“Não adianta viver mais anos, uma vida mais longa, se os últimos anos forem vividos com má qualidade”
Completou no presente 75 anos de vida. Que reflexões faz sobre este feito e como gosta de celebrar a vida? Gosto de celebrar a vida com novos projetos, pensando muito mais para a frente do que para trás, embora naturalmente quando se tem a sorte de chegar a uma certa idade – porque é uma sorte! – lidamos também com as memórias daqueles que já cá não estão e de algumas coisas que passaram. Procuro fazê-lo sem demasiada nostalgia e olhando para as muitas coisas que ainda quero fazer. Projetando então o seu futuro, o que gostaria ainda de realizar e como pensa fazê-lo concretamente? No fundo, quais os sonhos pessoais e profissionais que pretende concretizar? Sonhos pessoais são algumas viagens que ainda não consegui fazer, como ao Japão e à Austrália. São destinos que desejo muito ir, são de algum fôlego a todos os níveis. Ainda não foi possível concretizá-los, mas espero vir a realizá-los. Aquilo que tenciono fazer profissionalmente é continuar a escrever, embora não sobre os mesmos temas. Tenho escrito nos últimos anos sobretudo sobre saúde, agora tenho outros projetos. Mas passam pela escrita. Com o que a vida lhe deu e com o que dela aprendeu, teria decidido diferente e terminaria o curso da Faculdade de Medicina? Ou o desejo de atriz de teatro sobrepor-se-ia ao de ser médica? Qualquer uma das duas coisas me daria grande prazer! Tive a sorte de, recentemente, poder continuar um sonho que tinha ficado pelo início – o de ser atriz – e de estar atualmente a fazer uma peça de teatro, esta que vou fazer ao Porto no dia 13 de dezembro. «As Cartas de Amor» é uma peça muito interessante, que faço com o ator Virgílio Castelo, e que ainda vai continuar em tournée em 2026. É uma peça intemporal. Quanto ao curso de Medicina, já não vou a tempo com certeza de o acabar. (risos) Mas não tenho dúvida que me teria dado muita satisfação ser psiquiatra: sempre foi esse o meu interesse na medicina. Nunca me passou pela cabeça outra especialidade que não essa ligada à saúde mental. Porém, só se tem uma vida e não consegui fazer tudo. (risos) Como referiu, esta semana apresenta-se no Porto com a peça «Cartas de Amor». De que se trata e quais as mensagens ou lições principais inerentes que quer passar? Esta é uma história de amor através da qual desfila a vida dos dois personagens em cena, durante 60 anos. Eles começam a contar a sua história quando tinham 8 anos, em que andavam na Escola Primária, onde se conhecem. Depois, estão presentes na vida um do outro, até que a morte os separa, num cruzamento que não é linear. Feito de encontros e de desencontros, de projetos feitos em comum e outros feitos em separado, mas a profunda ligação entre eles mantém-se toda a vida. Eles são dois americanos. Ela uma artista não muito bem-sucedida, uma pintora; ele, que começa por formar-se em advocacia, muda-se depois para a política e torna-se congressista dos EUA. Isso coloca-lhe uma série de problemas em relação à compatibilidade da vida pública e da privada, tema sempre atual. É uma peça interessante e, também, inesperada pela forma como é narrada. Hoje em dia, com tantas formas de viver o amor, que se dizem amor, nem todas o serão verdadeiramente, perante um tempo e reações humanas que atropelam o amor na sua essência. O que lhe parece e acrescenta a esta tese? De facto, há muitas formas de viver o amor e, tal como na peça citada, há obstáculos que fazem com que nem sempre se esteja junto e reunido. Constatando na sua pergunta outros atropelos do amor, pode-se falar das violências como a doméstica, que sempre existiu. Hoje em dia é denunciada, porque constituiu-se como um crime público, por isso sabemos de tantos casos. Mas não acredito que hoje haja mais casos do que antes. Há demasiados! E um só femicídio já seria demasiado. Ao denunciar-se alerta-se para o problema, e isso é bom. Há, realmente, coisas que nos deixam muito preocupados, como por exemplo o facto da violência doméstica aparecer logo no namoro. E não ter sido logo denunciada, sabendo-se que é tão errada e tão absolutamente abominável. Como é que continua a existir e, ainda para mais, nos jovens?! Que deviam estar reunidos, como diz, por outros valores assentes no amor verdadeiro. O ser humano é feito de enormes contradições. Diz que quer a paz, mas temos a guerra tão perto de nós. Isto tem a ver com as enormes contradições do ser humano e com um tempo em que as pessoas estão viradas para si mesmas com egoísmo. Fala-se, como nunca, do «autocuidado». Há publicidade de marcas cujo lema é “porque eu mereço”. Ou seja, as pessoas estão voltadas ainda mais para a sua individualidade. A História recente ensina-nos que é global e que estamos todos dependentes uns dos outros. Portanto, são as contradições que a espécie humana sempre se defrontou, agora com novas formas. Ora foi na televisão que começou por se evidenciar. Do que se recorda e o que destaca da sua experiência vivida na RTP antes e depois do 25 de Abril? Antes do 25 de Abril – já que entrei em 1/01/1973 – eu era apenas locutora, embora já tivesse realizado algumas entrevistas a pedido de alguns realizadores, sobre cultura. Antes da Revolução, a RTP tinha muitos programas culturais: o magazine de artes plásticas, o magazine de cinema, o magazine de teatro, o magazine literário, etc. Eu normalmente participava nesses programas, o que foi bom, porque deu-me mais contacto com esse meio que é algo que sempre me interessou. Portanto, antes do 25 de Abril eu não era jornalista, porque como toda a gente sabe havia censura em todo o lado. Só me tornei jornalista, depois de ser locutora, após o 25 de Abril. Esse feito torna-se assim marcante na minha vida e na minha carreira. Como jornalista, tive a sorte e o prazer de poder trabalhar em liberdade e com total liberdade de opinião e expressão. Isso foi fantástico! A par da carreira televisiva, também foi assessora de imprensa de Maria de Lourdes Pintasilgo. Como descreve essa sua função e como foi trabalhar com aquela que foi a única mulher primeira-ministra em Portugal? Para mim não foi grande surpresa, porque eu já era amiga dela. Conheci-a quando era estudante de liceu, quando tinha 13-14 anos, porque colaborava em algumas atividades do movimento católico a que ela pertencia, o Graal, e que ela trouxe para Portugal. Continuei a participar em muitos encontros do Graal, sobretudo nas férias escolares, nomeadamente em campanhas de alfabetização, a título gratuito e junto das camadas mais desfavorecidas. Uma que me recordo, em que estive mais envolvida, foi a que se realizou nas fábricas de conservas do Algarve, tanto na Fuzeta como em Olhão. Essa foi uma experiência muito positiva, em que demos algo que sabíamos – ler e escrever – às operárias que não o sabiam. Esta partilha foi muito importante para mim e que pautou toda a minha vida. Temos de ter esta dimensão que podemos contribuir, por pouco que seja, para melhorar a vida dos outros. Seja a nível financeiro seja a nível intelectual. Esta é uma dimensão fundamental, a da solidariedade. Eu já tinha, portanto, esse contacto com a Eng.ª Maria de Lourdes Pintasilgo e que continuei como sua assessora de imprensa, sendo então a única com essa função. Pois era um tempo em que função ainda não era norma, eram poucos os existentes na sociedade. Contudo, eu retenho mais a minha ligação a ela através das atividades que fizemos juntas no Graal, do que por essa atividade na política. Exerceu, igualmente, a diplomacia ao ser conselheira nas Embaixadas de Portugal em Madrid e, depois, em Londres. Olhando à época e à atualidade dessa missão, como estamos diplomaticamente pelo mundo? Convém referir que em Londres fui conselheira cultural de 2004 a 2006, portanto já lá vão 19 anos em que saí. Eu era equiparada a diplomata, mas as minhas funções eram técnicas, de conselheira. Primeiro, em Madrid, era conselheira de imprensa. A minha função era fazer melhorar a imagem de Portugal junto dos órgãos de comunicação social espanhóis e, depois, dando a conhecer as atividades culturais do nosso país em Londres. Algo que me penalizou bastante é que não tínhamos – e penso que continuamos a não ter – muitos meios, sobretudo financeiros, para podermos promover a nossa cultura no estrangeiro, como seria desejável. Independentemente da nossa diplomacia, que procura apoiar, há uma enorme massa associativa de portugueses nos países onde se encontram a viver e a trabalhar. Esse cimento é, sem dúvida alguma, o mais interessante. Foi, ainda, deputada na Assembleia da República. Quase 25 anos depois, manteria as suas posições de então? Porquê? Fui deputada a convite do Dr. Durão Barroso, que me pareceu que tinha um projeto interessante para Portugal. Infelizmente, ele esteve pouco tempo como primeiro-ministro e, ao partir para Bruxelas, não teve ocasião de lançar esse seu projeto. Para mim, sinceramente, o ser deputada no Parlamento foi das experiências profissionais menos interessantes que tive! Isto porque fui deputada independente e, de um modo geral, os partidos políticos detestam deputados independentes. Se puderem, até, não lhes facilitam nada a vida! Tive muito pouca possibilidade de dar o meu contributo, que não era pedido tanto como eu desejaria, e esse período foi bastante frustrante, para dizer a verdade. E não foi apenas na sua ala, mais à Direita. Recordo-me que, numa ala mais à Esquerda, houve uma outra deputada independente, a Dr.ª Matilde de Sousa Franco e a convite do PS, que enquanto tal teve uma tarefa muito complicada… Ou, se quisermos outro exemplo nessa bancada parlamentar, o Vicente Jorge Silva, que foi deputado independente ao mesmo tempo que eu. E que também não conseguiu fazer nada, porque não nos deixavam. Os partidos estão completamente monopolizados pelos militantes antigos e que internamente vão subindo nos seus diversos patamares, o que é legítimo. Mas, depois, os presidentes dos partidos ou os secretários-gerais convidam pessoas com atividade pública, da Sociedade Civil – como se diz –, pensando que isso é um contributo positivo e justamente que não vão só a pensar na sua carreira, para trazer outra abertura de pensamento. A verdade é que os partidos não gostam desses convites. A coexistência entre os deputados independentes e os deputados que já estavam dentro do partido é muito difícil e muito frustrante. Em termos de saúde, é público que tem fibromialgia, tendo, inclusive, o seu livro «Viver com Fibromialgia». Como é lidar com este diagnóstico e que ensinamentos deixa com essa publicação? O ter tornado público que sofria de fibromialgia, e coincidentemente na mesma altura em que a Dr.ª Margarida Durão Barroso também o fez, foi algo que mudou a minha vida para sempre. E ter o apoio da mulher do primeiro-ministro foi importante. Não há praticamente dia em que eu não encontre alguém que se dirija a mim por causa da fibromialgia. É algo que me acompanha, não só porque sou doente, mas também porque as pessoas me associam a ela. Basta o facto de ser uma doença desconhecida, de não se saber a causa da mesma e, assim sendo, não poder ter cura. Portanto, as pessoas estão sempre ansiosas em partilhar as estratégias e as dicas de como viver melhor com fibromialgia. É, igualmente, um pouco frustrante, porque não há muito a fazer. É preciso ter muita paciência e saber viver com ela! Mais uma vez, este é um modo que me faz sentir solidária, não só com as pessoas que sofrem da mesma doença, que – como é sabido – provoca bastante dor e muito continuada, como de outras doenças em que está envolvido o sofrimento. É algo desagradável, porque é uma doença, mas que me aproximou muito das outras pessoas, por ser sensível à dor humana. A fibromialgia atinge sobretudo as mulheres – 90% dos casos são femininos – e constantemente eu percebo, até pelo olhar, que uma mulher vem ter comigo para me falar disto. É algo que acontece diariamente! Essa situação aborrece-lhe, pelo facto de ser figura pública? Não, de todo. Isto não me custa fazer, porque me sinto útil. Até porque é uma doença que pouco se sabe sobre ela. Qualquer doença cuja causa não seja conhecida é, depois, suscetível de ser encarada com muito charlatanismo. Inventam-se mezinhas só para se ganhar dinheiro fácil e para enganara as pessoas, fazendo-as gastar dinheiro, coitadas, com tanta falta dele!... Com esses pretextos de benefícios que não existem. Portanto, eu sinto-me útil em, sempre que posso ajudar e esclarecer de algum modo as pessoas. Também publicou «40 Anos do SNS». O que destaca dessa análise? E se pudesse mudar/melhorar algo o que seria e como seria? O que se pode dizer, muito resumidamente, é o seguinte: não se podem resolver os problemas atuais do SNS com medidas avulsas. Não há hipótese! O SNS foi pensado há 45-46 anos para uma população muito mais pequena e com uma esperança de vida muito inferior àquela que se tem hoje! Mudaram as bases sobre as quais foi construído o SNS, mas mudaram tremendamente. É preciso refundar o SNS, tendo em conta essas variáveis tão importantes, para que ele volte a ter a capacidade de atingir os objetivos a que se propôs. Tal como está, não adianta pôr aqui mais médicos, pôr acolá mais enfermeiros, abrir e fechar urgências. Vamos ficar com os mesmos problemas, ou até com outros. Se se sabe desta necessidade, governo após governo, onde está o impedimento? É apenas falta de vontade política em reformar? Sim, porque se trata de falta de tempo. Os partidos todos governam a curto prazo, governam para a eleição seguinte, para o resultado da sondagem que vem depois. É, como diz, uma questão de vontade política séria, não é por terem nascido agora crianças na estrada ou dentro das ambulâncias do INEM. É mesmo preciso refundar, porque aquilo que mudou é enorme! Principalmente, porque as pessoas vivem mais e o período em que o fazem é quando têm mais doenças. E o SNS, tal como foi pensado, não tinha essa realidade. E escreve e assina, ainda, «Confissões de Uma Mulher Madura». Que confissões são essas? Haveria alguma que não tenha incluído no livro e que hoje não se importaria de incluir? Tenho outras obras, além dessas já referidas. Quanto às confissões, uma coisa atual que acho que todos temos de pensar e que a mim me interessa muito é a negligência. É a falta de medidas políticas – e quando o refiro não são só alusivas ao Governo, mas à sociedade civil – para nos permitir ter uma vida melhor. Não adianta viver mais anos, uma vida mais longa – com uma média de esperança de vida de 80 e tal anos, mais nas mulheres –, se os últimos anos forem vividos com má qualidade. Como é o caso! Nós, portugueses, temos uma das maiores esperanças de vida do mundo mais desenvolvido, mas temos uma das piores velhices, com mais doença. É preciso dar qualidade de vida às pessoas antes de chegarem aos cuidados paliativos! É preciso ensiná-los a comer, a mexer-se, a terem dinheiro para os remédios todos que necessitam, a optar por aquilo que comprar. Portanto, há muito coisa a fazer! Nesses trabalhos que exerceu, recorda-se de algum em particular que tenha passado em Gondomar? Que memórias lhe traz este concelho e/ou aquilo que dele conhece? Não tenho ideia de ter tido qualquer trabalho nesse vosso local. Mas o que conheço é a beleza cultural de Gondomar, desde os trajes tradicionais à ourivesaria. Aquilo que Gondomar me lembra é uma grande beleza e qualidade estética, uma grande especificidade, uma identidade muito forte! E com um cunho estético muito acentuado, pois é muito importante para todos nós sermos rodeados de beleza. Em mês de dezembro e do Natal, de que modo vive as tradições natalinas e o que mais privilegia nesta época? A Família, sem dúvida, é o que mais privilegio! Gosto muito do Natal e tento cumprir todas as tradições, que já vivia com os meus pais e em que eu era a filha mais velha. Agora sou a única. Mesmo assim, tento manter essas tradições e passar tempo de qualidade com a família nesta época. Felizmente que ainda o posso fazer. E, depois, de manter todas aquelas coisas que nós gostamos, como o peru na consoada – a tradição desde pequena é comê-lo no dia 24 à noite. Eu acabo por fazer vários natais nesta altura, para poder estar com os meus sobrinhos e a minha neta. (risos) No que toca ao dia 25, dia de Natal, o nosso almoço habitual é bacalhau no forno com broa, não o bacalhau cozido tradicional. Acha que se não houvesse tanto consumismo e ruído comercial viver-se-ia melhor o espírito natalício com o nascimento de Jesus? Eu sou casada com um norte-americano, como se sabe, e nos EUA esse consumismo e ruído comercial que aborda começa logo em junho. Parece, de facto, haver cada vez mais esse espírito comercial. Mas, na verdade, recordo-me de um poema muito bonito de António Gedeão, que penso ter sido escrito nos anos 50-60, e que fala precisamente desse furor comercial no Natal. O poema é contra isso! No fundo, essa vertente comercial sempre existiu. E existe mais ainda no Ocidente. Idealmente, deveríamos suprimir esse aspeto comercial para viver mais e melhor a essência do Natal, o nascimento de Jesus, e a celebração com a família. Mas continuo a achar que uns fazem mais isso, outros menos. Felizmente, na sociedade portuguesa, sinto que o espírito natalício ainda está muito presente. Para concluir, e em jeito motivacional e apelativo aos valores que não se devem/podem perder, que mensagem primordial deixa para o novo ano? Tal como a maior parte das pessoas, penso eu, desejaria que encontrássemos a paz, sobretudo aqui na Europa. Mas vejo-a muito difícil. Portanto, não estou muito otimista a nível global e a nível político. Resta-nos, assim, a cada um de nós viver em harmonia e o mais próximo possível da nossa família e dos nossos amigos, num espírito de solidariedade que nos envolva a todos. Acho que isso é, para já, o mais importante.