se fartou das intervenções políticas da sua mãe controladora, Agripina, Nero planeou a sua morte. Após várias tentativas de envenenamento fracassadas, ele orquestrou um naufrágio, ao qual ela conseguiu sobreviver nadando até à costa. Quando a notícia da sua sobrevivência chegou ao imperador, ele acabou por a mandar esfaquear e disse que ela cometera suicídio.Após a morte de Agripina, Nero foi-se tornando cada vez mais sanguinário. Depois de se divorciar e exilar a sua mulher Octávia, acusou-a de adultério e mandou executá-la. Suetónio diz que ele pontapeou a sua segunda mulher, Popeia, até à morte enquanto ela estava grávida de um filho de ambos. À semelhança de muitas histórias de Suetónio, esta poderá ter sido inventada para exagerar a crueldade de Nero.A vontade de Nero de se livrar de todas as pessoas que lhe eram próximas estendeu-se aos seus vizinhos na cidade de Roma. Muitos historiadores antigos acusam Nero de iniciar o grande fogo de Roma, em 64 d.C. para limpar terreno para os seus extravagantes projectos de construção. Dião Cássio escreveu que, enquanto o fogo ardia, ele subiu ao telhado do seu palácio vestido como tocador de lira e cantou “A Captura de Roma”. Este pormenor, provavelmente falso, é a origem do mito segundo o qual Nero tocou violino enquanto Roma ardia, mas consolida a sua reputação enquanto músico obsessivo.Vespasiano tinha um passado desagradávelVespasiano (69 -79 d.C.) trouxe estabilidade ao Império Romano após um ano de uma guerra civil caótica que se seguiu à morte de Nero, mas o seu passado era suspeito. O fundador da dinastia Flávia, que se tornou mais conhecido por ter conquistado a maior parte da Judeia durante a Primeira Guerra Judaico-Romana, poderá ter começado a sua fortuna como vendedor de escravos especializado em castrati – ou eunucos.Por volta de 62 d.C., o futuro imperador terminou o seu mandato como procônsul de África com problemas financeiros. A sua capacidade de obter crédito estava arruinada e ele hipotecara a sua propriedade ao seu irmão. Foi então que se virou para o tipo mais duvidoso de comércio. Suetónio escreveu que Vespasiano era um “mango” (uma espécie de mercador imprestável) que transaccionava “mulas”. Em 2002, A. B. Bosworth publicou um argumento convincente na revista Classical Quarterly, dizendo que o termo mulio (mula) se referia a pessoas que comercializaram seres humanos e que as “mulas” em questão não eram mesmo mulas, mas rapazes jovens que tinham sido escravizados e castrados à força. Os eunucos eram uma mercadoria preciosa no comércio de escravos romano e, se Vespasiano participou neste tipo de negócio, isso explicaria como conseguiu recuperar a sua fortuna tão depressa.Depois de se tornar imperador, Vespasiano não teve quaisquer problemas em lucrar com indústrias tabu. Sarah E. Bond, professora associada de história antiga na Universidade do Iowa, disse que, quando o frugal Vespasiano se tornou imperador, herdou um império “com graves problemas financeiros.” No âmbito das suas medidas de austeridade, ele reintroduziu um imposto sobre a urina (vectigal urinae), um produto importante para as indústrias de lavagem de roupa e curtumes da Roma antiga. “A urina”, disse Bond “vinha de latrinas públicas e de penicos de cerâmica que eram despejados nas ruas a partir dos apartamentos”. Não sabemos ao certo quanto dinheiro esse imposto angariou, acrescenta ela, mas “numa cidade com um milhão”, deveria haver “centenas de curtidores [e trabalhadores da área dos têxteis]” que “precisavam destes dejectos humanos para os seus negócios”. O imposto deverá ter gerado uma soma considerável para Vespasiano.Tanto Suetónio como Dião Cássio escreveram que, quando Tito, o filho de Vespasiano, disse que considerava o negócio indigno, tendo em conta o seu estatuto, e exprimiu a sua repulsa, Vespasiano pegou numa moeda de ouro e perguntou-lhe se cheirava mal. Esta historieta deu origem à expressão “o dinheiro não tem cheiro”.Antonino Pio morreu com uma overdose de queijoNem todas as excentricidades imperiais são difíceis de compreender. Antonino Pio (138-161 d.C.) era um homem normal que gostava de queijo. Com modos delicados e competente, é considerado um dos “bons imperadores” pelos historiadores posteriores, uma vez que conduziu Roma ao longo de um reinado relativamente pacífico de 23 anos. Infelizmente, o seu amor por lacticínios veio a revelar-se fatal. Segundo a Historia Augusta, uma colecção biográfica do século IV, “ele morreu de uma febre causada por comer queijo alpino com demasiada avidez. Depois de tomar um banho no terceiro dia [da febre], ele deitou-se, chamou os seus amigos e ordenou que Marco [Aurélio] fosse apresentado aos soldados como imperador. Em seguida, como se adormecesse, faleceu.” A Historia Augusta é a nossa única fonte sobre esta curiosidade e é conhecida por não ser historicamente fiável. Mesmo assim, caso seja verdade, a morte de Antonino foi uma das mais compassivas de entre todos os dirigentes romanos.Valeriano chegou ao fim da sua vida como degrau humanoAlguns imperadores romanos tiveram fins muito mais sangrentos do que Antonino, o apreciador de queijo. Nero cometeu suicídio. Galba foi assassinado pelos seus guarda-costas, os pretorianos. E Geta foi morto pelo seu irmão Caracala – com a ajuda da sua mãe. No entanto, o fim mais degradante é, possivelmente, o de Valeriano, que governou Roma em meados do século III d.C.Valeriano passou a maior parte da sua carreira a combater os persas na fronteira oriental, onde foi capturado pelo rei Shapur I. Shapur revelou-se um vencedor cruel. Depois de fazer Valeriano seu prisioneiro, manteve o imperador vivo enquanto troféu e deleitava-se humilhando-o regularmente. Segundo o autor Lactâncio, do século IV, sempre que “Shapur queria montar o seu cavalo ou subir para a sua biga, Valeriano era obrigado a oferecer-lhe as costas e o rei colocava o seu pé sobre um imperador romano, usando-o como degrau”. Após muito tempo a servir de degrau humano, escreve Lactâncio, Valeriano foi transformado num espantalho macabro. Foi “esfolado vivo e a sua pele, preenchida com palha e pintada de vermelho, foi exposta num templo persa, enquanto memorial perpétuo da vitória do rei”. A veracidade histórica deste relato é discutível. A sua origem é o sensacional Sobre a Morte dos Perseguidores, de Lactâncio, um autor cristão que desprezava Valeriano por este tratar mal aqueles que partilhavam a sua fé. Embora outras fontes históricas descrevam a captura de Valeriano e a sua humilhação pelos persas e exista um relevo em Naqsh-e-Rustam, no actual Irão, que o mostra em cativeiro, não sobreviveram mais referências ao facto de ele ter sido esfolado.Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.

Source LogoNational Geographic Portugal
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